Terra em transe

Décio Luiz Gazzoni

A passagem do milênio não está sendo uma mera virada de calendário. Um novo ambiente internacional, deflagrado a partir da criação da Organização Mundial do Comércio, por sua vez conseqüência de uma série de mudanças políticas, econômicas e sociais havidas no mundo, no transcorrer da década de oitenta e início dos anos noventa, está obrigando o repensar dos paradigmas.

O fim de uma era

Os anos oitenta selaram o fim das economias de planejamento centralizado, os denominados países comunistas. Com a derrocada deste sistema, decretou-se também o fim da "Guerra Fria", que impulsionou o eixo do poder mundial, deslocando-o do segmento militar para o econômico. O pensamento latente, quase hegemônico, indicou uma busca incessante pela liberação do comércio entre as nações, esforço que perpassou todo esse período de mudanças. Nesse novo cenário, os fatores determinantes para uma atuação competente decorrem do domínio da tecnologia e da capacidade para competir em nível globalizado, ou seja, com produtividade e qualidade. Esses paradigmas lançam as nações na busca do mercado global, definindo novas fronteiras e novos conceitos de competitividade, principalmente com a queda das barreiras tarifárias.   Assim, ganham corpo as duas vertentes que determinam o vetor das mudanças: por um lado o novo ambiente comercial internacional; por outro, a pressão da sociedade por reformas no Estado, exigindo maior efetividade no cumprimento de suas obrigações. Sinalizando que, ao Poder Público compete executar as atribuições indelegáveis, devendo buscar novas formas de desincumbir-se de sua missão através da parceria com a sociedade. E, em especial, a sociedade brasileira não admite mais ser conduzida pela mão, qual infante. Deseja influir diretamente na formulação das políticas, das diretrizes e dos programas que moldarão o novo Brasil. Como atingir este Everest? Pela organização da comunidade. Que, adicionalmente, provê os meios e maximiza os recursos, dando conseqüência operacional às planificações de ordem estratégica. Foi assim que o Paraná deu um exemplo ao mundo, organizando-se para perseguir um elevado status sanitário.

Parada obrigatória para pensar.
Vamos investir uma parcela do tempo para uma análise reflexiva do nosso país, e de como os agronegócios interfaceiam com os demais mecanismos da tessitura nacional. Pensemos primeiro que as caracterizações da agricultura estão carregadas de pressupostos ideológicos, sem visão empresarial. O falso dilema agricultura familiar x agricultura patronal fundamenta-se em idéias políticas que já foram sepultadas pela história. Enquanto nos perdemos neste falso dilema, permanecemos como um país de contrastes, uma sociedade de pobres estruturada sobre vantagens comparativas ricas e únicas. Entendo que agricultura familiar, agricultura patronal e assentamentos são categorias políticas e não categorias econômicas, e essa discussão nada auxiliam quando o objetivo é a prosperidade. Estas classificações estão imbricadas a uma visão superada de Estado e são intrinsecamente paternalistas.
  Mudar para o futuro
Urge uma guinada histórica, com uma política agressiva de transferência de bens públicos para o campo. Do governo precisamos investimentos em educação, saúde, habitação, segurança, saneamento e transporte. Os governos brasileiros, tradicionalmente, não fizeram isto. A história da atuação dos governos no campo foi marcada pela ausência imperdoável ou pela intervenção desastrada. As pessoas que, historicamente, não se emanciparam da reforma agrária brasileira são uma caricatura do que não deu certo nos últimos 20 anos. Não se emanciparam economicamente, não se integraram à agricultura competitiva e, mais trágico entre tanta penúria, não se integraram socialmente às suas regiões. Neles tudo é precário e transitório, permanente, só a ajuda governamental. Esse assunto é recheado de polêmica, o terreno é lamacento e pantanoso. Voltaremos ao tema em breve.

Tributação, o fardo dos agronegócios

Décio Luiz Gazzoni

Recentemente, mostrei nesta coluna a "mágica" que ressuscitou o algodão no Brasil. E que, em 2 anos, alçou o Mato Grosso de produtor marginal a líder da produção nacional, com ambição dupla de ser o maior produtor regional, quiçá mundial, e destronar, em termos de qualidade, o famoso algodão egípcio. O segredo tem quatro pontas: apoio governamental, capacidade empreendedora, tecnologia e sanidade agropecuária. De sua parte, o governo preferiu taxar 4% sobre 550.000 toneladas, ao invés da alíquota de 12% sobre 50.000 toneladas. Obviamente, triplicou sua arrecadação direta, afora o efeito multiplicador na cadeia produtiva, e a geração de empregos.   Reaganomics
Alguém ainda lembra deste neologismo americano? Pois foi um conjunto de políticas públicas macro-econômicas americanas, que lançaram as bases de um ciclo de crescimento sustentado, que se estende até hoje. A sua pedra de toque foi a redução acentuada das alíquotas de impostos, permitindo a expansão da produção.Partiu de uma idéia inteligente: é melhor cobrar pouco sobre muito, que muito sobre pouco. Não matar a galinha dos ovos de ouro. Não ser parasita do sistema produtivo. O resultado foi o que se viu, os EUA sendo uma verdadeira ilha de progresso num mundo que busca novos rumos para a economia. Detalhe: o Governo americano está zerando seu centenário déficit público, com alíquotas de impostos mais baixas!!!. Alô, alô Dr. Malan, que tal copiar os gringos nessa?
  Sucessão de erros
Estradas esburacadas? Imposto verde. Verde para esconder sua iniqüidade. Graças a Deus morreu na casca, se não ia somar-se ao pedágio, que tanto onera o transporte de produtos agrícolas. Na mesma linha, nos anos 60 criaram um imposto sobre a borracha, para diminuir a pobreza na Amazônia. Diminuiu? A Marinha Mercante sucateou? Solução: imposto no transporte de cargas. Melhorou? Não, diminuiu a competitividade, aumentou o custo Brasil. E o imposto sobre telecomunicações? Vai direto tapar o rombo do Tesouro Nacional.

 

 

 

Pobreza, sempre ela
Não bastasse ser a âncora verde, em cima dos agronegócios recaem inúmeros impostos. Alguém se deu a pachorra de ler a exposição de motivos da criação do PIS? De arrancar lágrimas de Hitler. Integrou alguém à sociedade? De fato, a pobreza aumentou, a distribuição de renda piorou. Que dizer da Cofins? Aí veio a CPMF, que deveria ser provisória. Virou IPMF, subiu de 0,1 para 0,38%, incidindo em cascata na cadeia agroprodutiva. Seqüestrando o lucro do produtor, matando a galinha dos ovos de ouro. Veja lá se tem americano ou europeu taxando assim a sua agropecuária? Agora me aparece o nobre presidente do Congresso, Antonio Carlos Magalhães, decidido a erradicar a pobreza do Brasil. Como? Com mais imposto. O STF manteve os privilégios do funcionalismo público, o governo não tem coragem de mexer na previdência dos militares? Imposto em quem paga, porque a sonegação parece atingir metade do potencial arrecadador.
  Reforma Urgente
A competitividade dos agronegócios depende, umbilicalmente, da justiça tributária. É um setor diferenciado, diferencialmente terá que ser tratado. É a chance de o Brasil cumprir sua vocação, deixar de ser o eterno campeão potencial, e passar a líder dos agronegócios. Precisamos juntar todas as energias setoriais para a Reforma Tributária. Distribuição justa de tributos, e não apenas um rearranjo para ficar tudo do jeito que está. Tenho cá comigo que dá para fazer uma limonada da CPMF. Aumentar a alíquota. Sim, aumentar a alíquota da CPMF. Aumentar e muito, para 2, 3 ou até 5%, dependendo de estudos atuariais. Por ser um imposto não declaratório, impossível de ser sonegado, o governo garantiria a sua arrecadação. E que seria compensado em outros impostos governamentais, como o futuro IVA, IR, etc. Quem fosse isento, receberia o retorno via restituição do imposto de renda. Qual a lógica? O volume de imposto a pagar, de quem não sonega, seria o mesmo. Mas como diminuiria, e muito a sonegação (até atividades ilegais como contrabando, narcotráfico, roubo, corrupção, terão que pagar!), pode ser diminuída a alíquota dos impostos incidentes sobre a produção, serviços e até consumo, reativando negócios, melhorando a distribuição de renda, aumentando a competitividade.


Indústria de ações trabalhistas

Décio Luiz Gazzoni

Raro o produtor rural que não tenha enfrentado uma ação trabalhista, e o que não foi acionado injustamente, havendo cumprido a legislação. São vítimas do conluio de pessoas inescrupulosas, que se aproveitam da boa fé da gente do campo, ao utilizá-las como instrumento de extorsão e dinheiro fácil. O descompasso entre a legislação e a realidade do campo é um dos fatores do desemprego rural, matriz de outros problemas da nossa agropecuária, pois o empregador rural reflete dez vezes antes de arriscar-se a assinar um contrato de trabalho de um empregado, pela multiplicidade de histórias de falcatruas que grassam no interior do nosso país.

Declarado em cartório
Chegou-me às mãos uma declaração firmada em cartório por Miguel Ricardo de Jesus que diz "...Eu moro em Mirador. Trabalhei de diarista para a Estrela Rural Agropecuária. A Estrela sempre me pagou direitinho. Aí eu resolvi por conta própria parar de trabalhar. Depois que parei, fui procurado muitas vezes por uma pessoa que tem o apelido de Selebobé. Disse que era para eu entrar na Justiça, pra ganhar um dinheirinho. Disse que ele encaminhava tudo e depois ele também queria um dinheirinho se eu ganhasse a ação. Selebobé disse que ganhava uns 5% para indicar gente pra entrar com ação. Eu não sabia o que pedir. Ele me disse que arranjava tudo."

 

  Mais adiante prossegue "O Selebobé e as pessoas de Paranavaí que diziam pra gente o tempo que era pra pedir. A gente nem lembra a data. Aí eles entregam um papelzinho escrito pra gente se lembrar no dia da audiência, eles escolhem as testemunhas e marcam num papelzinho também. Eu não escolhi as testemunhas, veio esse papelzinho aqui com os nomes: Miguel Ricardo de Jesus ...., Testemunhas: Valdiva Pires Ribeiro e José Aparecido da Silva." E termina "...sem o papel ninguém acertava as datas. Se não fosse Selebobé ninguém ia fazer isso. Eu fiz essa ação enganado. Fui na conversa dos outros. Não avisavam quanto a gente vai ganhar e nem dizem quanto a gente tem que pedir pra eles. O Selebobé e eles decidem." O linguajar típico do brasileiro de muito suor e poucas letras denota o quanto essas pessoas são vulneráveis à indústria das ações trabalhistas.

Pode ser o fim
O senador Osmar Dias apresentou e o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional de prescrição trabalhista rural. Na prática, a emenda equipara os trabalhadores rurais aos urbanos, para questionamento de seus direitos junto à Justiça do Trabalho. Para isso, a Constituição Federal concede dois anos para os trabalhadores ingressarem com reclamatória, limitada aos últimos cinco anos. Em sua justificativa, Osmar argumenta que "a indústria de ações trabalhistas, gerou o grave problema de desemprego no campo, porque os empregadores, temerosos dessas ações, acabaram por preferir dar o emprego eventual, contratar o trabalhador volante, criando a figura do bóia fria em nosso País".

 

 

  O que muda
A emenda não elimina a indústria de ações "movidas, muitas vezes por advogados inescrupulosos" conforme verbalizou o senador Osmar Dias. Porém é um grande avanço, ao impor limites temporais à argüição de eventuais direitos feridos e desrespeitados, evitando que sejam questionadas décadas inteiras de horas extras, dezenas de férias ou similares, o que gera ações milionárias, onde o crime pode compensar. Explica-se: como o direito, em realidade não existia, não há valores reais a recuperar. Trata-se de um jogo, em que uma quadrilha efetua diversas apostas (ações), valendo-se da boa fé e da ignorância do homem simples do campo, levando-o a questionar valores milionários. Se uma das ações vingar, a quadrilha apropria-se da maior parcela do valor, e o coitado do laranja recebe uns trocados. Apesar de condenável, a probabilidade matemática de ganhar nesse jogo é muito superior a acertar a quina, a sena ou qualquer outro jogo de casas lotéricas. Reduzir o risco de extorsão por essas quadrilhas pode significar milhares de novos e bem-vindos empregos no campo.


Alimentação light e os agronegócios

Décio Luiz Gazzoni

Ninguém duvida que a tendência dos anos 90 será a marca registrada da próxima década: culto ao corpo e alimentação saudável. Essa é uma tendência monolítica mundial, perceptível no dia a dia do mercado de alimentos, e que salta com das pesquisas de hábitos de consumo que são realizadas. Apenas os EUA continuam na contra-mão, e em crise existencial, pois o hábito do fast food, alimentação exagerada e muito calórica está sendo difícil de mudar na população americana. Prova disso é a matéria de capa da Newsweek que saiu aqui essa semana, revelando que 6 milhões de crianças americanas tem a saúde comprometida por excesso de peso. Mas a própria discussão mostra que os americanos se integrarão à corrente dominante.

Carne light
As cadeias agro-produtivas tem procurado as oportunidades nesse novo hábito, e criado importantes nichos de mercado (diet e light), derivados das suas linhas principais. No caso da carne, o segmento comercializou US$160 milhões em 1990, esperando-se US$1,2 bilhão para esse ano. Pesquisa recente da ABIAD detectou um mercado potencial de 24 milhões de consumidores, apenas nas regiões Sul e Sudeste. A Sadia, que é a maior indústria do ramo, pretende faturar mais de US$100 milhões nesse ano. A Perdigão informa que o seu segmento light tem crescido à razão de 10% ao ano, enquanto o conjunto de negócios de derivados de carne cresce 6%. No entanto, é necessário estar atento para um aspecto: o consumidor deseja o produto light, com menos gordura, mas não está disposto a abrir mão do sabor. Esse é o grande desafio posto para a indústria, produtores e institutos científicos, a fim de alinhar o passo com a demanda do mercado. Um aspecto interessante que ressalta da pesquisa realizada é a importância da informação "boca a boca", que acaba angariando mais adeptos do que os meios tradicionais de publicidade, e o atributo "saboroso" é o mais importante no convencimento dos novos consumidores.
  Oportunidade para o produtor
Com a segmentação do mercado, e o crescimento em importância dos produtos light, não bastará a indústria adaptar produtos antigos para atender a esse nicho. Ganhando importância, o desenvolvimento de novos produtos voltará à prancheta dos cientistas e técnicos, envolvendo novas raças ou cultivares. O valor agregado (o consumidor aceita pagar mais por um produto light) acabará por ser distribuído ao longo da cadeia, beneficiando os agricultores que se dedicarem ao segmento. E não apenas no caso da carne, porque outros exemplos existem, como bolachas recheadas com 50% do valor calórico; sucos de frutas com sabor apreciado e menos calorias; queijo light, com até 30% a menos de gordura. Doce de leite – quem diria! com 90% menos de gordura e 25% menos calórico, sem falar dos iogurtes e das sopas light. Esses segmentos têm crescido a taxas mais elevadas que as linhas tradicionais, e no caso dos sucos, existem indústrias em que 25% do faturamento provém dessa linha, podendo chegar a 20% no caso dos queijos.

 

 

Mercado especializado

É só entrar nos melhores supermercados e a mudança fica cada vez mais visível. No início da década, os produtos light (ou diet) estavam concentrados apenas nas poucas gôndolas destinadas aos produtos dietéticos, sem qualquer apelo ao consumo. Recentemente, ganharam atenção dos varejistas, e setores específicos do supermercado são ocupados por produtos light, com apelo mercadológico dirigido aos clientes que são atraídos para essa classe de produtos. Na esteira dessa tendência, cresce também o mercado de produtos orgânicos. Embora não seja especificamente dirigido para o segmento light do mercado, atende os consumidores que decidiram estabelecer risco zero para a inocuidade dos alimentos, exigindo produtos obtidos sem o uso de insumos ditos artificiais, como fertilizantes ou agrotóxicos. Comer menos, quem diria, ainda pode render muito agronegócio ao longo dessa década.

As sinalizações dos estoques mundiais

Décio Luiz Gazzoni

Na infância tive minha primeira lição do mercado e dos ciclos agrícolas. São José do Norte era o maior produtor de cebola do Rio Grande. Nos anos pares, comíamos cebola três vezes ao dia, farta e barata que era. O Repórter Esso anunciava: os produtores desistem de colher cebola, porque o custo da colheita é superior ao preço. Nos anos ímpares, cebola só para a pajelança contra a gripe, por causa do preço proibitivo. Ano após ano, plantava-se cebolas nos pares, o preço desabava, não se plantava nos ímpares, o preço disparava, ano seguinte o produtor plantava, o preço desabava... Um dos motivos era a ausência de estoques reguladores. O agribusiness moderno tem os ciclos amortizados por mecanismos como a diversificação de mercados, as informações on line, os subsídios agrícolas, estoques, preços de garantia, etc.

 

  A interpretação dos estoques
A oferta e a demanda de momento, em um dado local, determina o preço pontual do negócio de commodities. O preço estrutural é formado com informações sobre estatísticas agrícolas, projeção de área de plantio e de demanda (por acréscimo de renda, crescimento vegetativo da população, queda de preços, etc.). Mas há um componente fundamental para a definição do preço base de mercado que é o estoque (de passagem ou físico do momento), porque ele sintetiza e torna visível o efeito das forças de mercado. Negocia melhor quem dispõe da melhor informação, aquela que chega mais cedo e com maior precisão. Para a formação de preços, os estoques estratégicos são fundamentais para definir tendências estacionais (de um ano). A sofisticação chegou a tal ponto, que a FAO se guia por uma margem muito estreita (entre 17-18%) da produção mundial, para dizer se os estoques estão altos ou baixos – leia-se, se os preços sobem ou caem.

Cai o estoque mundial de grãos
A avaliação mais recente indica que a produção de cereais de 1999-2000 não será suficiente para atender a demanda, havendo necessidade de sacar dos estoques pela primeira vez desde 1996, que coincidiu com a quadra de preços baixos a estáveis no mercado internacional. A estimativa para a produção mundial de grãos é de 1.872 milhões de ton. A diferença entre a produção e a demanda projetada é de 10 milhões de ton, metade da produção do Paraná. A redução decorre em termos macro-econômicos pelo desestímulo dos produtores nos países sub-desenvolvidos (o subsídio nos países ricos abafa qualquer pressão do mercado), e conjunturalmente pelo excesso de chuvas no sul da África, e redução na produção de arroz dos países tropicais.

 

  Perspectivas do mercado internacional
Nesse ano, o mercado global ficará com a respiração presa, os preços devem suspender a tendência baixista de médio prazo. A expectativa é comercializar 222 milhões de ton de grãos em 2000, aumento de 6% no comércio de trigo e 3% em grãos não refinados, porém com redução de 4% no mercado arrozeiro. A fome cresce em países pobres (Angola, Congo, Libéria, Serra Leoa, Coréia do Norte, Mongólia, Haiti e Timor Leste), países de pobreza estrutural, sem renda ou presença firme no mercado para promover mudanças. Aliás, na Coréia do Norte, país radicalmente comunista, as notícias dão conta que parte da população disputa pastagens com o gado, pela absoluta falta de alternativas alimentares. Desastres naturais forçaram a entrada no mercado da Venezuela, Nicarágua, Cuba e Honduras. O desajuste estrutural e o permanente estado de guerra provocam surtos de fome epidêmica em países ex-comunistas, como a Rússia, a Chechênia, e nos Bálcãs, especialmente a Iugoslávia.

Com esse conjunto de indicadores prevê-se duas tendências: ou a próxima estação diminuirá mais os estoques, com conseqüente escalada de preços, ou a tal da melhor informação fará aumentar antecipadamente a produção, com a manutenção das cotações atuais, com pequeno viés de alta.

 

O Brasil caranguejo

Décio Luiz Gazzoni

Por vezes a Pátria amada me lembra a história do Leão que mia. Não vou contá-la, mas a semelhança é óbvia. Deitado eternamente no berço esplêndido de uma Natureza pródiga, base da atividade agrícola, com tecnologia aplicada de primeira linha (PS. Acabo de ouvir, na Embaixada Americana em Kingston - Jamaica, que, hoje a Embrapa presta um serviço de qualidade superior ao do ARS, a Agência Federal de Pesquisa Americana. E não foi elogio, é uma realidade!), com empreendedores nativos que fazem a saga da conquista do Oeste americano parecer cada vez mais Hollywoodiana, vamos importar esse ano 10 milhões de ton de grãos, o mesmo volume valor que será abatido dos estoques mundiais. Um rombo de US$2 bilhões, suficiente para comprar 20.000 novas colheitadeiras! O país que recebeu do Criador a missão de alimentar o mundo, é incapaz de alimentar-se a si próprio. Ainda vem castigo divino para quem insiste em desobedecer as leis naturais.   Não é área, não é tecnologia, não é capital
O Brasil dispõe de uma das maiores áreas agricultáveis do mundo, com a vantagem de poder produzir duas safras/ano no sul, e chegar a até três no Centro e Norte do país. Apenas em Cerrados temos mais de 200 milhões de hectares ávidos em serem fecundados. Contrastando com países de Primeiro Mundo, onde a extensão esgotou-se, e a janela agricultável varia de 4 a 6 meses/ano. Temos escala, por vezes até injusta pela concentração de área, mas que reduz custos fixos, ao contrário dos detentores de poucos hectares em outros países. Tecnologia não nos falta, temos até estoque para sacar por alguns anos, aguardando sua transferência para o sistema produtivo. Tanto que reduzimos a área plantada em 15% na década, com ligeiro aumento de produção. Capitais estão disponíveis, à cata de boas oportunidades de lucro. Burocratas do governo alinhavam os fatores positivos e traçam metas tecnicamente factíveis, mas nunca chegamos lá. Cadê o problema?

Os problemas
Não é um, são diversos, difícil é conferir uma ordem de prioridade. Historicamente um país fechado para o Mundo, não aprendemos a negociar, especialmente vender. Está nos custando caro aprender tardiamente a arte milenar do Oriente Médio e Norte da África. Não usamos corretamente os instrumentos financeiros do mercado. O mercado fechado encobria ineficiências, e nunca levamos a sério a administração rural, o melhor uso de fatores de produção, comprar bem, vender melhor ainda. Permanecemos mal unidos e desorganizados para atuar em conjunto, nossos lobies setoriais ainda estão na infância. A burocracia governamental não teve clareza, não soube liderar, faleceu a presença da iniciativa privada na busca de soluções para a escalada protecionista do Primeiro Mundo, roubando mercados pela via do subsídio. Nem soubemos gritar grosso e evitar o problema, nem estamos sabendo contorná-lo, buscando espaços alternativos de crescimento para atacar de frente a hipocrisia dos países ricos. Tributamos excessivamente, e não damos condições de estocagem e transporte, o seguro agrícola não sai do papel.
  A incongruência
Esse cenário de boi que vai para o abatedouro, desprezando a própria força, contrasta com o potencial. Quando o Governo projeta 100 milhões de toneladas para daqui a dois anos, acho factível, mas inatingível. Factível, porque o estoque de terra prontamente disponível, utilizando apenas a tecnologia que já está no campo, passaríamos dos 300 milhões de toneladas. Se limpássemos as gavetas e prateleiras da Embrapa e dos institutos, renovássemos a frota no campo, melhorássemos a infra-estrutura, poderíamos hoje estar produzindo 500 milhões de toneladas. E se radicalizássemos, usando todo o potencial geográfico e climático, no limite do espaço de plantio anual, produziríamos um terço da demanda de alimentos do mundo! E considero inatingível porque ainda não surgiu aquela mente iluminada, que apontou para o Rei e disse: Ele está nu!, como na velha parábola infantil que contei outro dia.

Agropecuária, investimento urbano?

Décio Luiz Gazzoni

O que fazer com o dinheirinho que sobra no final do mês é motivo para conversa e apreensão. Conversa para ver o que existe de diferente, o que anda ocorre no mercado, qual a tendência da maioria, deixa no FGTS, compra ações da Petrobrás?. Apreensão porque todo o investimento envolve um risco, da falta de idoneidade do administrador, às inseguranças de cada aplicação. O investimento ideal reuniria a segurança absoluta, liquidez imediata e rentabilidade invejável. Na prática, o investidor tem que escolher o que deseja, porque os três atributos parecem inconciliáveis. Segurança? Caderneta de poupança, com liquidez mensal, porém baixa rentabilidade (até negativa!). Com liquidez imediata existem fundos (Aplic e assemelhados) que dão rentabilidade muito baixa, sem garantia em caso de perdas por má gerência ou por fatores do mercado.   A renda variável
Esses são exemplos de aplicações de renda fixa, pois são corrigidos por índices fixos. O mercado dispõe de aplicações denominadas de renda variável, ou seja, não existe um índice fixo de correção do investimento, que varia de acordo com a flutuação dos componentes da carteira. O melhor exemplo são os fundos de ações, cujo índice de desempenho depende da composição da carteira, podendo gerar ganhos ou perdas muito grandes, em curto espaço de tempo. Agora o mercado dispõe de mais uma opção, que são os fundos que investem em mercados agropecuários por meio de derivativos (futuros e opções), através das Cédulas de Produto Rural, que são títulos usados para financiar o produtor.

 

Perfil agressivo
Os dois conselhos mais ouvidos no mercado são: nunca ponha todos os ovos na mesma cesta, e adeqüe o investimento ao seu próprio perfil. Quem for avesso ao risco não deve se aventurar fora da renda fixa. Já a maior rentabilidade encontra na renda variável as melhores oportunidades, associados ao risco mais alto. O que também exige maior dedicação e cuidado para saber "em que chão está pisando", pois rentabilidade e risco sempre correm juntos. Os investimentos em agropecuária são tipicamente de renda variável (dependem de uma série de fatores ligados à atividade e ao mercado agropecuário), e como todos os fundos ligados a derivativos possuem um perfil tipicamente agressivo, adequado ao investidor interessado em correr um risco maior, em troca da oportunidade de rentabilidade também maior. É necessária muita análise e muito cuidado, pois o risco é de não apenas perder tudo o que aplicou, como pagar por eventuais prejuízos do fundo.
  Fundos mistos
O mercado também dispõe de fundos híbridos, de renda fixa e variável, como é o caso dos fundos índices. Já existem fundos de investimentos com essa característica, tanto para a pecuária quanto para a agricultura. Embora possam ter em carteira títulos de renda fixa, o objetivo principal é buscar oportunidades nas oscilações de preços advenientes de alterações de oferta e demanda, ou outros mecanismos que promovam flutuações de preços. A maioria deles opera com os contratos negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros. Legalmente, os fundos podem alavancar até três vezes o seu patrimônio em derivativos para compor o seu portfólio, o que dá uma idéia do risco.

 

 

 

 

  Características
O mercado oferece para o cidadão urbano, que quer investir na agropecuária, produtos enquadrados na legislação em vigor, auditados pela CVM. Via de regra as oportunidades de ganhos são boas, com perspectivas superiores à renda fixa, porém sem garantia de qualquer espécie. Os títulos são negociáveis, o operador exige um investimento mínimo alto, há uma taxa de administração (de 2-5%) e bônus de performance (em geral um percentual de 20-30% do que exceder a variação do CDI). Se o leitor está interessado em diversificar, e quer sentir de perto as alegrias e agruras do agropecuarista, está aí a oportunidade de ser um "agricultor" sem terra. Sendo um parceiro do agricultor, e sem ter que invadir a terra alheia.

 

 

 

 

Salto rumo ao futuro

Décio Luiz Gazzoni

Nessa roda viva, em que o dinheiro é o foco de tudo, vamos abrir uma janela, dar vazão à angústia dos empreendedores, não apenas os que investem sua vida e suas economias no agronegócio. O mundo está conferindo excessiva importância ao dinheiro, e as finanças impõem-se sobre os demais segmentos da sociedade - sobre o meio ambiente, a produção, o comércio. O dinheiro desligou-se da economia real, tenta ser um fim, trilhões de dólares voláteis, desgarrados da produção, fazem acrobacias financeiras sem fronteiras nas 24 horas do dia especulativo mundial. Não é exagero dizer que atravessamos uma fase original da história econômica, a especulação global da "economia-cassino". Estamos testemunhando a formação dos novos plutocratas globais da moeda eletrônica, criando o argentarismo do Século XXI.   Cassino ou pior?
E o Brasil, como se encaixa nesta moldura? Não nos beneficiamos desta situação enquanto país, posto não possuírmos cacife para tanto. Como vimos ano passado, atraímos capitais voláteis para o saco-sem-fundo das "reservas cambiais", que nada mais eram que recursos em trânsito, arredios, que fugiram ao menor sinal de risco. Defendo ardorosamente uma posição de pós-liberalismo, em que o fulcro do relacionamento entre as pessoas e entre as nações esteja na produção, no bem estar e não no dinheiro elevado de meio a fim. Dizem os manuais clássicos de economia que, na seqüência, deve ocorrer fluxo de capital para a produção. Precisamos antecipar e garantir este novo ciclo, pois queremos o capital do sócio, não do predador. Mas, o capital será eternamente arisco, sempre à cata de liquidez, segurança e rentabilidade. Logo, economia estabilizada, com possibilidade de retorno, é a senha para ingresso no clube fechado das sociedades avançadas. Dadas essas condições, somos imbatíveis. Integrados em um mercado comum, e livre de artificialismos, precisamos transformar as oportunidades em projetos claros de captação de investimentos, para transformar o potencial em realidade.

A falta de empreendedores
Acho que o enfoque empreendedor coopera para decifrar o enigma da construção da nação. Precisamos empreender mais, não devemos somente administrar crises econômicas. A posição empreendedora, de gestão estratégica do desenvolvimento, parece-me mais adequada ao Brasil que a nossa especialidade: a gestão econômica das crises, estigma de minha geração. Vivemos em um país de oportunidades que precisam ser convertidas em negócios. E esta mágica se dará com empreendedores. Precisamos de milhões de empreendedores, permanentemente voltados para pinçar oportunidades do dia a dia, sem aversão ao risco e à criação de riquezas.
  Precisamos vender agressivamente
Não há alternativa, precisamos sair da triste posição de comprados, para sermos vendedores. Com muito menos condições, vizinhos nossos, como o Chile, saltaram de patamar. Alicerçado em condições propícias, e dispondo de uma estratégia de agressão ao mundo - no bom sentido - que tinha como carro chefe um ambiente sanitário invejável, o Chile pavimentou seu caminho para o futuro alicerçado no agronegócio. Reitero meu otimismo no Brasil. Ingressamos na era industrial com retardo excessivo, porém hoje somos potencialmente imbatíveis no Hemisfério Sul. Ainda convivemos com situações que deveriam ter encerrado seu ciclo no século passado, cujo fardo carregarmos para o próximo milênio. Meu otimismo é ver a modernização na agricultura brasileira, lastreada na cultura da soja, hoje firmemente implantada nos quatro rincões do país. A cadeia avícola inovou na integração, multiplicando as possibilidades, ao romper com o passado. Tanto inovou, que o que é moderno para outros setores - a parceria - é história para a cadeia da avicultura. Precisamos espalhar esses exemplos de empreendimento para os demais setores da agropecuária.

Vantagem comparativa é vantagem competitiva?

Décio Luiz Gazzoni

Somos o quinto país em superfície, mas ninguém possui nossa potencialidade agrícola, pois por essas plagas não há desertos ou geleiras, cá não existem terremotos, furacões ou tufões. A Amazônia compreende 350 milhões de hectares, representa 5% da Terra, mas 20% da água doce e 30% das florestas tropicais, onde vivem apenas 4 em cada mil habitantes do planeta - um deserto humano por construir. Escusado dizer que é a maior fonte de biodiversidade do planeta.

A vantagem comparativa
Os cerrados brasileiros tem 200 milhões de hectares, 90 milhões já disponíveis para o plantio, sem gerar conflitos ambientais, potencial para aumentar em 1000% a produção de soja ou de milho. Usando o cabedal tecnológico da EMBRAPA podemos também dobrar a produtividade. Essa parcela corresponde à área cultivada com milho, soja e trigo nos EUA, ou à área de arroz, milho e soja na China. Logo, disponibilidade de terra para a agricultura é o único problema que não temos.
  O desafio atual
O governo nos desafia com a meta de gerar US$ 100 bilhões de exportações totais para o ano 2002, 50% deste valor provindo dos agronegócios. A oitava economia do mundo, que ocupa apenas o 25o posto entre os países exportadores, tira esta meta de letra, resgate de um passado não realizado. No último ano, o agronegócio brasileiro exportou mais de US$ 20 bilhões e deixou um saldo superavitário superior a US$ 12 bilhões. Pasmem os senhores, mas este imenso país responde por apenas 4% dos agronegócios mundiais. Com um pouco de esforço, galgaremos celeremente diversas posições.
  O Desafio futuro
Estudos prospectivos do IFPRI estabelecem um cenário mundial de escassez de produtos agrícolas para 2020, se excluída a contribuição do Brasil. Neste estudo claro fica que a fronteira agrícola da Ásia está esgotada; os americanos podem expandir mais 15 milhões de hectares, porém com marcação cerrada das ONGs e agências ambientais. Na Europa nem pensar, viciada em subsídios anacrônicos, terra extra nem pra remédio. Por isso, em menos de duas décadas, teremos condições de triplicar nossa participação no mercado globalizado de produtos agropecuárias, e alçar-nos à liderança mundial do setor.

Fantasia?
Alguém imagina o Brasil liderando o segmento de informática? Explodindo as fronteiras da ciência médica? Determinando as regras financeiras internacionais? Seguramente, não. Nos agronegócios reside a única possibilidade para criar organizações fortes, capazes de efetivamente ditar as regras do mercado internacional e da economia mundial. Ou realizamos nossa vocação através do agronegócio, ou devemos resignar-nos a cumprir um papel marginal na economia globalizada. Melhor pensar que nosso futuro será o de substituir os Estados Unidos na liderança mundial dos agronegócios. É a única herança que podemos deixar aos nossos filhos.
  A materialização
Até onde minha vista alcança, não há salvação fora da participação efetiva da sociedade na definição das políticas setoriais. Para ficar no exemplo atual, alguém acredita que teríamos vivido quatro anos com defasagem cambial e juros estratosféricos, cujo tributo pagaremos ainda por alguns anos, se as lideranças produtivas compartilhassem a decisão das políticas econômicas? A inserção competitiva do agronegócio brasileiro significa uma economia aberta às importações e ampliando sua fatia no mercado internacional. O novo quadro da economia mundial, caracterizado pela queda progressiva de barreiras tarifárias e medidas protecionistas, com a conseqüente abertura comercial entre países e blocos de países, exige profunda mudança de visão do aparelho estatal brasileiro e dos agentes privados de todos os setores econômicos.

O governo faz as regras, fiscaliza sua aplicação, mas quem produz, compra, vende, movimenta o mercado, é o setor privado. Porque alija-lo das decisões? Só com todas as forças vivas do país em ordem unida, compartilhando decisões e responsabilidades, a vantagem comparativa vira vantagem competitiva.

Um vetor que não transmite doenças

Décio Luiz Gazzoni

Uma das agruras do meio rural é a necessidade de convivência com insetos que atuam como tansmissores de moléstias. Essas tanto podem ser transmitidas ao homem, como é o caso da malária, da dengue, da doença de chagas, encefalite, etc. como aos rebanhos. Sem esquecer que os insetos também podem transmitir doenças às plantas cultivadas. Uma parcela considerável das enfermidades das lavouras, com destaque para aquelas causadas por vírus, é transmitida por insetos. Normalmente os insetos são contaminados com o micro-organismo patogênico em plantas nativas, ou mesmo em plantas cultivadas, transmitindo a doença para outras plantas quando delas se alimentam. Por vezes o controle desses insetos é difícil, e com diversos efeitos colaterais, porque se encontram em baixa população na lavoura, porém em nível suficiente para efetuar a transmissão da doença.   Mosquitos
Um caso clássico são as doenças transmitidas por mosquitos, pois esses insetos acabaram por desenvolver resistência à maioria dos pesticidas. Ocorre que o problema de saúde pública causado pela transmissão da doença através do mosquito, tem levado as autoridades e órgãos responsáveis pela saúde pública ao uso cada vez mais freqüente de inseticidas, em altas doses, pois mesmo baixas populações do mosquito são suficientes para manter a doença em alto níveis nas regiões endêmicas, ou mesmo causar epidemias quando as condições são favoráveis. Esse padrão de controle é o responsável pelo desenvolvimento da resistência, tornando os pesticidas ineficientes para o controle dos insetos. No caso específico da malária, transmitida por mosquitos, o problema é ainda mais sério, pois também não há uma vacina contra a doença. Essas dificuldades que vem aumentando ao longo do tempo, nos mais diferentes países, obrigaram os cientistas a buscar formas alternativas de controle.

Mosquito transgênico
O uso de pesticidas é o meio mais rápido e mais difundido de controle dos vetores. Existem métodos alternativos, que se aplicam a determinados casos, e que não são úteis em outras situações. Assim, não é fácil encontrar um sucedâneo para o controle químico exclusivo, e o que tem ocorrido na prática é a procura constante por novas moléculas de inseticidas potentes, eficientes no controle de mosquitos, para substituir os mais antigos, contra os quais os mosquitos desenvolveram resistência. Uma das fórmulas que a ciência poderá dispor a partir de agora, para substituir os pesticidas químicos, será a manipulação genética de populações de laboratório do mosquito vetor dos microorganismos. Um estudo recente demonstrou a factibilidade da utilização dessa técnica, quando pesquisadores introduziram no código genético do mosquito um gene que codifica para uma proteína que atua como antibiótico, e no caso específico, uma proteína bactericida. O gene encontra-se "stand by", ou seja, o mosquito poderia completar todo o seu ciclo biológico sem que o gene estivesse atuante. Entretanto, quando ocorre ingestão de sangue, o gene é ativado, e o organismo passa a produzir a proteína bactericida.
  Genes ativados
A descoberta não se deu por acaso. Através de um estudo básico do genoma do mosquito, os cientistas primeiro descobriram que existe uma ativação de diversos genes, quando o mosquito ingere sangue. Uma vez ativados, os genes comandavam o processo de produção de proteínas específicas. Com os genes devidamente identificados e mapeados, os cientistas escolheram um deles, e modificaram a sua região regulatória , ou seja, aquela parte do gene que atua como chave liga-desliga (ativa ou desativa o gene). Essa região do gene foi ligada a uma seqüência de bases que codificam para uma proteína do grupo das defensinas, uma espécie de antiobiótico natural. Logo após a picada, o gene é ativado, e altas doses da proteína ingressam na circulação (hemolinfa) do inseto. Com isso, os cientistas pretendem inibir a multiplicação do Plasmodium, que é o agente causal da malária , evitando a propagação da doença.

 

 

O mundo de olho no Brasil

Décio Luiz Gazzoni

De 20 a 26 de agosto, 5.000 renomados entomologistas de 150 países têm encontro marcado em Foz do Iguaçu. Serão apresentados 4.000 posters, 18 conferencias plenárias e mais de 1.000 palestristas participarão de 200 simpósios, e 15 outros eventos científicos paralelos. Será o mais arrojado complexo de eventos da área agrícola já realizado no Brasil. Além dos aspectos científicos, as interfaces da sanidade agropecuária com o comércio internacional serão discutidas. Não há como conferir mesmo uma pálida idéia de sua magnitude, nesse pequeno espaço.

A proteção da biodiversidade
O tema central do congresso é "Entomologistas protegendo a biodiversidade". A responsabilidade de entregar um mundo melhor aos nossos filhos caiu sobre os ombros da nossa geração. Os insetos representam, o grupo com maior número de espécies, com a maior diversidade e capacidade de adaptação. Em caso de uma catástrofe de proporções, se houver apenas algumas espécies sobreviventes, sem dúvida serão de insetos. Esse assunto será abordado pelo Dr. John Lawton, cientista inglês reconhecido em todo o mundo.
  Interação Inseto – Planta
Por que a lagarta da soja ataca a soja, e não outra cultura? Os cientistas debruçam-se sobre os sistemas neurológicos e sensoriais dos insetos, a síntese e liberação de substâncias voláteis das plantas, para entender esse enigma, e gerar novas formas de controle de pragas, com menor impacto na Natureza. Os animais superiores se comunicam por sons e imagens, os insetos por substâncias químicas. O ritual reprodutivo dos insetos é comandado por substâncias voláteis que um inseto libera e outro capta. Existem feromônios de alarme, de agregação, de dispersão, de trilha, etc, kairomônios e outros semioquímicos, que tem função específica na comunicação entre insetos.
  Interação parasitóide – pragas
Insetos se comunicam com plantas, com membros de sua espécie, e com seus inimigos naturais. Os parasitóides atuam como "espiões", interceptando substâncias exaladas pelas presas, para orientarem-se em direção a elas. Ou como você imagina que um parasitóide microscópico encontra um ovo microscópico em uma lavoura de 100ha? Cientistas mostrarão o que a ciência já descobriu para elucidar a relação entre os inimigos naturais e as suas presas, também antecipando o que está por vir nos estudos em andamento.

Plantas transgênicas
Teremos que alimentar 10 bilhões de estômagos na próxima geração, e é preferível fazê-lo com a nossa tecnologia atual, com agrotóxicos, ou é preferível encontrar métodos naturais de controle de pragas, e introduzi-los nas plantas cultivadas, criando cultivares transgênicas? O mundo inteiro discute essa questão, e o Congresso vai tentar alinhavar as vantagens e desvantagens de uma ou outra técnica.
  Desenvolvimento sustentável
A sociedade moderna cobra a sustentabilidade dos processos de produção agropecuária. Os Programas de Manejo Integrado de Pragas contemplam esse objetivo em suas ações. Mas, estamos fazendo todo o possível? Esgotamos os recursos? Está o anseio da sociedade atendido? Que rumos tomaremos no século XXI? Como as novas descobertas científicas se encaixam no modelo atual? São angústias do produtor, do agrônomo da Emater, e dos demais profissionais que estarão sendo respondidas durante o Congresso.
  Parece muito?
Abordamos menos de 1% do que será apresentado. Por uma semana o mundo estará de olho no Brasil, porque daqui sairão informações, tecnologias, teses e teorias que revolucionarão a agropecuária, a saúde pública, o ensino universitário e o comércio internacional nos próximos anos. Foram quatro longos anos de enorme trabalho para preparar esse congresso, mas a alegria de ver o quão importante ele será para o nosso Brasil é um pagamento acima de qualquer expectativa.

Desenvolvimento sustentável

Décio Luiz Gazzoni

Desenvolvimento sustentado é aquele que permite atender as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade de atendimento das necessidades das gerações futuras

 

Durante o XXI International Congress of Entomology, que se realiza em Foz do Iguaçu, a sustentabilidade perpassa a discussão sobre entomologia aplicada à agricultura. Nos últimos 50 anos a população mundial teve um crescimento de 140%, até atingir 6,1 bilhões de pessoas nesse ano. Um crescimento superior ao total de habitantes que a Terra já teve nos últimos 4 milhões de anos. Nos próximos 50 anos estima-se uma dramática redução da taxa de crescimento, mas ainda assim o planeta crescerá, um Brasil a cada 2 anos, devendo abrigar 9 bilhões de pessoas em 2050. O excessivo crescimento populacional da segunda metade do século teria comprovado a teoria de Malthus, não fossem os avanços tecnológicos que permitiram um sensível aumento da produtividade. Em muitos pontos do planeta, a exploração de recursos finitos ultrapassou o ponto da irreversibilidade e atingiu índices de insustentabilidade do uso de terra, água e energia.   Os princípios da sustentabilidade
Foram propostos cinco princípios para o manejo sustentável do agroecossistema: a) é baseado em um uso prudente dos recursos renováveis ou recicláveis; b) protege a integridade dos sistemas naturais, de maneira que os recursos são continuamente regenerados; c) melhora a qualidade de vida dos indivíduos e das comunidades; d) é viável do ponto de vista econômico; e) é baseado em uma ética que considera os benefícios de longo prazo para todos os membros de uma comunidade. Esses princípios contrastam com o mau uso de recursos naturais que vigiu até recentemente. Passaram-se muitos anos, e quase três milhões de toneladas de organo-clorados foram despejados no ambiente, para que o paradigma do uso exclusivo de inseticidas migrasse para o conceito de manejo de pragas. Assim mesmo, as perdas estimadas por ataques de pragas continuam na faixa de 30%, o que sugere que os avanços na produtividade foram devidos principalmente a outros fatores que não o controle adequado das pragas.

Aquecimento global
Um dos aspectos mais importantes para o efeito estufa é a concentração de gás carbônico na atmosfera. A agricultura contribui para o processo pela destruição de florestas, e pela queima de combustíveis fósseis em diversas fases do processo. Entretanto, a agricultura pode mitigar o efeito estufa através de fontes renováveis de energia, para substituir os combustíveis fósseis, além de limpar o ar. Por exemplo, a produção de álcool para substituir derivados de petróleo; e a produção de energia a partir de biomassa, para reciclar o carbono ao invés de libera-lo na atmosfera. O aquecimento pode afetar o manejo de pragas também. Um acréscimo de 2o C na temperatura média anual seria suficiente para causar uma geração adicional de uma praga, forçando os agricultores a pulverizar muito próximo à colheita, quando as restrições sanitárias são maiores.
  Ganhar as batalhas, perder a guerra
Essa frase de um agrônomo americano significa que o Homem imagina que a Natureza possa ser agredida impunemente. Quando surge um problema, a tendência é resolvê-lo isoladamente. Ganhamos a batalha ao resolver o problema, muitas vezes à custa da agressão à natureza. E é justamente onde podemos estar perdendo a guerra, porque com agressão à natureza não há sustentabilidade. E sem sustentabilidade, o mundo continuará a passar fome, donde perdemos a guerra. Embora seja fundamental o controle demográfico para diminuir a fome crônica no mundo, o manejo sustentável do agro-ecossistema é a palavra de ordem, e mais uma vez o mundo clama pela inteligência e capacidade dos engenheiros agrônomos para produzir alimentos seguros e preservar o meio ambiente, única forma de garantir a sustentabilidade do processo agrícola.

Aftosa, ela de novo

Décio Luiz Gazzoni

Parece uma sina, o Brasil condenado a viver sob o estigma da Febre Aftosa. Já comentei nesse espaço que considero a febre aftosa uma doença vagabunda, fácil de ser controlada a baixo custo, através de um sistema preventivo bem idealizado e bem executado. O maior "mérito" da febre aftosa é denunciar a falta de higiene e de cuidados sanitários no trato do rebanho.. Falta de higiene decorrente da falta de consciência e de conhecimento de peões, capatazes, administradores, proprietários, mas também é devida à falta de planejamento estratégico, de prioridades, de diretrizes e de visão de lideranças políticas e setoriais, em especial a falta de um programa único para o setor.

 

 

 

 

  Primeiro o susto
O Rio Grande do Sul saiu na frente, junto com Santa Catarina, sendo declarado área livre de febre aftosa, com vacinação. À época o Paraná foi retirado do Circuito Pecuário Sul, fato que não foi entendido pelas nossas lideranças, que fantasiaram um complô dos dois estados sulinos, mancomunados com o Governo Federal. Ameaças de retaliação foram brandidas, feito guerra santa para lavar a honra do Estado. Até que caiu a ficha: a culpa era da incompetência paranaense em lidar com um problema tão simples. A carapuça entrou tão fundo, que foi motivação suficiente para unir patrões e empregados, a cadeia produtiva, governo e empresários, em torno de um programa comum, cuja face visível é o Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária e os seus "filhotes" municipais.

 

 

 

  Situação invertida
Agora, o Paraná é modelo de organização estratégica e de operação sanitária para todo o Brasil, enquanto o Rio Grande, às vésperas de virar área livre sem vacinação, retrocede à obscuridade, com o pipocar de focos de febre aftosa. Para mim não é surpresa, por que, na reunião do foro de Secretários de Agricultura, realizada em Brasília, em janeiro do ano passado, o recém empossado Secretário José Hermeto Hoffmann declarou que a prioridade de seu Governo era o atendimento das reivindicações do Movimento dos Sem Terra. Não me cabe questionar prioridades, um Governo eleito tem legitimidade para implantar a política que o povo escolheu nos palanques. Porém, quero crer que diferentes programas não são mutuamente exclusivos, e um Governo não deve voltar-se exclusivamente para uma parcela da população, mas buscar atender anseios das diferentes camadas da sociedade.

Fiasco
O lastimável nessa história toda é o fiasco do Brasil, que tem apostado todas as suas fichas na erradicação da febre aftosa, como um ícone da nova situação sanitária do país, passaporte para a colocação de nossos agro-produtos junto aos mercados mais exigentes. Quando tudo parecia encaminhar-se para um trabalho sério, que renderia bons frutos, desdobrados em mais mercado, mais negócio, mais renda, mais empregos, mais progresso, mais desenvolvimento, surgem os focos na região de Jóia, noroeste do Rio Grande, denunciando que o Rei está nu. Nu no sentido de que os Governos, os responsáveis primeiros pela sanidade das culturas e dos rebanhos, não estão atuando à altura. E que a iniciativa privada, os produtores e suas organizações, ainda não entenderam o recado dos consumidores: qualidade é a grande variável diretriz desse início de milênio; e que os dois segmentos não atuam em conjunto.
  Sanduíche
O Paraná, que se encontrava numa situação relativamente tranqüila, vira agora o presunto do sanduíche, entre o eixo Rio Grande/Santa Catarina ao Sul, a Argentina e o Paraguai a Oeste (todos supostamente área livre) e o Mato Grosso do Sul, que ainda aguarda até o próximo ano para sua declaração de área livre. Graças à clarividência de suas lideranças, o Paraná dispõe de um planejamento estratégico moderno e de um sistema de fiscalização que tem se mostrado muito superior ao dos vizinhos. O grande teste está se iniciando agora, se for aprovado o Paraná terá dado um grande passo para diferenciar-se como um ambiente produtivo que atende às exigências internacionais.

 

 

Álcool combustível, uma solução americana?

Décio Luiz Gazzoni

Na primeira grande crise do petróleo, o Brasil ensaiou mostrar ao mundo como resolver um problema aparentemente insolúvel para os demais países, usando seu potencial e sua criatividade para romper paradigmas. Foi proposto o Pro-álcool, um conjunto de medidas que visava promover a substituição gradativa do combustível que movia a frota de automóveis e veículos leves do país, baseada em gasolina, para o consumo de álcool.Os desacertos na condução do programa tiveram a mesma dimensão da ambição da proposta original, que acabou por enterrar um programa que tinha tudo para servir de exemplo ao mundo. Hoje o consumo de álcool como combustível exclusivo é marginal, sua utilização maior é na mistura com gasolina, posto que o descrédito tornou o consumidor avesso ao produto.   Clean Air
De repente o programa pode ressurgir... nos EUA!. No início dos anos 90, o Congresso Norte Americano aprovou o Clean Air Act, uma lei destinada a reduzir os elevados índices de poluição gerados pela economia mais industrializada e pela população mais motorizada do mundo. É um programa permanente, com metas de média e longo prazos, para permitir uma etapa de transição da sociedade e da economia para outro patamar, que conjugue qualidade de vida, renda, progresso e riqueza com a sustentabilidade do ambiente. Uma das primeiras análises que os especialistas do setor estão contemplando é a possibilidade de substituição de parcela do combustível derivado de petróleo por álcool fabricado a partir do milho. A legislação é dura, e determina a redução progressiva das emissões de ozônio e monóxido de carbono, bem como dos compostos aromáticos utilizados para o aumento da octanagem do combustível. Há estudos demonstrando a necessidade premente da mudança de padrão energético em cerca de 50 cidades americanas, onde os índices de poluição ultrapassaram os limites aceitáveis. Isso inclui a utilização do ETBE, um composto baseado no etanos, que já vem sendo utilizados em algumas cidades da costa oeste americana, onde ocupa 30% do mercado.

Lá e cá
Além do ETBE, estuda-se a possibilidade do MTBE, derivado do metanol (que é o combustível usado nas corridas da fórmula Indy e similares). Investigações estão sendo feitas para determinar o custo-benefício do ETBE e do MTBE. Esse último produto pode também ser obtido de gás natural proveniente de dejetos de animais (qualquer semelhança com os bio-digestores não é mera coincidência!). Lá como cá existem incentivos fiscais, como a isenção de 6 centavos de dólar por galão para o álcool. A isenção expira em 2003, mas o movimento é pela sua continuidade. Embora pequena, essa isenção também é fundamental para viabilizar a mistura do álcool na gasolina, também utilizada nos EUA. Ao contrário do Brasil, que apostou na cana de açúcar, os EUA buscam no milho a fonte principal de produção de álcool, pelo elevado nível de competitividade que o grão possui por aquelas paragens, e pela estrutura já existente, que permite uma rápida expansão de cultivo, sem maiores traumas do ponto de vista da produção.
  Potencial
Os analistas são cautelosos ao prescrutar o futuro, pela dificuldade de antecipação de um cenário de mudança de matriz energética, e pelos solavancos que poderia causar no mercado. Entretanto, prevêem a possibilidade de aumento da demanda de milho em 20 ou 30 milhões de toneladas (o equivalente à produção brasileira), caso o programa efetivamente deslanche. Isso significaria mudanças na própria política agrícola americana, em especial os programas de "land idling". Um acréscimo de demanda dessa ordem também tem potencial para perturbar o mercado da commoditie em escala internacional, podendo representar uma oportunidade para o Brasil ingressar no mercado de milho, do qual sempre esteve ausente, desde que consiga resolver os crônicos problemas de competitividade nessa cultura.

Segurança alimentar e sustentabilidade

Décio Luiz Gazzoni

A FAO estima existirem 800 milhões de pessoas que não tem suas necessidades alimentares atendidas, dos quais 180 milhões são crianças em idade pré-escolar. Em 2020 o mundo terá oito bilhões de habitantes, a Ásia terá crescido um bilhão de habitantes, a África do sub-Saara terá incremento populacional de 80%. A demanda por alimentos cresce 60%, especificamente no segmento carnes 200%, no ano de 2020. Estima-se que o mundo necessitará produzir mais alimentos nos próximos 50 anos, que o total produzido nos últimos 10.000 anos. Onde e como produzir tanto alimento?   O mundo produz dois bilhões de toneladas de grãos, afora frutas, hortaliças e fibras, e sem contar as áreas de pastagem. Para produção de grãos são utilizados 800 milhões de hectares. Há mais área disponível? Não na Europa, agricultura sem competitividade, sustentada por subsídios. Não no Japão, arquipélago montanhoso, o pouco espaço disponível disputado entre agricultura, indústrias e habitação. Não na Índia, Indonésia ou China, no limite de sua capacidade produtiva. Existe algum espaço nos EUA, na África e na América Latina. O Brasil é o campeão do espaço potencial, quase 200 milhões de hectares apenas nos cerrados.

Mais tecnologia
Se a expansão da área, ou sua utilização mais intensiva, não atendem a demanda há que aumentar a produtividade. Tomando o exemplo do Brasil, se a tecnologia agropecuária disponível hoje fosse utilizada, teríamos um aumento da produção de 50%, atendendo parcela da demanda estimada. Porém, apenas aumentar a produção não é suficiente. Um melhorista pode expandir o potencial produtivo de uma variedade, porém sua expressão depende das condições ambientais forem as exigidas pela variedade. Entre as principais restrições à produtividade estão o clima, o solo e as pragas.
   No caso de clima, as vicissitudes maiores concentram-se na disponibilidade de água, que pode ser suprido por irrigação, ou por variedades com maior estabilidade produtiva em situações de estresse hídrico; em relação ao solo, restrições podem ocorrer nas propriedades físicas, o que exige melhor manejo do solo, ou nas condições químicas. Nesse caso, ou se promove maior disponibilidade de fertilizantes, ou as variedades deverão dispor de maior capacidade de extração de nutrientes. No caso de pragas também existem duas alternativas: ou a planta é resistente às pragas (doenças, insetos ou ervas daninhas) e possui alta capacidade competitiva, ou se lança mão de métodos de controle biológico, químico, cultural, etc.

Transgênese
Cientistas criaram variedades transgênicas mais produtivas, resistentes a pragas, com maior tolerância ou mesmo resistência à seca, e com maior capacidade de absorção de nutrientes, porém essa via tecnológica encontra-se bloqueada pela indefinição quanto à segurança dos OGMs. Definidos os caminhos para o atendimento da demanda, resta a análise da sustentabilidade dos processos. Levantei essa questão para um cientista durante o XXI International Congress of Entomology. A resposta foi taxativa: se não houver uma dramática redução da taxa de crescimento populacional nos países emergentes ou sub-desenvolvidos, o mundo assistirá uma degradação de recursos naturais sem precedentes, devido ao processo agrícola. Porque nesses países?
  Porque o crescimento populacional já está contido no Primeiro Mundo, porque a pressão por demanda de alimentos não se encontra nesses países, e porque lá existe uma consciência e uma vigilância social pela sustentabilidade agrícola. Ao contrário, nos países pobres se encontram os problemas: qualquer acréscimo de renda será destinado à alimentação, pressionando a oferta; sob pressão de oferta, as possibilidades de negócios – e de lucros – obnubilam a necessidade de promover a agricultura sustentada; e o maior clamor será devido à injustiça causada pela fome endêmica, superando a grita pela conservação dos recursos naturais.

Globalização, ameaça e oportunidade

Décio Luiz Gazzoni

Mercado interno e mercado externo, conceitos outrora dogmáticos e imutáveis viraram anacronismos, substituídos pelo voraz mercado globalizado, com seu enigma do "me decifras ou te devoro". Cada vez mais o consumidor brasileiro terá acesso a produtos oriundos do exterior e que irão competir agressivamente com os locais. Aí está a ameaça do novo cenário, porque o agronegócio nacional não mais contará com o protecionismo de uma economia fechada. O reverso é a oportunidade para que possamos transformar nossas reconhecidas vantagens comparativas em negócios. Com o advento da OMC, os novos acordos de cooperação técnica e as obrigações assumidas nas negociações do MERCOSUL, ALADI e ALCA determinam o redesenho estratégico, para permitir a conformidade aos conceitos decorrentes da adequação e harmonização global.   Os perigos
Esta senda não se trata de opção conceitual, visto que o Estado brasileiro é signatário de acordos que impõem obrigações no âmbito dos organismos internacionais. Raciocinando pelo absurdo, imaginemos as conseqüências do descumprimento ou não-observância de tais obrigações: sem dúvida, elas conduziriam a economia brasileira ao alijamento do mercado mundial, tendo como conseqüências: (i) menor crescimento econômico; (ii) baixo nível de investimento; (iii) defasagem tecnológica; (iv) aumento dos custos; (v) aumento do desemprego; (vi) retaliações comerciais; e (vii) continuidade da agricultura predatória. Cabe à sociedade exercer a opção de trilhar o caminho em direção aos padrões de conformidade e qualidade internacionais. Entre as obrigações assumidas destacam-se as medidas sanitárias e fitossanitárias, e o respeito à biodiversidade. Estas obrigações deslocam o foco da atuação pública do controle da doença para a promoção, manutenção e recuperação da saúde dos animais e vegetais. Cada vez mais vamos nos dedicar a campanhas de educação sanitária, cada vez menos a campanhas de erradicação. Até porque, uma sociedade educada não precisa erradicar nada.

A mudança
O novo foco exige informações confiáveis para a certificação de origem e conformidade, assentada em padrões internacionais, e que irá possibilitar o atendimento das exigências do consumidor. Essa mudança de foco e de operacionalização irá exigir uma adaptação progressiva das instituições públicas, dos professores, engenheiros agrônomos, médicos veterinários e outros técnicos lotados em faculdades e escolas públicas e privadas, e das instituições de pesquisa. Exigirá também o compartilhamento de objetivos e ações de todos os agentes econômicos do agronegócio: fabricantes de insumos e equipamentos, produtores rurais, prestadores de serviços de transporte e de armazenamento, processadores industriais, distribuidores, exportadores, prestadores de serviços de informação. Mais ainda, necessário será o compartilhamento das organizações governamentais e não-governamentais ligadas às questões ambientais, que assumem importância cada vez maior na esfera das relações comerciais internacionais, principalmente no terreno das medidas protecionistas não-tarifárias.
  Os valores
Temas econômicos não esgotam a discussão, estabelecem o pano de fundo. Saliente-se a preocupação com os direitos do consumidor, e a demanda do produtor e demais agentes das cadeias agroprodutivas, exigindo qualidade dos serviços, na busca constante pelo aumento da competitividade. Acrescente-se, a consciência institucional interna da necessidade de aprimoramento contínuo e adequação do setor público às novas exigências da sociedade. Neste contexto é importante referir os valores sociais que vão balizar o trabalho de sanidade agropecuária: (i) Todo o cidadão tem direito a uma alimentação mínima nutricional, com conformidade assegurada, bem como ter garantia de emprego, de renda, justiça social; (ii) todo o cidadão tem o dever de se esforçar para garantir a sustentabilidade dos agro-ecossistemas, minimizando os riscos de agressão ao ambiente, mantendo-os em equilíbrio dinâmico para as gerações atual e futura.

O efeito cão

Décio Luiz Gazzoni

Volto de um giro pela Europa, oportunidade ímpar de visitar estações experimentais e laboratórios públicos e privados, trocar idéias com cientistas, administradores, funcionários de órgãos governamentais, rever teorias sobre a agropecuária européia e as implicações sobre o comércio internacional. Voltei com uma idéia fixa, consolidada conforme fui passando por diferentes países, observando hábitos, estudando estatísticas, inquirindo membros do governo, cientistas e executivos da iniciativa privada. É o que, provocativamente, estou chamando de "efeito cão". Explico-me:   A demanda de alimentos
Os estudos mais recentes sobre oferta e demanda de alimentos baseiam-se nos seguintes fatos e números globais: a população mundial (6 bilhões) desacelera seu crescimento no Primeiro Mundo, na China e na América Latina. As taxas continuam altas na África e em alguns países asiáticos, e cresce 3 bilhões de estômagos nos próximos 50 anos, 1 bilhão no Sudeste Asiático, o restante na África e na América Latina, sem computar a impressionante escalada da AIDS na África Sub-Sahara, que promete derrubar a esperança de vida para 30 anos. Na Europa, a taxa de crescimento passa a ser negativa e apenas a Alemanha prevê a redução de 20 milhões de germânicos puros, nos próximos 50 anos. Esse quadro contém algumas iniqüidades, dentro do gélido conceito capitalista de que "fome não é mercado", ou seja, compra alimentos quem dispõe de renda, e não os 800 milhões de seres humanos (180 milhões são crianças até 2 anos) que atualmente não têm suas necessidades alimentares mínimas atendidas.

A ditadura dos ricos
Nada de novo nesse título, riqueza e poder de impor regras sempre andaram juntas, e não é diferente no início do século XXI. Tomemos como exemplo os OGMs (sem entrar no mérito da questão): assume-se que variedades transgênicas não têm futuro, porque o consumidor europeu não quer correr o suposto risco embutido nesses alimentos. Tudo bem, é um direito seu, sustentado pelas prateleiras ricas em qualidade e quantidade que fiz questão de visitar em dezenas de supermercados de múltiplos países europeus. Mesa farta, necessidades básicas atendidas, e 380 milhões de bem nutridos europeus vetam a tecnologia. Porém, alguém perguntou ao bilhão de esquálidos do Sudão ou da Etiópia, aos famintos do Paquistão, para ver se a resposta seria a mesma? Nos próximos 20 anos, o mundo terá que produzir mais alimentos do que foi produzido nos 10.000 anos anteriores. Como faze-lo sem expandir área, e sem quebrar paradigmas tecnológicos?
  O efeito cão
Finalmente chegamos lá. Para efeito de demanda de alimentos, tem sido computada exclusivamente a população humana. Porém, enquanto demanda agregada, e considerando todas as idiossincrasias sociológicas embutidas na análise, podemos ter quase um bilhão de outras bocas, que não humanas e que estão no mercado - os animais de estimação. Chamou-me a atenção o quanto tem aumentado o número de cães de estimação nas ruas da Europa, na última década, e resolvi visitar também as seções de alimentos para "pets" dos supermercados, e cheguei à conclusão que é um luxo só!. Iniqüidade à parte, os cães dos europeus e americanos têm "renda" superior aos pobres africanos, latino-americanos e asiáticos. Enquanto os humanos sem renda não contribuem para a demanda de alimentos, seguramente, cães, gatos e pássaros do Primeiro Mundo, que possuem seguro saúde, tratamento psiquiátrico (!!), hotel e salão de beleza, estão se tornando exigentes na qualidade dos alimentos – talvez vetem rações transgênicas. Com dor no coração, chego à conclusão que produzir alimentos para animais de estimação será um agronegócio que crescerá a taxas superiores à demanda de alimentos para seres humanos. Como capitalismo é saber aproveitar oportunidades, lastimo que um ser humano morra de fome para que um cão europeu sofra de obesidade, porque, nos padrões da oferta atual, não há alimento para os dois, apenas para quem tiver renda.

Engenheiro Agrônomo, um profissional multi-facetado

Décio Luiz Gazzoni

No dia 12 de outubro a sociedade homenageia o Engenheiro Agrônomo. É difícil conceituar a Agronomia pela profusão de interfaces que a profissão mantém com o mundo científico, dos negócios, com a sociedade, governos, instituições nacionais e internacionais. Essa interação já foi mais profunda, e a complexidade profissional provocou a pulverização da profissão e a criação de novas áreas de atuação específica, seja no ramo da zootecnia ou das ciências florestais, entre outras. Pela sua complexidade, e pela multiplicidade, é difícil definir uma missão única para o profissional de Agronomia, sendo melhor entendê-lo no contexto particular em que cada qual se encerra, e cada vez mais o Mundo depende dos agrônomos para garantir e melhorar sua qualidade de vida.    O Agrônomo e a C & T
A grande maioria dos cientistas que atuam na pesquisa vegetal, e mesmo na área animal, é composta por agrônomos. Da pesquisa saem não apenas novas variedades de grãos, frutas, hortaliças ou essências florestais, como o conjunto de informações, processos, práticas, tecnologias e insumos, que permitem produzir com estabilidade, sustentabilidade e competitividade. A engrenagem entre a pesquisa e os agricultores que produzem alimentos e fibras é a assistência técnica e extensão rural, composta por agrônomos. O segmento regulador de C & T, como o Ministério e as Secretarias de Agricultura, tem seus quadros compostos por Engenheiros Agrônomos. Se os agricultores utilizassem todo o estoque de tecnologia atualmente disponível, aumentaríamos em 50% a produção brasileira, sem ocupar um hectare a mais de terra! 

 

O Agrônomo e a sustentabilidade
Antes que a sociedade o exigisse, o profissional de Agronomia já vislumbrava a necessidade de sustentabilidade dos sistemas produtivos. Não seria racional prosseguir com um sistema agrícola predatório e exploratório, que esgotasse o capital natural, comprometendo a sobrevivência das gerações futuras. O embrião dos movimentos ecológicos foi a agricultura com respeito à terra, ao ar, à água, à fauna e à flora. As primeiras vozes a se levantarem pugnando pela necessidade de convivência entre agricultura e ambiente foram de agrônomos, que sentiam na faina diária essa demanda, lutando contra queimadas, erosão ou poluição. Hoje, a sociedade incorporou o discurso, obrigando os governos a disporem de programas de sustentabilidade dos processos agrícolas. 
  O Agrônomo e a justiça social
Na Universidade, tomamos consciência da responsabilidade social do profissional de Agronomia, que se acentua com o passar do tempo. A população mundial ultrapassa seis bilhões de bocas, sinalizando nove bilhões para 2050. É impossível continuar a conviver com a iniqüidade do descompasso entre oferta e demanda de alimentos, que deixa à margem da distribuição dos pães e peixes 15% dessa população, 180 milhões de crianças com menos de dois anos, 20 milhões delas indo a óbito todo o ano por fome! É parte da formação do profissional produzir cada vez mais e melhor, reduzindo custos e assim contribuindo para que a distribuição de alimentos seja mais justa. 
  O Agrônomo e as oportunidades de negócios
Não basta produzir. Ao contrário, além de produzir bem, de forma sustentável e competitiva, existe todo um processo de planejamento, de comercialização, que antecede e sucede a produção, incluindo o processamento dos produtos para colocação no mercado. Esse processo se sofistica a olhos vistos, pressionado pela exigência dos consumidores em relação à qualidade e à inocuidade dos alimentos. Do profissional de Agronomia tem sido exigidos ecletismo e muita capacidade de adaptação e evolução, para atender às demandas do mercado, que se especializa, se segmenta, cria nichos e especificidades, e se torna um ser mutante em função da globalização e da poderosa rede de comunicações, que integra todos os setores em fração de segundos.

Agricultura orgânica

Décio Luiz Gazzoni

O mercado representado pelos alimentos obtidos através de agricultura orgânica, embora ainda restrito a nichos geográficos e de consumidores, é o que mais cresce, e tem chamado a atenção de analistas pela ocupação constante e sustentada de espaço. Essa tendência configura uma das exigências contemporâneas dos consumidores de alimentos, no que concerne à sua inocuidade e o respeito à Natureza. Os altos índices de crescimento demográfico das últimas décadas forçaram a utilização de sistemas tecnológicos a exemplo da "Revolução Verde", com o uso intensivo de insumos e máquinas agrícolas, para compatibilizar oferta e demanda de alimentos. O contraponto da agricultura orgânica surge na esteira de exigências particularizadas, impostas por parcela crescente dos consumidores. Em contrapartida, o comprador se dispõe a pagar um prêmio sobre o preço de mercado do produto equivalente, para obter o alimento em conformidade com os padrões que exige, o que aumenta a rentabilidade do agricultor.   O mercado
Estudos da FAO demonstram que a agricultura orgânica ocupa 3% da área agrícola da Europa, em especial na Áustria, Suíça, Suécia e Dinamarca, com crescimento médio de 15% ao ano. Existem programas oficiais de apoio à produção orgânica. Na Suécia, o governo tem como meta reconverter 10% da área agrícola do país para agricultura orgânica. A demanda no Velho Continente tem crescido entre 20 e 25% nos últimos anos, o que torna a Europa importadora de produtos orgânicos, pelo descompasso entre demanda e produção local. No caso da Inglaterra, cerca de 75% do mercado de produtos orgânicos é abastecido com importações. Esses números precisam aguçar a capacidade empreendedora e a visão de negócios dos brasileiros.

 

 

 

As alternativas
Não existe um conceito único de agricultura orgânica, vez que também existem as expressões agricultura biodinâmica, ecológica, natural, agroecológica, etc, associadas com movimentos, concepções filosóficas e religiosas. O traço comum é a preocupação com o ambiente, com a sustentabilidade do processo agrícola, e com a inocuidade dos alimentos. Via de regra, propugna-se a diversificação e a integração de cultivos e criações, objetivando a agrobiodiversidade e a alternância de ciclos biológicos, e a utilização de insumos ou técnicas não convencionais, em substituição a fertilizantes e agrotóxicos comerciais.
  A diversificação, ao longo do tempo, tende a tornar os sistemas mais estáveis em relação aos modelos simplificados de produção de "commodities", permitindo conviver melhor com as flutuações climáticas ou mercadológicas dos produtos, conferindo sustentabilidade ao sistema. Esses sistemas agrícolas não se prestam para produção em larga escala, encontrando seu habitat natural junto à pequena produção e à agricultura familiar.

As regras
Produzir é apenas uma das etapas de um encadeamento complexo, até atingir o consumidor final. Como todo o processo, existem regras e órgãos responsáveis por exará-las e fiscalizar o seu cumprimento. Ao nível mundial, existe a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM), que é o órgão supervisor da certificação nos diferentes países. No Brasil, a certificação é efetuada pelo Instituto Biodinâmico, a única instituição reconhecida pelo IFOAM. Antes de colocar o seu produto no mercado, o produtor precisa garantir o selo de certificação, que pode custar até 2% do valor comercializado.
  Além da certificação, existem regras próprias do País que, por sua vez, obedecem a princípios gerais, discutidos no âmbito da FAO e do Codex Alimentarius. Nos EUA, o responsável pela legislação é o USDA, e no Brasil, o Ministério da Agricultura. Em maio de 1999, o Ministério exarou uma instrução normativa, que regulamentou a produção e a comercialização dos produtos orgânicos. Além disso, existem as regras gerais de sanidade e de inspeção de alimentos que se aplicam independentemente do processo agrícola, e que devem ser respeitadas pelos agricultores e processadores.

A Política Agrícola Comum da UE - I

Décio Luiz Gazzoni

Recentemente estive visitando uma Estação Experimental do Governo da Suíça, localizada no vale do Rhône – o qual tem escassos 2km de largura. Ao lado as escarpas dos Alpes, quase a prumo. Em uma chapadinha de 2-3ha, a 600m de altura, incrustada numa montanha, se via um milharal, uma casa, um paiol, e um curral. Fiquei um tempão imaginando como o agricultor lá chegava, já que não havia qualquer sinal de caminhos entre as rochas ou no mato, ou mesmo de túnel ou heliporto. Perguntei ao cientista que nos acompanhava e ele me mostrou um teleférrico exclusivo que descia ao vale. Lições e corolários desse fato singelo: 1) Não há mais espaço físico para expandir a produção agrícola européia; 2) A produtividade atingiu seu teto, pelos paradigmas atuais; 3). Apenas o subsídio agrícola permite manter o alto nível de renda de uma família que vive de meia dúzia de vacas de leite, em uma saliência de penhasco, coberto de neve 6 meses por ano; 4) O subsídio permite adquirir e manter um teleférrico para atender a uma só família. Antes de prosseguir reflita: você conhece algum produtor brasileiro, que mantenha um alto nível de renda, com 3ha produzindo 6 meses por ano?   Os antecedentes
Para entender porque a Europa subsidia tão fortemente seus agricultores (cerca de 1 bilhão de dólares/dia!), é preciso revisitar a História do Velho Continente, com seus surtos recorrentes de fome, devidos a guerras ou pestes, que recrutavam ou matavam a mão de obra; os saques, pestes e desastres climáticos, que destruíam os campos; a sanguessuga tributária dos senhores feudais, que matavam a galinha dos ovos de ouro, ao exaurir os recursos dos produtores, que abandonavam o campo e inchavam a urbe, competindo por espaço e ocupação, degradando a já baixa qualidade de vida desses aglomerados. O final da II Guerra Mundial reavivou a memória dos líderes europeus, com respeito à importância da paz e da segurança alimentar. O Tratado de Roma (1957), berço da União Européia gerou a Política Agrícola Comum Européia, o exemplo mais acabado de protecionismo deslavado, injustiça entre as nações, antiliberalismo comercial e loas à ineficiência e falta de competitividade. A PAC é hoje o inimigo número 1 dos agricultores dos países de vocação agrícola, ao impedir que suas vantagens competitivas e sua eficiência se traduzam em "share" de mercado.

 

As razões
No início, as razões para a PAC eram a garantia de abastecimento de fibras e alimentos, e a fixação do Homem à terra, evitando que competisse por emprego e renda na cidade. Viciados em subsídios, sem condições de fugir da ineficiência, sem chance de ganho escala, seja por ampliação de área ou produtividade na maioria das explorações agrícolas, o agricultor europeu conseguiria competir em produtos de alto valor comercial ou agregado (frutas, hortaliças e processados), porém com nível de renda inferior ao atual. Arraigado na única palha que lhe resta, põe os tratores nas estradas e cria o caos continental quando a retirada de subsídios entra em discussão, e amplia o discurso inicial gerando o conceito da multifuncionalidade da agricultura, com a seguinte argumentação:
  1) o agricultor deixou de ser apenas um produtor de alimentos. É um guardião da natureza, preservando o meio ambiente e a paisagem campestre;

 2) Recicla o gás carbônico, limpando a poluição das cidades;

 3) Protege o território nacional e preserva os recursos naturais e a biodiversidade;

 4) Gera empregos no campo e não compete pelos das cidades;

5) Amplia o emprego e a renda, ao integrar cadeias produtivas e agregar valor aos produtos;

6) Preserva o folclore e a cultura camponesa.

O fracasso da Rodada do Milênio está umbilicalmente ligado à impossibilidade de consenso em torno de uma agenda única, que necessariamente teria que incluir a retirada dos subsídios agrícolas, vetada pelos europeus. Na próxima semana voltamos ao tema.

A Política Agrícola Comum da UE - II

Décio Luiz Gazzoni

O subsídio à agricultura é complexo e abrangente, varia de patrulhas mecanizadas, aos insumos, à produção, à comercialização e à exportação. Mal calibrado, fecha o mercado europeu aos demais países, compete deslealmente no mercado globalizado, vencendo concorrências pelo subsídio ao preço, e pela oferta de linhas de crédito de longo prazo a juros atraentes. Os recursos para o subsídio provêm das taxas de comércio exterior, da sobretaxa sobre o IVA e aportes de recursos dos Tesouros, para cobrir os déficits operacionais. Existem três preços principais de produtos agrícolas na Europa: 1) O preço de intervenção, que assegura um piso (altamente remunerador), regulando os estoques para evitar sobre-oferta; 2) O preço indicativo, que baliza os preços ao consumidor (que arca com parcela do custo do subsídio); 3) O preço de umbral, que aplica sobre-taxas aos produtos importados, até tornar os preços (artificiais) internos competitivos. Há também as tarifas móveis, e as transferências diretas ao agricultor, para garantir a sua renda, se os demais mecanismos não forem suficientes.   Os efeitos e as reações
O anacronismo dos subsídios tem efeitos nefastos, menos para os produtores europeus que escondem sua ineficiência e falta de competitividade, como ocorreu durante 8 décadas nos países comunistas. Porém, outros segmentos da sociedade, tanto européia, quanto mundial pagam seu preço. Senão vejamos: 1) O consumidor europeu percebeu que está pagando muito caro pelos mesmos alimentos, em relação a outros países; 2) O contribuinte não está mais disposto a cobrir os déficits orçamentários dos subsídios, sem estar convencido de sua inevitabilidade; 3) Os ecologistas arrepiam-se com a poluição de solos, águas e ar, devido ao uso excessivo de agrotóxicos e adubos solúveis; 4) A criação intensiva de suínos está contaminando a água subterrânea; 5) Cada tonelada de grão produzido exige mil toneladas de água, que já não está disponível com outrora; 6) O protecionismo e o fechamento de mercado estão gerando tensões diplomáticas e questionamentos seguidos na OMC; 7) Países agrícolas têm suas chances de progresso e desenvolvimento social sufocadas pelo protecionismo. Levas de migrantes desesperançados chegam à Europa em busca de condições de vida que não dispõem em seus países. Paradoxalmente, ao manter artificialmente seus agricultores no campo, para não disputar empregos na cidade, a Europa atrai migrantes que tem exatamente esse objetivo! Empobrecer países agrícolas pode vir a ser um tiro no pé de países ricos.

 

  O futuro
É meu sentimento pessoal que o subsídio à agricultura européia é insustentável, porém não vai cair qual fruta que passou do ponto. Além dos consumidores e contribuintes europeus, os maiores interessados no fim desse nefasto anacronismo são os países agrícolas, que não vislumbram outra possibilidade de alavancar seu crescimento que não pela via dos agronegócios. É preciso união, organização, agressividade, habilidade negocial e capacidade de arregimentar e manipular argumentos, força de pressão e retaliação, capacidade de agregação de parceiros em um sistema de troca política, e de uma campanha orquestrada e articulada de mídia para apressar a mudança do status quo. Governo e iniciativa privada terão que se coordenar supra-nacionalmente, para impor a modernidade às relações comerciais na agricultura. Somente derrubar subsídios não basta. Vantagem comparativa não é vantagem competitiva pois, na década passada, enquanto o Brasil estacionou sua produção agrícola no acostamento da História, argentinos e americanos cresceram a taxas inacreditáveis. Precisamos nos conscientizar da necessidade de sermos pró-ativos na viabilização de nossa vocação histórica, centrados em tecnologia e sanidade agropecuária, bases da qualidade, da sustentabilidade e da competitividade, pilares da conquista de mercados.
 

Pacto pela saúde animal

Décio Luiz Gazzoni

Após décadas de luta, o Paraná conseguiu, em maio último, o status de zona livre de febre aftosa, com vacinação. Foi fácil? Absolutamente, não foi nem fácil nem barato, os custos financeiros foram parte do problema, que envolveu custos sociais e políticos. Porém, com a união e a organização das forças vivas do agronegócio paranaense, foi possível tomar o atalho da História e atingir um novo patamar sanitário, a partir de uma idéia força: não à aftosa! Esse objetivo comum e bem focado foi suficiente para mobilizar instâncias governamentais e a iniciativa privada, somando esforços, compartilhando responsabilidades em termos estratégicos, decisórios e operacionais.   O esforço
A ficha do telefone caiu quando governo e cadeias agroprodutivas entenderam que, isoladamente, jamais atingiriam o objetivo, e todos sairiam perdendo. Esse entendimento gerou um planejamento estratégico (Plano Diretor da Sanidade Agropecuária do Paraná), que tem sua pedra basilar no Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária (CONESA), foro que reúne de forma democrática e transparente as mais importantes lideranças públicas e privadas, responsáveis pela implementação do Planejamento, e pelas definições táticas, que compartilham com os Conselhos Intermunicipais, também responsáveis por coordenar a operacionalização do processo. Calcado nesse ordenamento, rapidamente o Paraná foi certificado como zona livre de aftosa, e repito, a parte mais fácil do processo.
 

O desafio
Digo mais fácil, porque havíamos chegado ao fundo do poço, vergonha das vergonhas não conseguir debelar uma enfermidade simples como a aftosa. Antes éramos olhados e tratados como marginais no mercado pecuário mundial, com baixa participação, negócios esparsos, baixos preços, etc. Agora ousamos ingressar na elite. As lupas do mercado mais exigente estarão assestadas nas nossas criações e no nosso setor de processamento, à busca de eventuais não conformidades. E nosso sistema de Defesa Agropecuária escrutinado para verificar se temos condições de garantir esse status ao longo do tempo. Regiões consideradas livres (Rio Grande do Sul, Argentina, Uruguai e Paraguai) tem assistido o pipocar de focos que põe a perder todo o trabalho realizado. O desafio é reunir forças para a próxima etapa: a manutenção da zona livre.
  As ameaças
Mantendo o mesmo sistema organizacional, e incluindo novos parceiros, é necessário redobrar as atenções para evitar rebrotes e focos. Os pontos vulneráveis do sistema de manutenção de zona livre são: a) Baixa cobertura vacinal – todo o produtor deve vacinar seu gado durante o período da campanha (1-20/11); b) Trânsito de animais vivos (boiadas, reprodutores) de zonas contaminadas para a zona livre; c) Trânsito de carne fora das especificações entre as duas zonas; d) Uso de máquinas, equipamentos e veículos em propriedades situadas nas duas áreas; e) fluxo de pessoas e de assistência técnica, com contato em zonas contaminadas, para a área livre. Esse esforço gigantesco, de vigilância permanente só será possível com a união, organização e participação de todos os interessados.
  As oportunidades
A primeira grande oportunidade já está visível, é o melhor posicionamento da cadeia da carne paranaense no mercado. Porém, sobre essa conquista outras virão, em decorrência do trabalho efetuado. Já em dezembro o Paraná deverá ser declarado área livre de peste suína clássica, e o esforço para atingir esse objetivo, e para manter o status é o mesmo utilizado para febre aftosa. Conhecendo sua força e suas potencialidades, outros programas virão, como a erradicação da tuberculose, brucelose, mastite, etc. Sentindo as vantagens mercadológicas e de proteção da saúde do consumidor, a tendência dos próximos anos será a da melhoria constante da sanidade agropecuária no Paraná, com retornos palpáveis para toda a sociedade, em termos econômicos, sociais e ambientais.

Al Bush, assine em baixo!

Décio Luiz Gazzoni

Nessa coluna, em 15/10/99, escrevi: "Em abril passado, tive uma longa conversa com o Ministro Turra, mostrando que só havia duas soluções para a próxima safra de soja: ou desastre climático nos EUA, ou uma agressiva negociação política, em que os US$3 bilhões que o USDA dispunha para bancar o preço mínimo da soja americana seriam convertidos em ajuda humanitária, comprando soja no mercado e doando a países paupérrimos da Ásia e África, que jamais comprariam esta soja. Os EUA passariam por grandes filantropos, e o estoque seria tão reduzido que o preço subiria para todos. O Ministro comprou a idéia entusiasmado, a qual morreu na bur(r)ocracia governamental".

A proposta
Propus que o Brasil negociasse com os EUA que o subsídio ao preço mínimo da soja americana (US$5.25/bu) fosse incorporado ao seu programa de ajuda humanitária. Ganhariam os EUA (mais filantropia, menos subsídios), os países pobres (nunca teriam recursos para comprar essa soja), o Brasil (mais renda agrícola, mais negócios na cadeia produtiva, mais progresso, mais empregos, etc). Com US$3 bilhões - podendo chegar a US$5 bi - seria possível adquirir 70–100% do estoque de passagem, permitindo calibrar os preços em US$6-6,50/bu) (atraentes US$14/saca ou US$237/ton) apenas ameaçando intervir no mercado. Seria um sonho tropical, de noite de verão? Ainda hoje acho que a proposta era excelente, existia viabilidade política de sucesso, pela profusão de temas que estavam na mesa de negociação entre Brasília e Washington. Falta de visão negocial e de senso de oportunidade de setores governamentais, bur(r)ocracia exagerada, entre outras razões, impediram o então Ministro Turra de prosseguir. Não havia descartado a idéia quando foi exonerado do Ministério. Porque volto ao tema?
  A proposta da ASA e da NOPA
Em 26/9/2000, a American Soybean Association e a National Oilseeds Processors Association encaminharam carta ao Secretário da Agricultura Dan Glickman, propondo exatamente o que eu havia sugerido ao Ministro Turra: aumentar a ajuda humanitária a países pobres, em forma de soja e seus derivados. Essas medidas podem ser enquadradas em programas governamentais já existentes, sem necessitar fundos adicionais ou autorização do Congresso. A proposta baseou-se em modelos de elasticidade preço/demanda do Food and Agricultural Research Institute, das Universidades de Iowa e Missouri e do USDA. 

Os números
As entidades afirmam ser possível elevar imediatamente o preço da soja em US$0.47/bu, poupando ao Tesouro US$427 milhões em subsídios, adquirindo apenas 3,1 milhões de toneladas de soja e derivados, ao custo de US$873 milhões. Agregando-se o custo do processamento e do frete, o agricultor receberia no mínimo o preço de garantia do USDA, e ainda sobraria ao governo americano US$427 milhões. E todo o mundo sairia contente: o produtor e o governo americanos, os famélicos da Ásia e da África, los hermanos argentinos, os produtores brasileiros, vendedores de máquinas, insumos, sementes, a Receita Federal, a Estadual, os camioneiros, a agência lotérica, etc., porque a renda obtida com a soja é a matriz do progresso do interior do Brasil e a alavanca dos agronegócios.
  Torcida
Já que não agimos pró-ativamente quando o cavalo passou encilhado, cabe ao Governo e às entidades do setor acompanharem com lupa o desenrolar dessa negociação, com esperteza de raposa para não atrapalhá-la, auxiliando se for possível. Até porque um sujeito chamado David Kruse apareceu com uma palhaçada chamada "Plant Beans" que usa o mesmo recurso do subsídio para forrar a guaiaca dos americanos e gravar a lápide dos demais produtores. Volto a esse assunto na próxima semana. PS – Ao encerrar essa coluna, 19h de 9/11, sem resultado final para a eleição presidencial dos EUA, apelei a Al Gore e George Bush.

Dumping oficial

Décio Luiz Gazzoni

Semana passada comentei a proposta da American Soybean Association e da National Oilseeds Processors Association, para que o recurso destinado ao subsídio ao preço mínimo da soja seja destinado à aquisição de soja e seus derivados para ajuda humanitária dos EUA a países pobres, que não dispõem de divisas para compra-la. O ingresso dos EUA no mercado faria com que o preço internacional se elevasse, remunerando adequadamente os produtores. Um belo enfoque, em que se aumenta a demanda para regular preços, tornando o mercado mais rentável. Ao tempo em que aplaudo a proposta da ASA e da NOPA, pelo duplo efeito filantrópico e busca de preços remuneradores, peço a Deus que nos livre da concebida pelo dublê de agricultor e conselheiro de mercado David Kruse.   Plant Beans
A mim cheira retrocesso e desepero de quem está viciado em subsídios, que garantem a renda, de agricultor sem competitividade, com riscos cobertos por programas governamentais, tornando o processo agrícola artificial do ponto de vista mercadológico. Em especial se analisado sob o enfoque de liberalização do comércio internacional, tão ardorosamente defendido pelos EUA e, paradoxalmente, tão pouco respeitado por esse país. O que o Sr. Kruse propõe é simples: todo o produtor de outra cultura de verão, em especial trigo e milho, passaria a destinar 25% dessa área para plantar soja, com o objetivo de derrubar seu preço.
  A proposta
A área de soja americana passaria de 33 para 45 milhões de hectares, e a produção de 72 para 100 milhões de toneladas. Brasil, Argentina e outros países produtores não teriam como efetuar um ajuste drástico, explodindo a oferta mundial, hoje em torno de 155 milhões de toneladas métricas, elevando o estoque de passagem de 21 para quase 50 milhões de toneladas. Assim, o preço seria derrubado para U$2,50-3/bu (R$12,00/saca), o menor da série histórica, de acordo com os cálculos do Doane’s Agricultural Report (9/8/2000). O objetivo final seria mantê-lo nesse patamar até eliminar os concorrente do mercado (brasileiros entre eles), que não conseguiriam suportar duas ou três safras com preços muito inferiores ao custo de produção. Depois, a produção voltaria ao "normal", com altos preços, mas o share de mercado americano seria quase monopolista.

A lógica
O sojicultor americano nada sofreria, por receber subsídios garantindo o preço mínimo, tanto do CRC (Crop Revenue Coverage), quanto do LPD (Loan Deficiency Payments), que passariam de US$3 para US$10 bilhões anuais. Não haveria custo adicional ao tesouro, pois os recursos sairiam dos programas de suporte de trigo e milho que, em função da redução da produção, os preços mais elevados dispensariam subsídio, tratando-se de grãos onde os EUA dominam o mercado internacional. O objetivo é eliminar a concorrência na soja, onde as vantagens comparativas migram progressivamente para outros países, como o Brasil, onde a ocupação do Centro-Oeste, a redução progressiva dos custos de transporte, e os imensuráveis avanços tecnológicos propiciados pela Embrapa têm levado Estados como o Mato Grosso a baterem sucessivos recordes de produtividade, no plano mundial.
  Dumping
O abuso do poder econômico, para eliminar concorrentes, chama-se dumping, e é punido com rigor em qualquer país do mundo. Qualquer? Não acredito que a proposta do Sr. Kruse emplaque, mas também não acredito que ele, ou seus seguidores, seriam punidos, porque subsidiar produtores sem competitividade, para que permaneçam artificialmente no mercado, não deixa de ser uma forma de dumping, só que governamental. Embora não acredite, acho que o Governo brasileiro, e as entidades privadas do setor devem acompanhar par i pasu a evolução dessa proposta, pois não seria a primeira loucura que emplaca. E, se emplacar, Deus nos salve e guarde, porque poderá provocar uma quebradeira na cadeia dos agronegócios que levaria o Brasil a uma profunda depressão econômica.

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