Um fundo de aposentadoria diferente

Décio Luiz Gazzoni

Lembro-me do professor, escapa-me o nome. Mas na disciplina de Planejamento Rural dos meus idos tempos de universitário, o mestre nos apresentou um projeto que havia realizado para um proprietário gaúcho, visando garantir uma renda de médio e longo prazo. Tema: reflorestamento. Trinta anos passados, revisito o assunto com uma proposta de um fundo de aposentadoria diferente.

Se você está aí na faixa dos 30 anos, e está coçando a cabeça com o déficit da previdência e com a má gerência dos fundos de pensão, talvez queira fazer o seu próprio fundo garantidor da aposentadoria tranqüila. Você gostaria de garantir R$ 5 mil mensais por 30 anos? Retirado de um sitiozinho de 5 ha? Utopia? Leia primeiro, depois conversamos.

Teca
Não, ainda não compre ações da tecelagem Teka. Vamos falar da árvore Teca (Tectona grandis), com porte alto, resistente ao fogo, fungos, cupins e outras pragas, madeira forte, leve e impermeável. Que se presta a qualquer uso no ramo madeireiro (móveis, esquadrias, construção, indústria naval, etc). Originária do Sudeste Asiático, e pouca conhecida no Brasil, esta árvore produz madeira nobre, muito valorizada no comércio internacional. Um composto químico conhecido como tectoquinona é responsável pelas características de qualidade da madeira, tornando-a superior ao mogno, na avaliação dos especialistas. Ela pode ser serrada, aplainada, lixada, furada, sem problemas, pois sua consistência evita rachaduras e facilita o trabalho. Estas características foram, inicialmente, descobertas pelos ingleses, que plantaram florestas da árvore na Ásia, em especial na Índia, para suprir a florescente indústria naval da época. Se ela resiste bem a moluscos, brocas marinhas, salinidade, e outros agressores marítimos, imagine a durabilidade na construção civil.
     

Nicho de mercado
O Brasil sempre foi um importante pólo madeireiro. No entanto, a exploração predatória e irracional das décadas passadas arrasou o nosso patrimônio florístico, e as florestas já dão sinais de esgotamento. Na Amazônia existem cerca de 3.000 espécies de plantas que poderiam fornecer madeira, porém apenas 20 representam o filé mignon do mercado, as chamadas madeiras nobres, que respondem por um quarto de toda a produção madeireira da região. As reservas de mogno, cerejeira e freijó estarão exauridas em cerca de 15 anos, e mesmo as madeiras nativas de segunda linha não devem resistir mais que 25 anos. Mas o mercado consumidor continua crescendo, não apenas no Brasil, como no exterior. Com oferta em baixa, demanda em alta, o que ocorre com o preço? Explode. Como os projetos florestais são, por natureza, de longo prazo, o mercado está totalmente aberto aos investidores que pretendam lucros altos, desde que não imediatistas.
  O financeiro
Tirante o fato da maturação longa, a Teca é um ótimo investimento. Em 5 ha, com o plantio de grãos (soja, milho, arroz, trigo ou feijão) para venda no mercado, ou o produtor se condena à eterna pobreza, ou perde a terra. Mesmo com exploração familiar, diversificada, mistura de agricultura e pecuária, a renda permite viver apenas espartanamente. Mas, dispondo de outra fonte de renda, e implantando estes mesmos 5 ha com Teca, à razão de meio hectare ano, a partir do 25o ano, e por 10 anos, você pode retirar um rendimento de R$250 mil/ano. Como você queria R$5.000/mês, restam R$190.000/ano que você aplica em um fundo de renda, e que garantirão os outros 20 anos de sossegada aposentadoria.

Como cheguei a esses números? Um hectare de Teca rende, no mínimo, 60m3 de madeira de primeira. Esta madeira vale pelo diâmetro da tora: as mais finas (40-50cm) valem entre U$800-2.300,00/ m3; as toras excepcionais, com mais de 67cm de diâmetro são leiloadas, e o lance inicial tem sido ao redor de US$3.500/m3. Com a redução das reservas, imagine o preço daqui a 25 anos! Belo negócio. Por que eu não entro nessa? Deveria ter ouvido meu professor de Planejamento, que este é investimento para moço de 30 anos. Infelizmente!

Turismo Rural

Décio Luiz Gazzoni

Como grande parte dos habitantes de Londrina, escolhi viver aqui. Nasci na serra gaúcha, em Bento Gonçalves, terra da uva e do vinho. Que meus bisavós escolheram, há um século, como seu local para viver. Italiano é um povo determinado, persistente. Aliás a novela das oito está mostrando parte disso (Caspita, con quella bella Giulliana, anche me!). Que tira leite da pedra. Ou vinho da pedra. Porque na serra gaúcha só tem morro e pedra. Mas que acabou virando um dos pólos mais desenvolvidos do Brasil. No sopé da serra está Feliz, identificada pela ONU como a cidade de melhor qualidade de vida do Brasil. O segredo de tudo? Não há um segredo. Há uma grande intuição de aproveitar as oportunidades, por utópicas que pareçam. Tanto que agora a nova fonte de renda da região é o turismo rural. Só lá em Bento existem dois roteiros, o Caminho das Pedras e o Caminho do Vinho. As agências de viagem só aceitam pedidos a longo prazo, as pousadas e hotéis coloniais vivem lotados. E assim os colonos continuam fazendo a América.

 

A oportunidade pé vermelha
Aqui em Londrina tenho um grande amigo visionário. Não é italiano, ao menos pelo sobrenome Schmitt. O Sérgio. Jornalista da boa e velha Emater. Há tempos ele vem discutindo turismo rural na nossa região, atividade virgem. Veja o seu discurso "Turismo rural é uma ferramenta de desenvolvimento nacional utilizada para gerar múltiplas oportunidades sociais e econômicas. É empregada no litoral e no interior, onde a população de pequenos e médios povoados organiza e executa ações empreendedoras destinadas ao povo em geral, baseadas na conduta ética e nas normas de preservação ambiental e cultural. De forma mais simples, turismo rural é um negócio que oferta produtos e serviços no ambiente rural através da gestão familiar e destinado aos moradores das cidades que dedicam seu tempo livre em manter contato com a natureza e com o povo do campo, e pagam aquilo que desfrutam. É, enfim, a oferta de atrativos do campo aos moradores das cidades." E está cheio de povo da cidade louco para ordenhar uma vaca, ao menos uma vez na vida!

Ouro europeu
Para nós, a idéia ainda é incipiente, fantasiosa. Conheço só duas experiências no Paraná. Os baianos estão aproveitando a região cacaueira, para o turismo rural. Tem algo no Pantanal e na Amazônia, e deu. Já no Velho Continente, há 300 mil empreendimentos. Na Espanha 4 mil, na Alemanha 25, na França 70 e na Inglaterra 80 mil. Esses números crescerão com os programas de investimentos, as políticas públicas de incentivos e financiamentos da UE e dos governos. A França, decana no setor, oferece maior diversidade de alojamentos e atividades complementares de esporte e recreação. Os hotéis de administração familiar, são vinculados a uma organização central que promove a marca e comercializa as reservas dos participantes. Atende os aficionados em acampamento no campo com os Camping à la Ferme. Ou alojamentos tipo albergues rurais, os Gites Ruraux, localizados nas fazendas ou no povoado, habitações rurais para hóspedes com cama e café da manhã, albergues infantis, albergues refúgios para excursionistas e granjas de estação do ano. Pescaria, observação de pássaros, flores...
  Cavalo encilhado não passa duas vezes
Volto aos meus patrícios oriundi. Que vendem até "Caminho das Pedras"! E ganham dinheiro. Porque não na região de Londrina? Uma andorinha não faz verão, mas com parcerias entre os setores público e privado, agricultores e suas organizações, agentes de viagens, prefeituras, etc., podemos alavancar a idéia. É a salvação da lavoura? Não. Como disse antes, não existe um segredo. Existem boas oportunidades, que excitam os espíritos empreendedores. E que, daqui a 10 anos, pode ser um grande negócio. Alguém falava de Oktoberfest fora da Alemanha? Não, até Blumenau descobrir o filão. Hoje toda a comunidade de descendência alemã tem a sua, e é um sucesso garantido.

 

Pense nisso

Nem tudo são flores. O poder público precisa normar e fiscalizar a atividade, fornecer incentivos. O empreendedor cumprir requisitos técnicos, administrativos e operacionais, ter alvará. E, lembrar que terá fiscalizações – sanitárias, fiscais e ambientais. Se você leu até aqui, ligue para o Sérgio Schmitt, na Emater, que é um excelente papo, e vai te contagiar com seu entusiasmo. Liga, vai!

 

Rodada do Milênio, um fiasco global?

Começa no final de semana, em Seattle, a reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio, (Rodada do Milênio) que, deveria dar continuidade aos avanços obtidos na liberalização do comércio internacional, após a criação da OMC. Sou um pessimista de curto prazo e um otimista no médio e no longo prazos. Como antecipei que a Cimeira do Rio seria um fiasco. No final volto ao tema.

Os agrupamentos de interesse
Didaticamente, vislumbram-se as seguintes posições ex-ante:
Países assumidamente protecionistas: França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Grécia, Portugal, Espanha, Áustria, Finlândia e Suécia, Noruega, Suíça, Islândia, Liechtenstein, Japão e Coréia (22 países;). Esta é sua posição oficial, e não abrirão mão dela, a princípio;
Com tendência protecionista: Polônia, Hungria, República Checa, Eslováquia, Bulgária, Romênia, Letônia, Lituânia, Estônia e Eslovênia (10 países). São os países viúvos do comunismo, que apóiam a UE, pelo seu manifesto desejo de nela ingressarem;
Com tendência liberal: EUA e seus aliados. Tem discurso liberal e prática protecionista (subsídios, tarifas alfandegárias, cotas, sobretaxas, etc);
Assumidamente liberais: África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fidji, Filipinas, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Tailândia e Uruguai (15 países). É o chamado grupo de Cairns, que já liberalizou seu comércio, e só tem a perder com a manutenção do status quo;
Apoio ao protecionismo: são os países mais pobres do mundo, dependentes da burocracia estatal, de créditos subsidiados de longo prazo, programas de ajuda alimentar, facilidades comerciais para acesso a determinados mercados e das esmolas dos EUA e da EU (85 países). Teoricamente potenciais produtores, hoje dependem das benesses dos países ricos para aplacar a fome.

O discurso: Cada grupo terá um discurso que, às vezes, encobre os reais propósitos:
Os globalizantes: Liderados pela UE, desejam uma agenda extenuante, para conseguir concessões em todas as áreas, e justificar aos seus agricultores eventuais reduções nos subsídios agrícolas.
Os limitantes: Os EUA e escudeiros fiéis, que não querem ampliar a agenda para "temas que não estão maduros", ou seja, tentam impedir a manobra diversionista da UE e focar em agricultura, serviços e transparência de procedimentos.
Os pragmáticos: Índia, Paquistão e Egito, entre outros, que desejam primeiro implementar totalmente as decisões da Rodada Uruguai, para depois abrir novas frentes. Parabéns a eles!
Os pontuais: O Brasil e a maioria dos países "emergentes" aceita uma discussão ampla, desde que se resolvam os problemas dos subsídios agrícolas, e das regras "anti-dumping".

A argumentação
A UE insistirá na multifuncionalidade da agricultura - o agricultor deixou de ser só produtor de alimentos. É guardião da natureza, preserva o ambiente e a paisagem campestre, purifica o ar, gera empregos, etc. e tem que ser subsidiado.
Os EUA esperam remover as barreiras ao comércio dos transgênicos, principalmente na UE, e a harmonização das legislações sobre biotecnologia e comércio de alimentos transgênicos.
Questões ambientais e sociais ligadas ao comércio, como o trabalho infantil, trabalho semi-escravo, devastação de florestas, queimadas, poluição de cursos d’água, assoreamento de rios, deverão ser colocadas em Seattle. Quem viu a metralhadora apontada para o Brasil, acertou!
  Resultados
Após o advento da OMC, os países pobres (como o Brasil) rezaram por sua Bíblia, abriram seu mercado, sem reciprocidade. Se auto-condenaram à pobreza, porque o aumento das importações brasileiras de países ricos foi 600% superior às suas exportações. No curto prazo, a UE e o Japão manterão o protecionismo, em represália os EUA também. Mas, no longo prazo, os déficits orçamentários, o aumento da expectativa de vida, o alto volume de recursos (US$600 bilhões) para manter o emprego de 1,5% da sociedade que está no campo, a grita dos consumidores (pagam 3 vezes pela mesma comida) e dos contribuintes (há aplicação melhor para os meus impostos), além da pressão mundial, e dos ganhos em outras áreas, farão reduzir gradualmente os subsídios agrícolas. Aí, ninguém compete com o Brasil, se nós soubermos aproveitar a chance. Sou mais Brasil a partir de 2010.

 

Rodada do Milênio: um fiasco global.

Décio Luiz Gazzoni

Não, não é a mesma coluna da semana passada. Ao invés de um ponto de interrogação, um ponto final no título. A rodada do Milênio deverá durar 3 anos, mas como previ, sua abertura foi um fiasco. Com direito à ameaça de bombas, violentos protestos, atrasos na programação, falta de agenda. Dezenas de milhares de manifestantes denunciaram a OMC como uma entidade que defende os interesses das grandes corporações e dos países ricos. O que é a verdade. Veja a coincidência: todos os produtos de alto valor agregado, intensivos em tecnologia, tem o mercado liberado. Os produtos agrícolas e têxteis são marcados por restrições e protecionismo. Qual a diferença: os primeiros são vendidos por países ricos e empresas multinacionais. Os últimos representam a pauta de exportação dos países pobres.   A vergonha agrícola
Na ante-sala do século XXI ainda observamos subsídios superiores a US$50 mil (EUA) e US$30 mil (UE) por propriedade. Eu disse p o r    p r o p r i e d a d e. Pergunte agora qual o crédito governamental (que o produtor paga, com juros altíssimos) médio, por propriedade no Brasil. Melhor não dizer, tamanha a vergonha. Porque a França, 6 vezes menor que o Brasil, produz 90 milhões de ton de grãos anuais, 12 % mais que o Brasil? Com certeza não é por condições de solo, clima, tecnologia, ou qualquer vantagem comparativa. É devida apenas a pesadíssimos subsídios, superiores ao valor bruto da produção. No Japão eu vi, com esses olhos que a terra há de comer, o governo criando terraços em morros de 45o de inclinação, trazer solo de florestas e outras áreas, para entregar gratuitamente ao agricultor. Que depois recebia insumos subsidiados. Cujo governo comprava sua produção pelo dobro do preço do mercado. Na Europa, além disso, há subsídio à comercialização e linhas de crédito a juros baixos, prazos e carência longos, para praticar dumping nos mercados do terceiro mundo.

Subsídios, uma economia de guerra?
Um marciano que chegasse à Terra agora, e raciocinasse pela lógica humana, pensaria que a UE, os EUA e o Japão estão praticando economia de guerra, estão morrendo de fome, o mercado de alimentos é comprador. A realidade: os estoques nunca foram tão grandes, a obesidade é a doença nacional americana. São subsídios de US$600 bilhões (mais que o PIB brasileiro) para sustentar 1,5% de uma população de marajás agrícolas, que, na ausência dos subsídios jamais conseguiria competir com o Brasil e outros países agrícolas. Já na chegada a Seattle, o comissário europeu para comércio, deixou bem clara a posição européia: subsídios agrícolas são intocáveis. Como mantê-los, se a UE representa menos de 10% dos votos da OMC? Ora, comprando votos, ao melhor estilo dos políticos. Propõe tarifa zero de importação para países pobres. Pobres são 48 países com 600 milhões de habitantes, e renda per cápita abaixo dos US$100, que detém 0,4% do comércio agrícola mundial. Essa esmola é tudo o que eles queriam, e agora já são 64 votos. Somados às viúvas do comunismo do Leste Europeu, também sem vantagens competitivas, loucos para abocanhar uma parcela dos subsídios da UE, está formada a maioria.
  Se ficar o bicho come...
Para o Brasil e demais países de vocação agrícola não há alternativa. Se sair da OMC, em protesto pela discriminação odiosa (tarifa zero para exportação de país rico, mercado fechado e alto protecionismo para importação de país emergente), pagará o mesmo preço, não há esperança futura, e sequer usou o jus sperniandi. Se ficar dentro, valida a autocondenação à pobreza. Imagine um motorista de caminhão atropelando um cidadão. Já é brabo. Agora imagine que, no hospital, a transfusão de sangue seja do atropelado, com hemorragia, para o motorista. É mais ou menos o que ocorre no comércio internacional de hoje: um violento sugador de riquezas dos países pobres em relação aos ricos. A rodada do Milênio está sendo um fiasco não apenas pela guerra nas ruas, pela falta de agenda, pelas posições pré-concebidas, mas pela insistência dos países ricos em sugar cada vez mais a parca poupança dos países pobres. Novamente reitero minha esperança na resistência civil que se materializou em Seattle, e um movimento mundial por justiça, equidade e, por que não, correta aplicação dos recursos fiscais em benefício dos contribuintes.

El Niño y la Niña

Décio Luiz Gazzoni

Entre março e maio desse ano, assisti a uma conferência de um meteorologista, em Brasília. Era o momento em que produtores, autoridades e mídia comemoravam o fim de mais um ciclo do "El Niño", e a conferência era quase um balanço dos estragos provocados pelo fenômeno. No debate, ousei chamar a atenção para os ciclos consecutivos "El Niño – La Niña", e que a probabilidade de ocorrer um período de seca no Sul e Centro Oeste do Brasil, no último trimestre, era grande. Obviamente, era tudo o que ninguém queria ouvir. Já não bastavam os problemas criados pelo menino, agora vinha uma menina para estragar a lavoura? Encerrado o debate, repórteres me pediram detalhes. Não sou a pessoa mais indicada para discorrer sobre meteorologia, mas como agrônomo preocupo-me com o problema. O assunto foi abordado por diversos jornais de circulação nacional no dia seguinte. Repercutiu por uma semana, depois morreu. Mas quem leu (a Internet dispõe de todos os tipos de informação sobre o fenômeno), ou teve visão estratégica, se preparou e minorou os efeitos da seca, que pode ser, justamente, a visita de "La Niña".   Niño...
Em dezembro, as águas do Pacífico, à altura do norte do Peru e do Equador se aquecem, daí o nome "El Niño", referencia ao nascimento de Cristo. Em ciclos aperiódicos, variando de 2 a 7 anos, o oceano se aquece além do normal, causando chuvas nas regiões áridas desses países. Os cientistas observaram que, a variação de temperatura na superfície das águas do Pacífico, afetava o clima de forma global, e o episódio ficou conhecido como a Oscilação Sul (SO). Temperatura da água entre 16-20o.C, são normais; acima de 26o.C deflagram o "El Niño"; e abaixo de 12o.C provocam "La Niña". Com "El Niño" ocorrem mudanças nas correntes marítimas, nas correntes de vento de altitude, nas pressões atmosféricas, na nebulosidade e na precipitação em quase todo o Hemisfério Sul, com efeitos também no Norte, como nos EUA. Para o agricultor brasileiro interessa que chove muito ao longo da faixa RS-MT, e também na Amazônia. Mas a seca no Nordeste fica mais intensa.

...e Niña
Quando ocorre o oposto - águas do Pacífico mais frias que o normal - o fenômeno chama-se "La Niña". É a fase oposta a "El Niño" no ciclo SO, e pode durar de um a dois anos. E, também, os efeitos sentidos pelo agricultor são opostos, ou seja, muita seca na faixa Sul ao Centro Oeste do país, com precipitações anormais na faixa costeira, e inclusive em regiões do Nordeste. Uma grande massa quente e seca fica estacionária sobre a maior parte do país, e as massas frias vindas dos pólos, ou dos Andes, acabam sendo de baixa atividade, provocando chuvas esparsas e passageiras, por vezes temporais; ou são desviadas para o Atlântico, gerando uma faixa de instabilidade na costa, podendo ir de Curitiba a Salvador.
  O que fazer
Nos plantios de sequeiro, o agricultor deve usar sistemas de manejo que preservem a água no solo, estando preparado para usar as "janelas" de condições apropriadas de plantio. Feliz quem dispõe de sistema de irrigação. Caso utilize aqüíferos subterrâneos, sempre existe a possibilidade de aprofundar o ponto de captação. Em caso de barragens, seria necessário confrontar a vazão da fonte d’água, o escape do escoadouro, o volume global da represa e a demanda sob condições atípicas, para bem gerenciar o recurso escasso. Administradores de visão costumam elevar a altura das barragens, aprofundá-las, expandir o reservatório, evitar irrigação nas horas quentes, administrar a água em conjunto com a comunidade, para encher o reservatório durante a noite e finais de semana, quando o consumo diminui. E mais uma série de outras ações que, entretanto, dependem da visão e da capacidade de ação do agricultor, ou de seu administrador. Se "La Niña" o pegou desprevenido, da próxima vez lembre que, após "El Niño", ela pode aparecer novamente.

Errei
Nas duas colunas anteriores, chamei o encontro de Seattle de ‘Rodada do Milênio’. Eu sabia que se tratava da Conferência Ministerial da OMC, que convocaria a Rodada do Milênio. De tanto ler e ouvir ‘Rodada do Milênio’, acabei absorvendo o erro. Como por vezes ocorre quando digo que o Séc XXI começa daqui a 22 dias, embora saiba que ele inicia em 388 dias. Falha nostra.

Back to the future on jointed legs!

Décio Luiz Gazzoni

Não é filme de Schwarzenegger ou produção hollywoodiana. É o tema do Congresso da Sociedade Americana de Entomologia, entidade centenária que congrega mais de 10.000 cientistas que estudam insetos. Serão 5 dias de reunião, que começaram domingo (americano não brinca em serviço). São 3.000 cientistas de renome mundial, dos quatro cantos do mundo, em concílio para nortear o rumo da ciência dos insetos de importância agrícola, veterinária, médica, urbana, social etc.

O que vem por aí
Impossível resumir mais de mil conferências - levarei um ano para digerir tudo. Assim vou pinçar 3 pontos. Aromaterapia no controle de pragas é uma das novidades: os cientistas isolaram óleos essenciais de plantas, e os transformaram em inseticidas que o Greenpeace vai abençoar! As moléculas das plantas e os metabólitos de fungos estão sendo examinados, com pente fino, para serem úteis ao agricultor, sem problemas para a Natureza ou o Homem. O futuro explodiu na sessão médica, quando foram expostos detalhes íntimos das relações entre insetos vetores, doenças humanas e sua cura. O mundo fascinante da co-evolução planta-inseto-parasitas, a adaptação das plantas às pragas e das pragas a qualquer forma de controle químico ou biológico, foi desvendada em detalhes. Eu já havia detectado essa tendência em Jerusalém, durante outro congresso: cada vez mais ciência se introverte para a Natureza buscando soluções para os problemas criados com a expansão agrícola.
  Transgênese
Respiração presa, o mercado espera ansioso do cientista um norte para conquistar um consumidor arredio. O retraimento do mercado europeu, a desconfiança do americano, e o compasso de espera do brasileiro, aparentemente não interferiram no ânimo dos cientistas em romper novas fronteiras na área de transgênicos. Impossível comentar nesta coluna, mas o lema das conferências - "Keeping old friends and making new ones" (Mantendo velhos amigos e fazendo novos) demonstra toda a preocupação que permeia a comunidade científica. A idéia central é produzir novas variedades que atendam aos anseios do produtor e do consumidor, sem causar danos ao ambiente, e buscando a base molecular na própria Natureza. Uma questão que vem ganhando impulso cada vez maior é a resistência de insetos às plantas transgênicas - a planta é tão eficiente no controle da praga, que acaba criando um problema, pois quebrada a resistência, ela não tem mais o diferencial de valor de mercado. Milhões de dólares estão sendo investidos para contornar esse problema.

Comércio
Americanos e europeus estão especialmente preocupados com os efeitos da abertura do mercado, no risco de ingresso de novas pragas em suas fronteiras. A cada ano nota-se um aumento no volume de estudos científicos, para melhorar os modelos matemáticos de análise de risco, e os métodos para evitar o ingresso de novos problemas quarentenários. São nossos concorrentes se preparando para o dia em que o mercado agrícola internacional for realmente livre.
  Narrow minded
Em português castiço: falta de visão, pois éramos apenas 2 cientistas brasileiros no evento: um professor da USP e eu! Para quem aspira à liderança mundial nos agronegócios, confira-se uma gigantesca bola preta a todos os burocratas e "narrow minded" que insultam a inteligência alheia imaginando que congresso científico é turismo. Apesar dessa idiotice, o reconhecimento aos cientistas brasileiros foi emocionante: este escriba foi o único cientista estrangeiro a discursar tanto na sessão de abertura quanto de encerramento do Congresso! O XXI Congresso Internacional de Entomologia será realizado em Foz do Iguaçu e o meu coração brasileiro quase explodiu quando o consagrado cientista Dr. Jim Oliver, do alto de seus quase 80 anos e milhões de milhas voadas, afirmou em público "Em toda a minha vida, nunca vi um Congresso tão bem organizado quanto este que ocorrerá no Brasil". Já havia ouvido em Israel que não havia um só entomologista no mundo (devem ser mais de 30.000) que não estivesse informado sobre o Congresso no Brasil. Como diz o gaúcho: santo de casa não faz milagre.

Isso só acontece comigo...

Décio Luiz Gazzoni


Dia 31 de dezembro, vê lá se alguém tem saco para falar de negócios ou coisa que o valha. A cooperativa fechada, a venda só com meia porta, até o vendedor de veneno deu folga. Então, antes que chegue o bug do milênio – naturalmente o único computador do mundo a ser afetado será o seu! – que tal falar sobre a Lei de Murphy. Êta leizinha melhor que Viagra – não falha nunca. O que diz a lei? "Se existe uma possibilidade em um milhão de uma coisa dar errado, então dará errado!" Então, vamos lá a uma coleção daquelas coisas que você sempre jurou que só acontecem com você.

- Sorria...amanha será pior.
- O maior peixe sempre escapa.
- A outra fila anda mais rápido. Não mude de fila porque a outra fila sempre anda mais rápido.
- Tudo que começa bem, acaba mal, tudo que começa mal, acaba pior.
- Se uma instalação piloto funcionar com perfeição, todas as unidades produzidas depois funcionarão muito mal.
- Se o documento é confidencial, fatalmente será esquecido na maquina de xerox.
- Quando tudo vai indo bem, pare já porque algo vai dar errado.
- Como diz o otimista, dias piores virão!
- Se você aceitar trocar as cartas com o adversário, é porque tinha o casal maior.
- Para a bolsa subir é só você vender ações; para cair, é só comprar.
- O pote de ouro está na outra ponta do arco-íris.
- Se você perceber que há quatro maneiras de uma coisa dar errado, e evitar as quatro, uma quinta maneira surgirá para que dê errado.
- O café que você vendeu ontem a 100 está hoje a 120 e amanha a 140.
- O café que você guardou para vender depois de amanhã a 160 caiu para 80.
- Para cada solução surgem dois novos problemas.
- Quando você tem que escolher entre dois caminhos, inevitavelmente escolherá o pior.
- Se você chega cedo, a reunião foi cancelada; se você se mata para chegar na hora, terá que esperar; se você chega atrasado, a reunião já acabou.
- Depois de 2 horas apertando os 16 parafusos que seguram o bloco do motor, você descobre que a gaxeta ficou do lado de fora.
- Sabe como acertar aqueles 6 números da sena que você aposta há 22 anos? Não aposte no próximo concurso.
- Se você sofre de prisão de ventre, vá para um lugar onde o banheiro fica a 500 metros de distância, que terá diarréia.
- Desgraça pouca não tem graça.
- Você sempre encontra a coisa no último lugar em que procura. E só encontra quando parou de procurar, porque não precisa mais.

Feliz 2000

Mas o que eu quero lhe dizer mesmo é "Aquilo que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6:7.). Quem se nutre de discórdia, fofoca, tentando puxar o tapete dos outros, menosprezando o próximo e sua capacidade, só conseguirá colher mais cedo ou mais tarde, resultando que lhe trarão tristeza, machucaduras na alma, desprestígio, desrespeito, indiferença e a rejeição. E o culpado será a Lei de Murphy.

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

Já que o tema é agronegócios, que tal se perguntar?
- Que tipo de semente você tem lançado dentro de si mesmo e às pessoas ao seu redor?
- Quanto tempo você tem gasto olhando a vida com amargura?
- Não é melhor utilizar sua energia para crescer, ao invés de diminuir os que estão ao seu redor?

Os desejos dessa coluna são de que no ano 2000 você venda dois dias antes do preço cair, compre dois dias antes dele subir, chova na semana que você quer plantar, e faça sol naquela em que você for colher. Que as pragas só ataquem lavouras na Europa e nos EUA, que os juros caiam e que o Senhor nos ilumine a todos, mas especialmente quem trabalha em Brasília! Ah, e acerte na sena depois de 22 anos apostando os mesmos números.

Lodo sanitário como fertilizante

Décio Luiz Gazzoni

Lixo é um dilema para as administrações públicas, haja vista o drama causado pelos lixões, um problema sanitário em qualquer cidade. Ou o lixo tecnológico, que está apavorando os países ricos, que não sabem o que fazer com as sucatas tecnológicas, que precisam ser renovadas em prazos cada vez menores. Ou as vezes até sabem o que fazer, quando nos enviam os chamados pneus "meia sola", para serem vendidos no Brasil. Ao fazer a doação dos pneus, os países ricos livram-se do problema do que fazer com pneus indegradáveis. Este também é um problema para o lodo sanitário, resíduo do tratamento do esgoto urbano. Depositá-lo significa aumentar o custo do processo. Lançá-lo aos rios, além de crime ecológico, pode significar custo maior para despoluir a água captada mais à frente, a fim de atender outra comunidade.

Porque não fazer uma limonada deste limão?
Porque não encontrar um uso para o lodo sanitário? A Sanepar precisa encontrar uma saída para o lodo, e a Emater busca alternativas de fertilização de áreas agrícolas, substituindo parcialmente o uso de adubos químicos, para uso em pequenas áreas. Pelo elevado volume que necessita ser movimentado, o lodo tem maior potencial de aplicação em lavouras de alto valor agregado, como hortaliças e fruticultura, que conseguem atingir escala de produção em pequenas propriedades. Mesmo assim os agrônomos da Emater demonstraram que a cultura de milho pode produzir 40% mais quando recebe 8ton de lodo por hectare, em substituição a 400 kg/ha de 4-14-8. Em áreas degradadas, com baixo teor de matéria orgânica, o retorno é ainda maior, podendo ultrapassar os 50% de acréscimo na produtividade.
  Descobrindo a vocação.
Os agrônomos da Emater estão buscando o uso mais apropriado do lodo. Sua composição química se assemelha com o esterco deor animais. O alto teor de nitrogênio torna seu uso mais eficiente em plantas que não se associam a bactérias para extrair o nutriente da atmosfera, como é o caso das gramíneas, e da maioria das hortaliças e frutíferas. A reação de leguminosas, devidamente inoculadas, deve ser menos intensa. Por exemplo, em Fazenda Rio Grande, o plantio de feijão adubado com lodo teve um aumento de produtividade de 10%, muito inferior ao obtido com milho nas mesmas condições.
 

Os cuidados
No tratamento de esgoto, o lodo é decantado e concentrado, para diminuir o teor de umidade até 15-20%. Para ser utilizado como adubo, é necessário corrigir sua acidez, que elimina agentes patogênicos, causas de doenças no ser humano e em animais. Este procedimento é simples, e implica em adicionar ao lodo 30-50% de seu peso em calcário, provocando imediata alteração do pH. Não se pode esquecer também que o lodo contém diversos metais pesados, que, dependendo de seu teor podem ser micronutrientes essenciais às plantas, ou causar fitotoxidez, como é o caso do Zinco ou do Manganês. Também é necessário estabelecer a composição química do lodo, em termos de macronutrientes, para promover seu equilíbrio, e a adequação para a cultura onde será aplicado. Por esta razão, a assistência técnica de um engenheiro agrônomo é fundamental para que a aplicação de lodo sanitário seja uma solução e não um problema.
  Custo financeiro
O lodo pode vir a ser uma boa solução técnica, e propiciar um ganho ambiental, mas ainda é necessário solver o problema do custo financeiro de sua aplicação. As experiências que estão sendo conduzidas pela Emater não servem como parâmetro pois, por se encontrarem em uma fase experimental, ainda contam com forte subsídios da Sanepar e das prefeituras locais. Um caminhão caçamba cobra um preço fixo de R$40,00, mais R$2,00 por quilômetro rodado. Assim, o transporte para uma lavoura localizada a 50 km da fonte vai custar R$140,00, além do custo de distribuição na lavoura. Para viabilizar o uso do lodo, as partes interessadas (Sanepar, poder público, e agricultores) deverão encontrar uma fórmula para que os objetivos de cada parte sejam atingidos, com custos compatíveis.

Cíclâmen, lisianto, prímula...

Décio Luiz Gazzoni

...calceolária, ranúnculo, cinerária. No meu tempo, flor para namorada era rosa e cravo, no máximo com três ou quatro cores. Podia até ser romântico, mas como era monótono. Flores não era lá grande negócio, coisa de alemão ou japonês renitente, com aquela dedicação e cuidado insuperáveis. Durante muito tempo rosas e cravos dominaram. Aí a violeta conquistou corações e mentes, desbancou o cravo. Veio o crisântemo e empurrou o cravo ainda mais para baixo. Assim foi se criando e consolidando o negócio das flores, que explodiu nesta década.

Uma enorme variedade
Hoje em dia não há coração empedernido que não se amoleça com o esplendor e a delicadeza, a infinita variação de formas e cores. Só as calceolárias podem ser encontradas em meia centena de cores diferentes. A base do agronegócio das flores é a melhor qualidade de vida. Abastecida a geladeira, o consumidor vai alegrar o ambiente, ou sofisticar a decoração. Para sair da mesmice, excursões científicas adentraram matas tropicais ou temperadas, à cata do exotismo que a biodiversidade oferece. E encontraram lisianto, ciclâmen, cinerária, gloxínia e dezenas de outras plantas ornamentais, que fizeram explodir o negócio de flores mundo afora.
  O tamanho do negócio
O consumidor do próximo milênio é exigente em qualidade. Flores representam uma melhoria da qualidade de vida, o que faz nórdicos e centro-europeus (Noruega, Suécia, Suíça, Dinamarca, Áustria, etc.) investirem mais de US$100,00 per cápita/ano para tornar a vida melhor. Coisa de país rico? Que nada, cada argentino compra US$25,00/ano em flores. O mercado está em expansão não apenas para a Holanda, o paradigma da produção de flores, mas para inúmeros outros países. Inclusive a Colômbia, principal país produtor da América Latina, que planta no alto dos Andes e exporta para os Estados Unidos, Brasil e ...Holanda! Sim, porque tanto o mercado europeu quanto o americano estão abertos, não são auto-suficientes. Aí está a grande oportunidade para o Brasil, cujo mercado interno movimenta apenas US$1 bilhão (US$6,00 per cápita anuais). Deste valor, estima-se que um terço seja o faturamento do produtor.

Mercado interno
O maior produtor e consumidor de flores no Brasil é São Paulo. O polo Holambra-Atibaia registra crescimento anual de 20%, e ocupa hoje 4.500 ha, com 3.600 floricultores, além de ser uma importante fonte de emprego no meio rural. É uma atividade complexa e exigente, porque, mais do que produtividade, o produtor precisa de alta qualidade. Flor raquítica, com defeitos, folhas manchadas, é flor sem mercado. Não há necessidade de grandes áreas, porém são necessários investimentos em ambientes climatizados, tecnologia de sementes e mudas, nutrição de plantas, irrigação e assemelhados. A alta tecnologia encontra seu pico na questão sanitária, onde não podem ser feitas concessões de qualquer espécie: o floricultor precisa de um ambiente altamente saneado. Um simples ataque de Botrytis pode arrasar sua produção.
  Importação e exportação
O Brasil é quase ausente do mercado internacional, transacionando 25 milhões de dólares/ano, valor marginal e incipiente frente ao poderio do mercado e às oportunidades que tem surgido. Mas governos e empresários estão colocando o olho neste mercado rico e promissor. Além dos requerimentos de alta tecnologia e sanidade impecável, o cultivo de flores precisa clima ameno, dos planaltos de 1000 m de altitude, agricultores tenazes e dedicados, capital inicial para suportar os investimentos, e um sistema de comercialização muito particular, pela delicadeza do produto, e os cuidados com sua armazenagem e transporte. Os estados de Minas Gerais e Bahia são os candidatos a criar novos polos importantes de floricultura brasileira. Na Bahia, o dinâmico secretário da Agricultura Dr. Pedro Barbosa de Deus não mede esforços para implantar o polo na região da Chapada Diamantina, que reúne as condições edafo-climáticos para o cultivo de flores. Com a construção de uma barragem que abastecerá, pelas próximas décadas, os empreendimentos nas áreas de horticultura, floricultura e fruticultura, o governo da Bahia busca atrair empresários interessados na parceria neste que é um dos grandes negócios do início do próximo milênio.

Faça o que eu digo, não o que faço

Décio Luiz Gazzoni

Liberalização comercial. Fim das barreiras comerciais, dos subsídios, barreiras técnicas, parceiros mais privilegiados. Nada de sobretaxas ou de cotas de importação. Medidas fitossanitárias só para proteger a saúde do consumidor e do ambiente produtivo. Desenvolvimento justo e igualitário, maior justiça social, melhor distribuição de renda, redução da pobreza, incremento do comércio bilateral, com acesso recíproco ao mercado. Ou seja, o melhor dos mundos. A democracia chegando ao sistema comercial. Regras justas, oportunidades iguais para todos. Em teoria tudo perfeito, porque não aderir ao consenso de Washington? Ah!, sim, o que é mesmo o consenso de Washington?

Liberalismo para os outros
O consenso de Washington trata da retirada de todas as travas ao comércio entre os países, tornando-o transparente e justo, regido pela capacidade competitiva dos países. Com uma exceção: os países pobres deveriam ser protegidos dos ricos, melhor preparados para vencer a batalha comercial. Foi com esta perspectiva que o Brasil, e dezenas de outros países emergentes aderiram ao tal consenso. E foram com muita sede ao pote, atendendo integralmente os requisitos exigidos: eliminaram barreiras à importação, reduziram as alíquotas de importação, desobstruíram canais de comercialização, tudo de forma unilateral. O que obtiveram em troca?
  Dois pesos e duas medidas
Obtiveram pesados déficits comerciais! A inundação de seu mercado interno por produtos made in Primeiro Mundo. O padrão de comércio internacional do final de século é oposto ao receituário acima, seguido apenas pelos países pobres. A origem do atual processo passou pelo conceito de co-desenvolvimento, uma das propostas mais caras de François Miterrand. O conceito nunca encontrou eco entre os países ricos, permitindo que norte e sul, ricos e pobres pudessem encontrar um novo patamar de relacionamento comercial, mais justo e mais equânime. O que se observa é um aproveitamento, um sugamento, uma exploração dos mercados dos países emergentes, crédulos na liberalização do mercado, que continuam enfrentando restrições diversas para colocar seus produtos nos mercados mais ricos.

A inversão dos fluxos comerciais
Tomemos o Mercosul, constituído para melhorar a competitividade coletiva, onde as importações provenientes dos EUA cresceram 70%, sem aumento correspondente de exportações. Em relação à União Européia, ao longo desta década, observou-se um incremento de 24% nas exportações do Mercosul (menos de 3% ao ano). No contra fluxo, a UE aumentou em nada menos que 350% suas exportações para o Mercosul. 24% de crescimento ao ano! Na constituição do bloco, ninguém imaginaria uma inversão de fluxo. Que significou, em 1997, um déficit do Mercosul com a UE de US$6 milhões, enquanto, antes da liberalização comercial, o superávit era de US$12 milhões.
  A fórmula mágica
A fórmula é um segredo de polichinelo: reduza as suas tarifas aduaneiras (as minhas não); elimine suas travas burocráticas (eu as mantenho); nada de sobretaxas sobre as minhas exportações(eu aplico nas suas); cotas de exportação, uma heresia (não na minha religião); medidas sanitárias apenas para proteger o consumidor (o meu consumidor será mais protegido); subsídios à produção e à comercialização nem morto (eu que sou vivo, manterei os meus). Quero crer que caímos em um legítimo conto do vigário. Passados quatro anos da criação da Organização Mundial do Comércio, os prazos estabelecidos para a liberalização do comércio foram integralmente obedecidos pelos mais fracos, pelos países pobres. A contrapartida dos países ricos sequer pintou no horizonte, que continuam a impor barreiras comerciais aos nossos produtos, e continuam a subsidiar a sua produção. Erramos ao agir unilateralmente, e agora o caminho de volta é árduo, porque, para nós, seguramente valerão as regras comerciais que impedem o aumento de alíquotas, o estabelecimento de cotas, a introdução de sobretaxas, a criação de subsídios. É hora de abrir os olhos, denunciar a farsa que se desenha, organizar os países que se sentem espoliados, e começar a negociar uma nova ordem para o comércio internacional. Ah! Sim, da próxima vez deixe o outro cumprir a lei primeiro!

Bio-fábricas

Décio Luiz Gazzoni

Há algum tempo comentamos que, no futuro, o agricultor produzirá alimentos e remédios, pelas possibilidades que se vislumbrava a partir da aplicação da biotecnologia. Agora aparecem as primeiras plantas-laboratório. O que é isso? Simples, uma planta que, além de tudo o que uma planta normal produz, ainda gera alguma substância química com atividade farmacológica. A ponte para o futuro começa a ser trilhada, porque este é um negócio que vai render bilhões de dólares anuais a quem dominar a tecnologia.

Porque plantas-laboratório?
Por quatro motivos. Primeiro, porque é mais barato. Dominar todo o processo de síntese, descobrir a matéria prima, produzí-la, purificá-la, transportá-la, montar a sequência de temperatura e catalizadores, custa dinheiro. Como é caro montar a própria fábrica de síntese, após o domínio da tecnologia. Segundo, porque o produto natural tem alto grau de pureza, comparado com a produção industrial, que sempre carrega contaminantes. Terceiro, porque o "controle de qualidade" é mais fácil e seguro que em fábricas industriais (lembre-se da pílula de farinha). Finalmente, porque os processos básicos são muito semelhantes. Uma vez dominados alguns poucos casos (caminhos bioquímicos e biotecnológicos), "engenheirar" as próximas plantas será uma rotina.
  Colhendo hormônio de crescimento
Algumas pessoas possuem um problema congênito que leva à baixa produção, pela hipófise, de FSH, o hormônio de crescimento. Para o seu tratamento desta disfunção, que deixaria a pessoa anã, é recomendado o tratamento, com hormônio obtido através de isolamento do cérebro de cadáveres. O surgimento da AIDS e de outros vírus, que podem permanecer incubados assintomáticamente por longos períodos, desaconselha esta via de obtenção. As primeiras experiências com bactérias ou com animais transgênicos pode, em tese, ter o mesmo risco de contaminação por vírus. Por esta razão os pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da UNICAMP decidiram produzir milho transgênico com capacidade de síntese do FSH.

O trabalho de engenharia genética
O estudo exigiu a retirada de um gene da hipófise humana, para recombiná-lo com um gene do sorgo. O gene tem uma parte codificadora, que diz o que deve ser produzido (aí entrou o gene da hipófise), e uma parte reguladora, que diz onde e quando a substância deve ser produzida (nos grãos de milho). O DNA da hipófise foi isolado por cientistas da USP. Juntaram esse DNA e o do sorgo e o introduziram em uma bactéria, que atuou como transportador para o pool genético do milho. Ficção científica? Então vá visitar as casas de vegetação da UNICAMP para ver o novo milho, que vai resolver definitivamente o abastecimento de FSH de alta qualidade no mercado farmacêutico.
  Fábrica de insulina
Os cientistas da UNICAMP não param por aí. O próximo desafio é produzir insulina no grão de milho. Já pensaste, um silo cheinho de insulina em grão, estocado a baixo preço, que pode ser retirado aos poucos para fazer comprimidos que vão acabar com o sofrimento de diabéticos? E a um preço bem mais baixo? Embora não seja tão simples quanto produzir o FSH, pelos caminhos bioquímicos mais complexos no interior da planta, o Diretor do Centro, Dr. Paulo Arruda, já está com a pesquisa bem avançada na planta de fumo (onde também começou a outra pesquisa), e está otimista em colocar em curto espaço de tempo a insulina na semente de milho.
  Santa soja, santo milho, santo arroz...
Pois é, tem mais. Está muito avançado o estudo incorporando a vacina da hepatite B, e também contra alguns tipos de tumores cancerosos, em plantas cultivadas. Pasta de dente vai ser produzida a partir de plantas com antibióticos que eliminam a bactéria causadora da cárie. O programa, muito complexo, necessitou de genes obtidos a partir de quatro diferentes espécies vegetais, que foram seccionados e recombinados para a criação de um único gene que controla a produção deste antibiótico. É o fim do motorzinho do dentista que tanto atormentou a nossa infância. Graças à biotecnologia. Quem sabe agora, que o consumidor é o beneficiário, a discussão sobre transgênicos tome um rumo objetivo.

Até numa viagem de 1.000 km, é preciso dar o primeiro passo.

Décio Luiz Gazzoni

O presidente FHC parecia muito feliz no dia 19/1, na cerimônia engalanada no Planalto, ao anunciar o programa Brasil Empreendedor Rural, com crescimento mínimo de 4% para a economia brasileira em 2.000, alavancado pelo setor agrícola, que sustenta as exportações, e é âncora para a estabilidade econômica. Como diria o grande filósofo Mané Garrincha, só faltou acertar com S. Pedro, S. Clinton, S. Blair, S. Chirac e outros santos do baixo clero. A longa estiagem do Sul faz a afirmativa do presidente perder força. O pacote oficializa a iniciativa privada como financiadora do setor agrícola. Há tempos o financiamento oficial é marginal, pois multinacionais de insumos e tradings já vinham financiando seus clientes.   Financiamento privado
Oficializa a venda antecipada da safra - uma duplicata emitida contra a colheita, antes do plantio -, através da Cédula Rural Financeira, com possibilidade de liquidação financeira; e a CPR Export, uma espécie de ACC, com liquidação pela entrega da mercadoria. Esta atrairá capitais estrangeiros, ampliará as oportunidades de exportação, reduzindo custos de intermediação. O mercado de opções é aberto para estrangeiros, lastreados em commodities, e referenciado em bolsas estrangeiras, permitindo o hedge. Em tese a idéia é ótima, desmamando o agricultor dos governos que pouco se importam com a vocação agrícola do país. As contra-indicações: enquanto o produtor europeu, americano ou japonês conta com financiamento oficial, e com subsídios, o brasileiro pagará os sufocantes juros de mercado, que se apropriam da maior parcela da rentabilidade.

Outras medidas
O seguro agrícola torna-se abrangente. A Lei de Armazenagem permitirá que armazenadores sejam comerciantes de produtos agrícolas. O projeto faculta a classificação de produtos. Se o objetivo é transformar o Estado em normatizador e fiscalizador, deixando aos privados a classificação, tudo bem. Quem exige classificação é o mercado, ao governo interessa marginalmente, por conta dos impostos. O despacho aduaneiro integrará o MA, o MS e a SRF, objetivando desburocratizar importação e exportação, parte ponderável do custo Brasil. O BNDES reduzirá as taxas de juros a 8,75% a. a. para pequenos produtores, e a 10,75% a. a. para os demais, na aquisição de tratores e colheitadeiras. Pode haver redução do IPI caso os governos estaduais reduzam o ICMS, para a aquisição de máquinas e equipamentos. Não foi atendida a reivindicação de uma hipoteca abrangente, que não onerasse o produtor com uma hipoteca a cada operação de crédito. Pequenos produtores não precisam apresentar certidões negativas para operação de crédito; têm aumento das linhas de financiamento da agricultura familiar e dos assentados, dos recursos destinados à Agricultura Orgânica.
  A reação das lideranças
A mídia pipocou análises de lideranças do setor agropecuário. A mais lúcida foi a de Ágide Meneghetti, presidente da FAEP, uma das maiores lideranças agrícolas do país, com os pés no chão e a cabeça no lugar. Afirmou “O anúncio desse pacote tem mais foguetório do que realmente merece”. Entendo suas palavras dentro de duas linhas de raciocínio. A primeira conduz à falta de novidades,- a iniciativa privada já vinha financiando insumos e fazendo compra antecipada de safra. Ajudou, mas pouco. A outra é que os problemas da agropecuária são muito maiores que o pacote, que pode ser inviabilizado pela falta de abrangência das medidas. Além dos financeiros, temos outros problemas a serem resolvidos: subsídios e barreiras dos países ricos, falta de vontade dos governos com a agropecuária, custo Brasil, Reforma Tributária que privilegie a produção, política agrícola sólida, focada no futuro, evitando que pequenos agricultores virem sem-terra. Cumprimento da função do Estado (Lei no campo, investimentos em infra-estrutura, modernização da fiscalização e suporte à ciência e tecnologia).
  Os 1.000 km
Produtor só vencerá esta batalha unido e organizado, com representatividade e lideranças inteligentes e comprometidas. Entendendo o mercado e suas exigências de qualidade e inocuidade. Investindo em tecnologia e sanidade, em administração rural. Estando atento às mudanças, e adaptando-se rapidamente a elas. Valorizando a assistência técnica. É uma agenda braba. Mas não há atalho para o Brasil passar de eterno campeão potencial, a líder dos agronegócios mundiais, sua vocação! Produzir ridículos 500kg de grãos/habitante. Agüentar o vexame de ainda ter febre aftosa, e dezenas de outras pragas facilmente erradicáveis, no seu ambiente produtivo. Para alavancar um surto de progresso que beneficie a sociedade brasileira, com mais negócios, gerando empregos, distribuindo renda. É tarefa para uma década? Ora, meu Senhor do Bomfim, para uma caminhada de 1.000km o primeiro passo foi dado dia 19. Faltam apenas 999.999. Pé na estrada, gente!

Quem sabe faz a hora

Décio Luiz Gazzoni

Há quatro anos foi “fechada” a fronteira PR/SC. Declaração de guerra de gaúchos e catarinenses contra a febre aftosa. Uma doença do gado, das mais vagabundas, fácil de ser controlada e erradicada, com tecnologia disponível há décadas. Qualquer país sério, que valoriza a sua agropecuária, e a saúde da sua população, já erradicou essa doença há gerações. E não admite o ingresso de carne de países contaminados. Agora, o MA declarou o Paraná área livre de aftosa, o que deverá ser reconhecido internacionalmente na próxima reunião da OIE.   Quase virou guerra
Em 1995, o titular da Secretaria de Defesa Agropecuária do MA resolveu atacar de frente algumas vergonhas nacionais, como a febre aftosa e outras doenças típicas do quarto mundo, olhos postos no futuro, apostando em um reordenamento do comércio internacional, com fulcro na qualidade e inocuidade dos alimentos. Uma exigência para ser área livre, é a demonstração científica da falta de atividade do vírus, após 24 meses de ausência de casos de aftosa. O rebanho da região analisada necessita ser isolado daquelas contaminadas. E, vergonha das vergonhas, na época o Paraná possuía um sistema de sanidade agropecuária arrasado, e falta de entendimento por parte de lideranças públicas e privadas sobre sua importância. Ao invés de enfrentar o problema, com humildade, nossas autoridades compraram uma briga quixotesca com SC e o Governo Federal.
  Lucidez
Depois de alguns qüiproquós, reuniões, e discussões, percebeu-se que não adiantavam desculpas ou luta contra os moinhos. Um pacto contra a vergonha - e pelo futuro do Paraná - uniu lideranças lúcidas, governamentais e privadas. Discutiu-se com objetividade o futuro da agropecuária, concluindo pela obviedade: a porta do futuro tinha uma chave dupla: sanidade e tecnologia. O dueto da qualidade. A forma de conquistar, solidificar e expandir mercados. Gerar emprego e renda. Evitar a expulsão do homem do campo. Aquele futuro que a sociedade paranaense almeja. Foi elaborado um Plano Diretor focado no futuro, com base na qualidade dos produtos agropecuários, estruturado sobre uma parceria frutífera entre o Governo e a iniciativa privada.

Parceria
O segredo do sucesso: Governo e agricultores, sacudiram estruturas, esqueceram ranços, deram as mãos. Foi criado o Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária (CONESA), secretariado pelo londrinense Wilson Pan. Londrina também criou o primeiro Conselho Municipal de Defesa Agropecuária do país, presidido pelo Dr. Edson Ponti. Hoje, uma centena deles cobre o Paraná, coordenados pelo CONESA. Nos próximos dias 21 e 22, todos os presidentes dos Conselhos estarão em Curitiba, para ouvir autoridades e lideranças nacionais e estaduais, e traçar planos de ação comuns. União e organização, foi assim que chegamos lá.
  O que faz a diferença
Você deve ter visto no Fantástico de domingo passado, que Pelé quase foi jogar no Brasil de Pelotas, como parte do pagamento do passe de Joaquinzinho. Leu nos jornais que Gisele Bunchen, a super top model, primeira do ranking mundial, ganhando dezenas de milhões de dólares ao ano, tem uma irmã gêmea (indistiguíveis uma da outra), que continua gata borralheira em Horizontina, noroeste do RS? Tem sempre alguma coisa que faz a diferença, que permite ter as rédeas do próprio destino. Nessa história de final feliz para o Paraná, valeu o esforço de dezenas de milhares de produtores, profissionais, técnicos, lideranças setoriais e comunitárias, dos órgãos do governo, da mídia, enfim, da sociedade paranaense.

 

Quem sabe faz a hora
Mas, a História por vezes é injusta com os que a fizeram. Eu, que vivi toda essa odisséia em seu interior, me obrigo a destacar, para os registros futuros, que não teríamos sucesso, sem três grandes lideranças que fizeram a diferença:

Dr. Enio Marques, o então secretário da SDA/MA, um dos raros brasileiros que conseguem enxergar 10 anos à frente de seu tempo, um dos melhores quadros do Governo Federal, que fez a aposta na direção certa, ao assestar a bússola do Ministério da Agricultura para a qualidade dos alimentos, antes que sofrêssemos um chega-pra-lá sem volta dos importadores, e assistir nosso mercado interno inundado com alimentos produzidos no exterior.

Dr.Antonio Poloni, atual secretário da Agricultura do PR, que arregaçou as mangas no dia em que tomou posse, comprou a idéia como se sua fosse - sem tirar o mérito de quem o tinha. Entusiasmado, trabalhador, persistente, carismático, a agricultura do Paraná deve-lhe muito por sua paixão pelo projeto.

Dr. Ágide Meneghetti, uma das maiores lideranças agropecuárias do Brasil e da América Latina - graças a Deus, paranaense. Assumiu na primeira hora o desafio, que parecia intransponível, apostou a sua imagem e a sua credibilidade no projeto, liderou os agricultores e suas organizações rumo ao futuro, e nunca vacilou até conseguir o que se propôs. Quem sabe faz a hora.

Seattle X Davos X Bangcoc

Décio Luiz Gazzoni

O mundo está mudando novamente. Atenção nas pessoas que enxergam 5 anos à frente do seu tempo, para antecipar as tendências dos agronegócios. Nos últimos 50 anos, criou-se o GATT, a Comunidade Européia (embrião dos blocos comerciais), a OMC, e estamos fechando o milênio, com algo que me soa como anti-OMC. Sua criação ratificou os acordos sobre liberalismo comercial, os países pobres abriram suas fronteiras por convicção, ou por falta de alternativas. Vigiu por 5 anos, calcada em dois fatos: os países pobres reduziram impostos de importação, acabaram com cotas, sobre-taxas, barreiras técnicas e para-fiscais, elevando as transações internacionais em 100%. E havia o compromisso assinado e reconhecido em cartório, de que os países ricos fariam o mesmo. Só que, para eles, foi dado um prazo. Não cumprido! Os países ricos estão mais protecionistas, apesar de haverem jurado fazer o oposto. Aí vem Seattle, a Conferencia Ministerial da OMC, para convocar a Rodada do Milênio.   Seattle
Que fiasco
! Sem agenda e sem conclusões, do encontro restaram as denúncias das ONGs: a OMC é uma forma de proteger países ricos e corporações multinacionais, que dominam o comércio internacional. Rodada do Milênio? Que nada. Bombástico em Seattle foi a UE não abrir mão de seus subsídios agrícolas, caso típico de "esqueçam o que eu escrevi". Elementar, meu caro Watson, libera-se o comércio de produtos de alta tecnologia e alto valor dos países ricos. E mantêm-se subsídios de US$500 bilhões para a agropecuária não-competitiva da Europa e do Japão. Em represália, os EUA protegem e subsidiam sua agricultura. Luiz Furlan, presidente da SADIA, do alto de sua lucidez declarou "Todos os produtos em que o Brasil é mais competitivo, sofrem sobretaxas no mercado americano".

Davos
Woodstock chique, convescote de liberais, um encontro monocórdio, com loas ao liberalismo, ataques aos países que não seguem a cartilha. Workshops do tipo "Eu não te avisei?", quando países como o Brasil, cometem a burrada de sustentar uma taxa de câmbio artificial. 2000 marcou a presença, tímida, das mesmas ONGs de Seattle, que desafiaram a inteligentzia liberal, para mostrar que o mundo não é só "azul vai-tudo-bem". Há ganhadores e perdedores. O liberalismo radicalizado é um jogo de exclusões, ampliando o fosso Norte-Sul, ricos e pobres. A Third World Network provou que o déficit comercial do III Mundo aumentou 3% na era OMC. Na África do Saara, o PIB regrediu 2%. Até o presidente do BIRD afirmou "O fim do protecionismo agrícola transferiria, anualmente, US$25 bilhões para os países pobres, onde vive 80% da população". Apenas 0,2% do PIB mundial. O valor é muito maior que esse, mas poderíamos começar por aí, não?
  Bangcoc
Semana passada a UNCTAD, órgão da ONU para o comércio e desenvolvimento, realizou conferência com o mote "Os desafios da globalização". Allan Winters (Univ. Sussex), liberal de carteirinha, concedeu que os resultados práticos da abertura comercial afrontam a teoria. Frances Stewart (Oxford), conclui que "distribuição de renda mais igualitária é desejável, tanto para a eqüidade, como para o desenvolvimento econômico". Puxa, então não era só eu a pensava que, para alguém comprar, precisa de renda! A UNCTAD se reúne para discutir como compatibilizar desenvolvimento, educação, saúde, segurança, distribuição de renda, justiça e equidade com o discurso da globalização e da liberação do comércio. O Ministro da Economia do Reino Unido, Gordon Brown, afirmou: "Precisamos avançar além do Consenso de Washington, que estreitou nossos objetivos de crescimento e emprego, ao assumir que o mercado alocaria recursos eficientes para o crescimento, através da regulação, da liberação de preços e do comércio, e da privatização. A experiência do modelo revelou-o inadequado pra as inseguranças e os desafios da globalização". Há mais coisas entre o céu e a terra que os aviões da Varig, disse o filósofo. É hora de olho vivo e faro fino, porque mudanças profundas virão, e o Brasil precisa sair do berço esplêndido de campeão potencial, para realizar sua vocação agrícola. E, hora de mudanças, é tempo de oportunidades.

Paraná, um exemplo para o Mundo!

Décio Luiz Gazzoni

Palavras do Dr. João Carlos Meirelles, Secretário da Agricultura de SP, e uma das maiores lideranças da pecuária brasileira. Proferidas durante o I Encontro Paranaense dos Conselhos de Sanidade Agropecuária, presentes o Ministro da Agricultura e diversas autoridades, além de 650 lideranças dos Conselhos Municipais, o Dr. João Carlos salientou a velocidade com que o Paraná passou de acomodado e reativo, para assumir como prioridade máxima, a competitividade para seus agronegócios, alicerçada em alta tecnologia e ambiente saneado. Atualmente, não existe país no mundo que tenha interiorizado e capilarizado a sanidade agropecuária, como fez o Paraná.

 

 

 

 

 

 

  Competitividade
O fiasco do fechamento de fronteiras com SC, em 1996, ocorreu porque ninguém entendeu a mudança de ambiente comercial no mundo, e a necessidade de modernizar para competir. O Paraná promoveu uma guinada de 180o em suas diretrizes, programas, políticas e ações de Defesa Agropecuária, sabendo que o futuro não é uma continuidade do passado, e que o destino é traçado por quem intervem na História. Mudou o curso de sua agropecuária, de forma silenciosa e segura. Hoje a questão sanitária é tratada de forma capilarizada em todo o Estado, com a união de suas forças vivas, que vêem na competitividade o segredo do comércio internacional. Calcada em premissas fundamentais como produtividade, rentabilidade, qualidade, credibilidade e inocuidade, exigências do mercado.

 

 

 

 

  O segredo do sucesso
As lideranças paranaenses, privadas e governamentais uniram-se para enfrentar os novos tempos. A parceria materializou-se no Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária (CONESA), hoje liderando 150 conselhos municipais, que operam com a visão holística das cadeias agroprodutivas. O labor de milhares de anônimos técnico e produtor foi fundamental. A febre aftosa foi a bandeira erguida como balizadora, e a declaração do Paraná como área livre pelo MA em 28/12/99, e a aceitação do parecer técnico pela OIE há um mês, mostram a nova consciência do produtor paranaense, unido e organizado em busca de objetivos comuns no mercado globalizado. Demonstrada a força da união, novos reptos sãi lançados, na produção animal e vegetal, olhos postos na consolidação de nossos mercados, na disputa dos já ocupados, e na abertura de novos espaços. Enquanto aguarda o cansaço da União Européia, que acabará por desistir dos subsídios agrícolas, o Paraná surge como o guia da Nação para o cumprimento da vocação agrícola brasileira.

Quem sabe faz a hora
A História, por vezes, é injusta com os que a fizeram. Eu, que vivi essa odisséia em seu interior, elaborando o seu Plano Diretor, me obrigo a destacar, para os registros futuros, que o sucesso se deveu a três grandes lideranças que mudaram a História:

Dr. Enio Marques, ex- secretário da SDA/MA, um dos raros brasileiros que conseguem enxergar 10 anos à frente de seu tempo, um dos melhores quadros do Governo Federal, que fez a aposta na direção certa, ao assestar a bússola do Ministério da Agricultura para a qualidade dos alimentos, antes que sofrêssemos um chega-pra-lá sem volta dos importadores, e assistissemos nosso mercado interno inundado com alimentos produzidos no exterior.

Dr.Antonio Poloni, secretário da Agricultura do PR, que arregaçou as mangas no dia em que tomou posse, comprou a idéia como se sua fosse – sem tirar o mérito de quem o tinha. Entusiasmado, trabalhador, persistente, carismático, a agricultura do Paraná deve-lhe muito por sua paixão pelo projeto.

Dr. Ágide Meneghetti, uma das maiores lideranças agropecuárias do Brasil e da América Latina – graças a Deus, paranaense. Assumiu na primeira hora o desafio, que parecia intransponível, apostou a sua imagem e a sua credibilidade no projeto, liderou os agricultores e suas organizações rumo ao futuro, e nunca vacilou até conseguir o que se propôs. Quem sabe faz a hora.

Água, uma vantagem competitiva?

Décio Luiz Gazzoni

Da fase romântica, com a preservação dos pássaros e seu canto, das flores e suas cores, à incorporação de valor à defesa do ambiente, construiu-se uma teoria econômica para inserir o ambiente na Economia. As premissas: Natureza é capital e deve ser acumulado, não erodido; prevenir é mais barato que remediar; preservar o ambiente agrega valor. A inserção da questão ambiental no dia a dia da sociedade de consumo, obrigou o sistema produtivo a preservar a Natureza, para conseguir melhor preço, e evitar o boicote aos predadores. O impacto mais visível da produção agrícola eram as cicatrizes das feridas provocadas pela água morro abaixo. Arrastando a fertilidade dos solos para os cursos d’água, poluindo ou assoreando os rios. A superfície de nosso planeta constitui-se de 80% de água, mas apenas 3% está disponível. Parece discurso acadêmico, mas pergunte a um sertanejo nordestino o que ele pediria a Deus, se direito a um só desejo tivesse? Seguramente água. Mas quando a seca aperta feio no Sul, como na última transição primavera-verão, é o momento de parar e refletir: até quando a água é um recurso infinito e inesgotável?   Água e agricultura
Competitividade significa eliminar restrições à plena expressão do potencial genético dos rebanhos ou cultivos, como baixa fertilidade, ataque de pragas ou clima inadequado. E clima inadequado é quase sempre sinônimo de falta de água, quando mais dela se precisa. Ou até seu excesso, quando clima seco é desejável. Manejar o recurso água é um enorme desafio a todos quantos lidam com a agricultura. Desde a milenar irrigação, em que velhas metodologias são aprimoradas ou substituídas, ou ainda novas abordagens são criadas, com o claro objetivo de racionalizar o uso do recurso, até sistemas de plantio que conservem água. Nas lavouras tradicionais de arroz irrigado, cresce a consciência dos problemas causados pelo uso desregrado da água: o primeiro é o esgotamento das fontes, a alteração dos lençóis freáticos, e a dificuldade crescente em manter as mesmas condições de irrigação, no mesmo local, ano após ano. Outro fato é a contaminação da água, com o uso intensivo de substâncias químicas, em especial agrotóxicos e fertilizantes.

A guerra da água
As grandes guerras buscavam conquistar territórios, terra. O alvorecer do novo milênio pode trazer uma mudança radical no paradigma da guerra, porque água será um recurso mais escasso que terra. Pode parecer ridículo imaginar exércitos se movimentando, ou mísseis riscando os céus para brigar por água, como se briga por petróleo. Nada de literalidade, a guerra pode ser comercial: quando um recurso necessário se torna escasso, passa a ser motivo de divergências, e a ambição pela sua posse ou domínio excita as forças persuasivas, desde o domínio econômico (trocas comerciais), até o uso da força, para atingir o objetivo ambicionado.
  Água, uma vantagem comparativa
Preservemos a água, a vantagem comparativa de um ambiente geográfico de alta concentração hídrica. Água doce, de qualidade, preservada. Prontamente disponível para consumo humano, uso agrícola ou para processos industriais. O que diferencia um gênio de um homem comum de seu tempo, é sua visão de futuro. Enquanto batalhamos contra a iniqüidade das relações comerciais, geradas pela deslealdade dos países ricos, pode estar na água o diferencial competitivo. Não há como expandir a agricultura da China, Japão ou Indonésia, para satisfazer suas necessidades futuras. O acréscimo de produtividade exige maior volume de água. Na Europa, a sociedade se questiona, com intensidade crescente, se está valendo a pena pagar o alto preço da produção agrícola local, que ainda suja a água que seus filhos bebem. Não estará justamente aí uma das luzes do fim do túnel para o Brasil de 2020? É onde precisamos ter a visão de futuro.

Um diagnóstico do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

Brasil, eterno campeão potencial. Até no futebol já fomos campeões morais (além do tetra). Potencialmente, é raro o país com tantas vantagens comparativas para competir na arena internacional. Nem os EUA, líderes incontestes do mercado. Temos fronteira agrícola, clima adequado, condições para produzir 2 a 3 safras por ano, uma indústria de suporte na área de insumos e maquinaria, expertise em geração de tecnologia, condições para melhoria sanitária. Mas os números mostram o quanto estamos aquém do nosso potencial produtivo. Basta uma análise reflexiva sobre a produção de grãos: a meta de 83 milhões de ton pode acabar abaixo de 80. Para ultrapassar a linha da fome, estima-se em 600kg/hab/ano a necessidade grãos, logo 100 milhões de ton para o Brasil. Se exportamos, o fazemos em cima da fome de brasileiros, pois a renda interna não permite ampliar a produção da cesta básica.   Os números
Grandiloqüentes, mas que precisam ser melhorados. Temos o maior rebanho bovino comercial do mundo (165 milhões de cabeças), maior que a soma de todos os parceiros do Mercosul.O agronegócio representa 40% do PIB brasileiro, sendo 7,6% direto do campo. Sem excedentes socialmente aceitáveis, nos últimos três anos o agronegócio acumulou superávit de US$35 bilhões, para um déficit global do Brasil, com o exterior, de US$16 bilhões. Não fora isso, amargaríamos um déficit de US$51 bilhões. Para 2000, quando o Brasil pensa em zerar seu déficit, o superávit do agronegócio é estimado em US$16 milhões. Como o agronegócio representa 40% da riqueza brasileira, é fácil inferir o quão deficitários são os demais setores.
  Crescimento e desenvolvimento
Cada ser humano tem uma vocação maior, cada país também o tem. É inconteste a vocação brasileira para os agronegócios. Se assumida, historicamente, pela sociedade e por suas lideranças, estaríamos hoje livres do vexame de ser um dos maiores PIBs do planeta e uma das piores distribuições de renda, com fome endêmica incrustada no maior potencial produtivo. O agronegócio significa emprego, pois para cada US$1 milhão de demanda, o setor elétrico gera 78 vagas, automóveis 85, construção civil 111, comércio 149 e agropecuária 202. Possui o menor custo de geração, o menor prazo de maturação do emprego, redundando em retorno mais rápido, maior segurança e rapidez, remunerando com maior presteza os fatores de produção.Os agronegócios representam o motor do crescimento e do desenvolvimento brasileiro, falta dar maior velocidade a esse motor.

As travas
É importante atentar para o desajuste das engrenagens internas e para a deslealdade da concorrência externa, que vêem no Brasil a maior ameaça às suas políticas de sustentação da agricultura. Pela competitividade natural do Brasil, em 1998 os 15 países mais ricos do mundo torraram declarados US$358 bilhões para suportar uma agricultura não competitiva, onde trabalham apenas 3,8% de sua população. Afora o não declarado, US$1 bilhão por dia, milhares de dólares por hectare. Onde isso afeta o Brasil? Acabamos de perder uma concorrência internacional para venda de frangos ao Egito, oferecendo o produto a US$700/ton. A França ganhou com preço menor, porém seu custo de produção supera os US$1500/ton. A mágica? O governo francês banca a diferença.
  Retirando as travas
Para sair do impasse, é importante atacar dois pontos: Por um lado, a parceria entre a diplomacia e as lideranças privadas deve traçar uma estratégia para forçar a eliminação gradual dos subsídios dos países ricos, iniciando pela comercialização, chegando aos insumos. Esse é o dever para gringo ver. Entretanto, o espaço negocial será ocupado por quem tiver competitividade, ou seja, preço e qualidade acima de tudo. Qualidade certificada, com rastreabilidade da produção. Com respeito ao meio ambiente e às condições sociais da produção, firmando-se no mercado pela credibilidade. Conquistando espaços, consolidando-os, abrindo novas frentes, deixando de ser comprado e vendendo agressivamente. Esse é o dever de casa.

Piscicultura, um baita agronegócio.

Décio Luiz Gazzoni

Sobre Mato Grosso e Bahia falo com prazer, escrevo e assino embaixo: ambos serão expoentes da agropecuária brasileira na próxima década. A amplitude de negócios possíveis nesses estados lhes dá um caráter peculiar, pois além das explorações tradicionais, permite investir em outras atividades. Uma que está se expandindo com rapidez na Bahia (o Mato Grosso busca o caminho) é a piscicultura. Só piscicultura é reducionismo, porque lá se investe também em camarões, lagostas e outros frutos do mar. E os baianos estão aprendendo a pensar grande: não basta produzir o peixe, é necessário colocá-lo na mesa do consumidor com qualidade. Para quem gosta de pescar, e gosta da Bahia, é um duplo prazer escrever sobre o que é que a Bahia tem para oferecer.

 

 

 

 

  Incentivo
Para que um negócio dê certo, é preciso juntar uma série de condições. A questão financeira é um dos quatro pés da cadeira. No caso da Bahia, o governo estadual incentivou a expansão dos negócios, e garante o suporte financeiro com uma linha de crédito do Banco do Nordeste. O recurso tem taxas de juros de 3-6% ao ano (mais TJLP), para custeio e investimento. O prazo de pagamento é de oito anos, com dois anos de carência. O recurso cobre inclusive construção, frigorificação, e outros equipamentos.Já no primeiro ano foram financiados 133ha e se encontram em estudo outros 220ha, prevendo aplicação superior a R$7 milhões. No total existem 1000ha em produção, de um potencial estimado de 50.000ha. Não apenas de dinheiro vive o empreendimento, mas de condições tributárias favoráveis. No Rio Grande do Norte, o governo reduziu o ICMS para 4% e o Ceará radicalizou para 0,2%, buscando ganhar no volume do tributo arrecadado, ao invés da alíquota. O Governo baiano promete seguir a mesma trilha, para viabilizar o negócio. Será que algum dia algum iluminado vai enxergar essa "mágica" no Governo Federal? Ou vamos continuar desincentivando a agropecuária pela via da alta tributação?

Programa integrado
As outras três pernas que sustentam o programa são a capacidade empreendedora, a tecnologia e a sanidade. A parceria (ou integração) é um dos pontos fortes do programa. Na região de Valença, ao sul de Salvador, o grupo MPE produz 130 toneladas de camarão todo o mês. Cerca de 60% abastece os restaurantes das metrópoles sulistas, o restante é exportado para os EUA, juntamente com a lagosta. A classificação do produto é rígida, e um quilo de camarão do tipo graúdo tem cerca de 30 exemplares. Se for do tipo miúdo, sobe para 300. Apenas este grupo gera 600 empregos diretos e 120 indiretos, entre os pescadores da região. (PS. Quando for a Valença, não deixe de visitar a Ilha de São Paulo, se você tem merecimentos para entrar o Paraíso!).
  Interesse internacional
Ace Aquafarms é o nome do grupo americano que resolveu desbravar o cerne da catinga, em Paulo Afonso, e que chega ao Brasil com US$45 milhões no bolso, para investir. Prevê a construção de um centro de biotecnologia, uma fábrica de rações, uma indústria de processamento de peles, entre outras alternativas. A primeira espécie a ser explorada será a tilápia, pelas inúmeras vantagens que apresenta, mas logo o surubim e o pacamã entram em cena. O empreendimento prevê a integração de 200 aqüicultoures locais, que receberão ração, alevinos, e assistência técnica, vendendo o produto da criação ao grupo.
  Espaço negocial
Existe um grande vácuo de consumo no setor. O mundo produz 30 milhões de ton anuais de pescado, e a China responde por 65% do total. Segue-se a Índia, o Japão e a Coréia. O Brasil consome 5 kg/hab/ano de peixe (exatamente a média mundial), a China 80 e Portugal 75. Com a mudança de hábito alimentar em direção a alimentos mais saudáveis, o consumo de peixe deve crescer muito no mundo inteiro. Se imaginarmos que, em 10 anos, o consumo per cápita dobrará, estamos falando de uma demanda adicional de 800 mil toneladas no Brasil, e mais de 30 milhões no mundo. É um belo negócio, de muito futuro. Sem esquecer o velho ditado "Os deuses não descontam do tempo determinado para a nossa vida, aquele que se passa pescando!" Negociando com o Criador, quem sabe, criando peixes também!

Algo mais que Bob Marley

Décio Luiz Gazzoni

Parece que existindo Bob Marley o paraíso está garantido na Jamaica. Tão errado quanto uma cientista que me confidenciou "do Brasil só sei a capital" (Bunosóres, no "inglês" daqui). Por trás de um povo que adora música (já é impossível entender o taxista, imagine com o radio no volume máximo), a História se repete: como um país do Terceiro Mundo pode vestir o terno da globalização, feito sob medida para os obesos do Primeiro? A fim de responder a essa questão, aceitei o desafio do Governo da Jamaica para repensar os serviços agropecuários do país (pesquisa e extensão agropecuária, sanidade animal e vegetal, estatísticas agrícolas e comércio internacional), com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento.   O preço da globalização
Se o Brasil, cheio de potencialidades e enormes vantagens comparativas, não consegue decolar rumo ao seu destino no mercado dos agronegócios, imagine uma pequena ilha, em grande parte uma cadeia de montanhas, com 2,5 milhões de habitantes e PIB de US$5 bilhões, precisando sair do chão erguendo-se pelos próprios cabelos. Enquanto a economia esteve fechada, conformou-se em olhar o próprio umbigo. A abertura destruiu a produção animal, exceção à indústria leiteira ainda parcialmente protegida das importações. Dizia-me Peter Moses, Diretor Geral do Citibank, que sua família era tradicional produtora de gado de corte, e agora não há açougueiro que compre uma rês. País apanhado no contra-pé de um sistema produtivo inadequado, controlando a inflação pela âncora das importações, mercado interno reduzido e pobre, sinto, no Presidente da CNA daqui, um misto de saudosismo e falta de visão de futuro, ao queixar-se da falta de clínica veterinária subsidiada pelo Governo, como se fosse o único desejo a pedir ao gênio da lâmpada!

Geração de renda
A agricultura representa 7-8% do PIB, não é lá grande coisa dir-se-á. Vestindo a toga de sociólogo, descobre-se que, atrás dessa pequena fatia da riqueza, escuda-se metade da PEA jamaicana! Novamente, o problema da distribuição de renda, concentrada em alguns detentores de capitais que aproveitam as boas oportunidades de negócios. O módulo rural é pequeno, agricultores tirando o sustento familiar com 0,5 ha, as "grandes" propriedades com 40 ha. E aí vem o desafio de como operar no mundo globalizado, sem escala. Esqueça-se arroz, feijão, milho, trigo, soja ou qualquer grão, com baixa margem por unidade. Mas como investir em produtos de alto valor agregado, quando o analfabetismo da geração que está no campo ultrapassa 30%? Sem infra-estrutura ou capitais para cria-la?

 

 

 

 

 

  Encontrar a saída
O turismo é uma fonte de renda da Jamaica, e uma atividade distribuidora de renda entre hoteleiros, restaurantes, taxistas, engraxates, ambulantes e até prostitutas. Mas isso só vale para 2-3 locais do noroeste da ilha (Kingston está a sudeste), e provoca uma concentração regional. Se aqui viessem 5 milhões de turistas, poder-se-ia sustentar uma demanda derivada de alimentos de produção local. O aumento de renda alargaria o mercado, base para a exportação. Que é a saída urgente do país, na busca de capitais que financiem seu progresso e seu desenvolvimento. Mas que precisará ser alavancado internamente, a partir de condições de competitividade, que incluem tecnologia adequada, elevado status sanitário, educação e capacidade administrativa no campo. E que precisa ser implementada na semana passada, porque o comércio internacional é darwiniano, insensível às agruras e mazelas sociais: vende quem tiver o melhor preço e melhor qualidade, eliminam-se os demais. Por enquanto, o mercado jamaicano não é atrativo por sua dimensão, porém, mesmo assim, mercadorias importadas ingressam em preço e volume suficientes para desestabilizar a economia local, que vem de três anos de crescimento negativo do PIB. Espero encontrar uma resposta para esse enigma, a razão para eu estar aqui.

Fazendo as apostas

Décio Luiz Gazzoni

Comentei semana passada que a Jamaica se encontra no ponto de inflexão que obriga lideranças a tomarem as rédeas e mudar o destino. Não é um caso isolado, todas as nações passam pela mesma situação, variando a tonalidade e a intensidade do problema. Ou está sendo fácil para a União Européia impor aos agricultores a retirada dos subsídios agrícolas, após duas gerações sob esse guarda-chuva? Livres das intempéries do mercado? Ajustar orçamentos, redirecionar prioridades, captar o sentimento social não é só ser estadista, é a própria sobrevivência política dos indivíduos e dos partidos. Ou o país segue a senda desejada pela população, ou há o troco nas eleições.   A necessidade de mudanças
Parece incrível, mas a tempestade que assola os países capitalistas foi deflagrada pelo maior país ex-comunista. Durante meio século de guerra fria, a União Soviética não havia causado tantas preocupações a tantos atores sociais, como ocorreu com a derrocada do modelo comunista. Rompida a barragem, temas que vinham sendo reprimidos explodiram ao mesmo tempo, revolucionando o mundo. E acabam retro-alimentados pelos frangalhos da ex-superpotência. Unificar a Alemanha está custando centenas de bilhões de dólares. E os agricultores da Europa Ocidental ganham um aliado: tudo o que países ex-comunistas querem do futuro é integrar-se a UE. Agricultores, especialmente, querem voltar ao tempo do dolce far niente, quando produtividade não importava, pois o governo mantinha sua ineficiência, artificializando os mecanismos de mercado. Pode ser que o protecionismo agrícola seja o único viés comunista no extremado liberalismo do Primeiro Mundo!

O drama do Terceiro Mundo
Feliz o país abençoado por Deus e bonito por Natureza (saravá, Jorge Ben!). Deus está esperando que façamos bom proveito do diferencial competitivo que Ele nos concedeu. Só dependemos de nós. O drama maior é dos países do Terceiro Mundo, que não dispõem das condições para respirar no selvagem mercado globalizado dos agronegócios. Esse é meu desafio atual na Jamaica, um dos exemplos em que é necessário queimar muito fosfato para fazer a aposta certa, num modelo que visualize uma luz no fim do túnel, e que não seja o trem vindo do outro lado. Não é fácil encontrar soluções de curto prazo, quando se foi atropelado por uma revolução que encontrou um país sem recursos naturais, sem capacidade de poupança, baixa atratividade para capitais internacionais, com metade da mão de obra alocada em uma agropecuária ineficiente, atabalhoada em seu ingresso no mercado internacional.
  As saídas
Uma vida dedicada à agropecuária torna difícil aceitar que, possivelmente, a saída não está centrada nela. Vejo que a vantagem comparativa do curto prazo pode ser a alavancagem de outros setores da Economia, que ajudem a criar um mercado interno para a produção agropecuária. E que o investimento será dirigido prioritariamente para esses setores. O inverso do caminho brasileiro, onde o dinheiro da agropecuária bancou a industrialização brasileira. É o que me leva, por exemplo, a propor a contratação de um instituto estrangeiro para co-executar a proposta de C&T para o país, solvendo o problema de curto prazo, um degrau para alternativas de longo prazo. E a buscar nos órgãos internacionais, ou congêneres nacionais, o apoio para o trato da questão sanitária. Difícil de ser equacionada, pela inexistência de um sistema de vigilância, que precisa ser criado do zero. Pelo uso desregrado de pesticidas, aplicados por agricultores semi-analfabetos, e que matam, poluem e deixam resíduos, questionando a qualidade do produto agrícola do mercado internacional. Sem dúvida, um belo desafio, que, infelizmente se repete não só no Caribe, mas na América Latina, na África e na Ásia, que necessita adaptar, para a semana passada, as condições de produção e comercialização para seus agronegócios no novo ambiente globalizado.

Produtor, você sobrevive à globalização de mercados?

Décio Luiz Gazzoni

Cinco personalidades do agronegócio respondem a questão, dia 13 (quinta-feira) a tarde, durante a Expo-Londrina. E minha resposta é SIM. Sou mais Brasil em 2010, só que precisamos chegar lá. Nossos bisavós viveram drama semelhante: não mais que de repente surgiu o rádio, o telégrafo, o cinema, o carro, o avião. Formas de encurtar distâncias, de globalizar. E eu, você, nós somos a prova que eles sobreviveram! Vivemos um (duríssimo) período de adaptação, devemos nos valer da capacidade intuitiva, criativa, gerencial, inovativa e das vantagens comparativas, para impor a vocação agrícola do Brasil. Caberá ao Dr. Gilman Viana Rodrigues, presidente da FAEMG, mostrar como vamos administrar o protecionismo e o subsídio dos países ricos, principal entrave externo em nosso rumo ao futuro. Nadando contra a correnteza, mas de braçada!   Política agrícola, uma âncora?
Dizer que o Governo mais atrapalha que ajuda o produtor, tem feito muito sentido para quem está no negócio. Será necessário discutir o desastrado intervencionismo governamental, analisar o passado e propor alternativas viáveis. Menos governo e mais condições para produzir, eis a solução do dilema. Mas do governo espera-se que, antes de sair de cena, elimine o Custo Brasil, o diferencial de custo que obnubila nossa competitividade natural, e desobstrua o caminho para a pequena produção. Esse é o desafio do Dr. Galassini, Presidente da COAMO.
  Administração rural, um recurso escasso?
O produtor rural londrinense até hoje lastima que o Dr. Derli Dossa tenha sido forçado a arrumar as malas e mudar-se para Curitiba. Desse gaúcho, reconhecido nacionalmente como uma das maiores autoridades na área, se ouvirá a lição de casa: competitividade se ganha nos centavos, como o tio Patinhas. Impossível vencer na selva globalizada, sem dominar completamente a gerência dos fatores de produção, comprando bem, vendendo melhor ainda, administrando competentemente todo o ciclo produtivo, agregando valor.

Tecnologia e sanidade, segredo de Polichinelo?
Os mercados estão se tornando, continuamente, mais exigentes, e o seu ponto futuro foca na liberalização total. Nesse momento, Darwin decreta: sobrevivem os mais eficientes! Os que tiverem competitividade, fundada na alta qualidade e produtividade, baixos custos, melhor preço, alto valor agregado, estabilidade produtiva, com imagem positiva e sólida credibilidade no mercado, capazes de honrar contratos de longo prazo. Competitividade para abrir, criar, consolidar e perenizar mercados, o que é impossível sem a melhor tecnologia e um ambiente sanitário elevado. É com esse plano de ação que o eficiente secretário Antonio Poloni vai demonstrar como está preparando o Paraná para o futuro.
  Qual futuro?
Francisco Turra, um gaúcho tinhoso, paciente e perspicaz, um dos ministros da Agricultura de visão mais ampla que o Brasil teve. Mostrará com clareza que o futuro, mais que uma continuidade, é um rompimento com o passado. Orgulho-me de haver participado de sua equipe no MA, onde os temas recorrentes foram justamente a regulamentação da Lei Agrícola (mais condições de produção, menos custo Brasil), luta contra o protecionismo dos países ricos, qualidade na produção, posicionamento firme quanto ao uso de transgênicos em relação mercado. A clareza meridiana da competitividade cristalizou-se em sua determinação em criar a Agência Brasileira de Defesa Agropecuária (da qual o Governo insiste em olvidar-se) e seu apoio decidido à Embrapa, tecnologia como diferencial de competitividade. Foram deles algumas das palavras que mais me emocionaram até hoje: "...a Embrapa é a melhor coisa que existe no Governo. Meus colegas de Ministério me invejam, porque queriam ter cada qual sua Embrapa!". Mais clareza impossível. Se você perder essa oportunidade, talvez haja outra no próximo século, mas terá perdido o primeiro trem.

Água, um recurso estratégico

Décio Luiz Gazzoni

Cultivar retorna ao tema da água, porque ele vai dominar as discussões com intensidade cada vez maior. Vamos relembrar que 80% da superfície da Terra é composta de água. Mas, a maior parte dessa água se encontra no mar, e não está prontamente disponível para os principais usos humanos. Dessalinizá-la e tomar outros procedimentos para torna-la apta ao uso ainda é um procedimento caro, e com tecnologia de pequena escala. O sultão de Brunei pode, mas o "Seo" José das Neves, lá do interior de Grotão da Barra Funda pode?

Água é vida
Não há vida sem água, o seu corpo é dois terços água. Os alimentos que você ingere foram produzidos com água, contém água, os processos industriais usam água. Água é saneamento, é limpeza, é higiene, é a substância que permeia com maior intensidade e freqüência as atividades humanas. No uso quotidiano, aprendi nas aulas de Engenharia, que um cidadão médio necessita de 200 a 300 litros de água, para atender a todas as suas necessidades. Mas, o uso direto pelo ser humano representa uma das demandas de água doce, e não é a maior: existe a demanda industrial, ou, para ser mais abrangente, a demanda das atividades econômicas da urbe, e a demanda do setor agropecuário. Na área industrial água é base para produção de energia em pequena escala, vapor, refrigeração, lavagem, etc. E também é necessária para produção de energia em larga escala, como as hidroelétricas que, embora não "consumam" a água, impõem uma série de exigências técnicas e limitações ao seu uso. Por exemplo, o volume d’água necessário para operar uma hidroelétrica limita o volume que pode ser utilizado nos perímetros irrigados.
 

Água é dinheiro
Não sei quantos vão lembrar desse episódio, porém durante a primeira crise do petróleo, lá nos anos 70 de repente alguém propôs: nós não temos petróleo, estamos pagando o olho da cara para importa-lo dos árabes; eles não tem água, estão pegando os bilhões de dólares do petróleo para construir super estruturas caras e ineficientes de tratamento de água salgada. Então, porque não aproveitar o petroleiro que volta vazio, e vender água para a OPEP? Essa discussão ficou um tempo na imprensa e acabou desaparecendo parcialmente pela dificuldade de operacionalização, porque esgotou-se em si mesma, e porque afinal a gente acostumou com o preço. Mas, o problema está aí e continua: alguns países têm petróleo, ou tem dinheiro, ou tem comida, ou tem alguma coisa de valor econômico, e outros tem água. E água tem valor hoje, e terá valor cada vez mais intenso no futuro. Sei que hoje você vai achar ridículo, mas seu filho ainda poderá ser um operador da Chicago Water Trade! Já pensou, água commoditie?

Água é mal distribuída
A distribuição geográfica da água é um dos pontos cruciais, e um problema estrutural sério. Ela está onde está e não está onde não está, no entanto é necessária nos dois locais. Quando estive em Israel, na Palestina, na Jordânia fiquei a pensar com meus botões porque séculos de guerra por aquele deserto improdutivo, temperatura de 45o. C no inverno. Filosofia à parte, o fato é que a História não vai mudar, e seres humanos continuarão habitando locais inóspitos, sem água. E a necessidade de água será eterna. Para atender a demanda, as alternativas visíveis são: fazer chover onde não chove; ir buscar água no sub-solo, se existir; tornar potável a água do mar e transporta-la onde for necessária; ou buscar água doce onde existir. Como as previsões da ONU são de que, embora declinantes, as taxas de crescimento populacional serão positivas nos primeiros 50 anos do século XXI, a demanda por água crescerá em taxas superiores à demanda de alimentos. Porque, produzir alimentos, requererá ainda mais água. Mesmo nesse na Pátria Amada, morremos afogados na Amazônia, e de sede no Nordeste. Projetos como a transposição do São Francisco são polêmicos e custam bilhões de dólares.
  Água é benção
Não temos muito que reclamar do Patrão Velho lá de riba, que estava de muito bom humor quando criou o Brasil. Ele caprichou na terra, nas florestas, no clima, nas mulheres lindas, e nos deu água, muita água doce. Certo que a maior parte está concentrada lá na Bacia Amazônica, mas vamos entender a extrema sabedoria do Criador: eu sei que povinho que eu estou pondo lá, então vou dar água mais que suficiente para ele viver nas outras regiões, dou uma castigadinha no Nordeste, e ponho uma fortuna em água na Amazônia, porém com milhões de dificuldades, que é para ser a reserva para o século XXIII, às vésperas da grande revoada da Humanidade par outro Planeta. Mas, o que Ele nos deu de água no restante do país é uma fábula. Vou ficar apenas num exemplo que estudei recentemente: pelas cataratas do Iguaçu passam, a cada segundo, cerca de 11 milhões de litros de água. O suficiente para atender as necessidades diárias de Londres ou Paris a cada 150 seg; Toquio em 175 seg; Nova Iorque em 200 seg; da cidade do México em 225 seg; São Paulo em 360 seg.

Antecipando o futuro

Décio Luiz Gazzoni

Um quarto de século decorreu desde que a direção da Embrapa e o Governo do Estado do Paraná chegaram a um acordo para a localização do Centro Nacional de Pesquisa de Soja (Embrapa Soja) em Londrina. À época a embrionária unidade ficou localizada junto ao IAPAR, onde floresceu e frutificou, até alçar vôo solo em instalações próprias. Mas, a História sempre há de registrar que a visão de Raul Juliato, então Presidente do IAPAR, enxergando anos à frente, tudo fez para que Londrina sediasse essa Unidade de Pesquisa. Em sua sapiência e visão de futuro vislumbrou a importância estratégica da cultura da soja na economia brasileira – consequentemente a importância do ente coordenador e gerador de tecnologia para a cultura.   Prioridade maior: cérebros!
Como disse Zeferino Vaz, criador da Unicamp, um órgão de Ciência e Tecnologia é composto em primeiro lugar de cérebros, em segundo lugar de cérebros e finalmente de cérebros. A Embrapa priorizou a seleção, o treinamento e o aperfeiçoamento de seus cientistas, alicerce do qual decorrem todas suas conquistas. A Embrapa Soja é um dos melhores exemplos do êxito desse modelo de investimento no intelecto. Não significou, em absoluto, descuido com laboratórios, estufas ou campos de vegetação, ferramentas a serviço dos cérebros, mas o reconhecimento da capacidade inventiva e criativa dos cientistas.
  Pagamento antecipado
Qualquer empresário ou investidor sabe que o negócio é bom se houver uma perspectiva concreta de retorno sobre os investimentos realizados. Quando a sociedade decide investir em C & T também possui uma expectativa de "lucro", ou de retorno. Que pode ser econômico, social, tecnológico, científico, de imagem, etc. Sob qualquer ângulo que se analise, a Embrapa Soja é um dos melhores negócios do país, para a sociedade que nela investe. Economicamente, já se justificava há 11 anos, - época da inauguração de sua sede própria – pois os retornos de então eram suficientes para cobrir investimentos que fossem efetuados no próximo quarto de século. Ou alguém pode calcular quanto valeu romper a barreira geográfica de produção econômica de soja? Cujo limite ia pouco além do Norte do Paraná, estendido para as regiões tropicais, atual esteio da produção da cultura?

Avanços notáveis
A relação entre Londrina – que nos recebeu de braços abertos – e a Embrapa é simbiótica. Aqui nos sentimos em casa, em troca o nome da cidade é levado aos quatro pontos cardeais, através do reconhecimento da comunidade científica mundial à qualidade dos avanços gerados. A unidade aqui sediada é paradigma interno para a Embrapa como um todo – aqui surgiram soluções e modelos adotados nacionalmente – e desfruta de respeito e credibilidade invejáveis no exterior. Mas, é dos clientes mais diretos que temos orgulho de obter reconhecimento. Hoje, as variedades da Embrapa ocupam 65% da área de soja plantada no Brasil, o que vale mais de R$ 300 milhões (o equivalente a 20 anos de orçamento da Embrapa Soja). No maior Estado produtor, Mato Grosso, as variedades da Embrapa cobrem 90% da área, e aqui no nosso Paraná 76%.
  Visão de futuro
O sucesso da Embrapa Soja não ocorreu por acaso, foi fruto do investimento contínuo nos cérebros que a compõem. Intelectos privilegiados e bem treinados conseguem não apenas produzir mais e melhor, mas também enxergam mais longe. Um dos segredos dos êxitos continuados foi antecipar tendências e demandas, e preparar-se para o futuro. Não existia cancro da haste ou nematóide do cisto no Brasil, mas os cientistas da Embrapa já se preparavam para o dia fatídico em que o problema surgiria. Ecologia era um tema romântico dos anos 70, mas a Embrapa criava o paradigma do Manejo de Pragas da Soja, hoje universalmente adotado, poupando não apenas dinheiro, mas resguardando a vida e o ambiente. Coerente com seu passado, a Embrapa Soja está com a luneta assestada para 2010 e nem a revolução que a Biotecnologia ou a Agricultura de precisão vão causar, no redimensionamento do mercado pela via da competitividade vão surpreender o agricultor brasileiro. Ao menos no que depender da Embrapa.

Cadê a caneta?

Décio Luiz Gazzoni

O painel "Queda da Renda na Atividade Agrícola" reuniu 5 personalidades do agronegócio na Expo Londrina (Drs. Aroldo Galassini, Gílman Rodrigues, Antonio. Poloni, Derli. Dossa e o Ministro Francisco Turra). Antecipamos a conclusão: o presente é preocupante, porém a realização do potencial futuro –um cheque em branco que Deus nos deu – depende quase exclusivamente de nós.

O pano de fundo
A globalização de mercados, os elevados estoques das commodities, o protecionismo agrícola dos países ricos e o surgimento de novos competidores, contraíram o preço dos produtos e nossa renda agrícola. A questão é preocupante, porém conjuntural, e se é ruim para nós, é pior para os nossos concorrentes. Buscando a oportunidade nas ameaças, as mazelas da agricultura marcadas pelo fim da conta movimento do BB (Ministro Dílson Funaro), acabando com as linhas de investimento oficial; a brutal redução do volume de crédito de custeio (Ministra Zélia Cardoso); e o custo Brasil, uma âncora nos empreendimentos rurais, apesar de execradas por 11 de cada dez produtores, são fundamentais no redesenho da agropecuária nacional. Entre o rochedo da falta de apoio interno e o oceano do protecionismo, os mariscos dos agronegócios nacionais revelam uma capacidade competitiva ímpar.
  Ambiente interno
Só depende de nós. Precisamos de sementes, agrotóxicos e fertilizantes que cumpram os padrões de qualidade. De sistemas de produção sustentáveis e competitivos (baixo custo, alta produtividade e qualidade), atentos à proteção do ambiente e aos valores sociais, e que agreguem valor ao longo da cadeia produtiva. Permeando o processo, a tecnologia mais adequada, e o melhor ambiente sanitário, condições sine qua non para a competitividade. Eliminando possíveis barreiras nos mercados compradores, implementando a certificação de origem e de processos, com critérios cada vez mais rígidos. Fundamental também é o programa de traçabilidade, que permita recuperar os processos e insumos utilizados, em caso de desconformidade. Aprofundar a parceria entre o serviço público e o setor privado, e resolver os problemas tributários, de transporte, de estocagem, dos portos, dos juros, da burocracia e outros que nos impedem de alçar vôo rumo ao futuro.

Ambiente externo
Em muito depende de nós. Temos cultura de acomodação, por formação étnica e religiosa. As principais raças que sincretizaram nosso povo não tem nas veias sangue de comerciante. A religião católica condena explícita ou implicitamente o lucro, tido como "coisa do demônio" (...é mais fácil um elefante passar pelo buraco de uma agulha, que um rico entrar no reino dos céus!). Precisamos de postura comercial agressiva, tarda a criação de uma Agência de Comércio Exterior, que sirva de ponta de lança para prescrutar mercados, fornecer informações para a abertura, ocupação e consolidação de espaços negociais, como primorosamente executa o Foreign Agricultural Service americano. Precisamos de instituições de credibilidade, para chancelar nossos produtos; de imagem "Brasil" irretocável como símbolo de qualidade, (é o ágio no preço); de contratos de longo prazo, para garantir a produção local; e ocupar os nichos diferenciados de mercado.
  Protecionismo
Parcela do ambiente externo que não depende só de nós. Cumpre à nossa diplomacia e às lideranças privadas denunciar e combater sem tréguas o falso discurso de livre mercado dos países ricos, em todos os foros e oportunidades. Porém, apenas para apressar o final de um processo que não tardará a ruir, porque já é muito difícil para esses países continuarem colocando 1 bilhão de dólares ao dia em um negócio que não confere o retorno desejado, e atende uma minoria da população. Se o Brasil tem se mostrado competitivo sem apoio interno, e contra o ambiente externo hostil, será imbatível quando, em 10 anos esses problemas forem resolvidos. É só pegar a caneta e preencher o cheque. Quem se candidata?

Segurança alimentar, exigência do consumidor

Décio Luiz Gazzoni

A expressão segurança alimentar tem sido usada tanto para exprimir a garantia de oferta de alimentos, quanto para assegurar a qualidade e a inocuidade dos mesmos. Quero abordar esse último tópico, um dos aspectos mais marcantes do mercado de alimentos no início do novo século. Sociologia a parte, a população mundial divide-se entre os extremos das sociedades que tem todas as suas necessidades alimentares supridas, estando na fase da exigência em itens acessórios, à iniqüidade de populações inteiras condenadas à morte pela fome. Enquanto o mundo se mostra incapaz de resolver o dilema de alimentar seres humanos sem renda, cresce a necessidade (e a exigência) de não apenas alimentar como garantir a qualidade dos alimentos. O processo iniciado nas sociedades dos países ricos, capilariza-se e atinge os extratos de menor renda, que são consumidores em processo de conscientização de seus direitos.   Inocuidade
Cada vez mais transparece a necessidade de inocuidade dos alimentos, seja pela ausência de contaminantes químicos, provenientes de fertilizantes e agrotóxicos, ou biológicos, em especial de micro-organismos causadores de doenças no Homem. Um dos exemplos mais marcantes é a salmonelose, uma doença causada pela presença de Salmonella enteritis em produtos aviários, especialmente ovos, e quando consumidos sem a cocção adequada. A infecção por Salmonella costuma causar febre altíssima, de difícil controle, dores abdominais, desidratação por diarréia e vômito, causando enfraquecimento geral do organismo. É difícil de debelar, pela sua resistência à maioria dos antibióticos, podendo levar a óbito, ou permanecer no organismo em forma latente, após o desaparecimento dos sintomas clínicos. Apenas nos EUA, são estimados 2 milhões de casos de salmonelose de diversos graus, por ano, através do consumo de carne de porco ou frango mal passada, ovos ou leite.

Prevenção
Como sempre, a melhor estratégia é a preventiva. Pesquisadores do Departamento de Agricultura dos EUA desenvolveram um novo produto, que reduz significativamente o potencial de contaminação de frangos. Os cientistas partiram da observação de que alguns lotes de animais apresentavam menores índices de infecção pela bactéria. Dissecando as entranhas dos animais, foram encontradas diversas bactérias que não eram patogênicas, e que aparentemente não tinham uma função. Ledo engano. Foram justamente esses microrganismos que forneceram a senha para a "vacina" contra a salmonelose. O novo produto é chamado de Preempt, sendo o resultado de uma mistura de 29 diferentes bactérias, que estão naturalmente presentes no intestino dos frangos adultos e sadios. Estudos mostraram que estas bactérias impedem o estabelecimento da Salmonella no intestino dos frangos. As bactérias "amigas" fixam-se nos pontos de ingresso da Salmonella nas paredes celulares, obrigando essa bactéria a passar direto pelo trato intestinal, sendo eliminada com as fezes. O uso desse produto reduziu em 99,9% a presença de Salmonella nos tecidos das aves.
  Efeito duradouro e seguro
Uma vez estabelecidas no intestino das aves, as bactérias reproduzem-se e permanecem durante toda a vida do animal, tornando-o "imune" à ação da Salmonella. O produto é totalmente seguro, não causando qualquer efeito colateral, com o bônus de proteger as aves de outras infecções causadas por listeria ou Escherichia coli. Usamos esse exemplo de uma zoonose que costuma apavorar não apenas os centros de controle de infecção, mas os consumidores e suas associações de proteção, para mostrar como é importante manter um elevado ambiente sanitário, e utilizando soluções naturais, que não geram a presença de contaminantes químicos ou biológicos nos produtos agropecuários. Elevada sanidade e tecnologia de ponta constituem o pas-de-deux que aproxima e pereniza a relação entre oferta e demanda de alimentos no ambiente do novo milênio.

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