Bionegócios, o futuro do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Primeiro foi a Xylella fastidiosa, que teve suas entranhas reviradas pelo avesso por cientistas brasileiros, que mapeaream por completo seu DNA. Agora vamos dissecar a Xanthomonas axonopodis pv citri, agente causal do cancro cítrico. Vitória é um bezerro clonado pela Embrapa, que demonstra o quanto pode ser obtido quando se investe em cientistas de valor. Além de valorizar nosso potencial, essas e outras pesquisas têm um traço comum: estão sinalizando o futuro, um cruzamento entre biodiversidade e biotecnologia, que vai criar o bionegócio, talvez o componente mais importante do agronegócio do futuro. Continuaremos a produzir grãos, frutas e hortaliças, a criar porcos, galinhas e bois, mas com um toque cada vez mais futurístico. Além de alimentos e fibras, missão milenar da agricultura, vamos produzir medicamentos, vacinas, cosméticos e agrotóxicos. O Brasil tem enormes vantagens comparativas no limiar da reconversão dos negócios agropecuários – a maior biodiversidade do planeta, e o cabedal científico para transforma-la em negócio rentável.  
     
  A, C, G, T
As características dos organismos vivos são determinadas pelo seu código genético, herança de seus pais. Ele pode ser comparado a um programa de computador, onde cada comando representa uma ação diferente que o computador realiza. A estrutura molecular do DNA parece um zíper, onde cada dente é representado por uma de quatro letras (A, C, G ou T), formando pares (AT ou GC), das substâncias Adenina, Citosina, Guanina e Timina. A informação contida no DNA é determinada pela seqüência de letras. Se fossem algarismos como 1, 2, 3, 4, as combinações 1234, 2341, 3241, 4123, 3124, 1342, 1324 seriam números diferentes, e representariam instruções diferentes. Decifrando esse segredo é que os cientistas transformarão seqüências proteicas – os genes - em bionegócio, permitindo que substâncias armazenadas por milhões de anos no interior de organismos vivos possam ser úteis à Humanidade.
     
Biodiversidade
Quem não conhece um uso medicinal ou estético de uma planta? Quem circulou pelo Pantanal sabe que Viagra de caboclo atende pelo nome de "nó de cachorro", ingerida com cachaça que ninguém é de ferro. Se não servir para tanto, a Unifesp garante que há substâncias extraídas da planta que combatem a fadiga e aguçam a memória. E daí? Daí que os cientistas viram nisso um enorme potencial para produzir medicamentos que combatam o mal de Alzheimer, um mercado de mais de US$3 bilhões/ano. Um exemplo isolado? Não, certamente você já ouviu falar de unha de gato, que ativa o sistema imunológico; ou de pedra ume, para tratamento do diabetes; de copaíba, um antibiótico ou do anestésico jambú. Exemplos abundam, porque o Brasil detém um quarto da biodiversidade mundial. A Suíça, maior renda per cápita do mundo tem apenas uma planta endêmica do país. A poderosa Alemanha nem chega a 20. O México, com sua grande extensão geográfica, tem 3.000. Só na Amazônia o Brasil passa de 20.000. E temos os Cerrados, a Caatinga, o Pantanal, a Serra do Mar, os banhados do Sul.
 
     
  Potencial
Cerca de 75% dos ingredientes ativos dos medicamentos mais potentes são derivados de plantas, ou foram inspirados em substâncias nelas existentes. Entretanto, 95% da flora mundial sequer foi estudada, e menos de 1% vem sendo aproveitada pela farmacologia. E esse aproveitamento marginal gera negócios que se aproximam dos US$800 bilhões. Caso computemos o valor futuro da biodiversidade brasileira, em função de sua funcionalidade e do espaço negocial que pode ser ocupado por ela, chegaremos a alguma coisa além dos US$2 trilhões, enquanto o PIB nacional pré crise energética mal roça 25% desse valor. Essas cifras indicam que investir, digamos, 0,5% desse valor ao longo dos próximos anos será a garantia do porvir das novas gerações de brasileiros, desde que algum cérebro iluminado bem postado nos escalões governamentais consiga assestar sua luneta para o futuro e enxergar o cavalo que vai passar encilhado.

Bio-fábricas

Décio Luiz Gazzoni

  Ontem foi Vitória, a primeira bezerra clonada no Brasil pelo Dr. Rodolfo Rumpf, cientista da Embrapa. Agora estão sendo introduzidos em células animais genes que codificam para proteínas de interesse farmacológico, pelo Dr. Rumpf e por outros cientistas da Embrapa. Essas proteínas passariam a fazer parte do leite produzido pelos animais. Nos laboratórios do Cenargen (Embrapa em Brasília) já existem células transgênicas de vacas e ovelhas que possuem código genético alterado para cumprir essa função. Numa ponta está a inovação científica, na outra o bio-negócio representado pela primeira plataforma latino-americana de produção de animais transgênicos. A Embrapa já tem fibroblastos transgênicos de animais adultos, onde foi inserido um gene marcador, técnica utilizada para garantir que o gene que se pretende esteja efetivamente incluído no código genético.

 

Bio-fábricas animais
Enquanto as bio-fábricas vegetais começam a se multiplicar em diversos países, produzindo inúmeras substâncias de interesse industrial ou farmacológico, são poucos os casos concretos de bio-fábricas animais, por ser uma tecnologia mais complexa. Um dos raros exemplos é a PPL Therapeutics, que associada ao Instituto Roslin (Escócia), foi a responsável pela primeira clonagem em 1997, que gerou a ovelha Dolly. Com o uso de animais, é possível produzir as proteínas com alto grau de pureza, a um custo muito inferior ao das instalações industriais, e com um impacto ambiental mínimo. A lógica de utilização não passa pelo consumo direto do leite produzido pelos animais transgênicos, que seriam a usina ou bioreator de síntese, no equivalente do processo industrial. A partir da obtenção, o leite (ou outro produto animal) passa a ser tratado como matéria prima para a extração, purificação e formulação das substâncias nas quais se tem interesse.
 

 

  Obtenção de medicamentos
O leitor bem informado sabe que, atualmente, a maior parte da insulina disponível nas farmácias para o atendimento de portadores de diabetes, é obtida a partir de bactérias patogênicas (Escherichia coli), que foram transformadas por transgênese para atender a características desejáveis como expressão da insulina, alta produtividade, e adequação à escala industrial. Uma vez sintetizada a insulina nas bactérias, o processamento segue a rotina industrial. No caso das células animais que estão sendo produzidas pela Embrapa, já estão incorporados genes para a expressão de duas substâncias farmacologicamente ativas: um anticorpo com habilidade para reconhecer determinadas células cancerosas, e que será destinado ao combate a certos tipos tumores malignos; e a antritripsina, utilizada no tratamento da fibrose cística.

Aceitação
Embora estejamos ainda no pré-alvorecer da era biotecnológica, alguns cenários começam a delinear-se com nitidez. A opinião pública vem recebendo com reações de cautela e receio a inclusão de OGMs na dieta alimentar. No caso europeu, a reação é crescente, no sentido de rejeitar os alimentos provenientes de plantas ou animais transgênicos, em função de eventuais riscos à saúde humana ou ao meio ambiente. Entretanto, no caso de medicamentos, a reação tem sido inversa, ou seja, a sociedade tem aceitado de forma otimista a utilização de plantas e animais, inclusive de microrganismos, para produção de fármacos. Uma possível explicação para esse fenômeno é que a opinião pública, em especial os formadores de opinião, pertencem às classes média e alta da sociedade, constituída de pessoas muito bem alimentadas, quantitativa e qualitativamente. Portanto, não há necessidade de correr qualquer risco adicional, eis que não existe possibilidade de falta de alimento para esse grupamento social. No caso de medicamentos, a sua falta atinge todas as classes sociais, inclusive os formadores de opinião, que assumem então uma postura favorável, pois o medicamento salva sua vida, que é única, não há segunda chance. Esse fato sinaliza um futuro promissor, tornando os bio-negócios um componente essencial dos agronegócios do futuro.
 

Pajelança biotecnologica

Décio Luiz Gazzoni

A biotecnologia será tema recorrente na agenda dos produtores e criadores, porque vai ocupar um espaço cada vez maior entre os atores do agronegócio. A biotecnologia não se resume apenas as variedades transgênicas que as universidades, a Embrapa e outros institutos estão produzindo. O tema é muito mais amplo e envolve diversas práticas agrícolas e pecuárias, ou mesmo a forma de produção de insumos para a produção. A biotecnologia será uma ferramenta muito importante na substituição de práticas já consagradas, mas que tenham determinadas deficiências técnicas, ou que necessitem de modernização para atender aos padrões de conformidade internacional, ou mesmo aos reclamos dos consumidores.   Composto poliprobiotico
Uma empresa de Jaboticabal, norte do Estado de São Paulo, desenvolveu um composto para uso na pecuária leiteira, que é um exemplo de como a biotecnologia interfere nas práticas, usos e costumes da nossa agricultura. O composto contém oito espécies de microrganismos (fungos, leveduras e bactérias), substâncias orgânicas (enzimas), macronutrientes (cálcio e fósforo) além de micronutrientes. De acordo com o fabricante, a idéia é reduzir o uso de hormônios e de medicamentos tradicionais na produção leiteira. Com o pomposo nome genérico de composto poliprobiótico, o produto se destina a melhorar o processo digestivo dos ruminantes, o que implica em melhor aproveitamento dos alimentos e nutrientes, ao tempo em que provoca a eliminação de bactérias e outros organismos patogênicos.
  Melhoria sanitária
Qualquer criador sabe que animal bem nutrido é meio caminho andado para um elevado estado sanitário do rebanho. Então o melhor aproveitamento dos nutrientes já eleva de per se a condição sanitária, porém a eliminação dos agentes causais das enfermidades também é possível, e ocorre ainda no trato digestivo dos animais. Os veterinários explicam que dois mecanismos principais estão envolvidos: o primeiro é a competição, ou seja, os microrganismos ingeridos junto com o composto competem com os patogênicos, e ocupam o seu espaço no estômago e outros órgãos do aparelho digestivo; o segundo é através da assepsia interna, por produção de H2O2, ou peróxido de hidrogênio (que você deve conhecer pelo nome comum de água oxigenada), um poderoso antisséptico, que elimina as bactérias nocivas.

 

Menos medicamentos
De acordo com o fabricante, a redução da população e mesmo a eliminação das bactérias e outros organismos patogênicos diminui a incidência de moléstias como a acidose e a diarréia, e de problemas gastro-intestinais. Um efeito colateral benéfico é o cessamento da produção de determinadas substâncias voláteis, que conferem mau odor penetrante às fezes de animais doentes, e que servem de atrativo para moscas que infestam os currais. É sempre bom lembrar que as moscas são importantes vetores de moléstias do gado, inclusive da mastite. Assim os produtores podem eliminar ou diminuir drasticamente o uso de hormônios na fase de secagem do leite, ou os medicamentos para o tratamento da mastite.
  Outros usos
A aplicação da biotecnologia na produção de compostos poliprobioticos não se esgota na pecuária de leite. Estudiosos já estão descobrindo as vantagens de sua incorporação na dieta alimentar das avestruzes, ou mesmo para a suinocultura, que tem na poluição causada por dejetos um de seus principais problemas. O princípio é o mesmo descrito acima, e pode significar não apenas a solução de alguns problemas sanitários, porem a via de ingresso em nichos de mercado que crescem aceleradamente, como é o caso da pecuária orgânica. Assim como no caso da agricultura, existe uma massa crescente de consumidores que estão se convertendo à alimentação natural, ou com um mínimo de insumos químicos. Nesse caso, a biotecnologia, que tem gerado reações adversas de ONGs e de parcela de consumidores, que vêem riscos desnecessários em alimentos provenientes de plantas e animais transgênicos, atua em sentido contrário, justamente eliminando eventuais contaminantes químicos e biológicos em alimentos.

Bionegócios, o futuro do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Primeiro foi a Xylella fastidiosa, que teve suas entranhas reviradas pelo avesso por cientistas brasileiros, que mapeaream por completo seu DNA. Aproveitando o embalo, vamos dissecar a Xanthomonas axonopodis pv citri, agente causal do cancro cítrico, sob a batuta do professor Jesus Ferro. Na área animal, Vitória é um bezerro clonado pela Embrapa, que descortina o potencial que pode ser despertado do berço esplêndido quando se investe em cientistas de valor. Essas e outras pesquisas têm um traço comum: elas sinalizam o futuro, um cruzamento entre biodiversidade e biotecnologia, que vai criar o Bionegócio, talvez o componente mais importante do Agronegócio no futuro próximo. Continuaremos a produzir grãos, frutas e hortaliças, a criar porcos, galinhas e bois, mas com um toque cada vez mais futurístico. Além de alimentos e fibras, missão milenar da agricultura, vamos produzir medicamentos, vacinas, cosméticos e outras substâncias da química fina do III Milênio. O Brasil tem, novamente, enormes vantagens comparativas no limiar da reconversão dos negócios agropecuários – a maior biodiversidade do planeta, e o cabedal científico para transforma-la em negócio rentável.   A, C, G, T
As características dos organismos vivos são determinadas pelo seu código genético, herança de seus pais. Ele pode ser comparado a um programa de computador, onde cada comando representa uma ação diferente que o computador realiza. A estrutura molecular do DNA parece um zíper, onde cada dente é representado por uma de quatro letras (A, C, G ou T), formando pares (AT ou GC), e representam as substâncias Adenina, Citosina, Guanina e Timina. A informação contida no DNA é determinada pela seqüência de letras. Se fossem algarismos como 1, 2, 3, 4, observe que as combinações 1234, 2341, 3241, 4123, 3124, 1342, 1324 seriam números diferentes, e representariam instruções diferentes. É através da descoberta dessa combinação que um cientista transforma seqüências protéicas – os genes - em bionegócios do III milênio, permitindo que substâncias armazenadas por milhões de anos no interior de organismos vivos possam ser úteis à Humanidade.

Biodiversidade

Indo do microscópico para o macroscópico, quem não conhece um uso medicinal ou estético de uma planta? Quem circulou pelo Pantanal sabe que Viagra de caboclo atende pelo nome de "nó de cachorro", ingerida com cachaça que ninguém é de ferro. Se não servir para tanto, a Unifesp garante que há substâncias extraídas da planta que combatem a fadiga e aguçam a memória. E daí? Daí que os cientistas viram nisso um enorme potencial para produzir medicamentos que combatem o mal de Alzheimer, um mercado de mais de US$3 bilhões/ano. Um exemplo isolado? Não, certamente você já ouviu falar de unha de gato, que ativa o sistema imunológico; ou de pedra ume, para tratamento do diabetes; de copaíba, um antibiótico, ou do anestésico jambú. Exemplos abundam, porque o Brasil detém um quarto da biodiversidade mundial. A Suíça, maior renda per cápita do mundo tem apenas uma planta endêmica do país. A poderosa Alemanha nem chega a 20. O México, com sua grande extensão geográfica, tem 3.000. Só na Amazônia o Brasil passa de 20.000!   E temos os Cerrados, a Caatinga, o Pantanal, a Serra do Mar, os banhados do Sul. Cerca de 75% dos ingredientes ativos dos medicamentos mais potentes são derivados de plantas, ou foram inspirados em substâncias nelas existentes. Entretanto, 95% da flora mundial sequer foi estudada, e menos de 1% vem sendo aproveitada pela farmacologia. E esse aproveitamento marginal gera negócios que se aproximam dos US$800 bilhões/ano. Caso computemos o valor futuro da biodiversidade brasileira, em função de sua funcionalidade e do espaço negocial que pode ser ocupado por ela, chegaremos a alguma coisa além dos US$2 trilhões, enquanto o PIB nacional pré crise energética mal roça 25% desse valor. Essas cifras indicam que investir, digamos, 0,5% desse valor na ciência brasileira, ao longo dos próximos anos, será a garantia do porvir das novas gerações. Basta que algum cérebro iluminado, bem postado nos escalões governamentais, consiga assestar sua luneta para o futuro e enxergar a manada de cavalos que vão passar encilhados.

Potencial de desenvolvimento

É cristalina a mudança do paradigma da base geradora de inovações nos agronegócios, que se desloca da área química para a bioquímica avançada, alicerçada na biotecnologia. Mais que deter o conhecimento sobre a substância química importa dominar o gene. Assistiremos a uma verdadeira enxurrada de patenteamento de genes que codificam para substâncias com potencial mercadológico. No novo paradigma, os vegetais (e os animais) substituem em grande parte as complexas instalações industriais, fonte de riscos e de poluição, além de ineficientes do ponto de vista econômico, se cotejadas com as "fábricas vivas". À indústria caberá a parte final do processo: extração, purificação, formulação, embalagem, posto que a síntese ocorrerá nos campos. O Brasil ainda tateia em busca de seu modelo de desenvolvimento científico, em especial para aproveitamento de sua biodiversidade. No momento vivemos a era da Medida Provisória que veda qualquer intercâmbio de material genético.   Melhor assim que a bio-pirataria deslavada do passado recente. Porém atitudes como essa devem servir apenas como pausa obrigatória para gerar um modelo que permita transformar vantagens comparativas em oportunidades competitivas. O tripé gerador de negócios passa pela prospecção da biodiversidade, pela capacidade científica instalada para perenizar o ciclo frutuoso da geração da informação até o desenvolvimento tecnológico, finalizando pela concretização da instalação industrial que vai permitir transformar biodiversidade não apenas em produtos comerciais, mas em progresso, desenvolvimento, recursos para educação, segurança, saúde e melhoria da qualidade de vida do país.

 

Investir no futuro
Não basta apenas mapear nossos campos, rios e matas, embora essa seja uma atividade essencial, alicerce do processo de formação do conhecimento. Uma vez identificado nosso banco genético, é necessário associar um organismo a um uso potencial, navegar nas suas correntes de DNA para entender como Deus arquitetou a micro-indústria no âmago das células. O mapeamento genético tem a função de descrever a seqüência de bases protéicas, ou seja, desvendar o segredo como uma substância é sintetizada. A partir dessa informação básica, a ciência pode transformar, transferir, amplificar ou tomar qualquer procedimento que permita atingir o objetivo de produzir a substância desejada. Obtida a nova configuração do organismo, compete a outro grupo de cientistas desenvolver um sistema de produção competitivo, ou seja, associando qualidade esmerada com alta rentabilidade.

O espaço negocial

Parcerias serão formadas envolvendo os diversos elos da cadeia, de maneira a garantir o fornecimento do produto final com alta qualidade. Em especial, institutos de pesquisa e desenvolvimento estarão associados a produtores, por sua vez concatenados a grupos de processamento, para garantir o fluxo produtivo. A área farmacológica é a que apresenta, no momento, melhores perspectivas, pela tradição de uso de produtos derivados de plantas. A expansão dos negócios cunhou a expressão "nutracêutica", o que significa que o produto tanto cumpre uma função nutritiva quanto farmacêutica.   Por exemplo, é possível produzir hormônio de crescimento humano a partir de plantas édulas, sendo que o custo atual de um quilo do hormônio é de US$20 milhões. O taxol, anticancerígeno, vale US$12 milhões por quilo. Vacinas também poderão estar presentes na batata ou na alface, que aliarão as funções nutritivas às medicinais. Além desses exemplos, existem diversas plantas que possuem ingredientes ativos usados na indústria de cosméticos, ou de produtos de limpeza. Sem esquecer do potencial não perscrutado para uso agrícola, como novas plantas ornamentais, ou a produção de substâncias com potencial inseticida, fungicida ou nematicida.

Visão estratégica

O Brasil tem à sua frente mais uma daquelas grandes oportunidades que o bom Deus lhe reservou, a partir das suas condições naturais. Embora nosso país esteja postergando a decisão de assumir o comando da locomotiva do agribusiness global, os econegócios e os bionegócios constituem vagões importantíssimos da composição chamada agronegócios, porque potencializará não apenas o espaço de negócios, mas também o volume de recursos envolvido nas transações comerciais. Isso porque o segmento de bionegócios possui um valor agregado muito maior que os agronegócios tradicionais, em especial quando substâncias com ação farmacológica estiverem envolvidas. Podemos criar diversos nichos mercadológicos associados a especializações dos bionegócios, e assumir uma liderança clara no setor, desempenhando um papel crucial no contexto do intercâmbio comercial e do fornecimento de produtos essenciais.   Equivaleria a deter o comando do segmento de energia, como a OPEP, ou dominar a indústria eletrônica, que são dois outros negócios vitais nesse começo de século. Para que essa visão de futuro tenha uma probabilidade de êxito é necessário agir estrategicamente nesse período de incubação, quando os bionegócios buscam seu rumo. A FAPESP vem dando sua contribuição, financiando grupos científicos que operam na fronteira da ciência, e o CNPq lança um programa de R$240 milhões para incentivar a pesquisa biotecnológica, um dos fundamentos dos bionegócios. A Embrapa investe com carinho em cérebros dedicados à genômica. Entretanto, é fundamental que a Nação disponha de uma política de longo prazo, consensuada entre os diferentes segmentos da sociedade, e buscando incentivar com equilíbrio cada um dos alicerces desse novo ramo negocial. O investimento de hoje, caso repouse em uma política focada na busca da liderança dos bionegócios, será o sustentáculo de um país melhor no amanhã.

Econegócio, um grande agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Por muito tempo o Brasil foi vilipendiado por poluir a atmosfera com as queimadas, mormente na Amazônia. Até teses de ocupação internacional (leia-se americana) da região foram aventadas, para enquadrar o "moleque rebelde". Até que estudos sérios demonstraram que 80% da poluição atmosférica mundial provém dos países ricos, metade dela concentrada nos Estados Unidos. Ao contrário do processo agrícola, o fulcro do problema está na atividade industrial, em especial as instalações antigas, pautadas em paradigmas superados de uso da energia e de conservação ambiental.    Cientistas e líderes políticos e privados rapidamente perceberam que o mundo todo estará ameaçado no curto prazo, se medidas urgentes não forem tomadas. Esse foi o mote do Encontro de Kyoto, que estabeleceu uma agenda para reduzir os dejetos gasosos na atmosfera, causa principal do aquecimento global, um Apocalypse now com data marcada, com poder de mudar a face do planeta.

Ameaça

Ocorre que o compromisso de cada um fazer o dever de casa implica em mudanças ponderáveis no xadrez do comércio internacional, por demandar pesados investimentos industriais para modernização industrial. Esses investimentos, destarte seu montante, não afetariam sensivelmente a produtividade industrial e a qualidade dos produtos, o que geraria um baque de competitividade pelo acréscimo de custos a amortizar no curto prazo. Aí a porca torceu o rabo, e desde então os países ricos agem feito avestruz, fugindo do problema como o diabo da cruz.   Os americanos inventaram um tal de Clean Air Act (Lei do Ar Limpo), em que reconhecem que algumas fábricas antigas não tem como modernizar-se e permanecer no mercado. Então se lhes é dada a oportunidade de fazer contrição e penitência, pagando uma taxa, que é utilizada para plantar árvores em algum lugar do mundo, como forma de limpar o ar que emporcalharam. É cristalino que esse paliativo não resolve um problema tão sério que o então candidato George W. Bush ouviu a voz rouca das ruas e assumiu o compromisso público e solene de implantar as recomendações de Kyoto assim que eleito.   Feito presidente, tratou rapidamente de pedir que esquecessem o que havia escrito, e declarou formalmente que não quer ser o coveiro da antiquada industria americana, logo ele proveniente do petrolífero Texas. Investir na preservação do ar puro pode ser um golpe na competitividade americana, que demoraria algum tempo para se recuperar, ferindo o orgulho da águia americana de ser sempre o maior e melhor. Mas quem vai primeiro respirar o ar empestado, e morrer de câncer derivado da poluição seguramente não serão os pigmeus africanos.

 Oportunidade

Se os industriais não vão fazer a lição de casa, embora de todo condenável, amplia-se a oportunidade de a agricultura reafirmar seu desígnio de ser uma atividade que limpa e purifica o ar, quando conduzida de acordo com os preceitos técnicos. É o que vem sendo chamado de Environmental Services, tendo até um segmento da economia (Environmental Economics) a fornecer o suporte teórico.   Os serviços ambientais significam que alguém vai pagar para outrem retirar poluentes da atmosfera, mantendo florestas, matas ciliares e até pomares ou reservas faunísticas, expandindo para o Mundo o Clean Air Act americano. E o assunto não é coisa de xiita ecológico nem de visionário futurista, mas assunto dos vetustos debates no FMI, nos templos do hard core do capitalismo americano, como Harvard ou Stanford. É o capitalismo selvagem elevado à última potência, sem qualquer trocadilho. Como qualquer coisa em economia, os serviços ambientais são determinados pela lei da oferta e da procura.   A sociedade mundial (excluída a americana, a crer nas palavras do presidente Bush) procura cada vez mais preservar o ambiente para as gerações futuras, gerando a "demanda ambiental". Como os EUA são a locomotiva industrial do planeta, e o maior poluidor individual, e se recusam a mudar o padrão emporcalhador de sua indústria, a oferta de ar puro diminui. Elementar, meu caro Watson: o preço sobe. Sobe no sentido de que paga-se coletivamente por um ar puro que será respirado individualmente.

 

Negócios ambientais
Se você mora em Piracicaba, deve ter reparado que paga um centavo por mês na conta de água para recuperar a mata ciliar do Capivari. Similarmente, o governo do Estado de Nova Iorque está investindo US$1 bilhão para recuperar as matas das montanhas Catskill, para economizar US$6 bilhões em tratamento de água. Decisão semelhante tomou a cidade de Campo Mourão-PR, em parceria com a Embrapa Soja, ao investir pesadamente em controle biológico na Bacia do Campo, não interessando a que preço, para poder ter água limpa nas torneiras. Se alguém está pagando, alguém está prestando um serviço, concretizando-se o negócio que tem um fundo ambiental. O International Institute for Environment and Development (IIED) está financiando 180 projetos do gênero no Mundo, com recursos públicos e privados, inclusive de investidores. Na Costa Rica, fazendeiros recebem US$100/ha líquidos mensalmente, para manter uma reserva de mata. É o dobro do que recebem na área que plantam! O tema já entrou na Bolsa de Valores. O pioneiro é a Earth Sanctuaries Ltd (Austrália), que recupera áreas degradadas, e depois cobra ingresso para visitantes. Pasme, porém acredite: no balanço da empresa consta US$24 milhões de ativos em ... animais selvagens!!!
  Carbono commodity
O III milênio vai nos reservar surpresas inimagináveis. Ou você havia sonhado com alguma coisa parecida com o carbono virando commodity (carbon credits)? O artigo 6 do Protocolo de Kyoto cria a oportunidade quando refere que "...as unidades de redução de emissão resultantes dos projetos que visam reduzir as emissões antropogênicas por fonte, em qualquer setor da economia, são negociáveis." O negócio é simples: se você quer continuar poluindo, é só pagar a alguém para que produza o equivalente em ar puro, em qualquer lugar do mundo. Está certo que parece que alguém pode pecar à vontade, desde que outrem faça a penitência em seu lugar, por um determinado preço, but business is business. Só o BIRD está investindo esse ano US$34 milhões em projetos do gênero. Na Internet começam a pipocar sites de negociação de créditos de carbono (www.carbonexchange.com, www.carbonmarket.com, www.carboncredits.com.ca). Na prática significa o seguinte: um investidor do Brasil pode captar um recurso de investimento de qualquer país que emporcalhe o ambiente, tipo os EUA, para plantar florestas ou pomares, desde que demonstre tecnicamente que vai retirar "x" unidades de gás carbônico do ar e devolver "y" unidades de oxigênio. Não precisa sequer ser proprietário da terra, pode até arrendá-la pelo tempo de duração do projeto, normalmente de longo prazo. Além de receber o dinheiro dos créditos de carbono, ainda dá para obter um lucro com a venda das frutas produzidas.

Baita negócio
Tanto é um bom negócio que tem peso pesado entrando nessa. Além da compra de créditos de carbono, ainda existem os serviços de auditoria e certificação, para garantir que tudo está conforme as disposições do Protocolo de Kyoto, o que também é um econegócio. Veja mais exemplos de projetos do gênero já em andamento:

1. Suncor, a companhia canadense de energia, comprou 100 mil toneladas de CO2 da congênere americana Niagara Mohawk Power Corp., com opção de compra de outras 10 milhões a partir desse ano. Esse foi um dos eco-negócios pioneiros. A redução de carbono vai acontecer com a mudança de carvão para gás natural como fonte energética da Niagara. A mesma Suncor também participa num projeto de conservação de florestas em Belize, onde comprou 400 mil ton de CO2.

2. A companhia de energia do Nebraska (Tenaska) investiu US$500 mil em florestas tropicais da Costa Rica, comprando o equivalente em créditos de carbono.

3. Os japoneses da Sumitomo desenvolveram uma engenharia digna dos nipônicos: vão auxiliar a recuperar os dinossauros energéticos russos, fornecendo equipamentos modernos, recebendo em troca o equivalente em créditos carbono para o Japão.

4. A Toyota não fica atrás e criou uma floresta modelo de US$800 mil, onde botânicos e geneticistas desenvolvem plantas transgênicas com maior capacidade de absorção de gás carbônico.

5. Na Inglaterra, a British Petroleum aproveita sua situação de multinacional para negociar entre as suas próprias filiais esquemas de purificação de ar, para garantir créditos carbono para as plantas industriais altamente poluentes do reino de Sua Majestade.

6. Na Austrália, a Pacific Power, a maior geradora de energia elétrica, comprou os créditos de carbono de uma floresta artificial de 1000 ha durante os próximos 10 anos, estimando-se que a floresta vá seqüestrar 250 mil ton de CO2.

E o Brasil?

Ao invés de apenas chorar o leite derramado, assinar notas de protesto contra o presidente Bush, devemos protestar (e violentamente!), mas também aproveitar a oportunidade. Está na hora de uma junção entre governo e iniciativa privada, para captar agressivamente os créditos carbono que começam a rolar pelo planeta, transformando-os em reflorestamento, em matas ciliares, em pomares de plantas perenes. É uma excelente oportunidade de atuar em duas pontas – o agronegócio e o econegócio – e beneficiar-se de ambos, tanto do ponto de vista ambiental quanto do econômico, com profundos reflexos no campo social (geração de emprego e renda) e na melhoria da nossa imagem na sociedade mundial. Novamente, o Brasil tem tudo para ser o líder do econegócios, como o tem para ser líder dos agronegócios. Vamos entregar o ouro de graça para os bandidos mais uma vez? Com a palavra lideranças públicas e privadas, de larga visão estratégica.

O clarão agrícola

Décio Luiz Gazzoni

O termo clarão é um contraponto ao apagão imposto à Nação brasileira que, a crer no consenso estabelecido pela opinião pública, deve-se ao mix entre a falta de apetite governamental por planejamento estratégico e a canina obediência aos ditames do FMI que impuseram equilíbrio fiscal e pagamento do serviço da dívida como a prioridade maior dos dispêndios governamentais. Sob essa ótica, qualquer investimento (e mesmo despesas de custeio) compete com o objetivo do bom desempenho financeiro. De sua parte, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás conta histórias cabeludas sobre o esforço feito nos bastidores para privatizar o setor energético, e viabilizar os depósitos de gás boliviano da Exxon, que só tinha um comprador no planeta: o Brasil. Bem, se a coisa ficou preta, então é missão para o Super Agricultor!   Arma 1: estrume
Sem qualquer intenção de humor mórbido, o esterco pode ser a opção primeira do agricultor, forçado a diversificar seu risco e sua matriz energética, para não ficar dependente do racionamento governamental. Já nos anos 80 a Embrapa investiu na técnica de biodigestores, cujo gás abastece um motor a combustão, que aciona a turbina geradora de eletricidade. Está salvo o leite no freezer, garantido o picador de ração. De quebra, resta o resíduo do bio-fertilizante, essencial para os adeptos da agricultura orgânica, e elimina-se uma fonte de poluição do ambiente.
  Arma 2: Álcool combustível
Para qualquer caboclo o álcool sempre foi o cavalo encilhado, cujo relincho estridente alguns insistem em não ouvir. Fonte renovável de energia, capacidade única de produção extensiva no mundo, mercado interno aberto, mercado externo ávido, crise recorrente nos combustíveis fósseis: com esses ingredientes o álcool brasileiro continua sendo uma excelente opção econômica e estratégica para permitir ao Brasil dar uma banana gigante à OPEP e outros cartéis. O fracasso do Proálcool não é um defeito congênito do álcool, é decorrente da irritante falta de visão de futuro, de investimentos em C & T, e de políticas públicas de interesse nacional. Com o barril de petróleo nas alturas, o do gás mais alto ainda, e a energia elétrica sem preço porque escassa, o cavalo continua relinchando para quem quiser ouvi-lo.

Arma 3: Bagaço de cana
Pasme o leitor, mas a maior parcela da energia potencial embutida na cana não está no álcool, porém no bagaço! A vantagem do álcool é a sua portabilidade e adaptabilidade a diferentes usos. O bagaço precisa ser transformado em energia in situ, porém é uma alternativa simples e econômica. Fontes do setor falam em potencial de geração de 1,7Mw com o resíduo e a tecnologia atual. Um investimento marginal em C & T poderia aumentar a produtividade em mais de 100%, transformando bagaço em gás. E uma política clara de incentivo à produção de álcool pode triplicar ou quadruplicar esse valor. O consumo brasileiro pré apagão é de 60 Mw, logo o potencial de geração de energia elétrica a partir do bagaço, no médio prazo, é de 15-20%.
  Arma 4: Casca de arroz
Os gaúchos, sempre eles, além de tetra-campeões da Taça Brasil, também colocaram o plug da tomada na casca do arroz. A usina pioneira localiza-se em Uruguaiana, e a tecnologia se assemelha ao aproveitamento do bagaço de cana. Uma tonelada de casca de arroz (23% do peso do arroz colhido) gera 1Mw, índice que pode ser melhorado com investimento em C & T, o que dá um potencial de atender a necessidade de energia da capital dos pampas apenas com a queima da casca de arroz das várzeas gaúchas.

 

 

 

 

  A Super Agricultura
A multifuncionalidade da agricultura transparece óbvia pois a destinação econômica (energética) de resíduos agrícolas incorpora valor à cadeia produtiva, permitindo (e até exigindo) o aumento da produção de biomassa. Enquanto a hidrelétrica não vem, podemos chegar ao inusitado de produzirmos arroz para usar a palha como fonte energética, e vender o grão como sub-produto econômico. Os 30 milhões de brasileiros que não tem sua dieta alimentar atendida agradeceriam penhorados.

 

 

 

 

O castigo divino

Décio Luiz Gazzoni

Relata a Bíblia, no livro do Êxodo, que Deus confiou a Moisés a missão de libertar o povo hebreu da opressão do faraó do Egito. Como o faraó não concordava com a saída dos hebreus, mão de obra escrava que sustentava a opulência da aristocracia egípcia, Deus enviou as dez pragas para convencê-lo a permitir que o Seu povo partisse. Uma das pragas foi o gafanhoto. Reza a Bíblia: "...se recusares, farei vir amanhã gafanhotos sobre o teu território. Cobrirão a superfície da terra de tal modo que se não poderá mais ver o solo. Devorarão o resto das colheitas, que escapou ao granizo, e devorarão todas as árvores de vossos campos. Encherão tuas casas, as casas de todos os teus servos e as de todos os egípcios. Será uma calamidade tão grande como nunca viram teus pais nem os pais de teus pais, desde sua chegada ao país até o dia de hoje." (Exodo 10, 4-6). Diz mais: "...e chegando a manhã, o vento do oriente tinha trazido os gafanhotos. Espalharam-se eles sobre todo o Egito, e invadiram todo o território egípcio em tão grande quantidade como nunca houve nem haverá jamais invasão semelhante: eles cobriram toda a superfície do solo, em todo o país, de modo que a terra se escureceu. Devoraram toda a verdura da terra e todos os frutos das árvores, que tinha poupado o granizo. Nada de verde ficou nas árvores, nem nas plantas do campo, em toda a extensão do Egito." (Exodo 10, 13-15)    

 

  Uma praga bíblica
Lembrei-me do texto bíblico com a rescidiva ortóptera, que no momento assola parte da Rússia, Equador e Perú. Aliás, nesse país, foi mais fácil livrar-se do Presidente Fujimori que da praga do gafanhoto. Praga endêmica de determinadas regiões, o gafanhoto migratório quando ataca traz devastação e fome, como já ocorreu inúmeras vezes na África e na Ásia. No Brasil, já tivemos diversos ataques intensos de gafanhotos, registrados desde o Sul até o Nordeste do Brasil. O último deles em 1994, trouxe sérios problemas aos estados do Centro Oeste, inclusive às reservas indígenas da região. Uma única nuvem de gafanhotos (durante um ataque migratório podem surgir dezenas de nuvens), com até 30km de extensão, consome ao longo de um dia 80 toneladas de partes de plantas, o que equivale a 4 caminhões possantes, carregados até a borda. Se a área atacada for de pastagens, ela é completamente dizimada. Em lavouras, o prejuízo econômico é muito maior, porque o gafanhoto ataca a parte reprodutiva da planta. Na soja, a praga ataca flores e vagens, como ocorre com o feijão de corda. No caso do milho, o gafanhoto rói a espiga, e em lavouras de arroz ele corta o cacho, derrubando-o no chão. Em um caso observado no Mato Grosso pelo Dr. Gilson Cosenza, cientista da Embrapa especializado em gafanhotos, apenas uma nuvem de gafanhoto destruiu 2.500 ha de lavoura de arroz, em apenas 4 horas, o que é estrago para caboclo nenhum botar defeito.

Manejo da praga
Com em todas as demais situações semelhantes, a Embrapa sempre busca um enfoque holístico para resolver mesmo os problemas mais intrincados. No caso do gafanhoto, desenvolveu um programa de manejo integrado, que tem obtido enorme sucesso. A primeira etapa do programa envolve o monitoramento da praga, a fim de detectar eventuais rebrotes, ou crescimentos anormais da população. Em função da população observada, e conjuminada com outras informações como clima e presença de hospedeiros, são aplicados os métodos de controle preconizados. A mais recente descoberta envolve o uso de um fungo entomopatogênico, ou seja, que ataca o inseto. Quando aplicado, ele permite controlar com eficiência a população dos gafanhotos, sem causar desequilíbrio ambiental. Com base nesse programa os gafanhotos vêm sendo controlados a contento, e o Brasil não sofre um ataque sério há 7 anos, desde que a Embrapa passou a monitorar as pragas, para detectar precocemente a sua aparição. O programa brasileiro desenvolvido pela Embrapa tem despertado o interesse internacional, e os cientistas da Empresa tem prestado consultoria a outros países que enfrentam o problema, tornando-se um ponto importante da agenda de cooperação internacional do Brasil.
 

QUAE SERA TAMEN

Décio Luiz Gazzoni

O inesquecível Mahatma Ghandi foi questionado por obtusos economistas que não enxergavam um palmo além do nariz, ou uma letra além do Manual, por que a Índia, um país pobre, com problemas sociais de toda a ordem, investia em educação, ciência e tecnologia o equivalente aos países de Primeiro Mundo. Com a inteligência, visão de futuro e clareza de objetivos que lhe eram característicos, o grande líder respondeu: "Justamente porque somos pobres. É nossa única via para um futuro digno". Em Pindorama, Zeferino Vaz, o mentor intelectual da Unicamp, e seu reitor por diversos mandatos, também foi instado a responder como transformaria em realidade o projeto da Unicamp, face à escassez de recursos financeiros. Sua inolvidável sabedoria extravasou na resposta: "Uma Universidade é feita com três requisitos básicos: Primeiro e acima de tudo com cérebros; em segundo lugar, com cérebros; e finalmente, com cérebros!".   A inteligência do Primeiro Mundo
Os dois pensadores rechaçaram o dogma de que os papéis planetários estão claramente definidos em que aos países ricos, centrais, cabe a liderança, a primazia e o domínio da informação, da tecnologia, o desvendar da fronteira da ciência. Aos países periféricos compete tão somente obedecer às regras estabelecidas pelos países ricos. Entre essas regras está a imutabilidade dos papéis e dos atores globais, mais rígida que o sistema de castas da Índia de Gandhi. E para mudar esse status quo, existe apenas um caminho que é o domínio da informação e da tecnologia. Como trilhá-lo? Investindo maciçamente em ensino, pesquisa, ciência e tecnologia. Que geram patentes. Que redundam em negócios. Que agregam valor. Que produzem emprego qualificado e renda. Que obtém divisas. Que qualificam o país. Que significam progresso, desenvolvimento, equilíbrio social.

 

Alemanha
O país dos tedescos é conhecido por seu viés xenofobista. Pode sê-lo, mas inteligência não falta a seus líderes, quando se propõem receber 50.000 imigrantes por ano. Qualquer um? Negativo, apenas pessoas com habilidade específica, jovens com um porvir a construir, trainees e recém doutores. A comissão liderada pela ex-presidente do Parlamento, Rita Suessmuth, também propõe o relaxamento de exigências para fixação no país de cientistas renomados. Não é uma proposta original, o Canadá já segue essa política. Nem é inovadora, é só lembrar a enxurrada de cérebros europeus que foi adotada pelos EUA, ao final da Segunda Guerra. Qualquer ilação entre o monstruoso desenvolvimento econômico desse país nos últimos 50 anos e o investimento em cérebros não é mera coincidência, é relação de causa e efeito mesmo.
  Brasil
O quadro geral, histórico e crônico, de defasagem de investimento em C & T no Brasil é conhecido por todos. Seleciono o exemplo do setor agropecuário, que é o nosso chão, para ilustrá-lo. A Embrapa tem sido cantada em prosa e verso pela excelência de sua contribuição à agropecuária brasileira, alavanca e motor do progresso setorial, responsável maior pela competitividade e sustentabilidade do setor, cujo PIB ultrapassa os 300 bilhões de reais. No entanto, sequer as provas irrefutáveis de sua competência são suficientes para flexibilizar políticas rígidas de contenção de despesas, sem atentar para os impactos nefastos que elas causam quando aplicadas tipo "caixa rasa". A década de 90 foi inaugurada com o seqüestro da poupança de todos, mas poucos se lembram do seqüestro não menos ignominioso nos índices manipulados para baixo, que surrupiaram a correção de poupança e de salários. A massa salarial dos cientistas da Embrapa sofreu um duro revés nesse período. Veio o Plano Real, acumulando uma inflação de 92,15% (FIPE/USP) ou de 108% (DIEESE). No mesmo período, foi concedido aos salários da Embrapa um reajuste de 78%, sobre uma base inicial deteriorada. O restantes escafedeu-se na insensibilidade às questões estratégicas do país, a mesma insensibilidade que gerou a crise energética. Para alertar o país sobre a política lesa-pátria, os cientistas da Embrapa usaram o recurso extremo da greve.

 

Reação
Perguntado (OESP, 5/7/01) sobre como evitar a fuga de cérebros do país, o Ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, transfere o problema à Academia. Pede que a Academia diga o que fazer, apresente alternativas. Data maxima vênia, nobre Ministro, a Academia vai lhe dizer o óbvio acaciano – cérebros são retidos com remuneração justa e condições de trabalho adequadas.
  Só e tão somente. Pode-se elaborar um extensivo tratado analítico, a partir de uma comissão de notáveis (ainda os temos no Brasil), mas a essência é essa. Ou o Brasil reconhece que seu futuro passa necessariamente por dominar a informação e a tecnologia, como base para seu desenvolvimento e progresso, ou continuaremos exportando cérebros privilegiados para quem, como a Alemanha, o Canadá, o Japão, os EUA entende que cérebros são retidos com remuneração justa e condições de trabalho. Ministro, adote essa idéia e faça o Brasil reorientar sua política estratégica de C& T, quae sera tamen.

Oferta e demanda mundial de alimentos: um cenário

Décio Luiz Gazzoni

Em setembro realiza-se em Bonn (Alemanha) a Conferência "2020 Vision – Sustainable Food Security for all in 2020", patrocinada pelo IFPRI, um instituto de pesquisa do grupo CGIAR dedicado a identificar e analisar políticas sustentáveis para atender as necessidades mundiais de alimentos. A agenda é feita sob medida para mexer com corações e mentes de lideranças públicas e privadas, tamanha a amplitude das propostas sociais e econômicas a serem discutidas. Na Comissão Organizadora e na Direção do Evento abundam presidentes, ministros, senadores e outras altas autoridades.   Já no primeiro dia as apresentações propõem as seguintes reflexões: - Insegurança alimentar, porque não resolvemos o problema? - Quão comprometidos estamos com o fim da fome no mundo? - Sucessos e Fracassos dos Objetivos Propostos pelo Encontro Mundial sobre Alimentação; - 800 milhões ainda passam fome: porque fizemos um progresso tão canhestro? É o momento de o Ministro Pratini de Morais, a CNA, a SRB e as ONGs formarem uma sólida delegação brasileira para participar da formulação das políticas mundiais de combate à fome, e posicionar o Brasil no rumo de ser o efetivo celeiro do mundo, apesar da punica fides primeiro mundista.

Ameaça
Alguém pode relembrar que fome não é mercado, e efetivamente não o é de per se. Entretanto, para os países ricos, a bomba sub-nutrônica é uma ameaça maior que a bomba atômica. Esses países possuem rígidas normas de imigração, privilegiando cérebros e empresários, refugando famintos e desabilitados. Ou se resolve o problema da fome crônica nos países periféricos, ou famintos de todos os cantos continuarão a arriscar tudo para ingressar nas fronteiras dos países de mesa farta, detonando suas políticas sociais, de emprego, de previdência, de segurança. Pragmaticamente, será mais barato investir na redução da fome nos locais onde ela existe, que lutar contra imigrantes ilegais dentro das próprias fronteiras.
  Oportunidades
De acordo com estudiosos, os países em desenvolvimento serão responsáveis por 85% do acréscimo da demanda até 2020. O consumo de cereais salta de 1.800 milhões de toneladas, em 2000, para 2.466 milhões em 2020. Apenas o acréscimo equivale a 6,6 vezes a próxima safra brasileira de grãos. Em relação às carnes, a demanda cresce de 198 para 313 milhões de toneladas. Neste último caso, o consumo de carne cresceu três vezes mais nos países pobres em relação aos ricos de 1970 até hoje, e dobrará até 2020 nos países pobres, sendo parcialmente responsável pelo aumento na demanda de cereais. Embora a produção deva crescer especialmente nos países sub-desenvolvidos, a estimativa é que esses países deverão importar quase 200 milhões de toneladas, em 2020. E não falamos em frutas, hortaliças e ornamentais.

Mudando o cenário
Sem qualquer viés nacionalista, o Brasil é um dos raros países que podem mudar a oferta de produtos agrícolas no curto prazo, melhorando significativamente o cenário acima. Estive recentemente nas regiões que os analistas julgam que contribuirão com maior oferta de alimentos até 2020. A Europa Ocidental, viciada em subsídios, e o Leste Europeu, destroçado pelo experimento comunista, enxergando nos subsídios europeus sua saída para o futuro, não me parecem opções seguras.
  A Austrália é um enorme semi-árido, com pesados custos de produção, e os EUA estão chegando no seu limite territorial de expansão da área cultivada. Para o Brasil, produzir escassos 200 milhões de toneladas de grãos e 120 milhões de toneladas de carnes significaria incorporar 40% da área disponível apenas nos Cerrados. Para tanto, é necessário ter visão de futuro, capacidade empreendedora, investindo na geração de tecnologia própria, na assistência técnica, na infra-estrutura e em um sistema de sanidade agropecuária à prova de qualquer barreira que venha a ser contraposta por concorrentes que não detenham nossas condições naturais de competitividade.

Estabilidade da produção

Décio Luiz Gazzoni

Competitividade é o resultado do atendimento de um somatório de requisitos como baixo custo, alta produtividade, elevada qualidade, sanidade impecável, credibilidade, capacidade negocial, condições de financiamento, estabilidade de produção, entre outras. Para o seu atendimento, verifica-se que o dueto tecnologia e sanidade dizem presente, como parâmetro fundamental de competitividade. Mas vamos nos fixar na análise de um dos tópicos – a estabilidade da produção. Porque ela é importante para conferir competitividade? Por dois motivos primordiais: em primeiro lugar, porque o produtor que dispõe de previsibilidade pode planejar o processo produtivo e de comercialização, dispondo de tranqüilidade para investimentos de longo prazo; em segundo lugar, porque mais difícil que conquistar mercado é reconquistar um mercado perdido. Os contratos são mais seguros para ambas as partes quando incluem cláusulas de entrega continuada ao longo do tempo.   Equação produtiva
De forma muito linear, porém sem agredir a verdade e o bom senso, pode-se afirmar que a produtividade é decorrência do potencial produtivo de uma variedade, contabilizado o efeito dos fatores constritivos, mormente clima, solo e pragas. A história da agricultura confunde-se com a busca da maximização do resultado dessa equação, mesmo que de forma empírica. Novos genótipos, que rompam o limiar produtivo como forma de aumento de produtividade, são permanentemente perseguidos. Paralelamente, métodos de controle de pragas são pesquisados e aperfeiçoados. Manejo da fertilidade e da condição física do solo também são preocupações que remontam a priscas eras. E o maior dos desafios da agricultura tem sido, sem sombra de dúvida, controlar o efeito adverso das intempéries climáticas, em especial secas e inundações.

Biotecnologia
De repente, temos à disposição o instrumental para que o potencial produtivo de uma espécie seja não apenas ultrapassado, porém a equação otimizada, pela ação dos cientistas sobre cada um de seus termos. Refiro-me à enxurrada de boas notícias que fluem da cornucópia dos agrônomos que se dedicam à pesquisa. Primeiro rompeu-se a barreira intrínseca do potencial de produção das plantas. Depois introduziu-se, nas variedades já melhoradas, a capacidade de resistir à pragas e doenças. A adaptação aos solos pobres, a maior capacidade de extração de nutrientes e a simbiose com microrganismos ajudaram a superar as deficiências nutricionais. E, agora, estamos no horizonte de uma mudança de paradigma que representará um dos degraus julgados intransponíveis na agricultura: a resistência à seca.
  Sarah Assmann
Guarde bem o nome dessa simpática senhora, professora da Penn State University. Ela e colaboradores descobriram que uma das proteínas G, presente nas células-guarda dos vegetais é responsável pela troca de água com o exterior. Em resposta à seca, à luz solar e a outros estímulos, as células-guarda controlam a abertura e o fechamento dos estômatos nas folhas das plantas, permitindo a saída de vapor de água e de oxigênio e a captura de dióxido de carbono. Alterando a composição genética da planta Arabidopsis thaliana (uma planta modelo em biotecnologia), verificou-se que o fluxo de vapor para o exterior também era alterado. O hormônio ABA (ácido abcísico) é o responsável pela sinalização às células das condições de estresse e da necessidade de poupar água. Quando uma sub-unidade da proteína G não está presente, o ABA não obtém uma resposta positiva das células-guarda, gerando perda de água maior que a normal.

Salvação da lavoura?

Ainda não se vislumbra o dia em que o sertanejo da Paraíba poderá plantar na certeza de colher. Porém, é previsível, no futuro próximo, que os veranicos que reduzem 30-40% da produção serão superados através da biotecnologia e o agricultor poderá, finalmente, ter seu risco reduzido e obter não apenas maiores produções, como essas serão mais consistentes. Assim, um dos quesitos da competitividade, a estabilidade da produção, estará ao seu alcance. Sarah Assmann ainda ganhará uma estátua.

Soja, a vedete da próxima safra?

Décio Luiz Gazzoni

A soja pinta novamente como a grande vedete da safra 2001/02, tanto em termos de expansão de área quanto de produtividade. Obviamente que a produtividade possui uma relação incestuosa com o clima, e ainda não se sabe a posição de São Pedro sobre o assunto, em especial após as seguidas agressões perpetradas por Mr. Bush, ao recusar o compromisso de limpar o emporcalhamento ambiental provocado pela retrógrada indústria americana. O contínuo fluxo de dejetos industriais no ambiente é o principal responsável pelo aquecimento global, que torna o clima imprevisível e que acirra condições extremas como seca ou inundações. Entretanto, a depender da disposição dos produtores, e da disponibilidade de tecnologia, a produção estimada deverá aproximar-se dos 40 milhões de toneladas. O estímulo é proveniente da recuperação de preços devido ao clima adverso nos EUA e a desvalorização do real, elevando os preços da soja em moeda brasileira em mais de 30%.   Restrições internas
O setor agropecuário brasileiro tem crescido continuamente, alavancado pelo desenvolvimento tecnológico sustentado, apesar das restrições de outras ordens. Uma delas é o desbalanço tributário que afeta a economia nacional. Ao menos durante esse governo não será retomado o tema da reforma tributária, proposta pelo presidente FHC durante a campanha eleitoral. A necessidade de reordenamento tributário é consensual entre todos os segmentos envolvidos, enquanto tese. Ao detalhar-se a proposta de reforma, surgem os conflitos pontuais com as eventuais perdas decorrentes do rearranjo tributário, seja entre instâncias governamentais, ou entre contribuintes. Embora sendo gradativamente reduzido, o custo Brasil ainda é um fator que depõe contra a nossa competitividade. A limitação do crédito oficial a juros mais baixos continua obrigando o produtor a buscar recursos ordinários a juros extorsivos, ou expor-se ao financiamento dos fornecedores de insumos, limitando suas opções tecnológicas. A grande mudança está ocorrendo na área de transporte, em especial com os corredores de saída pela Amazônia, que reduzem significativamente os custos e viabilizam a soja nas áreas de fronteira, justamente onde a produtividade tem sido maior, e a produção tem apresentado maior estabilidade.

Desbalanços internos
No caso da soja, Guilherme Leite Dias da Silva (Fipe - USP) salienta que há uma pressão da cadeia produtiva, forçando uma redução de preços em direção ao produtor, como forma de ganhar competitividade. Quando há uma descompressão de preços em relação aos concorrentes externos, surge a disputa na apropriação da nova margem decorrente do acréscimo de preço ou da desvalorização cambial. Os setores melhor organizados, como os produtores de insumos e os processadores, tendem a levar vantagem pela facilidade de imposição de preços e condições. O presidente da Aprossoja, Dr. França Neto lembra que o fluxo de transporte nas regiões tradicionais continua oneroso, em virtude da grande dependência de rodovias. A melhoria do piso de rodagem decorrente do ingresso de capitais privados também representou um custo, pelo alto valor do pedágio.
  Restrições externas
O protecionismo dos países ricos, representado pelas cotas, sobretaxas e especialmente pelos subsídios, é o grande gargalo para a expressão do potencial produtivo brasileiro. Justamente nesse momento está em votação a nova Lei Agrícola americana. Não contentes com a manutenção dos subsídios anteriores, que já eram pesados, os congressistas americanos estão propondo subsídios totais de US$168 bilhões para compensar a falta de competitividade natural dos produtores americanos. Pela evolução recente dos indicadores, retiradas todas as formas de protecionismo americano, seguramente o Brasil assumiria a liderança da produção mundial de soja ainda essa década. Foi com esse mote que o Ministro Pratini de Morais convenceu o Itamaraty a propor um "panel" para investigar o efeito deletério do protecionismo agrícola americano sobre o livre comércio.

Valor agregado

Décio Luiz Gazzoni

O mercado globalizado exige o cumprimento de diversos pré-requisitos. Temos insistido muito nos fundamentos tecnológicos e sanitários, essenciais para a competitividade. Outro tema crucial é a necessidade de uma margem que remunere e estimule o negócio, que pode ser obtida por três grandes vias: alto valor intrínseco, escala extensiva ou agregação de valor.

União de esforços
Quando propusemos o Plano Diretor da Defesa Agropecuária do Paraná, consideramos condição sine qua non a união e a organização de todas as entidades públicas e privadas do Paraná em torno do Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária (CONESA). O sucesso das ações do Conselho depõe a favor da estratégia adotada, e premia seus líderes maiores, o Secretário Antonio Poloni e o Presidente da FAEP, Ágide Meneghetti. No dia 2 de agosto, encontro os dois companheiros na cerimônia de lançamento do Programa de Promoção da Carne Brasileira no Exterior, presidida pelo Ministro Pratini de Morais. Porém, o que me chamou a atenção foi justamente a presença de inúmeras entidades como a Embrapa, a CNA, a SRB, a ABIEC, a APEC e outras mais, unidas em torno do programa. O que, para mim, já é garantia de seu sucesso.
  Oportunidade
O Brasil possui o maior rebanho comercial do mundo (165 milhões de reses), livre de vaca louca e outras enfermidades restritivas, e tem a sua pecuária baseada no pastoreio extensivo. Dessa forma, reúne as condições técnicas, sanitárias, ecológicas e econômicas para fulgurar como o maior produtor e exportador de proteína animal, agronegócio dos mais nobres e de alto valor agregado. O programa lançado se propõe a investir US$5 milhões iniciais para proclamar as virtudes da carne brasileira, coincidentemente dizendo ao consumidor que os seus atributos são justamente aqueles por eles pleiteados. O espaço está convenientemente aberto pela desconfiança do cidadão europeu em relação à carne lá produzida, a partir de gado confinado e estressado, alimentado com concentrados de toda a ordem, em especial farinha de carne, responsável pela transmissão da vaca louca. E mesmo que o consumidor não estivesse tão arredio, parcela ponderável do rebanho europeu  foi dizimado pela recente epidemia de aftosa, que embute um componente mal explicado de renovação do plantel com alto índice de BSE.

Qualidade
O programa pretende trazer uma centena de grandes formadores de opinião (mídia, lideranças políticas e privadas, técnicos) para verificar in loco a elevada qualidade da cadeia produtiva da carne brasileira, em especial seus componentes ambientais, tecnológicos e sanitários. É aí que entra a importância do trabalho do CONESA, transformando o Paraná em vitrine propulsionadora da abertura de mercados. Será criado o selo do "Brazilian (Green?) Beef", um certificado de origem e especificação e que permite a rastreabilidade do produto, exigência de quem tem dinheiro para pagar pela qualidade. Coloquei o Green entre parênteses porque, embora não conste da proposta original do Programa, é uma sugestão que deixo ao meu amigo Enio Marques, secretário executivo da ABIEC (o que é?). Green de gado conduzido a pasto, alimentado naturalmente, sem estresse e sem risco de BSE, anseio maior do consumidor do Primeiro Mundo.
  Metas
Para o próximo ano, o governo FHC havia se auto imposto metas ambiciosas, como exportar US$100 bilhões, 45% proveniente dos agronegócios. Embora esse seja o setor que mais tem crescido na pauta de exportações – o único consistentemente superavitário – ainda não será dessa vez que chegaremos lá, apesar de São Pedro e do dólar a R$2,50. A cadeia produtiva da carne propõe-se a aumentar sua receita cambial de US$ 1 para US$1,2 bilhão de dólares em 2002. Apesar das restrições estruturais, o Brasil obteve ganhos ponderáveis em sua competitividade, que tornam factível essa meta. Saliento o esforço tecnológico da Embrapa, a melhoria do status sanitário coordenado pelo Ministério da Agricultura (o que é?), e a união dos interessados a partir do exemplo do CONESA paranaense. Que esse seja o paradigma da busca brasileira da liderança global dos agronegócios.

O abuso de medicamentos na criação animal

Décio Luiz Gazzoni

Com o crescimento e a consolidação da tendência dos consumidores em buscar alimentos cada vez mais saudáveis, sem o uso de insumos químicos, gera preocupação o uso inadequado de produtos químicos na agropecuária. Embora a agricultura orgânica ainda seja um nicho estreito de mercado, é um segmento que cresce a taxas altíssimas, e qualquer cenário de médio prazo aponta para sua importância no agronegócio do futuro. Enquanto produtos totalmente naturais estão buscando seu lugar ao sol, fica cada vez mais démodé o uso abusivo de qualquer insumo químico, em especial medicamentos e agrotóxicos, o que já é o caminho rumo a novos sistemas de produção – ou de abordagem da prática veterinária.

Resistência a antibióticos
Causou estertor nos EUA um relatório assinado pela Dra. Margaret Mellon, Diretora do Union of Concerned Scientists, alertando sobre o uso de antibióticos na produção animal, estimado situar-se 40% acima das necessidades reais. O uso excessivo decorre de tratamentos preventivos, medicação inadequada, freqüência e dose acima das recomendações terapêuticas. O mau uso de um medicamento conduz a efeitos colaterais indesejáveis como: presença de resíduos na carne, enfermidades parcialmente curadas, presença de agentes patogênicos na carne e desenvolvimento de resistência, todos envolvendo custos sociais, ecológicos e financeiros.
  Conseqüências
Qualquer dos efeitos acima pode afetar diretamente o consumidor. Resíduos de antibióticos, ingeridos com alta freqüência, podem provocar efeitos indesejáveis no organismo humano, inclusive gerar resistência a patógenos específicos do Homem. A cura incompleta de uma enfermidade animal pode representar uma ameaça à saúde pública, pois existem organismos patogênicos que afetam tanto animais quanto o Homem, alguns letais como a salmonelose. Finalmente, a resistência de bactérias à antibióticos, gerada em ambiente de produção animal, pode afetar o Homem, pois as doenças acima podem ser causadas por espécies resistentes, cujo tratamento será muito mais difícil e complicado.

Preocupação
Um dos pavores de médicos e pacientes é a infecção hospitalar, que ocorre a partir de bactérias resistentes a antibióticos, fruto do uso intensivo e inadequado dos mesmos no ambiente hospitalar. Tempo houve em que penicilina e estreptomicina era tudo o que o médico da família dispunha para curar infecções bacterianas. Hoje elas estão restritas a meia dúzia de patologias, e a indústria farmacêutica lança continuamente novos produtos, por vezes novas gerações de antibióticos, com modo de ação totalmente diferenciado dos anteriores, para superar o desenvolvimento de resistência. Como a resistência é devida a características genéticas do organismo, ela é transmitida à descendência, tornando inútil o uso de antibióticos que eram considerados padrões. A preocupação com o uso excessivo de antibióticos em animais está associada com o risco que ele representa no caso do animal contrair uma infecção de muito difícil controle, até que um antibiograma estabeleça a terapia adequada.
  Homeopatia animal
Aqui em Pindorama, temos o outro extremo. O veterinário Cláudio Real vem tratando animais de estimação e de produção comercial por homeopatia, e garante que, além de mantê-los saudáveis, tornam-se mais mansos, aumenta a conversão alimentar em 10-15%, reduz os casos de sodomia entre touros de 6 para 0,5 %, e tem deixado os clientes entusiasmados. O uso da homeopatia também aumenta a resistência a estresses ambientais, como o choque térmico, praticamente eliminando a mortalidade devida a baixas temperaturas durante o inverno. A homeopatia não objetiva curar uma doença específica, porém manter o organismo equilibrado e melhor preparado para enfrentar distúrbios e enfermidades, usando os recursos do próprio organismo. Essa é uma das técnicas que pode nos colocar na vanguarda do mercado de produtos naturais, no plano mundial.

Riscos e benefícios de variedades transgênicas

Décio Luiz Gazzoni

A nossa geração está presenciando uma das mais importantes quebras de paradigma da História. Mantidas as proporções, algo como o Renascimento para as Artes, o surgimento do motor a vapor para a indústria, o telégrafo, o rádio e o telefone para as comunicações, o cinema para o lazer. Para ficar no ramo agrícola, o surgimento dos agrotóxicos orgânicos, na década de 40 significou uma inovação que revolucionou o sistema agrícola. Agora estamos promovendo o câmbio do signo químico (ou bioquímico) para o biotecnológico. No conceito, não se trata de uma revolução, porque criar novas variedades vegetais ou raças animais, purificá-las, selecioná-las e aprimorá-las constantemente, com a introdução de caracteres desejáveis, é um procedimento milenar, com raízes empíricas quando a Humanidade migrou do extrativismo para a agricultura e o pastoreio.   O que inova é a técnica utilizada para transferir os genes desejados, incorporando-os à nova variedade. Com as técnicas de engenharia genética o conceito de variabilidade genética desprende-se dos grilhões do gênero e espécie para ser a própria biodiversidade, por vezes além dela, ao gerar mutantes de genes que não existiam na Natureza. Computa-se como vantagem a redução significativa do tempo necessário para a obtenção do novo genoma e, futuramente, maior taxa de sucesso, menores custos e combinações cada vez mais complexas do pool genético, beirando a fantasia da variedade "custom made".

A polêmica
Não existe revolução indolor, assim como não existe mudança de paradigma que não esteja associada a polêmica, pela índole conservadora do Ser Humano, e pelo medo instintivo do Desconhecido, possivelmente uma das armas da Natureza para a preservação do indivíduo e da espécie. Não poderia ser diferente com a biotecnologia, que gerou uma polarização de pontos de vista entre pessoas ou organizações que se posicionam pró ou contra a pesquisa, desenvolvimento e uso comercial de OGMs. Os favoráveis descartam qualquer cenário de médio prazo para a agricultura e a medicina que não seja a utilização cada vez mais intensa da engenharia genética para reduzir custos, melhorar a qualidade, superar adversidades ambientais, atender as demandas dos consumidores. Os que se posicionam em contrário brandem argumentos de defesa da saúde pública e do meio ambiente, visualizando no processo um mero instrumento de dominação tecnológica por parte de grandes corporações, merecendo apenas um "vade retro Satanás!". Os fatos ainda são muito recentes, e novos estudos são despejados cotidianamente na comunidade científica, o que levou dois renomados pesquisadores da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos EUA a revisarem a literatura publicada em revistas altamente conceituadas, para avaliar a consistência das informações existentes relativas a riscos e benefícios de OGMs.
 

Risco de invasão ambiental
Estima-se que 50.000 espécies tenham sido introduzidas nos EUA, e embora a maioria seja considerada como não ativa, ou mesmo benéfica, um grupo importante tornou-se flagelo que degrada o meio ambiente, alterando as funções e a estrutura dos ecossistemas. Calcula-se em US$137 bilhões anuais os danos diretos, indiretos e o custo de controle de organismos exóticos. Estudiosos consideram as espécies invasivas tão prejudiciais ao ambiente quanto o aquecimento global e o desaparecimento de habitats naturais. Em teoria, existe a possibilidade de um OGM tornar-se invasivo, pela incógnita que cerca todas as possíveis interações gênicas e de genótipo x ambiente, que podem fugir do controle dos cientistas. Entretanto, para que isso ocorra, algumas condições são exigidas, como maior capacidade competitiva, alta adaptabilidade, persistência, sobrevivência, capacidade de reprodução do organismo, entre outras. Ou seja, as mesmas habilidades exigidas de um organismo natural, o que facilita a implementação de um sistema eficiente de prevenção do perigo.

 

 

 

Efeitos em organismos úteis ou nativos

Foi amplamente divulgado o teste de laboratório em que borboletas monarcas foram intoxicadas pela ingestão de pólen de milho Bt. No entanto, não há informações sobre o efeito a campo, ou sobre a relação pólen ingerido x letalidade para permitir, por exemplo, uma comparação direta com a aplicação de Bacillus thuringiensis convencional, ou de um agrotóxico químico.Também foram relatadas alterações no ecossistema radicular de lavouras de genótipos transgênicos. Entretanto não existem estudos que demonstrem qual o significado prático das alterações verificados, especialmente seu impacto de longo prazo. É importante lembrar que fungicidas e inseticidas apresentam um forte impacto na microflora do solo, podendo, por exemplo, afetar a fixação simbiótica de nitrogênio. Da mesma forma, espécies úteis ou nativas, que necessitam de organismos (plantas ou animais) considerados nocivos ou daninhos ao processo agrícola, podem ser afetados pela sua supressão do ambiente, com o uso de plantas que expressem toxinas com efeito inseticida, ou que resistam a determinados herbicidas. Novamente, esse fenômeno também pode ser verificado com o uso excessivo de agrotóxicos, ou sem a observância de parâmetros técnicos.   Do ponto de vista teórico, pode existir bioacumulação de proteínas tóxicas na cadeia alimentar, afetando organismos não visados. Entretanto, os poucos estudos disponíveis não esgotam a questão, ou mesmo demonstram em definitivo que esse seja um risco considerável, quando cotejado com moléculas relativamente mais estáveis, como é o caso de agrotóxicos. A bioatividade de proteínas produzidas por OGMs declina rapidamente com o tempo, sendo mais intensa em condições desfavoráveis de temperatura e umidade. Especificamente em relação à variedades Bt foi verificado que microorganismos do solo degradam a toxina produzida, porém essa tem a propriedade de ligar-se a partículas do solo, reduzindo a taxa de biodegradação, conseqüentemente aumentando a persistência. Como esse fenômeno depende do teor de argila do solo, não há estudos cobrindo a diversidade de interações entre a composição do solo, a microfauna e microflora, o histórico de cultivo, as curvas de temperatura, entre outros fatores que afetam a degradação, para permitir resultados conclusivos.

 

 

 

Vírus patogênicos
Observações empíricas demonstraram o potencial de desenvolvimento de vírus com novas características biológicas, através de infecção de plantas transgênicas resistentes a vírus, pela recombinação gênica ou heteroencapsulação. A recombinação pode ser induzida em laboratório, pela troca de material genético com strains aparentados. Entretanto, a literatura não registra estudos demonstrando a possibilidade de que esse processo ocorra em condições naturais. Da mesma forma, em laboratório existe a possibilidade de um vírus encapsular um aparentado, alterando a sua taxa de transmissibilidade e resistência a fatores adversos. Entretanto, o vírus modificado não produz as proteínas que o envolvem e protegem, por não ter havido troca de material gênico, o que praticamente anula a perspectiva de um perigo real em condições de campo.
  Benefícios
Contabilizado entre os benefícios, o uso de material genético resistente a pragas e doenças possui um potencial fantástico de substituição de agrotóxicos, a ponto de estrategistas de grandes corporações internacionais trabalharem com o cenário de obsolecência de plantas químicas nas próximas décadas. Embora as estatísticas registrem uma redução de 3,5% no volume de agrotóxicos aplicados na agricultura americana entre 1997 e 98, o benefício não pode ser creditado totalmente ao uso de variedades transgênicas, pelo uso ainda relativamente baixo de OGMs, e pela flutuação natural no uso de agrotóxicos, em função de outros fatores. Em culturas específicas, como o caso do milho Bt, o USDA credita à sua utilização uma redução de 5% no volume de agrotóxicos aplicados. Outros benefícios referidos são o aumento da produtividade, a estabilidade da produção, melhor qualidade, produção de substâncias farmacológicas, maior tempo de prateleira, adaptação a condições edafo-climáticas adversas, entre outras.

Conclusões

Os pesquisadores do EPA concluem que ... ainda é cedo para qualquer conclusão! Chamam a atenção que tanto os estudos sobre perigos ou benefícios de OGMs ainda não possuem a abrangência que permita extrapolar suas conclusões, ou mesmo garantir a repetibilidade dos resultados, pela especificidade das condições em que foram conduzidos. Além da deficiência de conhecimento, os modelos matemáticos preditivos ainda são incipientes para promover a interação e extrapolação das condições experimentais para condições de lavoura, exigindo ainda muito fosfato e trabalho conjunto de agrônomos, biólogos e matemáticos. Além disso, a quantidade de material genético transferido é limitada a pequenas porções do genoma, permitindo controle do produto, o que deve ser alterado no futuro próximo com a incorporação de dezenas, quiçá centenas de segmentos de DNA, para produzir plantas com o conjunto de características determinados pelo mercado, quando a probabilidade de ocorrência de eventos não previstos deve ser maior.   Considere-se também que o ferramental disponível para análise de risco deriva de moléculas simples, ou organismos conhecidos, e que sua utilização em um campo novo da ciência pode deixar a descoberta aspectos considerados irrrelevantes anteriormente, e que podem ser importantes em se tratando de OGMs. Em suma, o recado dos cientistas é de avançar sim, com o cuidado e o conservadorismo que o momento recomenda, pois nunca um processo nos aproximou tanto do poder do Criador quanto a biotecnologia. E o Homem pode se revelar menos sábio e menos competente que Deus no momento da criação do Universo.

 

A ameaça brasileira

Décio Luiz Gazzoni

Semana passada estive em Washington, a convite do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, proferindo conferência no Seminário "Environmental and Economic Impact of Brazilian Land Conversion". Na oportunidade representei o Ministério da Agricultura do Brasil abordando os riscos sanitários associados às novas fronteiras agrícolas. O seminário foi restrito a funcionários do Governo Americano e alguns representantes da iniciativa privada. O Governo Brasileiro também enviou técnicos do IBAMA, da CEPLAC e da SPA para abordar temas de sua área.

Surprise!
Os policy maker americanos foram apanhados de surpresa pelo avanço recente da agricultura tupiquiniquim. Cientistas e analistas seniores, com seu arsenal de imagens de satélite e modelos matemáticos de última geração, foram incapazes de dimensionar os impactos comerciais da soja e do algodão do Cerrado, ou antecipar o Brasil exportando milho e arroz. Ante congressistas e lobies setoriais perplexos, a equipe da Secretária de Agricultura Ann M. Veneman organizou o seminário para validar o re-estudo da agropecuária brasileira. Para nós brasileiros foi uma excelente oportunidade para "conhecer o inimigo", verificando quão calibradas estão as suas informações e os rumos que a política agrícola americana pretende imprimir para fazer frente à "ameaça brasileira". De nossa parte, deixamos claro que não há risco sanitário que resista ao trio tecnologia adequada, sistema sanitário eficiente e agricultor consciente.
  Os fundamentos
O espaço é curto para analisar todo o seminário, vamos aos highlights. Os americanos estão boquiabertos com três sustentáculos da expansão agrícola brasileira: as novas vias de transporte, os ganhos de escala e o inesperado avanço tecnológico. Adotando tecnologia comparável ao que há de melhor no mundo, gerada no Brasil pela Embrapa e outros institutos, os produtores do Cerrado brasileiro explodiram os limiares de produtividade, reduziram custos e ganharam espaço negocial. Com escala de milhares de hectares, o Brasil consegue transmutar a ameaça da pequena margem por hectare em sua grande vantagem. Ponto para nós, o subsídio que derrubou o preço virou contra o feiticeiro! A utilização de navegação fluvial, ferrovias e estradas modernas estão tirando o sono de Mrs. Veneman, Mr. Bush, e dos produtores de Iowa, Ohio e Illinois. E olha que nós ainda temos muita lição de casa para fazer!

A crítica dura
A delegação brasileira deixou claro o compromisso do país com a convenção da OMC e sua confiança em um sistema de livre comércio. Sávio Pereira, da SPA, repassou com brilhantismo os avanços recentes, salientando a importância da estabilidade macro-econômica, a redução do Custo Brasil e o uso de tecnologia moderna para que atingíssemos o grau de competitividade atual. E finalizou de forma brilhante, com palavras que deverão ecoar ainda por muito tempo entre as paredes da portentosa sede do USDA: o agricultor brasileiro tem condições de competir com um congênere de qualquer nacionalidade, e conquistar o seu espaço de mercado. Ele só tem tido dificuldades em competir com o Departamento do Tesouro americano!
  Os fatos
Constrangidos, os técnicos americanos deixam escapar uma tímida crítica à Câmara dos Deputados, que aprovou a ajuda suplementar de US$5,5 bilhões, dizendo que o Senado deve reformar a medida que eleva o preço de sustentação da soja para US$193/ton. Percebe-se que o recado foi recebido: não serão subsídios, cotas, sobretaxas que irão parar a agricultura brasileira. A partir do momento em que atacamos o cerne do problema, o Brasil assestou a proa rumo à liderança dos agronegócios globais. A única turbulência pelo caminho são os moribundos subsídios americanos e europeus, concedidos a agricultores incapazes de competir conosco na nova ordem comercial. Afinal, nos últimos 3 anos cada agricultor americano recebeu subsídios de US$11.000,00 e o europeu US$4.500,00 anuais. O brasileiro convive com baixos preços, juros estratosféricos, restrições creditícias, parcos armazéns, sistema de transporte punitivo, patrulhamento ambiental e outras mazelas – e venceu! O que pode pará-lo?

Profissionais para o Agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Em uma atitude meritória da FAEP, o Senador Osmar Dias (propositor da Emenda Constitucional que equipara trabalhadores rurais e urbanos) e o Ministro Almir Pazzianotto, Presidente do TST, têm percorrido o Paraná divulgando as mudanças legais que modernizaram as relações empregatícias no campo. Causa primeira do êxodo do trabalhador rural, e conseqüente degradação de sua condição de vida e do inchamento das periferias urbanas, a fixação de regras contemporâneas era reclamada há décadas. Sua extemporaneidade constituía-se em um dos componentes do Custo Brasil, ferrolho que represava a competitividade dos agronegócios. Alterado o estamento legal, que dizer da qualificação e do treinamento da mão de obra, para fazer frente à demanda cada vez mais intensa por produtividade e garantia de qualidade do produto agrícola?   O pano de fundo
O Brasil passou por mudanças radicais nos últimos tempos e a agropecuária esteve no olho do tornado. Governo sem caixa, assistencialismo em baixa. O crédito rural enxugou ano após ano, enquanto as taxas médias de juros pagas pelo produtor cresceram. Como era modismo, fim também do protecionismo, portos abertos a quem quisesse vender ao Brasil com alíquotas de importação rebaixadas. Com o fim da inflação, verdade da moeda, tomamos o rumo da modernização. Essas mudanças exigiam profissionalização nos agronegócios. No ano passado, uma tese de mestrado desenvolvida na UFSC buscou investigar o perfil dos profissionais especializados demandados pelo mercado dos agronegócios. Com 15 anos de atraso em relação aos EUA, que enxergaram precocemente a qualificação profissional como propulsora da competitividade setorial.
  Traçando o perfil
A pesquisa foi desenvolvida com base em 404 questionários respondidos por empresários dos diversos segmentos das cadeias produtivas. Foram listados 53 conhecimentos e habilidades, grupados em economia e gestão, tecnologia de produção, comunicação e expressão, informática, qualidades pessoais e experiência profissional. O empresário consultado deveria referir as 15 mais importantes. Pasmem os senhores, mas o grupo que se sobressaiu foi o do quesito atributos pessoais, pois as cinco primeiras características exigidas tinham esse caráter. Seguiu-se a demanda por comunicação e expressão. Na seqüência vem a exigência de saber lidar com estresse pessoal e institucional.

Administração em segundo plano
Pasmem novamente, mas habilidade e conhecimento gerencial estavam apenas entre as cinco últimas características de maior menção por parte dos consultados. Inclui-se nesse grupo análise e controle de custos, planejamento estratégico, marketing e gestão da qualidade. E o pasmo final é que experiência anterior e conhecimento tecnológico não constam entre as prioridades. Assim como não foi colocado como importante o domínio de conhecimentos da legislação, de informação sobre mercado internacional, de políticas agrícolas e similares.
  As leituras
Do nosso ponto de vista, duas leituras são possíveis a partir da análise fria das respostas do questionário. A primeira significa que não há um mercado claro para administradores e executivos do agronegócio, o que dilui as exigências específicas e ressalta as qualidades genéricas do indivíduo. A crer nessa hipótese, o corolário seria uma mudança gradual conforme o setor amadurece, profissionaliza e encara a competição. A segunda leitura indica que o mercado de profissionais para o agronegócio definitivamente não se diferencia do mercado global, e tenderia a valorizar as qualidades intrínsecas da pessoa (ética, personalidade, interpessoalidade, etc). Em ambos os casos os resultados sugerem que a organização selecionaria o indivíduo por essas características, investindo no aprimoramento profissional ao longo de sua carreira, de acordo com as necessidades do negócio. Cabe à academia interpretar o recado do mercado e direcionar seus esforços para ‘burilar’ o profissional requerido pelo setor.

Água na agricultura: motor ou âncora?

Décio Luiz Gazzoni

A crise energética, que apanhou alguns de surpresa no final do semestre passado, chamou a atenção para a distribuição irregular de chuvas, fenômeno que independe de governos ou planejamento, sendo próprio do regime meteorológico. A água constitui dois terços do planeta, porém sua distribuição e o acesso a ela é desuniforme entre os países. Essa característica, aliada à dependência umbilical da sociedade aos diversos usos da água, tornam o líquido um recurso que será altamente valorizado ao longo desse século. Água é vital para o consumo humano, usos industriais, geração de energia, agropecuária e lazer. Em determinadas condições esses usos são concorrentes, o que obriga a sociedade a implementar mecanismos de gestão de sua utilização.

Médio São Francisco
O portentoso rio da integração nacional, orgulho e esperança do Nordeste, abriu as pernas. Quero dizer, encolheu as margens, enfim, sua vazão corresponde a menos de um terço do volume regular. Desligar algumas turbinas de Sobradinho e Xingó não foi suficiente para reduzir sua agonia, obrigando a Coodevasf a racionar o suprimento de água para os irrigantes. Produtores que se esmeraram para demonstrar ao mundo a possibilidade de cultivar frutas com qualidade e preço dignos de comparecer aos pontos de venda do Primeiro Mundo viram seus investimentos na berlinda, porque passou a faltar água para garantir a produção.
  Esse é um exemplo pequeno e marginal, porém precisamos extrapolá-lo para um cenário futuro. Uma das maiores vantagens competitivas do Brasil é a possibilidade de produzir duas, eventualmente três safras por ano, na mesma área. Essa vantagem é mais nítida nos Cerrados brasileiros, onde o único impedimento visível é a estação de chuva limitada a outubro/abril. Garantido o suprimento de água para o restante do ano, poderíamos duplicar a produção sem expandir um único hectare, coisa que americanos e europeus soterrados sob um metro de neve não tem como fazê-lo. Além de comparecer com mais regularidade ao mercado, é possível diluir custos fixos da propriedade em duas ou mais safras, uma ponderável vantagem financeira.

Irrigação, uma necessidade
Entre os grandes produtores agrícolas mundiais, o Brasil é o que dispõe da menor área irrigada, destarte ser repositório da maior disponibilidade de água doce (16% das reservas mundiais). Mesmo países do segundo e terceiro escalão agrícolas possuem área irrigada superior à brasileira. Nosso país jamais chegará à liderança dos agronegócios planetários se não investir maciçamente em irrigação. Ao invés de incentivo ao uso da irrigação, o governo brande um argumentum baculinum ao taxar a água em R$0,06/litro, sem quaisquer considerações adicionais (baseado na Lei 9433, de 8/1/97). No caso do agricultor e da agricultura, o uso secular da água sempre ocorreu com isenção de taxas, até porque captada, tratada e canalizada com recursos próprios. Quebrar o paradigma sem a concessão de um período de graça, sem considerar os demais condicionantes que a agropecuária sofre, significa agregar custo à produção, que pode vir a ser mais um componente do famigerado Custo Brasil.
  Necessidade de gestão
Insumo escasso, os governos dos diversos países convergem quanto à necessidade de regulamentar o uso e o acesso à água, em especial evitando sua poluição. A questão não pode ser confundida com mero "arrecadacionismo" de um governo combalido em suas finanças. Devemos evitar episódios como ocorrido com a CPMF, proposto como imposto único para substituir os demais, e transformada em mais uma iniqüidade tributária. Essa discussão interessa à toda a sociedade, pois está em questão a disponibilidade de água, a competitividade brasileira, a geração de divisas e empregos, em suma o futuro do país. É tema muito importante para que a decisão ocorra em gabinetes refrigerados. Ao contrário, deve envolver todas as forças vivas da Nação, ligadas ou não às cadeias agroprodutivas. Até porque a taxa que o agricultor vier a pagar será cobrada na alface que o consumidor adquirir na feira.

Crédito Rural

Décio Luiz Gazzoni

Entra ano, sai ano, e a discussão tem sido a mesma: como financiar a produção? O principal instrumento de que se dispõe é o crédito rural oficial, delineado para ser uma das ferramentas mais importantes para alavancar a oferta de produtos agropecuários. Nos últimos anos, dois aspectos têm perturbado os tomadores de crédito rural: a baixa disponibilidade e as taxas de juros. Em relação aos juros, a taxa do crédito oficial é baixa para as condições brasileiras, porém incomensuravelmente alta quando cotejada com os custos financeiros pagos pelos nossos concorrentes de Primeiro Mundo. Porém, em virtude da disponibilidade limitada de crédito, o produtor se obriga a tomar recursos de outras linhas, onde as taxas de juros estão entre as mais caras do Mundo.

A oferta de crédito

O pico da oferta de recursos creditícios oficiais ocorreu em 1980, ultrapassando o valor de US$25 bilhões, pela cotação de câmbio médio de 1999. A partir dessa data os recursos tem sido declinantes, tendo estabilizado nos anos 90 em torno de US$ 5 bilhões e o menor valor tendo sido de US$4,2 bilhões em 1998.

Figura: Crédito rural efetivamente aplicado entre 1977 e 2001

As alternativas
As alternativas disponíveis são: linhas de financiamento normais de mercado, financiamento por parte de processadores de alimentos, exportadores ou distribuidores de insumos. No primeiro caso o produtor assume um ônus financeiro que compromete parcela substancial de sua margem líquida. O compromisso firmado com processadores de alimentos retira do produtor margem de manobra em sua estratégia de comercialização, na busca do melhor "mix" de vendas. Financiar insumos diretamente com os distribuidores "amarra" o produtor", comprometendo sua liberdade de escolha de insumos. O acesso ao mercado de futuros ainda é restrito aos grandes produtores ou à empresas organizadas e que operam profissionalmente no mercado, embora seja a alternativa que mais preserva a liberdade decisória do agricultor e menos compromete sua margem financeira.
  Jogo desigual
Enquanto o volume atual de crédito corresponde a 20% do aplicado em 1980, a produção de grãos dobrou no período. Nos últimos 25 anos, o volume de crédito agrícola equivaleu a 70% do valor recebido, anualmente, em subsídios por agricultores de países ricos, que recebem em uma semana um valor em subsídios superior ao crédito agrícola concedido anualmente no Brasil! Deveria haver mais respeito com o agricultor brasileiro, que sofre limitações no valor do crédito, paga juros escorchantes, foi penalizado com o controle governamental do preço dos produtos, através de congelamentos ou dos estoques reguladores, utilizados como estratégia de controle inflacionário. O produtor não pôde transferir seu custo para o preço, mas o agente financeiro embutiu em sua dívida a capitalização de juros e correção monetária, explodindo o estoque da dívida na década passada, levando produtores à insolvência e à perda da propriedade. Isto sem considerar que o Proagro muitas vezes não honrou o seguro devido por catástrofes, como também o Governo Federal não honrou o pagamento do seguro devido pelas geadas de 2000. O agricultor brasileiro tem demonstrado sua capacidade de superação contra tudo e contra todos, despontando com alta competitividade no cenário globalizado. Até onde poderíamos chegar, se apenas o entrave da limitação do crédito e dos altos juros fosse eliminado? Seguramente não estaríamos produzindo apenas 100 milhões de toneladas de grãos, a taxa de desemprego seria menor, o PIB teria incremento maior, a renda per cápita cresceria e o governo arrecadaria mais impostos.

E agora George?

Décio Luiz Gazzoni

Não há como fugir de uma análise de como ficam os agronegócios brasileiros diante da conjuntura atual. Não bastasse a crise de energia que emperrou diversos elos das cadeias agro-produtivas; não bastasse a Argentina que se recusa a encarar face a face o dragão do ajuste da paridade cambial; não bastasse a recessão mundial que deprime os negócios em geral, uma dúzia de malucos e fanáticos resolvem por fogo no circo. Literalmente.

O impacto no terceiro mundo
Vamos ser olhados com mais desconfiança, o que significa que devemos nos preparar para diversas formas de discriminação. Na renegociação da dívida da Argentina, que nos afeta de perto, dificilmente os detentores de capital vão aceitar a moratória negociada que estava sendo proposta. Sem ela, com uma carência de 5 a 7 anos, acompanhada da liberalização do câmbio, a Argentina não escapará da falência – se é que um país pode falir. O fato de pertencermos ao Mercosul, a proximidade geográfica e a sobreposição de pauta de exportações torna difícil separar o Brasil da Argentina, gerando repercussões negativas adicionais. O fluxo de recursos para países emergentes será torniqueteado, ocasionando inadimplência nos compromissos externos. O fluxo retrairá por dois motivos: um eventual esforço de guerra competirá por recursos; e o risco será menor emprestando a países ricos, que a países periféricos que terão problemas para honrar seus compromissos, embora a juros menores.
  Nacionalismo e protecionismo
Espere um acirramento do nacionalismo, em especial americano. Uma das derivadas será o oportunismo de manter ou elevar o protecionismo comercial já existente, como forma de dar uma satisfação à população, obnubilar o fracasso das políticas de segurança e minorar o desajuste das ações de política externa. Para quem já tem problemas sérios, gastar mais alguns bilhões de dólares para acalmar lobies protecionistas será um preço barato. Li recentemente a análise de uma liderança do agronegócio, que o esforço de guerra retiraria recursos orçamentários de programas protecionistas. Não acredito nesse cenário, os EUA vivem um momento de superavit fiscal e se necessário, vão apelar para o déficit a fim de evitar novas frentes de conflito. No máximo serão os pobres e aposentados que pagarão o pato, com a redução de programas sociais.

Estoques e produção
Sempre que há risco de conflito, a tendência instintiva de indivíduos, empresas ou governos é a de estocar recursos estratégicos. No caso, nos interessam os estoques de insumos e produtos agrícolas, incluso petróleo. Retenção de estoques são acompanhados por aumentos de preço, por vezes até violando a relação elasticidade/preço vigente em situações de não conflito, enviesadas pela percepção do risco. Além disso estão dispostos a pagar o preço da estocagem, considerado relativamente baixo comparado ao custo do desabastecimento. Os estoques agrícolas reduziram-se em relação ao passado recente, o que contribui para o aumento de preços. Um eventual esforço de guerra pode aumentar a demanda de alimentos por um lado, porém reduz programas sociais e de ajuda humanitária, provoca o encolhimento de fluxos turísticos, reduzindo a sua demanda.
  Custos
Um cenário razoável aponta para o aumento de custos financeiros à médio prazo, embora todos os bancos centrais estejam ofertando crédito barato essa semana, para evitar impactos financeiros decorrentes de especulação exacerbada, decisões emocionais e baseadas em quadros incompletos. Eventual aumento do petróleo implica em maior custo da energia, encarecendo insumos em geral (adubos e agrotóxicos) e maquinaria. O custo de transação também se eleva, com o aumento do valor dos seguros e fretes. O pior dos cenários seria um aumento de custos no curto prazo (plantio da safra brasileira), com posterior desanuviamento da situação política e acomodação de preços, gerando menor margem para o produtor. Entretanto, é importante frisar que, qualquer análise realizada enquanto não ficar clara a reação dos EUA, os parceiros com os quais poderá contar e a contra-reação terrorista, possui grande margem de erro. Os atores do agronegócio deve manter um volume elevado de informações, e procurar o maior número possível de análises, para formar o seu próprio quadro decisório.

A Revolução Verde

Décio Luiz Gazzoni

Não pretendo revisitar a Green Revolution, que rendeu o Prêmio Nobel da Paz ao agrônomo Norman Borlaug*, mas fazer um contraponto a ela. A Revolução Verde dos anos 70 tinha o nobre objetivo de saciar a fome do mundo, baseando-se em variedades mais produtivas, uso intensivo de fertilizantes e de agrotóxicos para que a planta pudesse expressar plenamente seu potencial produtivo. Todos nós sabemos que a fome do Mundo não acabou, não por insucesso das técnicas, mas porque a fome deriva de falta de renda para adquirir comida e não de falta de oferta. Mas não deixou de ser uma revolução no sentido de aumentar a oferta global de alimentos, e implantar seus princípios paradigmas ao redor do planeta: variedades mais produtivas, uso de agrotóxicos e de fertilizantes químicos para sustentar a produtividade passaram a fazer parte de todos os manuais de produção agrícola do mundo. Já a Revolução verde do novo Milênio vem da Alemanha, e se trata da própria antítese da Revolução Verde anterior.   A "Anti-Revolução Verde"
Os historiadores terão que buscar um nome adequado para o processo que se pretende deflagrar na Alemanha. As causas recentes da nova Revolução, que em absoluto pode ser chamada de anti-revolução, mas que teria tudo para ser chamada de verde se a expressão já não estivesse consagrada, tem duas vertentes: a primeira é a eterna barganha política para a composição de governos, em que o Partido Verde faz parte da coligação majoritária germânica, portanto com direito a cargos de primeiro escalão. Enfrentando um poderoso lobby agrícola, o Chanceler Gerhard Schroeder convidou Renate Kunast uma das líderes do Partido Verde para ocupar o Ministério da Agricultura. A pasta acumulará também as funções de fiscalização dos alimentos e de proteção ao consumidor. A outra vertente é sanitária, com fulcro no mal da vaca louca, que grassa descontrolado na Alemanha, mas que não é a única deficiência do sistema sanitário alemão, para não dizer de toda a União Européia.

As diretrizes
De acordo com as agências de notícias, em seu discurso de posse Frau Kunast foi assertiva ao afirmar que fará uma revolução orgânica na agricultura e na pecuária da Alemanha. O prestígio de Schroeder à sua ministra também foi explícito no discurso ao afirmar que "a crise da vaca louca exige uma reformulação da política agrícola. Mudanças que não foram feitas no último meio século serão efetuadas agora". Ambos davam eco à voz rouca das ruas, que reclamavam da falta de segurança dos alimentos, em que metade dos alemães – ardorosos carnívoros – abandonaram o hábito até que se sintam seguros novamente, irritados com o fato de o Governo haver escondido durante anos a presença do mal da vaca louca.
  Apontando um caminho
No rescaldo do terrível atentado terrorista de 11 de setembro negro, vai virar lugar comum a reflexão e o repensar de posições e posturas. Uma das formas de opressão dos países ricos sobre os pobres é o diferencial tecnológico, que aprofunda o fosso da competitividade, quando lastreado nas regras aceitas no mercado globalizado. Esse comportamento terá que ser revisto, como premissa para uma paz mundial. Entretanto, por paradoxal que pareça, é no mesmo Primeiro Mundo que oprime que surgem os rastilhos do que é hoje um nicho de mercado, uma contra-cultura do consumo alimentar, cuja face mais visível é a reticência em abrir definitivamente o mercado à produtos transgênicos. Sob o nome de agricultura orgânica, um nicho de mercado vem crescendo no Velho Continente, chamando a atenção de que existe uma parcela da população que está disposta a pagar um prêmio financeiro para produtos alimentícios que não se encaixam na receita da Revolução Verde, a original. Com epicentro na Alemanha e na Inglaterra, esse mercado vem crescendo e vai representar uma excelente oportunidade para países agrícolas, que poderão revisitar suas técnicas de produção tradicionais, para abastecer um consumidor que dispensa insumos agrícolas modernos.

*Mais informações sobre Norman Borlaug em www.ideachannel.com/Borlaug.htm

 

Apoio às exportações

Décio Luiz Gazzoni

O mote presidencial "Exportar ou morrer", depois transmutado para "Exportar para viver" chama a atenção para outros dois bordões: "Primeiro viver, depois exportar" e "Fome não é mercado". A FAO utiliza um índice para a auto-suficiência, indicando a necessidade de produzir 600kg de grãos per cápita. Para 170 milhões de brasileiros necessitamos 102 milhões de toneladas para o abastecimento interno. O que ultrapassar esse valor é o excedente exportável. Um povo não se alimenta só de grãos, porém existe alta correlação entre produção de grãos e de frutas, hortaliças, carnes, ovos, etc. Em 2002 atingiremos a marca perseguida há décadas. Entretanto, todos sabemos que o Brasil continuará trilhando o caminho das exportações, porque não há outra alternativa de curto ou médio prazo. Ocorre que o desajuste na equação está na demanda contida e não da oferta reprimida. Aumentar a oferta para o mercado interno derrubaria de preços abaixo dos custos de produção, com quebradeira generalizada no setor, sem resolver o problema do abastecimento, porque renda nula é inelástica em relação ao consumo!   Mercado externo
Enquanto o Governo trata de resolver o problema do emprego, da renda e de sua justa distribuição, o mercado externo é vislumbrado sob dois ângulos. Do ponto de vista dos agronegócios, uma atuação agressiva no mercado globalizado é condição de sobrevivência da atividade. Examinando o cenário de oferta de alimentos no médio prazo, o Brasil é o único país do mundo com possibilidade de quadruplicar sua participação. Outro ângulo é o macro-econômico, eis que a agricultura é o setor com maior capacidade de resposta a políticas de rendas, com rápida maturação dos investimentos, geração de emprego e renda a baixo custo e possibilidade de distribuição de renda mais justa. O Governo brasileiro lança olhares sedutores sobre a capacidade do setor agrícola de formar e acumular capital para o alavancamento do desenvolvimento nacional, enquanto ambiciona os dólares da exportação agrícola para equilibrar as contas externas, que degringolaram fortemente com o Plano Real e seus conceitos de real supervalorizado e juros elevados.

O entrave
Desde o início do Plano Real, nossa moeda foi desvalorizada em 200% sem um incremento equivalente no comercio exterior, logo o câmbio não é a única variável desajustada. Também necessitamos: uma política agrícola estável, que garanta investimentos de longo prazo; a redução do custo Brasil, que agrega custos à produção sem correspondência de qualidade ou produtividade; uma completa reforma tributária, modernizando a estrutura fiscal do país, associada à redução drástica da sonegação e dos desvios fiscais; redução da corrupção comandada por maus políticos, que se apropriam dos recursos que poderiam sustentar políticas sociais de distribuição de renda, educação e alimentação; investimentos pesados na modernização dos setores de energia, comunicação e transportes; revolução na mão de obra, com investimentos em educação e treinamento e modernização da legislação trabalhista; agressiva política de comércio exterior, em especial com a criação de escritórios de comércio exterior junto aos principais mercados. E, finalmente, porém fundamental, lutar para eliminar os subsídios dos países ricos à sua agricultura.
  Agenda do futuro
Pensando bem, essa não é uma agenda para as exportações agrícolas, mas para o programa do próximo Presidente da República. Só não se pode agir como Luiz Inácio Lula da Silva: De acordo com a Agência Estado, ao encontrar-se ontem com o primeiro-ministro da França, Lula teria dito que os subsídios que os franceses concedem a sua agricultura estão corretos. "Estou chocado e desapontado com as declarações de Lula. Isso é inaceitável. Não é possível que um brasileiro, e ainda mais um brasileiro candidato à Presidência da República, vá se associar com os franceses, que são os maiores subsidiadores de agricultura", afirmou o ministro da Agricultura Pratini de Morais (www.estadao.com.br/agestado/noticias/ 2001/out/04/103.htm). Ao menos dessa vez, tenho certeza que todos os agricultores e demais componentes das cadeias agro produtivas do Brasil concordam com o Ministro.

Os Engenheiros Agrônomos e a produção agrícola

Décio Luiz Gazzoni

Nos últimos 12 anos a área agrícola do país tem se mantido estável, porém a produção aumentou em 70%, em decorrência do aumento da produtividade agrícola. Na base dessa conquista está o Engenheiro Agrônomo, cuja data se comemora em 12 de Outubro. Como agrônomo gosta mais de trabalhar que falar, ao invés de entoar loas prefiro apresentar uma síntese do Projeto Brasil, aprovado pela categoria durante seu último Congresso realizado em Aracaju (25-29/09), no qual tive a honra de representar os colegas do Paraná. As principais propostas de diretrizes de atuação profissional dos agrônomos são:

Política Ambiental - É no respeito ao ambiente que reside a possibilidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Os Engenheiros Agrônomos foram os pioneiros na formação da consciência ambiental, pela sua formação técnica e intelectual, e pautarão todas as suas ações técnicas pelo respeito à Natureza e a integração harmônica entre a produção e o meio ambiente.

Ensino - Pesquisa - Extensão - Assistência Técnica – O desenvolvimento sustentado do Brasil somente será atingido com investimentos suficientes e perenes no círculo virtuoso da geração, transferência e aplicação de novos conhecimentos, em benefício da sociedade brasileira.

Reforma Agrária - Um programa sério de reforma agrária deve criar condições para que o homem do campo não seja atraído pela ilusão de vida melhor na cidade, ou que seja expulso do campo, devendo a sociedade fornecer-lhe as ferramentas necessárias para sua fixação no campo e integração no circuito produtivo.

Associativismo - O produtor brasileiro demonstrou ser um adepto da cooperação, competindo ao profissional de Agronomia envidar todos os seus esforços para o sucesso do cooperativismo e do associativismo no meio rural, como alavanca do desenvolvimento da agricultura.

Financiamento da Produção – A agricultura brasileira necessita de um amplo leque de mecanismos de financiamento, alternativos e complementares, que permitam ao agricultor brasileiro investir na sustentabilidade técnica, econômica, ambiental e social do processo de produção.

Sistemas de Produção – A disputa por espaço no mercado globalizado depende umbilicalmente do uso de tecnologia adequada, adaptada às condições brasileiras, respaldadas no dueto pesquisa e assistência técnica, que garanta competitividade respalda em custos compatíveis e elevada qualidade.

Comercialização – O Engenheiro Agrônomo deve estar comprometido com um sistema de comercialização que garanta o fluxo racional da produção, remunerando adequadamente o produtor e os demais componentes das cadeias agro-produtivas, promovendo uma oferta estável de alimentos e fibras ao consumidor, com preços compatíveis com a renda média do brasileiro.

Defesa Sanitária Vegetal – Entende-se que a garantia de inocuidade química e biológica, a correta classificação, a certificação e a condição de traçabilidade são exigências dos consumidores e características basilares da competitividade, devendo o profissional de Agronomia dedicar todo o seu cabedal de conhecimentos para garantir a conformidade dos produtos agrícolas aos padrões sanitários internacionais.

Política Agrícola – Os engenheiros agrônomos propugnam por uma política agrícola de longo prazo, estável e duradoura, que garanta as condições para o oferta de alimentos, a fixação do homem à terra, a preservação do ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.

Acordos Internacionais – Os agrônomos condenam e repudiam toda e qualquer forma de protecionismo, praticados especialmente pelos países mais ricos do mundo, que buscam artificializar as condições internas de produção pela sua incapacidade de competir com os países que possuem uma verdadeira vocação agrícola e vantagens competitivas naturais. Entendem que todas as lideranças nacionais, independentemente de coloração política, devem alinhar-se em torno do objetivo maior de livrar o mundo da injustiça do protecionismo, que fazem grassar a pobreza e a fome nos países que dependem da agricultura, e que não podem competir com os Departamentos de Tesouro das nações ricas.

 

O jogo da ALCA

Décio Luiz Gazzoni

Ao participar de uma reunião no USDA, ouvimos um conferencista posicionar a economia americana como a mais aberta do mundo. O que é verdade, pois a tarifa média de importação flutua entre 4 e 5%. Porém, foi necessário lembrar ao prelecionista que, para os itens não produzidos pelos EUA, ou que não há conflito com os lá produzidos, para produtos nos quais os EUA são altamente competitivos, detém o controle do mercado, possuem tecnologia avançada e poucos competidores externos, as alíquotas são baixas. Entretanto, para setores nos quais os EUA não conseguem competir adequadamente, esse país mantém 150 produtos tarifados acima da alíquota máxima do Imposto de Importação Brasileiro. Eis o ponto G: mais de 70% desses produtos são provenientes da agropecuária! Entre eles alguns entravam os agronegócios brasileiros, como o suco de laranja, cacau, derivados do leite, tabaco, açúcar, etc.   Subsídios
Quando tudo o mais não foi suficiente para conferir competitividade, entra o Tesouro Americano e pergunta, como na canção de Vicente Celestino: "Machucou-se o pobre filho meu?". No ano passado a resposta foi: "Sim, mamãe Tesouro. Nesse caso você poderia me arranjar uns 30 bilhões de dólares para cobrir a minha ineficiência?" E a mamãe deu! Vamos a algumas comparações: O subsídio aos agricultores americanos no ano fiscal de 2000 equivaleu a mais de 200% do valor médio expendido, por ano, entre 1990 e 97; correspondeu a 35% de todo o valor do agronegócio brasileiro, ou a 80% do valor da produção brasileira dentro da porteira; aproximou-se do valor da exportação do agronegócio brasileiro; o subsídio à soja equiparou-se a dois terços das exportações do complexo soja brasileiro. Os EUA acrescentam, em forma de subsídio, 60% a mais de renda líquida aos seus produtores. E aí vem o contra-senso, porque o acordo da OMC é claro nos conceitos (comércio liberalizado, nada de subsídios) e mais claro ainda nas operações, apesar de haver concedido um período de graça aos americanos e europeus, subordinado à retirada gradual de toda a forma de subsídios (à produção, ao crédito, à exportação).

Modelo falido
Não há futuro para um modelo protecionista sem que os conceitos de livre comércio sejam jogados no lixo da História. Os EUA discriminam seus próprios produtores, pois os beneficiários maiores dos subsídios são os grandes agricultores. Assim como o Brasil foi forçado a encarar o monstro impiedoso da abertura de seu mercado e da liberalização comercial, que quase decepou nossa industria têxtil ou de autopeças, que aniquilou o cultivo de algodão, também a agricultura dos EUA deverá marcar encontro com a verdade. Mesmo que seja para reerguer-se em outras bases e em outros padrões financeiros, comerciais e tecnológicos, como o Brasil o fez. E, de quebra, diminuir o ódio mortal que os EUA inspiram na população dos países onde o protecionismo comercial gera fome e pobreza.
  OMC e ALCA
A primeira oportunidade pode ser em novembro, na reunião da OMC, em Doha, no Qatar (se a situação de beligerância no Oriente Médio o permitir). O segundo momento pode ser a negociação da ALCA. Está absolutamente certa a diplomacia brasileira, ao propor uma ação conjunta com o Grupo de Cairns. Corretissima a postura do Ministro Pratini de Morais, como acertadas estão as posições das instituições privadas brasileiras ao deixarem patente que somente iremos para a negociação da ALCA ou da OMC se todas as cartas estiverem em cima da mesa. Negociar a ALCA somente faz sentido se for possível por um fim a protecionismos de toda a ordem, como subsídios, cotas, sobretaxas e outras barreiras. A única e solitária voz discordante foi a de Luiz Inácio Lula da Silva, ao elogiar entusiasticamente os subsídios que os franceses concedem à sua agricultura, que aumentam a pobreza nos países do Terceiro Mundo, inclusive no Brasil. Um acordo na ALCA ou na OMC, sem tratamento igualitário para todos os parceiros comerciais, equivaleria a retornar à Roma antiga com os nossos negociadores dirigindo-se ao Tio Sam dizendo: Ave Caesar, morituri te salutant!

O mercado mundial de alimentos: um cenário

Décio Luiz Gazzoni

À guiza de tributo ao grande empresário comandante Rolim Amaro, vale lembrar que decorreram menos de 40 anos entre o tempo em que ele trabalhava como "flanelinha" de avionetas e seu passamento já como um dos maiores empresários nacionais, provavelmente o de maior intuição, visão estratégica, ambição sadia e capacidade empreendedora. Permitisse o destino e a TAM seria uma das maiores empresas de aviação do mundo, já na próxima década. Mantidas as proporções, foi o mesmo tempo requerido para que a Alemanha e o Japão sacudissem os escombros da guerra ressurgindo como motores da economia mundial. Ou para Taiwan, Coréia e Singapura despontarem como ícones high tech. Nesse mesmo período duas gerações de brasileiros ouviram ad nauseam que o Brasil é o país do futuro, o celeiro do mundo. Deus foi generoso conosco, porém profecias auto-realizáveis ocorrem apenas com pesadelos, nunca com sonhos. A permanecer deitado eternamente em berço esplêndido jamais realizaremos nosso potencial de líder mundial dos agronegócios.  

Ação pró-ativa
Novo milênio, vida nova, talvez seja a hora de resgatar velhos sonhos. E um bom ponto de partida pode ser uma participação maciça na Conferência "2020 Vision – Sustainable Food Security for all in 2020", patrocinada pelo IFPRI, um instituto de pesquisa do grupo CGIAR dedicado a identificar e analisar políticas sustentáveis para atender as necessidades mundiais de alimentos. A Conferência será realizada em Bonn (Alemanha) e sua agenda é feita sob medida para mexer com corações e mentes de lideranças públicas e privadas, tamanha a amplitude das propostas sociais e econômicas a serem discutidas. Na Comissão Organizadora e na Direção do Evento abundam presidentes, ministros, senadores e outras altas autoridades.

 

 

 

 

 

No primeiro dia as apresentações propõem as seguintes reflexões:

3d animated golden brass push pinInsegurança alimentar, porque não resolvemos o problema?
3d animated golden brass push pinQuão comprometidos estamos com o fim da fome no mundo?
3d animated golden brass push pinSucessos e Fracassos dos Objetivos Propostos pelo Encontro Mundial sobre Alimentação;
3d animated golden brass push pin800 milhões ainda passam fome: porque fizemos um progresso tão canhestro?

É o momento de o Ministro Pratini de Morais, a CNA, a SRB e as ONGs formarem uma sólida delegação brasileira para participar da formulação das políticas mundiais de combate à fome, e posicionar o Brasil no rumo de ser o efetivo celeiro do mundo, apesar da punica fides primeiro mundista.
 

Alguém pode relembrar que fome não é mercado, e efetivamente não o é de per se. Entretanto, para os países ricos, a bomba sub-nutrônica é uma ameaça maior que a bomba atômica. Esses países possuem rígidas normas de imigração, privilegiando cérebros e empresários, refugando famintos e desabilitados. Ou se resolve o problema da fome crônica nos países periféricos, ou famintos de todos os cantos continuarão a arriscar tudo para ingressar nas fronteiras dos países de mesa farta, detonando suas políticas sociais, de emprego, de previdência, de segurança. Pragmaticamente, será mais barato investir na redução da fome nos locais onde ela existe, que lutar contra imigrantes ilegais dentro das próprias fronteiras.   Variáveis diretrizes
Para encaminhar a análise do problema, primeiramente é importante enfocar o "seqüestro" de cérebros por parte dos países ricos, através da oferta de remuneração adequada e condições de trabalho que permitem expressar o seu potencial criativo. Além de possuir os maiores índices de investimento em educação, ciência e tecnologia, esses países investem na atração de cientistas privilegiados para continuar detendo a primazia tecnológica no mundo. Conseqüentemente, as novas oportunidades sempre estarão mais próximas de quem vem investindo ativamente para adequar-se a qualquer novo cenário. Até o momento, o Brasil tem se mostrado insensível para a questão, o que desestimula os cientistas e impede que o país se beneficie de todo o seu potencial intelectual. A importância do domínio tecnológico fica caracterizada nas demais constatações:

 

3d animated golden brass push pina ciência tem gerado um fluxo contínuo de novas informações nutricionais, em especial relativas à nutrição infantil, quebrando paradigmas e redirecionando as políticas públicas para o seu combate;

3d animated golden brass push pino declínio dos preços das comodities agrícolas tem exigido novas técnicas de produção que reduzam custos e agreguem valor aos produtos, ao tempo em que abrem renovadas perspectivas para os países que possuem reserva de área para expansão horizontal;

3d animated golden brass push pinas negociações na OMC, e mesmo as bi-laterais, tenderão a suavizar os subsídios agrícolas dos países ricos, abrindo novas oportunidades comerciais para países que se encontravam sufocados pelo protecionismo primeiro mundista;

3d animated golden brass push pina agricultura orgânica ganha espaço junto aos consumidores, gerando a abertura de um mercado diferenciado junto aos países ricos;

3d animated golden brass push pincomo parte do esforço global de combate à fome, cresce a demanda por técnicas de produção ajustadas à agricultura familiar e ao auto consumo;

3d animated golden brass push pina biotecnologia e a agricultura de precisão dominarão o cenário da produção agrícola em larga escala, tornando competitivos os produtores que se utilizarem dessas tecnologias.

O tamanho do desafio

É hora de pensar como Sílvio Santos e investir nos pobres, por vezes sem emprego e quase sem renda que, entretanto, compra tudo o que o comunicador põe à venda. Quando ofereceu computadores a preços equivalentes à concorrência, seu plano de negócios teve que ser redimensionado a maior, tamanha a procura. Da mesma forma, quem hoje tem fome e não tem renda, não está condenado ad aeternum ao inferno em vida. É interessante dissecar os números da indignidade famélica à cata de oportunidades, investindo nos pobres quando todos pensam apenas em vender para os ricos.

De acordo com estudiosos, os países em desenvolvimento serão responsáveis por 85% do acréscimo da demanda até 2020. O consumo de cereais salta de 1.800 milhões de toneladas, em 2000, para 2.466 milhões em 2020. Apenas o acréscimo equivale a 6,6 vezes a próxima safra brasileira de grãos. Em relação às carnes, a demanda cresce de 198 para 313 milhões de toneladas. Neste último caso, o consumo de carne cresceu três vezes mais nos países pobres em relação aos ricos de 1970 até hoje, e dobrará até 2020 nos países pobres, sendo parcialmente responsável pelo aumento na demanda de cereais. Estima-se que a produção de milho será maior que a de arroz ou trigo em 2020, em virtude da demanda por ração animal.
 

Embora a produção deva crescer especialmente nos países sub-desenvolvidos, a estimativa é que esses países deverão importar quase 200 milhões de toneladas, em 2020. A incredulidade com a capacidade brasileira de realizar o seu potencial é tamanha que os formuladores de estratégias de longo prazo arriscam que 60% das exportações serão efetuadas pelos EUA. Os demais 40% viriam preponderantemente do Leste Europeu e de países da ex-URSS, além da Europa e Austrália. Por conta dessa previsão de produção em países que não detêm as condições edafo-climáticas do Brasil, prevê-se crescimento lento da produtividade e uma desaceleração na queda de preços, comparativamente ao período 1980-2000.

O cenário projetado prevê aumento de 9% no consumo per cápita de calorias, que atingiria 2800 kcal diárias no mundo subdesenvolvido. Prevê também uma redução de 15% na desnutrição infantil, que ainda afetaria 115 milhões de crianças com menos de cinco anos em 2020. Os bolsões persistentes de pobreza e fome estariam concentrados no Sul da Ásia e na África Sub-Saara, onde também se concentra outra indignidade humana representada pelas doenças tropicais e pela AIDS endêmica, que atinge percentuais elevados da população.

 

Mudando o cenário

Sem qualquer viés nacionalista, o Brasil é um dos raros países que podem mudar o cenário da oferta de alimentos no curto prazo, melhorando significativamente o cenário descrito acima. Estive recentemente tanto na Europa Ocidental quanto no Leste Europeu. Cada qual tem suas mazelas, o primeiro viciado em subsídios, o segundo destroçado pelo malfadado experimento comunista, enxergando nos subsídios europeus sua saída para o futuro. A Austrália é um enorme semi-árido, com pesados custos de produção, e os EUA estão chegando no seu limite territorial de expansão da área cultivada.   Para o Brasil, produzir escassos 200 milhões de toneladas de grãos e 120 milhões de toneladas de carnes significaria incorporar 40% da área disponível apenas nos Cerrados do País. Para tanto, é necessário ter visão de futuro, capacidade empreendedora, investindo na geração de tecnologia própria, na assistência técnica, na infra-estrutura e em um sistema de sanidade agropecuária à prova de qualquer barreira que venha a ser contraposta por concorrentes que não detenham nossas condições naturais de competitividade.

Participação percentual de países e regiões selecionadas,
no aumento da demanda por cereais e carne até 2020

 

Cereais

Carnes

China

24,9

40,5

Índia

12,6

4,3

Restante da Ásia

14,2

12,8

América Latina

11,7

16,4

África Sub Saara

10,6

5

Oeste Asiático e Norte da África

10,1

5,6

Países desenvolvidos

15,9

15,4

Fonte: IFPRI - IMPACT

Custo terrorismo

Décio Luiz Gazzoni

Os quatro aviões seqüestrados por malucos fanáticos mataram e destruíram em Nova Iorque e Washington, mas seus estilhaços ainda estão no ar e podem atingir alvos inesperados. A pergunta que não quer calar, para a qual não há resposta no momento, é como será a nova era iniciada em 11 de setembro negro. Em nosso ramo, interessa saber como se comportará a economia em geral e os agronegócios em particular. Estamos todos com a respiração suspensa, pois não há elementos objetivos para traçar cenários claros, sendo possível, a partir dos mesmos elementos, efetuar prognósticos antípodas.   Guerra, sim ou não?
As inquietudes para as quais não há resposta: Haverá conflito? Quem contra quem? Países produtores de petróleo? Que abrigam terroristas? Guerra com tropas ou só com aviões? Como será a contra-represália terrorista? Quantos países alinharão com os EUA? Qual a posição da China e da Rússia? E do Brasil? Que restrições e exigências imporão? Sem essas elucidações, há elevado grau de incerteza e terreno fértil para especuladores. Primeiro corolário: tudo o que for dito, até que o ambiente desanuvie, será fluído. Segundo corolário: não acredite nem em seu pai, ouça o maior número possível de analistas, para formar sua opinião. Lembre que, por enquanto, o impacto político foi maior que o econômico.

Finanças
Já no dia 11 os bancos centrais agiram com racionalidade e sangue frio liberando centenas de bilhões de dólares. O Fed e o BCE reduziram as taxas de juros. Os EUA operam com prime rate de 3% para uma inflação de 1%, o que gera um juro real de 2%, sonho platônico de todo o agricultor brasileiro. Especu’lações de primeira hora levaram o preço do petróleo a US$32/barril, as bolsas despencaram ao redor do mundo, o dólar desvalorizou frente ao iene e ao euro e o real frente às moedas fortes. Olhos postos na NYSE, o mundo aguardava o juízo final no dia 17, porem o recorde negativo de 7% do Dow Jones foi recebido com alívio, porque se esperava uma queda muito maior. Devido ao esforço de sustentação dos mercados, a Bovespa reagiu com alta de 5%, as principais bolsas européias e asiáticas fecharam em alta. No curto e médio prazo haverá restrições sérias ao afluxo de capitais a países emergentes, o que criará um problema para o fechamento das contas externas do Brasil e que poderá decretar a falência da Argentina.
  Economia
O custo de transação do mercado atingiu novo patamar e dele não descerá. Transportar mercadorias ou passageiros ficou mais arriscado, logo passagens, fretes e seguros estão mais caros. O investimento institucional e empresarial em segurança passa a ser muito maior. É o custo terrorismo, a ser pago por todo o sistema. Como a riqueza ao redor do mundo ficou do mesmo tamanho, a apropriação de recursos por parte desse setor retira quase o equivalente do consumo de produtos. Movimentos de formação de estoques são normais em períodos de conflitos, em especial de produtos e materiais estratégicos como petróleo, alimentos e metais preciosos, levando ao seu encarecimento. A intensidade e a duração do ciclo de estocagem depende da resposta às perguntas acima: caso não haja um conflito militar, a bolha especulativa esvazia-se de imediato. Por outro lado, um conflito de proporções fará com que esses produtos sejam valorizados e a alta de preços sustentada. Nesse caso, todo o bem ou produto útil ao esforço de guerra terá seu valor elevado, em função da demanda. O fluxo de turismo será consideravelmente reduzido, haverá redução do faturamento de empresas aéreas, com graves riscos de falências. O desemprego no setor será recorde, e afetará a demanda de alimentos para esse segmento.

Agropecuária
O impacto no curto prazo foi pífio, nada além do travamento do mercado e da paralisação de negócios por falta de referenciais. Enquanto fervilham as investigações e as ações diplomáticas para definir a forma de reação, os mercados permanecem em stand by, sem perder sua lógica, movidos pelas avaliações de safras, demanda e estoques. Sequer a disponibilidade de dinheiro a juros baixos levou a movimentos especulativos. A explanação mais provável é que o mercado não vislumbrou a iminência de um conflito armado de proporções, que pudesse interferir na produção e transporte de agro-produtos. No médio prazo, pode-se esperar uma introversão das grandes potencias, desacelerando ou fechando programas de ajuda alimentar a países miseráveis, inclusive os capitaneados pela FAO. Como fome somente se transforma em mercado quando há dinheiro para adquirir alimentos, menor solidariedade internacional com os famélicos diminuirá a demanda por alimentos, derrubando preços e acirrando o protecionismo. Um aumento do preço do petróleo significa incremento no custo da energia e dos insumos (agrotóxicos e fertilizantes), já encarecidos por conta do custo terrorismo (fretes e seguros).
  Protecionismo e sanidade
No longo prazo, outros aspectos merecem atenção, independente de conflitos armados. O primeiro diz respeito ao protecionismo. A águia americana está ferida e seu governo necessitando juntar os cacos, unindo a sociedade em torno de sua proposta de combate ao terrorismo. Assim, pequenas (sob a ótica americana) concessões como a manutenção ou mesmo a elevação de subsídios e outras formas de protecionismo é perfeitamente factível. Não vislumbro entraves orçamentários que venham a reduzir recursos destinados aos subsídios agrícolas, em função do esforço de guerra ou do aumento de atividades de segurança. O orçamento fiscal dos EUA é superavitário e a opção pelo déficit significa menor custo político que abrir rachaduras na base de sustentação interna. Considere-se que alimento é uma questão estratégica. Em momentos de conflito os estrategistas recomendam independência de suprimento externo, a qualquer custo. O segundo aspecto é o endurecimento das exigências sanitárias pois, por mais tétrico que isso pareça, terroristas poderiam contaminar alimentos, usando-os como arma, a exemplo do que fizeram com aviões civis. Esse expediente lúgubre já foi utilizado por outros monstros insanos e não é descartável. Para fazer frente às novas exigências, o Brasil teria que ampliar ainda mais seu esforço de pesquisa por parte da Embrapa e parceiros, e da fiscalização sanitária cometida ao MAPA.

Recuperação econômica

O mundo estava em processo de desaceleração econômica, rumando para uma recessão global. Os três grandes motores da economia mundial (EUA, Europa e Japão) não respondiam à receita ortodoxa para reversão da curva de atividade econômica. O Japão, por problemas estruturais, que não consegue equacionar há uma década. E os dois restantes não conseguem recuperar-se das apostas super dimensionadas em empresas de alta tecnologia. Os economistas têm explicado o fenômeno pela falta de confiança dos consumidores na economia. Ou seja, apesar de reduzir juros, disponibilizar maior volume crédito, manter a inflação em baixa, conter o desemprego em níveis civilizados, os governos não estavam transmitindo segurança aos consumidores para que abrissem a guaiaca, dando a partida a um novo ciclo de desenvolvimento.   O efeito terror pode atuar de duas formas completamente diferentes sobre os corações e mentes das pessoas: por um lado, pode acirrar o sentimento de insegurança, levando a um nível mais elevado de poupança, postergando o consumo e a conseqüente recuperação econômica. Esse é um dos componentes da recessão japonesa, que poderia contaminar o mundo. Por outro lado, a sociedade de brios feridos poderá ser oportunisticamente motivada, através de um viés nacionalista, a engajar-se em um esforço de recuperação econômica, para demonstrar pujança e liderança. Agregue-se o aumento dos dispêndios governamentais em segurança, comunicação e informação, que teriam um irônico efeito positivo sobre a economia. Qualquer dos dois cenários, inclusive os intermediários, é sustentável. Somente o tempo, senhor da razão, vai transparecer os sinais do rumo a tomar.

 Postura brasileira

A diplomacia brasileira, tradicionalmente, não assume posturas de alinhamento automático. Atos terroristas são absolutamente condenáveis. Entretanto, é importante refletir sobre sua motivação, até como forma de eliminar ou prevenir a ação de terroristas. O Brasil é um país multi-racial por formação, aqui convivem cidadãos de múltiplas descendências. Não há conflitos étnicos no país e até os casos de racismo estão umbilicalmente associados à condição econômica. É importante que o Brasil assuma uma posição firme de repúdio a qualquer ato terrorista, porém é transcendental que se entenda que o Brasil tem mais a perder que a ganhar com seu envolvimento direto em qualquer conflito. O Brasil deve aproveitar essa oportunidade para propor uma agenda que auxilie a solver algumas das causas do terrorismo. Afora as disputas geográficas, a opressão econômica é um propulsor dos terroristas, a partir da falta de perspectivas pessoais e nacionais, sendo a religião usada como motivador para ações radicais, como o suicídio. Devemos iniciar propondo ações positivas para acabar com todo o tipo de racismo e discriminação, e negando apoio a ditadores sanguinários que vampirizam seu povo.   É o momento de rever o fosso entre ricos e pobres, de implementar uma coordenação econômica mundial para evitar os ciclos recessivos de pobreza; de implantar a Tobin tax, domando capitais especulativos que arrasam países inteiros, criando o caos econômico e social. É hora de por um basta no protecionismo comercial, na exploração de recursos naturais e na pirataria da biodiversidade, que tiram qualquer oportunidade de um país pobre almejar uma vida digna para os seus cidadãos. Precisamos de ações definitivas para dar sentido à vida aos 800 milhões de famélicos do mundo. Os EUA poderiam dar o exemplo de sensibilidade com os problemas globais e cumprir o Protocolo de Kyoto. Last but not least, ainda falta uma adesão plena ao Tratado de não Proliferação de Armas, as ações militaristas internacionais deveriam restringir-se ao absolutamente necessário para preservar vidas humanas ameaçadas, e as vendas de armas deveriam sofrer as mesmas restrições aplicadas ao tráfico de drogas. Embora condenável por qualquer ângulo que se analise, o holocausto de 11 de setembro pode passar para a História como o marco que deflagrou uma era: a era da globalização da justiça. Que beneficiará a todos e terá um efeito positivo sobre todos os cidadãos e empresas que atuam na produção de alimentos.

 

OMC, ALCA e as contradições americanas

Décio Luiz Gazzoni

Vamos colocar a questão como se fosse o Campeonato Brasileiro, para melhor entendimento. As regras do campeonato devem ser iguais e valer para todo o mundo. Entretanto, alguns times poderiam entender que são mais iguais que os outros e impor regras próprias para garantir o seu passado de glorias e a sua sobrevivência futura. Mesmo que isso significasse acabar com o passado e o futuro dos outros. Até mesmo o meu time, o super-campeão Grêmio de Porto Alegre, poderia ser tentado a colocar algumas regrinhas que o beneficiassem (embora não precise delas!). Por exemplo, poderia estabelecer que, em média, todos os jogos valeriam três pontos. Porém, os jogos contra Flamengo, Corinthians e Internacional, que são seus fregueses habituais, valeriam seis pontos. Com outros times onde a parada é mais dura, valeriam apenas um ou dois pontos. Poderia até estabelecer a cota de gols que o outro time poderia aplicar na sua defesa, ou extorquir uma sobretaxa da renda da partida para todos os gols excedentes ao primeiro. Poderia dar um "subsídio" de 2 pontos a cada derrota do time. Poderia também ampliar o exame anti-doping, incluindo mais substâncias proibidas do que as definidas pelas regras, válidas apenas para seus adversários. Convenhamos, um campeonato unilateral assim não interessaria aos outros participantes.   Agropecuária no contexto do PIB
Existe um contraditório entre o discurso e a prática comercial dos EUA, o que nos desfavorece profundamente. Para o Brasil os agronegócios representam mais de 20% do PIB, 25% dos empregos e mais de 40% do ingresso de divisas. Prevê-se para 2001 um equilíbrio entre as contas de importação e exportação. Porém, como se estima o superavit das exportações agrícolas em US$15 bilhões, o déficit dos demais setores deverá aproximar-se desse valor. A agropecuária é muito importante para a formação de capital no Brasil, seja por sua dimensão, pelo menor prazo de maturação ou pelo menor volume de investimentos necessários. Quando todos os governos do mundo debatem-se com a questão do desemprego e suas conseqüências, o Brasil não pode desconsiderar o setor que emprega um quarto da população. Finalmente, a agropecuária é o único setor que pode, no médio prazo, produzir excedentes cambiais para nos liberar do garrote da dívida e de seu serviço, que empacam o desenvolvimento do Brasil. Enquanto isso, nos EUA os agronegócios representam menos de 10% do PIB, a mão de obra empregada não ultrapassa 10%, o peso da balança comercial na arrecadação de divisas é preponderantemente inferior ao dos serviços, e a contribuição dos agro-produtos é marginal.

Alíquotas e quotas

Recentemente, ao participar de uma reunião no USDA, ouvimos um conferencista posicionar a economia americana como a mais aberta do mundo, pelo critério da tarifa média de importação. O que é verdade, pois a média flutua entre 4 e 5%. No entanto, foi necessário lembrar ao prelecionista que, por ser a maior economia do mundo, o universo comercial americano abrange dezenas de milhares de mercadorias, com diferentes graus de competitividade. Para aqueles itens em que não há possibilidade de produção interna, ou que não há conflito com outras mercadorias produzidas localmente, a alíquota de importação é baixa. Igualmente, para produtos nos quais os EUA são altamente competitivos, detém o controle do mercado, possuem tecnologia avançada e poucos competidores externos, as alíquotas também são baixas.  

Entretanto, para setores nos quais os EUA não conseguem competir adequadamente, esse país mantém 150 produtos tarifados acima da alíquota máxima do Imposto de Importação Brasileiro. Eis o ponto G: mais de 70% desses produtos são provenientes da agropecuária! Entre eles alguns entravam os agronegócios brasileiros, como o suco de laranja, cacau, derivados do leite, tabaco, açúcar, etc. Tamanha é a inferioridade competitiva americana nesse segmento, que apenas a proteção tarifária não lhe confere o necessário suporte, obrigando o recurso a cotas de importação. O caso do açúcar é didático, e as cotas impostas ao Brasil claramente nos desfavorecem em relação a outros concorrentes, porque somos altamente competitivos, e justamente por sermos competitivos somos o primeiro produtor e exportador mundial de açúcar. O álcool de cana cai no mesmo padrão, até por ser proveniente da mesma matriz produtiva do açúcar.

Protecionismo

Cotas e alíquotas proibitivas não são suficientes para transmutar o agricultor americano de deficitário em competitivo. Nem mesmo a imposição de sobretaxas, como a aplicada ao suco de laranja, em que o exportador brasileiro é obrigado a doar o equivalente a três toneladas de soja para poder vender uma tonelada de suco aos americanos. Algo assim como fazer transfusão de sangue do pedestre atropelado ao camioneiro que o atropelou. O arsenal casuístico não se esgota nos aspectos financeiros. Restam as barreiras para-fiscais, técnicas e sanitárias.   Essas, mesmo quando lisamente brandidas, são fruto do esmiuçar à cata de algo que possa retardar, onerar, entravar, de alguma forma complicar uma exportação brasileira. Sobre um aparato institucional de dezenas de milhares de cientistas e um batalhão assemelhado de oficiais de defesa agropecuária, não é difícil para os EUA argüirem questões sanitárias contra nossos produtos, mantendo-nos permanentemente na defensiva, tendo que explicar a todo o instante que não existe chifre em cabeça de cavalo.

 Subsídios

Quando tudo o mais não foi suficiente para conferir competitividade, entra o Tesouro Americano e pergunta, como na canção de Vicente Celestino: "Machucou-se o pobre filho meu?". No ano passado a resposta foi: "Sim, mamãe Tesouro. Nesse caso você poderia me arranjar uns 30 bilhões de dólares para cobrir a minha ineficiência?" E a mamãe deu! Vamos a algumas comparações: O subsídio aos agricultores americanos no ano fiscal de 2000 equivaleu a mais de 200% do valor médio expendido entre 1990 e 97; correspondeu a 35% de todo o valor do agronegócio brasileiro, ou a 80% do valor da produção brasileira dentro da porteira; aproximou-se do valor da exportação do agronegócio brasileiro; o subsídio à soja equiparou-se a dois terços das exportações do complexo soja brasileiro.   Os EUA acrescentam, em forma de subsídio, 60% a mais de renda líquida aos seus produtores. E aí vem o contra-senso, porque o acordo da OMC é claro nos conceitos (comércio liberalizado, nada de subsídios) e mais claro ainda nas operações, quando aceitou conceder um período de graça aos americanos e europeus, subordinado à retirada gradual de toda a forma de subsídios (à produção, ao crédito, à exportação). Ao contrário do que pregam, e em oposição às regras internacionais que eles impingiram ao resto do mundo, os americanos aumentaram escandalosamente seus subsídios. Por exemplo, o "Loan Deficiency Payment" garante um preço para o produtor de soja de US$ 5,26 por bushel, o que significa risco zero para o produtor dos EUA, enquanto o brasileiro está totalmente entregue ao mercado.

 

  Modelo falido
Não há futuro para um modelo protecionista dessa ordem, a menos que todos os conceitos de livre comércio sejam jogados no lixo da História. Mesmo internamente os EUA praticam uma forma de discriminação entre seus produtores, pois os beneficiários maiores dos subsídios são os grandes agricultores, que embora detenham um quinto da área respondem por quatro quintos do subsídio recebido. Os demais sobrevivem como seus congêneres europeus ou japoneses, em regime de "part time", ou seja, tendo a agricultura mais como "bico" e auferindo renda de outros empregos, aposentadorias, aplicações financeiras, etc. Assim como o Brasil foi forçado a encarar o monstro impiedoso da abertura de seu mercado e da liberalização comercial, que quase decepou nossa industria têxtil ou de autopeças, que aniquilou o cultivo de algodão, também a agricultura dos EUA deverá marcar encontro com a verdade dos fatos. Mesmo que seja para reerguer-se em outras bases e em outros padrões financeiros, comerciais e tecnológicos, como o Brasil o fez. E, de quebra, diminuir o ódio mortal que os EUA inspiram na população dos países onde o protecionismo comercial gera fome e pobreza.
 

 

OMC
A primeira oportunidade pode ser em novembro, na reunião da OMC, em Doha, no Qatar (se a situação de beligerância no Oriente Médio o permitir). O Grupo de Cairns, formado por países que exportam produtos agrícolas (Brasil entre eles) luta para que sejam retirados os entraves às suas vendas, como as barreiras tarifárias e sanitárias, têm se reunido freqüentemente e deixado claro que não aceitam mais ser bobos da corte. Para vender óleo de soja na Europa pagamos 6,4%, no Japão 25%, nos EUA, 19% e na China inacreditáveis 112%. Maior produtor de laranja do mundo, o Brasil paga US$ 418 por tonelada de suco vendida aos EUA, ou 15,2% ao vender na Europa. A partir da adoção de cotas de importação de açúcar brasileiro, para proteger a ineficiente industria de açúcar de beterraba dos EUA, nossa exportação se reduziu em dois terços. Alegando a presença de febre aftosa temos o mercado de carne fechado nos EUA. Segundo maior exportador de frango, os EUA não aceitam importar do Brasil sem a certificação do APHIS, burocrática, cheia de exigências, como a prova da ausência de New Castle, já banida de nossos aviários.
  ALCA
O segundo momento pode ser a negociação da ALCA. Está absolutamente certa a diplomacia brasileira, ao propor uma ação conjunta com o Grupo de Cairns. Corretissima a postura do Ministro Pratini de Morais, como acertadas estão as posições das instituições privadas brasileiras ao deixarem patente que somente iremos para a negociação da ALCA ou da OMC se todas as cartas estiverem em cima da mesa. A postura americana de tentar manter o status quo, ou agir como o time de futebol lá do primeiro parágrafo não nos interessa. Não é possível imaginar o Brasil como líder mundial da indústria de informática ou da exploração espacial, mas um cenário no qual o país desponte como líder dos agronegócios é perfeitamente factível. É por isso que negociar a ALCA somente faz sentido se for possível por um fim a protecionismos de toda a ordem, como subsídios, cotas, sobretaxas e outras barreiras. A única e solitária voz discordante foi a de Luiz Inácio Lula da Silva, ao elogiar entusiasticamente os subsídios que os franceses concedem à sua agricultura, que aumentam a pobreza nos países do Terceiro Mundo, inclusive no Brasil. Um acordo na ALCA ou na OMC, sem tratamento igualitário para todos os parceiros comerciais, equivaleria a retornar à Roma antiga com os nossos negociadores dirigindo-se ao Tio Sam dizendo: Ave Caesar, morituri te salutant!

 

Biotecnologia, pode-se fugir dela?

Décio Luiz Gazzoni

Em 1798, Thomas Robert Malthus publicou "Um Ensaio sobre o Princípio da População". Duzentos anos transcorreram e estatísticos, demógrafos, agrônomos, economistas além de políticos ainda debatem a questão por ele exposta. Poucos sabem que as idéias de Malthus derivaram de análises contestatórias sobre o trabalho de William Godwin (1756-1836), cujo ensaio sobre justiça e política propugnava uma sociedade mais igualitária e uma economia voltada para acabar com a pobreza. Malthus partiu de duas premissas ("O alimento é necessário para a existência do Homem" e "A paixão entre os sexos é necessária e permanecerá para sempre aproximadamente no status atual") para derivar sua teoria que rezava: "A capacidade de crescimento da população é infinitamente superior à capacidade da terra em produzir alimentos. A população, na ausência de restrições, cresce de forma geométrica. O alimento cresce somente de forma aritmética".   Após dois séculos, ainda assistimos ONGS, fundações filantrópicas, o Fundo das Nações Unidas para a População, entre outras organizações, discutindo a velha questão do acesso à alimentação. Por propositura do Engenheiro Agrônomo e Senador Osmar Dias, o Congresso Nacional devotou a sessão de 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação, para discutir o tema. Desde Malthus, a Humanidade observa a corrida entre população e oferta de alimentos. A percepção dominante é a de que Malthus formulou sua teoria considerando suas premissas como imutáveis, seja sob o aspecto das taxas de crescimento populacional, quanto dos meios de produção de alimentos, como Natureza, Capital e Trabalho. O filósofo não tinha como antecipar fenômenos de conflitos por espaço geográfico, emprego e renda, a melhoria da esperança de vida e das condições de saúde das populações, bem como o acesso à informação, que tem levado ao declínio constante das taxas de incremento populacional. Por exemplo, prevê-se uma estabilização da população mundial por volta do ano de 2050, na faixa de 10 bilhões de habitantes.

Malthus revisitado
Malthus estaria certo ao prever o esgotamento das fronteiras agrícolas, porém sua equação deixou de considerar a Tecnologia como um dos meios de produção. O pensador não está só. Até hoje economistas ortodoxos não enxergam a tecnologia como tal. Entretanto, foi justamente a tecnologia que permitiu afrontar a previsão malthusiana. Apenas no século XX, observamos três grandes revoluções tecnológicas: a física (mecanização das lavouras), a química (uso de fertilizantes e agrotóxicos) e a biológica (revolução verde).
  Fruto dos avanços tecnológicos, a produtividade da agricultura vem crescendo de forma sustentada, permitindo a expansão da produção de alimentos além dos índices da progressão aritmética que a simples incorporação de área permitiria. Aliás, o Brasil é um dos exemplos mais didáticos nesse particular: Nos últimos 15 anos o acréscimo líquido de área agrícola foi marginal, porém a produtividade cresceu avassaladoramente, situando-se acima de 60% para algumas culturas, como o algodão e o arroz, graças aos avanços tecnológicos propiciados pela Embrapa e pelos demais institutos de pesquisa.

Reflexões
No limiar do século XXI, gostaria de propor duas questões para reflexão. A primeira delas diz respeito ao fato de que, apesar de todos os avanços na produção de alimentos e da contestação do apocalipse previsto por Malthus, ainda temos 800 milhões de homens, mulheres e crianças famintas no mundo, de acordo com a FAO. Estima o mesmo órgão que 20 milhões de crianças vão a óbito todo o ano, por fome ou doenças decorrentes da desnutrição. Por tétrica que pareça a comparação, equivale à mortandade causada pela destruição de nove torres gêmeas do World Trade Center a cada dia! Isso demonstra que, além de tecnologia, precisamos de justiça e solidariedade no mundo, em especial conceder uma chance aos países pobres, que têm na Agricultura sua única possibilidade de sobrevivência. Enquanto os países ricos protegerem a sua agricultura com subsídios escrachantes, haverá a condenação de centenas de milhões de pessoas ao desemprego, à fome, às doenças e à morte, in extremis ao terrorismo.
 

A segunda reflexão, mote deste artigo, embute uma polêmica típica dos momentos de revolução. Assim foi com o Renascimento nas artes, com o motor a vapor no início da Era Industrial, com o telefone para as comunicações. Todos os avanços tecnológicos embutem ameaças e oportunidades, riscos e benefícios. Assim foi com a mecanização, que permitiu o surgimento da escala na agricultura, reduzindo custos fixos e permitindo saltos na produção e na produtividade. Entretanto, a mecanização favoreceu a concentração fundiária e expulsou o homem do campo. Da mesma forma, agrotóxicos eliminaram pragas, porém espécies não visadas também foram atingidas, inclusive o próprio homem foi envenenado pela solução que criou para controlar pragas. Normam Borlaug liderou uma expansão agrícola sem precedentes no cultivo de cereais, à custa de cultivares mais produtivas, porém mais suscetíveis à pragas e dependente de insumos químicos. Chegamos agora ao limiar de uma nova revolução, que é a biotecnológica.

Amor e ódio


Analisando a História, verifica-se que a questão que nos é posta é a mesma de toda e qualquer revolução anterior: Devemos mudar o paradigma? Os benefícios superam os riscos? Vale a pena ingressar no "buraco negro"? Dessa vez vamos até mais longe: pode o Homem fazer às vezes de Deus?
  As expectativas são contraditórias. De uma parte espera-se que Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) sejam a grande alavanca para que os termos da equação da demanda e da oferta de alimentos se equilibrem no ponto futuro mais próximo possível, e que a fome seja debelada do mundo. Espera-se mais: os OGMs deveriam prover também melhorias qualitativas, nutricionais e no limite das projeções atuais, transformar plantas e animais em bio-fábricas de substâncias farmacologicamente ativas, como medicamentos, hormônios, vacinas, enzimas, etc. De outra parte, vade retro Satanás!, exorcizam ONGs, MSTs e assemelhados, vendo na nova tecnologia a encarnação de Belzebú e os sinais do Fim dos Tempos.

Mercado

Para polemizar a questão, quero temperar a análise com algumas colocações que me parecem pertinentes. A primeira delas é que "Fome não é mercado". Sob essa visão, a solução para a fome não está na ampliação da produção ou da produtividade, porém na busca de um mundo justo. Este é um problema que não compete à tecnologia agrícola resolver a priori, competindo-lhe prover a oferta adicional gerada a partir de decisões políticas de solidariedade entre os povos. A segunda questão nos remete para a "Era da competitividade". A menos que bin Laden e assemelhados se encarreguem de mudar o pensamento dominante, podemos criticar, assacar lamúrias, queixas e lamentações contra o livre mercado, a globalização, o FMI, a OMC e qualquer ícone que viermos a escolher, porém não há como fugir da lógica do mercado.   A crer que essa premissa será o paradigma dominante nas próximas décadas, ouso antever à Malthus que, em dez ou quinze anos, não haverá planta cultivada ou animal de importância econômica que não tenha sua exploração comercial baseada em cultivares, variedades ou raças geneticamente modificadas. Não vislumbro como antepor por muito tempo a argumentação difusa que tem caracterizado a argumentação anti-OGM, focalizada em eventuais riscos à saúde humana e ao ambiente, sem um sólido suporte de resultados científicos irrefutáveis. E esses pressupostos não têm resultado em evidências científicas incontestáveis. A persistir o status quo, o mercado será avassalador na busca de novas vantagens comparativas, para transformá-las em vantagens competitivas, em novas formas de redução de custos ou agregação de valor, em novos nichos ou mesmo novos mercados. É da lógica do Mercado proceder aut Caesar aut nihil, ou algo que beira a inevitabilidade.

Brasil
Chegamos ao busílis da questão. Acho que o Brasil teve uma oportunidade de ouro para refletir sobre seu ingresso na era da agricultura biotecnológica, com a moratória oficial forçada pela decisão da Justiça de não permitir o cultivo de OGMs em nosso país, até o momento. Livre da pressão, auscultamos o mercado, e andamos no fio da navalha entre a pressão produtivista de quem busca aumentar sua competitividade, como os EUA, a Argentina, a China, entre outros, e a reação negativa dos consumidores. Em especial na Europa, abundam razões para o cidadão desconfiar da proteção que o Estado pode lhe conferir depois da seqüência de fiascos a que foram expostos os desaparelhados sistemas de fiscalização dos países europeus (vide vaca louca, febre aftosa, ração com dioxina, sangue contaminado com AIDS, fungicida em refrigerantes, entre outros). Porém, os sinais que vêm dos Governos indicam que a contínua regulamentação dos OGMs levará a inexorabilidade de sua introdução no Velho Continente, arrastando consigo outros países. Para não falar em países miseráveis, onde é fácil inferir qual será a escolha popular se as opções forem a fome ou alimentos geneticamente modificados.
  A crer nas premissas acima, não haverá como o Brasil isolar-se da corrente dominante do pensamento científico e tecnológico e do rumo assestado pela bússola do mercado globalizado. Estando correto o que é veiculado na mídia e propalado por fontes extra-oficiais, centenas de milhares de hectares são cultivados no Rio Grande do Sul com soja RR, contrabandeada da Argentina, o que é a comprovação da nossa argumentação sobre a inexorabilidade das forças do mercado. Cabe à nossa geração, em especial às suas lideranças e aos formadores de opinião, conduzir a agricultura brasileira nessa fase de transição, vez que será difícil fugir do padrão que for ditado globalmente. O que precisamos é usufruir dos benefícios da biotecnologia, refratando as ameaças e os perigos inerentes a qualquer break-through tecnológico. Para tanto, nossos laboratórios não podem descolar-se do estado da arte de seus competidores em outros países, nossos cientistas devem participar dos debates científicos onde quer que ocorram, nossos políticos e negociadores devem ter participação de proa nos foros onde se estende a cabeça de ponte para o novo patamar tecnológico. Negar a realidade que está à nossa frente é agir como a avestruz com sua cabeça enterrada no solo, ao menor sinal de perigo.

Sinal dos tempos

Décio Luiz Gazzoni

Estamos testemunhando uma das maiores revoluções nos valores exaltados pela sociedade. Silenciosa e continua, contrasta com a postura de ícones facilmente observáveis na década de 60, como os estudantes na Rive Gauche liderados por Daniel Cohen-Bendit. Aliás, em alguns aspectos, a revolução que se iniciou no final dos anos 80, e prossegue potencializada neste inicio de milênio, é uma contra-revolução em relação a algumas bandeiras desfraldadas há um quarto de século. Nada escapa do furacão contestador, desde sistemas políticos (Moscou que o diga) a comunicações (alguém sobrevive sem Internet?), do renascimento provocado pela expansão de religiões e seitas, ao vendaval ético que exige enterrar práticas condenáveis. Ou alguém imaginava os quatro mosqueteiros (ACM, Jader, Maluf e Estevão) tendo que responder à Justiça e à sociedade pela infâmia de seus atos?   Sintonia fina
Na semana que passou, tive a oportunidade de testemunhar um processo de busca de sintonia com a sociedade. A maior empresa produtora de insumos agrícolas do mundo está definindo o elenco de seus valores na interação com a sociedade. Para tanto, está realizando seis workshops, nas regiões agrícolas mais importantes do planeta, obviamente o Brasil sendo uma delas. Em cada workshop, foram convidados 10 stakeholders (formadores de opinião), representando diferentes segmentos sociais, cuja missão era dizer à direção da multinacional o que está em alta e o que está em baixa junto à sociedade. Por algum motivo obscuro este escriba foi convidado para representar a comunidade de C & T e os profissionais de Agronomia de nosso país, tendo a honra de compartilhar opiniões com destacadas lideranças nacionais.

 

Missão e negócio
Tempo houve - e muito recente - em que missão e negócio sequer eram explicitados. Importava produzir alguma coisa e tratar de vendê-la na maior quantidade e com o maior preço, apropriando-se da maior parcela possível dos recursos que circulavam na cadeia do agronegócio. Aliás, sequer havia o conceito de cadeia, era muito mais cada um por si e Deus por ninguém, que o Santíssimo tinha mais o que fazer que imiscuir-se nos nada santos meandros negociais. Não importava quão adequado era o produto ou o serviço ofertado (veja bem o termo, ofertado – a demanda em si pouco interessava, o fulcro concentrava-se em ofertar e vender), importava sim produzir cada vez mais e abarcar um mercado constantemente incremental. A interface com a sociedade era tão estreita quanto a necessária para atender esse exclusivo objetivo negocial.
  Novos valores
O que resultou do workshop acima aludido a principio não deve surpreender o leitor, porque os temas estão na mídia e nas discussões cotidianas. Porém, em uma reflexão mais profunda tenho certeza que o amigo vai concordar que é absolutamente incomum dizer a engravatados executivos, cujo emprego dependia exclusivamente da magnitude do último número da coluna direita do Balanço, que ele deve ter outras preocupações. Que deve preocupar-se com a ética nas relações comerciais. Que, em sua relação com o mercado e com a sociedade, é necessária uma transparência que beira a patrulha – nada de meias verdades ou interpretações forçadas, inverdades estão condenadas ao fogo do inferno empresarial. Compromisso com a comunidade, uma relação de troca, de simbiose, de ida e volta também faz parte dos valores cobrados pela sociedade.

Empresa e comunidade

Tempo houve – e muito recente – em que o solo, a água e as pessoas eram contaminadas com agrotóxicos, sem qualquer prurido, e o episódio da indústria da Shell em Paulínia (SP) é didático nesse particular. A projeção da conduta futura nem de longe admite atitudes similares. Foi dito com toda a clareza que a empresa produtora de um insumo é responsável por ele desde a sua síntese inicial, até a segurança alimentar do consumidor do produto agrícola, inclusas todas as etapas intermediárias dentro e fora da porteira agrícola. Todos somos responsáveis pela sustentabilidade da agricultura, pela segurança do ambiente e do cidadão, em especial as empresas produtoras de insumos.   Quando se fala de tecnologia de controle de pragas, seja através de agrotóxicos ou OGMs, a sociedade está exigindo algo mais que eficiência agronômica, impõe segurança e inocuidade. Ao final do evento, a alta direção da empresa ouviu que produzir e vender é um detalhe. Que o importante é atender os anseios dos clientes, ter compromisso com a comunidade, ser parceiro no desenvolvimento social, atuar com ética, responsabilidade e transparência, estar comprometido com a segurança do ambiente e dos cidadãos, quesitos que passam a ser componentes da competitividade setorial. Sinal dos tempos.

O perigo das espécies invasivas

Décio Luiz Gazzoni

Talvez o leitor não tenho ouvido menção sobre o GISP (Global Invasive Species Programme), o Programa Global sobre Espécies Invasivas. Trata-se de uma iniciativa multilateral, coordenada pelo Scientific Committee on Problems of the Environment (SCOPE), em colaboração com a World Conservation Union e a CABI International.

O objetivo principal do GISP é o de organizar os dados e as informações sobre espécies invasivas, permitindo uma ação coordenada dos governos e das organizações internacionais, para reduzir o impacto das espécies invasivas na ocupação de novos nichos. Em outubro passado participamos, como delegado do Brasil, de um workshop promovido pelo GISP para debater a questão.

 

Espécies invasivas
O que são, afinal, espécies invasivas? São as espécies de vegetais ou animais que se estabelecem em localidades diferentes daquelas em que eram encontradas naturalmente. Sob esse conceito, nem toda a espécie invasiva é, necessariamente, um problema. Trigo, milho, soja, batata, algodão, boi, búfalo, ovelha, entre outros, são espécies domesticadas pelo homem, que as utiliza com finalidade de produção de alimento ou fibra, e que tem uma utilidade comercial, fora de seus centros de origem. Entretanto, as espécies invasivas benéficas são claramente minoritárias em relação àquelas que causam problemas de ordem econômica, social ou ecológica. Grande parte das pragas agrícolas (insetos, fungos, bactérias, vírus, nematóides, plantas daninhas, etc.) constituem-se em espécies invasivas. A luta contra o ingresso de espécies invasivas soia constituir-se no ponto focal dos sistemas de Defesa Agropecuária.

Setores afetados
Diversos aspectos da vida social e econômica do mundo são afetados pelas espécies invasivas. A agricultura é um desses setores e qualquer agricultor tem consciência do problema. Para conferir uma dimensão econômica, o Congresso americano estudou o impacto de 43 insetos exóticos introduzidos nos EUA, no período de 1906 a 1991, concluindo serem eles responsáveis por perdas de US$ 92 bilhões à agricultura americana. No Brasil a maioria das pragas das plantas cultivadas constitui-se de espécies exóticas, com as quais temos que conviver e dividir os lucros. No entanto, o ambiente em geral é afetado pelo problema. As plantas invasivas são consideradas como a maior ameaça à biodiversidade de uma determinada região, pela dano potencial que podem causar, tendo em vista a ausência de controle biológico natural, posto que não houve uma co-evolução entre a espécie introduzida e as espécies que atuam como seus predadores ou parasitas.
  Ingresso de novas espécies
A introdução de novas espécies pode se dar por duas grandes vias: acidental ou intencional. A introdução intencional busca extrair um benefício de alguma ordem à comunidade na qual está sendo introduzida. Para tanto, todos os eventuais riscos são avaliados, a fim de garantir que essa introdução não signifique, futuramente, um perigo ao ecossistema que a hospeda. Já a introdução acidental pode ocorrer de diversas formas, como a migração paulatina, expandindo a área afetada de forma gradativa, incorporando novos ecossistemas ao longo do tempo. Pode também ser introduzida através de carregamentos de produtos agrícolas. Essa é a razão fundamental da inspeção de ingresso de produtos agrícolas em um determinado país. O fluxo de passageiros através do turismo ou de viagens de negócios pode ser uma importante fonte de ingresso acidental de novas espécies. Essa é a razão pela qual todos os países proíbem o ingresso de vegetais, animais, suas partes ou sub-produtos na bagagem de viajantes, pois podem conter como contaminantes espécies exóticas invasivas. Evitar que novas espécies ingressem no território brasileiro somente será possível com a conscientização e a educação de todo o nosso povo, tomando atitudes que evitem o risco de introdução, conseqüentemente evitando danos à nossa agropecuária e ao meio ambiente.

Globalização solidária

Décio Luiz Gazzoni

A quem argumentar que globalização e solidariedade são conceitos antagônicos e imiscíveis digo que concordo, em termos. Sete anos de OMC pariram um neo-colonialismo liderado pelos países ricos, que impuseram unilateralmente regras comerciais que os beneficiam. Ressalvando, contudo, o direito de não cumpri-las se, em alguma situação, estas não os beneficiem integralmente. Dois exemplos: o protecionismo agrícola que deveria ter sido reduzido, conforme os compromissos assumidos, e que na prática somente crescem; e as tentativas de quebra de patente, por parte do Canadá e dos EUA, do único antibiótico registrado para cura do antraz.

Doha, Qatar
O momento e o local da reunião da OMC deveriam servir para uma profunda reflexão dos países ricos. O momento é representado pelo impacto causado pelos terroristas suicidas que deixaram no ar uma mensagem que não vai se calar, e só não ouve quem não quer: combateremos a injustiça com terrorismo e o nosso preço será alto! E o local da reunião está no epicentro de uma região conflagrada, que vem sofrendo há décadas com o colonialismo, o intervencionismo e o descompasso nas relações de troca comerciais. O principal negociador do comércio agrícola americano é um dos surdos a esta mensagem, e destilou arrogância e prepotência em sua entrevista à Folha de São Paulo, deixando claro que os americanos vão exigir o cumprimento de todas as cláusulas comerciais que nos impuseram e que os beneficiam. Mas que vão aumentar, sim, o protecionismo aos seus agronegócios, na contra-mão do clamor do mundo por mais justiça. Estudos insuspeitos da Michigan University demonstram que a redução de um terço nas barreiras comerciais acrescentaria o equivalente a um PIB brasileiro ao comércio internacional. A sua eliminação total aumentaria o PIB mundial em US$2,8 trilhões. Ou US$500,00 per cápita. Será que Lula pensou nisso quando elogiou o protecionismo agrícola francês?
  Oportunidade
Pode parecer que nem o momento, nem o local da reunião ministerial da OMC são adequados. Ao contrário, julgo que é necessário ter a coragem de vislumbrar que o destino colocou o mundo em uma encruzilhada, e que temos uma enorme oportunidade de repensar o ordenamento mundial. Não é mais possível conviver ad aeternum com a divisão Norte-Sul, renda per cápita de US$35.000 contra US$60. Uma vida humana merece 600 vezes mais se nasceu no Hemisfério Norte? Porém, se nasceu ao sul do Sahara, a parte que lhe cabe neste latifúndio é fome, miséria e AIDS? E o que a reunião de Qatar tem a ver com isso? Tudo. A lógica aplicada nos conceitos de globalização, as regras comerciais, a selvageria financeira fazem parte da matriz que condena bilhões de pessoas a uma vida sem esperança e sem perspectivas. Países que têm na agropecuária sua única possibilidade de capital, renda, empregos e perspectiva de vida digna, têm essa via obstruída pela impossibilidade de competir. Não de competir com os agricultores de países ricos, porém com seus Departamentos de Tesouro, que subsidiam uma agricultura ineficiente, à custa da dignidade de centenas de milhões de cidadãos de países pobres.

Deus, Buda, Mohammed

Não interessa o credo, importa ter o vislumbre, a visão de futuro e a capacidade de interpretar os fatos, até de maneira premonitória. Enquanto persistir injustiça e discriminação tão grandes sempre haverá um caldo de cultura para ações extremistas. É o momento de conceder os anéis para não entregar o braço. Ou os líderes mundiais se reorganizam, propondo uma globalização solidária, com oportunidades para todos, regras justas e perspectivas de dias melhores, ou seremos todos obrigados a conviver com ameaças terroristas, com fluxos migratórios intensos, com a carnificina de 20 milhões de crianças morrendo de fome a cada ano, enquanto outros 800 milhões aguardam sua vez, sem ter suas necessidades alimentares atendidas.   Crescerá a AIDS e aumentará o Ébola, porque endêmicos nos países miseráveis, uma eterna espada sobre as cabeças de quem se julgava imune às vicissitudes dos desvalidos. Descrente que os nossos líderes possam alcançar tamanha alteza de espíritos, invoco Deus, Buda, Mahommed, Jeovah e até os nossos Tupã e Ogum, para que os abençoe e os ilumine a todos, e que Doha possa ser o marco de um mundo melhor.

 

Lição não aprendida

Décio Luiz Gazzoni

Em uma das proveitosas tertúlias intelectuais com o meu amigo Léo Ferreira, cientista da Embrapa, comentamos o dito do filósofo prussiano Friedrich Wilhelm Nietzsche, um dos maiores pensadores do século XIX: "Deus foi infinitamente sábio ao limitar a inteligência humana; porém, foi muito inábil em não limitar a sua ignorância". Com o tributo a Nietzche e o perdão do padre Marcelo, quero dizer que a principal mensagem do 11 de setembro negro não foi entendida pelas mais importantes lideranças mundiais. Destarte o avanço no acordo TRIPS (nada no acordo sobre patentes ou propriedade intelectual pode se sobrepor ao interesse da saúde pública), os países pobres pouco conseguiram na Reunião Ministerial de Qatar. Deus nos livre e guarde da necessidade de outro castigo para que a lição seja aprendida, referendando o dito de Nietzche.   Acordo sobre agricultura
A Assembléia Geral da OMC empacou na questão agrícola, a que mais interessava aos países emergentes. A Assembléia foi interrompida, os negociadores avançaram até alta madrugada tendo como pomo de discórdia o trecho: "...reduzindo paulatinamente os subsídios agrícolas, até sua completa eliminação". A União Européia não admite a expressão "...até sua completa eliminação". Os EUA insinuam que aceitam se a UE concordar, porém meu olfato detecta odor de fides punica, algo como dizer o que outro quer ouvir, não o que pretende fazer. A declaração de Qatar deveria lançar uma nova rodada de negociações, a rodada do Milênio, que fracassou em Seattle pela desinteligência acerca do protecionismo agrícola. Uma rodada de negociação é balizada pela declaração de lançamento, razão da discórdia em Qatar.

Protecionismo arraigado
A resistência à eliminação dos subsídios parece ter seu foco na França, país que teve seu protecionismo agrícola elogiado por Luiz Inácio Lula da Silva. Para sustentar milhares de ineficientes agricultores, que não sobrevivem à margem das gordas e inesgotáveis tetas governamentais, restringem-se os negócios de dezenas de países – e seus milhões de agricultores - que têm na agropecuária a mola mestra do seu desenvolvimento. Enquanto o mercado não se liberaliza, o Brasil deve investir em outras plagas, como é o caso da negociação com a China que ocorre esta semana em Brasília, e cuja filiação à OMC foi abonada em Qatar. A China, junto com Cingapura, Taiwan, Indonésia e Filipinas pode ser o bloco com maior potencial para os agronegócios brasileiros.
  Arranjo interno
O protecionismo do Primeiro Mundo é um potente entrave externo, porém o principal mata-burros é o interno. Enquanto o ambiente externo não desanuvia, temos que fazer a lição de casa, composta de: a) uma política agrícola permanente e de incentivo efetivo aos agronegócios; b) uma política fiscal consentânea com os interesses da Nação; c) uma política tributária que não signifique apenas arrecadar mais, porém que concilie justiça, racionalidade tributária e competitividade dos agronegócios; d) investimentos estruturais em transporte, energia, comunicação, armazenagem, portos, aeroportos, etc.; e) políticas sociais e ambientais harmonizadas com o agronegócio; f) produtividade, qualidade e competitividade nos produtos agrícolas; g) agressividade no comércio internacional; e h) finalmente, porém não menos importante, investimentos contínuos e sustentados em ciência, tecnologia e sanidade agropecuária.

Discurso de FHC na ONU

Durante o último final de semana dezenas de leitores ligaram ou enviaram e-mails perguntando se eu havia tido acesso antecipado ao discurso de FHC na abertura da Assembléia Geral da ONU. Não tive esse privilégio, como duvido que alguém teve, pois altas autoridades não divulgam seu discurso a priori, para que não perca o impacto, e porque pode haver alguma mudança de ultima hora. Creio que qualquer analista do ambiente internacional, desde que bem informado, teria escrito a coluna "Globalização solidária" (JL de 9/11).   Os leitores encontraram 14 pontos coincidentes entre a coluna e o discurso de FHC, iniciando pelo título. A bem da verdade devo dizer que admiro o sociólogo, pensador, acadêmico, filósofo e intelectual Fernando Henrique Cardoso. Se tivesse implementado 25% de suas idéias durante os oito anos em que exerceu a presidência, teria sido, seguramente, o melhor presidente da História do Brasil.

 

O novo milênio inicia em 2002

Décio Luiz Gazzoni

Ao menos para os efeitos do comércio internacional de produtos agropecuários, o milênio inicia mesmo no ano que vem. Em janeiro instala-se a Rodada do Milênio da OMC, foro multilateral de negociação das regras do comércio internacional. Mas também ganham corpo a negociação da ALCA, que envolve 34 países americanos, porém polarizados entre Brasil e EUA; e a negociação entre Mercosul e União Européia, mas que tem no Brasil o grande interlocutor do Mercosul. Para as três negociações, o prazo inicialmente estipulado vence em 2005. Como até uma caminhada de 1000 quilômetros inicia com o primeiro passo, esse será dado ao alvorecer do próximo ano. A jornada será árdua e a recompensa esperada, ao final da mesma, será um novo ambiente de comércio internacional, livre de protecionismos, artificialismos e barreiras de qualquer ordem. É o melhor cenário que o Brasil pode imaginar para embicar a proa rumo à liderança dos agronegócios mundiais, no curto espaço de uma geração.   Doha, Qatar
Até a quarta feira, 14 de novembro, parecia que nem a clara mensagem de bin Laden e assemelhados havia sido suficiente para chamar à realidade empedernidos corações e mentes dos negociadores do Primeiro Mundo, que insistiam em impor uma agenda que previa a manutenção do execrado protecionismo agrícola, ao tempo em que tentavam impingir novas e atordoantes restrições aos países emergentes, por conta das exigências ambientais, regras de investimento, concorrência e de compras governamentais. A conferência de encerramento da reunião ministerial da OMC atrasou em 24 horas para que negociações tensas pudessem parir a "Agenda de Desenvolvimento de Doha", uma declaração de princípios e intenções que, embora não assuma qualquer compromisso com resultados finais, põe a mesa para uma ampla rodada de negociações.

Os temas em jogo
Até o momento, a grande vitória ocorreu na restrição à aplicação do acordo de patentes e propriedade intelectual – o TRIPS – com o consenso de que "nada no acordo sobre patentes ou propriedade intelectual pode se sobrepor ao interesse da saúde pública". Os aspectos práticos dessa declaração serão objeto de negociação para incorporação no Acordo. Da mesma forma, os países concordaram em entabular "negociações destinadas a esclarecer e aperfeiçoar o artigo 6 do antigo GATT", que trata das regras anti-dumping, que vinham sendo usadas como barreiras por países ricos, toda a vez que aportava em seu território um produto proveniente de país pobre, com preço inferior ao produzido no país importador. Os temas mais encardidos versaram sobre comércio e investimento e comércio e política de concorrência. Numa verdadeira engenharia diplomática, foi remetido para a agenda da próxima conferência ministerial.
  Agricultura
Esse era o busílis da questão para o Brasil e para o grupo de Cairns – países que têm na agropecuária sua principal pauta no comércio internacional. A questão toda está no protecionismo conferido pelos países ricos à sua agropecuária, o que reduz dramaticamente o espaço negocial de países que não dispõem de fortunas para subsidiar uma agricultura ineficiente. De passagem é importante ressaltar que o protecionismo francês, o mais retrógrado e arraigado do mundo, foi candidamente elogiado por Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro passado, em sua visita à França. Por ser o líder da corrida sucessória no presente momento, se empossado na Presidência será o responsável pelas diretrizes da pauta brasileira de negociação, razão pela qual é muito importante saber o que o candidato pensa a respeito do protecionismo agrícola dos países ricos.

A proposta
Numa linguagem apenas acessível a iniciados nos meandros diplomáticos, a declaração de Doha reza: "Concordamos que negociações em assuntos relevantes de implementação devem ser parte integral do programa de trabalho que estamos estabelecendo". Tradução: Os países ricos haviam se comprometido, no acordo de Marraqueche de 1994, a reduzir drasticamente seus subsídios agrícolas até 2004, quando deveriam entrar em vigor novas regras para completa eliminação dos mesmos. Não o fizeram e agora estão reconhecendo que o tema deve ser renegociado. Explicitamente, na questão agrícola, o documento refere "(serão estabelecidas) negociações abrangentes para melhorias substanciais do acesso ao mercado". Tradução: propõe negociar a redução das tarifas de importação, as quotas e as sobretaxas que impedem a entrada de produtos agrícolas no Primeiro Mundo. Vai além ao citar "...reduções, com vistas à eliminação progressiva, de todas as formas de subsídios às exportações, e substanciais reduções em apoio doméstico que distorçam o comércio". Ou seja, coloca-se sobre a mesa os mais de US$400 bilhões anuais que os países ricos usam para contrabalançar a falta de competitividade de sua agricultura.
  Negociação
Absolutamente nada está ganho ou garantido, destarte a vitória das teses dos Ministros José Serra e Pratini de Morais, eis que Doha foi apenas uma rampa de lançamento da rodada de negociações, com o estabelecimento de alguns limites. O jogo mesmo começa no próximo ano. Será o momento de governo e iniciativa privada agirem em conjunto, com pauta única, consensada internamente. Temos que entrar em campo como um time que sabe que tem todas as condições de ganhar, atuar com segurança e profissionalismo, comparecendo com qualidade e quantidade nas mesas de negociação. O jogo será pesado, por vezes desanimador, dará muitas voltas, portanto o Brasil precisará arregimentar diversos parceiros para as suas teses. Será necessário habilidade, firmeza, perseverança, paciência, inteligência, esperteza, experiência, estratégia, visão de futuro, capacidade de negociação, entre outras virtudes. Mas é a única forma de pavimentar o caminho para o futuro do Brasil. Uma negociação bem sucedida poderá transformar a vergonha das 100 milhões de toneladas de grãos que produzimos hoje em 500 milhões daqui a 15-20 anos. Centenas de bilhões de dólares poderão ser arrecadados pela via do agronegócio para desenvolver o nosso país. É a melhor herança que poderemos deixar para a geração que nos sucederá.

Arranjo interno
O protecionismo do Primeiro Mundo é um potente entrave externo, porém o principal mata-burros ainda é o interno. Precisamos ter consciência de que, conforme se elimina o protecionismo financeiro, a competitividade passa a ser fortemente lastreada em tecnologia e sanidade agropecuária adequadas. A melhora da situação externa é uma conquista de médio prazo, em conseqüência, enquanto o ambiente externo não desanuvia, temos que fazer a lição de casa, composta de: a) uma política agrícola permanente e de incentivo efetivo aos agronegócios; b) uma política fiscal consentânea com os interesses da Nação; c) uma política tributária que não signifique apenas arrecadar mais, porém que concilie justiça, racionalidade tributária e competitividade dos agronegócios; d) investimentos estruturais em transporte, energia, comunicação, armazenagem, portos, aeroportos, etc.; e) políticas sociais e ambientais harmonizadas com o agronegócio; f) produtividade, qualidade e competitividade dos produtos agrícolas; g) agressividade no comércio internacional; e h) finalmente, porém não menos importante, investimentos contínuos e sustentados em ciência, tecnologia e sanidade agropecuária. Sendo 2002 um ano eleitoral, além de aquilatar a posição do candidato em relação ao protecionismo dos países ricos, sugiro que cada ator do agronegócio também atente para o programa de governo de cada candidato e verifique se, entre outros, os aspectos supra referidos foram contemplados.
 

Gauchada
Por ser Natal, vamos encerrar a coluna de maneira informal, porém sem deixar de fazer um contraponto com o restante do texto. A forma como os países ricos vêm tratando os agronegócios dos países emergentes lembra um causo folclórico do qual teria sido protagonista o presidente da província do Rio Grande do Sul, Alberto Pasqualini. Reza a lenda que seu fanatismo pelo pôquer rivalizava apenas com sua personalidade ditatorial e impositiva. Os acólitos notívagos que com ele carteavam sabiam da necessidade de perder para o chefe. Já o enviado do Presidente Getúlio Vargas, recém chegado ao Estado mais desenvolvido da Nação, desconhecia o detalhe e aceitou o convite para um poquerzinho no Palácio Piratini. E, bom jogador, foi faturando as fichas de Pasqualini. Até que o presidente, destilando um péssimo humor por todos os poros, fez uma aposta alta e, ao mostrar as cartas, não dispunha sequer um par nas mãos. Nem Rei, Ás, nada! O contendor, com trinca de Reis, começou a recolher as fichas, sendo incontinenti interrompido por Pasqualini.

  • Aqui no Rio Grande essa mão se chama Farroupilha e é a maior do pôquer!

Os protestos do carioca foram em vão: estamos no Rio Grande, valem as regras gaúchas e c’est fini! Prossegue o jogo, alta madrugada e o visitante resolve apostar tudo. Pasqualini topa e mostra um par de valetes.

  • Farroupilha! berra o feliz carioca, com nada nas mãos. E começou a recolher as fichas.
  • Farroupilha só vale uma vez na noite! Retrucou Pasqualini, recolhendo todas as fichas da mesa.

Invocando as bênçãos de Deus, auguro a todos um Feliz Natal, e um Ano Novo com solidariedade, justiça, igualdade e muita paz.

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