Outlook 2011-2020

Parte III – Perspectivas do Mercado de Biocombustíveis 

Décio Luiz Gazzoni

 

1.    Matérias-primas utilizadas

           

 

 A Figura 7 apresenta alguns produtos agrícolas de importância no mercado internacional, com a variação de preços entre a década anterior e a década do Outlook (2011-2020). Observa-se uma elevação próximo a 20% para o milho e de 22% para os óleos vegetais, fortemente influenciados pelo crescimento da produção de etanol e biodiesel, assim como um crescimento de 20% para o açúcar bruto, em parte influenciado pela destinação da cana para produção de etanol.

O preço médio do biodiesel cresce 21% no período, entretanto  o maior pico de alta ocorre com o etanol (55%), pela forte demanda gerada pelos mandatos das políticas públicas e pelo aumento da demanda no mercado internacional, potencializada pela incapacidade de suprimento do próprio mercado pelos países desenvolvidos e o afrouxamento das políticas de subsídios, justamente para permitir o cumprimento dos mandatos.

             A figura 8 projeta o crescimento da produção de etanol produzido a partir de diversas matérias-primas. Milho e cana-de-açúcar continuarão a ser as principais matéria-primas do etanol na próxima década. Em 2020, 44% do etanol mundial deverá ser produzido a partir de grãos e 36% da cana de açúcar. A produção de etanol celulósico deve representar apenas 5% da produção global.

 

 

 

Figura 7. Relação reais de preços de produtos agrícolas entre o período 2011-2020 e a década anterior 2001-2010.

 

Figura 8. Evolução do etanol global por matéria-prima


 

   

             Nos países desenvolvidos, a proporção de etanol à base de milho sobre o etanol total produzido deve diminuir de 89% - média no período 2008-10 - para 78% em 2020. Etanol à base de trigo deve representar 6% da produção de etanol nos países desenvolvidos, em comparação com 3% durante o período de base, com a maior parte da produção ocorrendo na UE. Etanol de beterraba deve responder por 4% da produção de etanol em todo o período de projeção. A produção de etanol celulósico deve crescer nos países desenvolvidos a partir de 2017, para representar cerca de 8% da produção total de etanol até 2020, nestes países.

            Nos países em desenvolvimento, mais de 80% do etanol produzido em 2020 deverá ser baseado em cana-de-açúcar, resultado da predominância da produção de etanol brasileiro. Etanol à base de raízes e tubérculos, como a mandioca, deve responder por cerca de 4%. A imagem é diferente se o mercado do etanol brasileiro é excluído. Nesse caso, no mundo em desenvolvimento, a quota de melaço na produção de etanol atinge 40% da produção de etanol, enquanto o etanol de grãos deve atingir 17%, e a percentagem de raízes e tubérculos também é muito maior (15%).

 

          Em particular, o cultivo da mandioca para produção de etanol pode ter um grande potencial no mundo em desenvolvimento, excetuando-se o Brasil, concentrando-se na África. No entanto, os altos custos de produção e as estruturas de pequena escala de produção, especialmente em comparação com cana-de-açúcar, impedem uma expansão de mercado.

            A Figura 9 apresenta a divisão do crescimento projetado da produção de biodiesel entre as diversas matérias-primas utilizadas. Mais de 75% da produção mundial de biodiesel deve provir de óleos vegetais em 2020. O pinhão manso deve responder por, no máximo, 7% da produção global de biodiesel em 2020. Nos países desenvolvidos, a proporção de óleo vegetal para produção de biodiesel deve diminuir de 85% (média no período 2008-10) para 75% em 2020.

O biodiesel produzido a partir de fontes animais, como gordura e sebo, bem como de resíduos de óleos e subprodutos da produção de etanol, deve representar cerca de 15% do biodiesel total produzido no mundo desenvolvido, ao longo do período de projeção. A produção de biodiesel de segunda geração deve crescer nos países desenvolvidos a partir de 2018 e representará cerca de 30% do biodiesel mundial em 2020.

           

 

Figura 9. Evolução do biodiesel global por matéria-prima.

 

As matérias-primas mais importantes para produção de biodiesel nos países emergentes serão o óleo de palma ou de soja. Isto resulta de um forte incremento na produção de soja na Argentina e no Brasil, além do incentivo à produção de óleo de palma no Norte do Brasil e a produção já existente no Sudeste asiático, além de eventuais expansões na África e América Latina. A produção de pinhão manso não deve exceder 7% em termos globais (14% se excluído o Brasil e a Argentina), devido à enorme dificuldade de desenvolver sistemas de produção confiáveis de Jatropha, que efetivamente atraiam empresários empreendedores.

            O óleo de colza possui menor importância para produção de biodiesel nos países em desenvolvimento, com a exceção do Chile, onde as condições climáticas permitem o cultivo extensivo de colza. A produção de biodiesel a partir de óleo de canola também ocorre nos países em transição como a Ucrânia e o Cazaquistão. Menos importante do ponto de vista de uma perspectiva global, mas notável a partir de uma perspectiva nacional, é a produção de biodiesel de sebo no Paraguai e Uruguai, como resultado da pecuária altamente desenvolvida nesses países.

 

 

A utilização de biocombustíveis continuará a representar uma parte importante da demanda mundial de cereais, cana-de-açúcar e de óleo vegetal ao longo do período. Em 2020, 12% da produção mundial de alguns grãos, como o milho, serão usados para produzir etanol, em comparação com 31%, em média, durante o período de 2008-10. Igualmente, 16% da produção mundial de óleo vegetal serão usados para produzir biodiesel, em comparação com 11%, em média, do período 2008-10; e 33% da produção mundial de cana-de-açúcar, em comparação com 21%, em média, durante o período 2008-10. Durante a próxima década, 21% do aumento global de grãos, 29% do óleo vegetal e 68% do aumento da produção de cana-de-açúcar mundial devem ser destinados para a produção de biocombustíveis.

 

 

1.    Comércio de etanol e biodiesel

   

O comércio de etanol deve representar cerca de 7% da produção global, em média, ao longo do período de projeção. Prevê-se uma recuperação da situação de baixa, em 2010, quando as exportações de etanol brasileiro foram fortemente reduzidas. Para manter o ritmo da demanda e dado o lento crescimento esperado da produção de etanol de segunda geração, as importações líquidas dos EUA devem chegar a 9,5 GL em 2020. As importações de etanol a partir da cana pode ser computadas no mandato RFS2 para a categoria "avançado". Parte das importações de etanol dos EUA devem ser na forma de etanol brasileiro desidratado no Caribe, importados com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo da Iniciativa da Bacia do Caribe.   Em nível global, o crescimento no comércio vem quase que inteiramente por expansão das exportações do Brasil e da Tailândia. As exportações brasileiras de etanol deverão alcançar 9,7 GL em 2020. Para a Tailândia, as exportações de etanol deverão aumentar para cerca de 0,5 GL, em 2020. Na UE, as importações de etanol devem aumentar, inicialmente, para atender a demanda crescente de etanol, devendo atingir cerca de 4 GL em 2013. Devido aos critérios de sustentabilidade da RED e o desenvolvimento esperado de etanol celulósico, nos últimos anos do período em análise, as importações de etanol devem diminuir para 2,3 GL em 2020.   A Argentina deverá continuar a ser o exportador de biodiesel mais importante, e as exportações devem chegar a cerca de 2,5 GL em 2020, sendo a produção baseada em óleo de soja.. As exportações da Malásia também aumentarão de 0,4 para 0,8 GL e a Colômbia vai exportar 0,25 GL em 2020. O comércio de biodiesel permanecerá baixo na maioria dos países, cujos mandatos obrigam a colocar o biodiesel no mercado interno. As necessidades de importação da UE deverão manter-se relativamente constantes ao longo do período de projeção, cerca de 2 GL por ano, vez que a produção europeia deve ter  um aumento na mesma taxa do incremento da sua demanda.

        

 

2.    Evolução das políticas

Os últimos anos têm mostrado como os mercados de biocombustíveis podem ser fortemente afetados por mudanças em políticas setoriais ou transversais, por eventos macroeconômicos e mudanças no preço do petróleo. A interação destes diferentes fatores produz impactos na rentabilidade da indústria e, assim, modifica as decisões dos investidores e os gastos em P & D.   No momento, há uma considerável incerteza sobre a renovação do crédito de impostos sobre o etanol nos EUA, que reverte para os blenders. Se esses elementos de política energética forem removidos, a plena integração dos os EUA no mercado mundial de etanol mudaria as perspectivas contidas na análise. Por exemplo, a produção de biodiesel nos EUA pode diminuir substancialmente, como foi o caso quando a renovação do crédito para os blenders foi posta em cheque, e adiada por um largo prazo, em 2010.  

As exportações brasileiras de etanol poderiam ser canalizados diretamente para os EUA, posto que o etanol de cana de açúcar é mais competitivo que o etanol de milho. Com a maturidade da indústria de biocombustíveis e as crescentes preocupações sobre a concorrência entre alimentos e combustível, e seu impacto sobre os preços dos alimentos, é possível que os subsídios do governo e outras medidas sensíveis contidas nos orçamentos de apoio à produção ou consumo de biocombustíveis podem ser objeto de reduções graduais.

             

3.    Dos biocombustíveis de primeira geração a outras fontes de energia renovável

Biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas agrícolas são vislumbrados como um primeiro passo para o desenvolvimento de fontes de energia renováveis, em especial na produção de  combustíveis líquidos para o transporte. A futura transição para biocombustíveis de segunda geração, produzidos a partir de biomassa lignocelulósica, resíduos ou outras matérias-primas não alimentares, depende do avanço da Pesquisa e do Desenvolvimento Tecnológico, ao longo dos próximos anos.   Também pesam os investimentos produtivos que estão sendo feitos, bem como a continuação de políticas que criaram mandatos ambiciosos para a produção de biocombustíveis de segunda geração. Neste contexto, a produção comercial não depende apenas da viabilidade econômica plena. A análise da OCDE/FAO é muito cautelosa sobre o potencial de médio prazo de biocombustíveis de segunda geração, acreditando que os mesmos só produzirão impactos no final do período de projeção. A continuidade do lento desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração pode levar à demanda de importações adicionais para os países com mandatos mais ambiciosos uso de biocombustíveis.   Outras fontes de energia renováveis podem desempenhar um papel maior no futuro. A RED explicitamente permite que a eletricidade renovável, utilizada no setor dos transportes, possa contar para a quota das energias renováveis, de 10% dos combustíveis na área de transportes. O ritmo de desenvolvimento de veículos elétricos ou híbridos permanece incerto, por enquanto, mas poderia potencialmente reduzir a necessidade de biocombustíveis derivados de produtos agrícolas para atender os mandatos estabelecidos pelos Estados-membros europeus.

                      

 

4.    Critérios de sustentabilidade

Os critérios de sustentabilidade que estão embutidos nas políticas dos principais países que impõem mandatos ambiciosos de substituição de energia fóssil, devem continuar a afetar os mercados de biocombustíveis. Produtores de biocombustíveis nos Estados Unidos e na União Europeia têm de cumprir as metas mais drásticas de emissões de GEE. A Regra RFS2 final requer reduções específicas de emissões de GEE para os diversos biocombustíveis.

            Combustíveis convencionais renováveis devem reduzir gases de efeito estufa em 20%, quando comparados à gasolina; biodiesel e biocombustíveis não-celulósicos avançados devem reduzir a emissão de GEE em 50%; e biocombustíveis celulósicos em 60%. As instalações de produção de etanol convencional já existentes estão isentas dessa obrigação, mas as novas usinas terão que cumpri-la. A RED especifica que um biocombustível deve alcançar uma redução inicial de, pelo menos, 35% de GEE. Este limiar de 35% vai subir para 50% em 2017 para as instalações existentes e 60% para novas instalações de produção.

 

Do ponto de vista comercial, os impactos dos critérios de sustentabilidade podem ser consideráveis, podendo limitar a disponibilidade de biocombustíveis importados ou matérias-primas de biocombustível, se os países não cumprirem as políticas em vigor nos países importadores. Portanto, é lícito esperar a ocorrência de disputas comerciais relativamente à fixação das reduções de emissões de GEE de diferentes biocombustíveis.

            Por exemplo, para o RFS2 nos EUA, o padrão de poupança de emissões de GEE do biodiesel de óleo de soja é definido como 57%, portanto acima do teto de 50% fixado pela política. Para a RED, esta poupança padrão é de apenas 31%, abaixo do limiar de 35% fixado pela política. Esta diferença pode afetar tanto o comércio de soja (grão), quanto o de óleo de soja (para produção de biodiesel) ou do biodiesel de óleo de soja, uma vez que o RED seja implementado. Enquanto isso, o comércio de biodiesel à base de óleo de palma pode ser afetada por requisitos para certificação de práticas de produção sustentáveis, tanto ambiental quanto socialmente.

           

             

5.    Desenvolvimento de indústrias de biocombustíveis nos países em desenvolvimento

A disponibilidade de dados sobre a produção e utilização de biocombustíveis não é confiável, em muitos países em desenvolvimento. A intenção declarada de alguns desses países é o de aumentar substancialmente a capacidades de produção, bem como o uso doméstico, para os próximos anos. Se os países têm baixa capacidade de produção doméstica de matérias-primas de biocombustíveis, pairam dúvidas se eles serão capazes de atender a demanda interna sem a utilização de importações. Em países onde a matéria-prima de biocombustíveis não é produzida em grandes quantidades, os planos estão em vigor ou sendo desenvolvidas para aumentar a capacidade de produção de alternativas.   No entanto, ainda é muito difícil encontrar matérias-primas competitivas em larga escala, que não seja derivada de culturas alimentares, sendo o pinhão manso um bom exemplo para este fato: mais se fala sobre o pinhão manso do que efetivamente se produz óleo de pinhão manso, em escala global! Mesmo que ocorra uma rápida melhoria de materiais de plantio adaptado a diferentes condições de cultivo, utilizando métodos de biotecnologia e melhoramento genético avançado, ainda restam muitas questões agronômicas a serem resolvidas para a produção de pinhão manso em larga escala, ao longo da década. Assim, ainda é possível que um aumento notável nessas matérias-primas alternativas pode ocorrer, mas a discussão sobre datas e volumes ainda é muito controversa.   Alguns países em desenvolvimento podem se tornar exportadores importantes no futuro, como a Malásia e a Indonésia, no caso da produção de biodiesel . A produção atual na Malásia responde por, aproximadamente 45% da capacidade de produção disponível, estimada em 1,75 GL, em 2010. Menos ainda da capacidade disponível é atualmente utilizada na Indonésia, onde apenas cerca de 10% da capacidade instalada (estimada em cerca de 4 GL) foi utilizado em 2010. Não está claro se esta capacidade pode ser melhor aproveitada ou se pode até crescer nos próximos anos. O regime de certificação de sustentabilidade RED da UE pode afetar as importações de biodiesel de óleo de palma destes países, portanto pode impactar negativamente a produção de biodiesel da Malásia e da Indonésia e as suas exportações, caso estes países não atendam as exigências ambientais e sociais da certificação.

           

 

6.    As implicações da expansão da produção de matéria-prima para bioenergia sobre os sistemas aquáticos

 A agricultura mundial enfrenta um enorme desafio nas próximas décadas, para produzir mais alimentos, rações e fibras, devido à população crescente, ao aumento da renda per cápita e às mudanças de hábitos alimentares.  Pressões adicionais decorrem da industrialização, da rápida urbanização da população mundial e das Mudanças Climáticas, para o que a gestão sustentável dos sistemas de água será vital.

O crescimento previsto na produção agrícola para  matéria-prima de biocombustíveis, tem levantado preocupações sobre a pressão que isso possa ter sobre os sistemas hídricos Na prática, como o cultivo de matérias-primas para bioenergia não é diferente dos cultivos destinados à produção de alimentos, fibras ou pecuária, suas consequências ambientais devem ser semelhantes. No entanto, a rápida expansão da produção de matéria-prima para bioenergia tem levantado preocupações relacionadas com a competição por recursos hídricos, em regiões onde a sua escassez representa um sério problema, e os impactos na qualidade da água representam uma preocupação da sociedade.

  Os impactos globais sobre os recursos hídricos decorrentes do cultivo de matérias-primas agrícolas para a produção de bioenergia (biocombustíveis, energia e calor) pode ser difícil de rastrear. A produção de matéria-prima que necessita de irrigação varia com o tipo de matéria-prima e região. O cultivo de colza na Europa, por exemplo, não requer irrigação, e o milho nos Estados Unidos é em grande parte alimentado pela chuva, com apenas cerca de 3% da água retirada da irrigação. Globalmente, cerca de 1% da irrigação é aplicada às culturas para produção de biocombustíveis. A quantidade de água necessária para produzir cada unidade de energia, a partir de matérias-primas de segunda geração de biocombustíveis (ex. resíduos da colheita celulósico), é 3-7 vezes menor do que a água necessária para produzir etanol a partir de colza, milho, etc.

           

 

 Matérias-primas de segunda geração, como a das árvores e de florestas cultivadas, podem capturar uma proporção maior da precipitação anual, em comparação com culturas semeadas anualmente, em áreas onde grande parte das chuvas ocorre fora da safra normal de crescimento, e também ajudar a reduzir a erosão do solo e trazer benefícios, como o controle de enchentes. Assim mesmo, matérias-primas de segunda geração que oferecem o potencial para reduzir a demanda de água de irrigação, não é necessariamente um axioma definitivo, pois o resultado final pode depender do tipo de matéria-prima cultivada, da localização da produção e da referência de matérias-primas de primeira geração. Além disso, algumas matérias-primas de segunda geração podem requerer irrigação durante o estabelecimento, para alcançar altos rendimentos, portanto, o impacto final sobre os balanços hídricos são incertos, até que estes sistemas de produção sejam implantados e avaliados.    Os impactos da qualidade da água na produção de matéria-prima da bioenergia derivam das práticas de gestão utilizadas em seu cultivo, incluindo o uso de agroquímicos, enquanto as plantas de processamento para transformar matérias-primas para a bioenergia podem, também, ter impactos na qualidade da água. Grande parte da produção projetada de biocombustíveis deve ser derivada do milho, o que poderia resultar em aumento dos níveis de sedimentos do solo e poluição da água por nutrientes, particularmente onde o milho é cultivado em terras agrícolas marginais, que contribui para o sedimento mais elevado do solo, e para a erosão ou carregamento destes nutrientes.

           

           

           

Isso pode ter consequências significativas para a qualidade da água, especialmente nos rios e zonas costeiras. Para plantações de madeira utilizada como matéria-prima da bioenergia, a depuração de vegetação  em sistemas de gestão de madeira pode alterar as propriedades físicas de sistemas de água, tais como a turbidez, temperatura da corrente de luz e infiltração de corpos d'água. Se a aplicação de nutrientes é necessária para plantações de florestas cultivadas, a infiltração de nutrientes também pode representar um risco para a água subterrânea.       A principal conclusão da maioria dos estudos sobre as relações entre a produção de bioenergia a partir de matérias-primas agrícolas e a qualidade da água é que, em matérias-primas em geral a partir de culturas anuais, como milho e oleaginosas, podem ter um impacto mais prejudicial sobre os sistemas de água do que matérias-primas de segunda geração, como o florestas de curta rotação. Outra conclusão importante é que a localização da produção e do tipo de prática agrícola, o sistema de rotação de culturas e outras práticas agrícolas de gestão utilizado na produção de matérias-primas para bioenergia, também vão influenciar bastante os sistemas de água. Além disso, o aumento do uso de bioenergia a partir de resíduos agrícolas e alimentares (por exemplo, palha, estrume, restos de comida, gorduras animais) pode ajudar a diminuir a demanda para a produção de matérias-primas a partir de plantas cultivadas e, portanto, reduzir os impactos ambientais.

 

 

Ciclo de vida do biodiesel de soja: I. Antecedentes e Parâmetros

Décio Luiz Gazzoni

 

  O Dr. Anup Pradhan, Professor Associado do Departamento de Biologia e Engenharia Agrícola da Universidade de Idaho, liderou uma equipe que reavaliou as informações existentes sobre o ciclo de vida do biodiesel de soja. O extenso artigo foi publicado na revista Transactions of the ASABE, Vol. 54(3): 1031-1039 2011, editada pela American Society of Agricultural and Biological Engineers. Em uma série de dois artigos, vamos trazer para o leitor de Biodieselbr as principais informações que contém o estudo, uma vez que o ciclo de vida do biodiesel se constitui, atualmente, no mais importante parâmetro para definição dos biocombustíveis avançados, uma das chaves para abrir o mercado internacional de biodiesel e de outros biocombustíveis. Ao final do segundo artigo, incluiremos, como anexo, uma extensa bibliografia de suporte aos dados e informações utilizadas para o estabelecimento do LCA.  

       

 

RESUMO

 

      

A primeira avaliação do ciclo de vida completo (LCA, na sigla em inglês) para o biodiesel de soja produzido em os EUA foi concluída pelo National Renewable Energy Laboratory (NREL) em 1998, e o inventário de energia para esta análise foi atualizado em 2009, porém utilizando dados de 2002, que eram os únicos completos, disponíveis à época. A adoção contínua de novas tecnologias na agricultura, no processamento de soja e para a conversão para biodiesel afetaram o uso de energia no ciclo de vida do biodiesel, ao longo do tempo, exigindo que os cientistas dedicados ao estudo do LCA atualizem seus modelos com muita frequência.

 

        O presente estudo utiliza os dados mais recentes disponíveis para estabelecer o balanço de energia do ciclo de vida do biodiesel de soja e faz comparações com os dois estudos anteriores. A análise atualizada mostrou que a proporção de energia fóssil (FER) de biodiesel de soja foi 5,54, usando dados do ano agrícola de 2006. Esta é uma grande melhora sobre o FER de 3,2 relatados no estudo do NREL de 1998, que usou dados de 1990 e também melhores que o FER de 4,56, que usou dados de 2002. Gazzoni e colaboradores, desenvolvendo estudo similar, chegaram a um valor de FER=3,5, para o biodiesel de soja produzido nas condições brasileiras, em 2005.

 

As melhorias observadas foram devidas principalmente a sistemas de produção de soja mais eficientes, em termos energéticos, e à maior produtividade da soja, sem aumento proporcional de uso de insumos e implementos, e da melhoria nos processos de esmagamento da soja e das instalações de conversão para biodiesel. A entrada de energia na etapa de produção de soja foi reduzida em 52%, no processo de esmagamento de soja em 58%, e na transesterificação em 33%, por unidade de volume de biodiesel produzido. Ao final, a redução da entrada de energia nestas etapas foi de 42%, para a mesma quantidade de biodiesel produzido.

 

        A adição de entradas secundárias, tais como máquinas agrícolas e materiais de construção, não teve um efeito significativo sobre o FER. O FER de biodiesel de soja provavelmente continuará a melhorar ao longo do tempo, devido aos aumentos nos rendimentos da soja e com o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais eficientes, em termos energéticos.

 

        

 

1. Introdução

       

Desde os anos 90, com o estabelecimento acima de qualquer dúvida razoável da relação direta entre emissões de gases de efeito estufa (GEE) e as Mudanças Climáticas Globais e a verificação que a maior parcela individual destas emissões provinha da queima de combustíveis fósseis, o desenvolvimento e a produção de combustíveis renováveis experimentaram um crescimento com taxas anuais elevadas, postas as metas de diferentes países de ampliar e diversificar fornecimento de energia do mundo, em bases sustentáveis.    O maior consumidor de petróleo do mundo, os EUA, estimam dispor de reservas comprovadas de petróleo de 19 bilhões de barris e a produção total de petróleo bruto foi de 9,2 milhões barris / dia em 2009 (EIA, 2010b). Com esta taxa de extração, a relação reserva/produção (R/P) para os EUA é estimada em seis anos. A relação R/P é o número de anos durante os quais o atual nível de produção de combustível pode ser sustentado pelas reservas e é calculado dividindo-se as reservas provadas no final do ano pela produção nesse ano (FEYGIN & SATKIN, 2004) Como tal, o maior consumidor de petróleo do mundo passa a ser totalmente dependente de fornecimento externo de um insumo crucial para a economia, que é a energia. Mais que um atestado de bom comportamento ambiental, os esforços que os EUA envidam para ampliar o uso de energia renovável constituem-se em ação estratégica para diminuir a dependência externa, normalmente atendida por países pouco confiáveis.   Em geral, a produção de combustíveis renováveis demanda uma quantidade significativa de energia não renovável (combustíveis fósseis e energia embutida nos insumos químicos). A quantidade de energia fóssil usada para produzir biodiesel deve ser medida ao longo de todo ciclo de vida de produção de qualquer biocombustível, para determinar a extensão em que o combustível é renovável. A fixação deste parâmetro é crucial para o estabelecimento de políticas públicas sólidas, que efetivamente diminuam as emissões de GEE para a atmosfera. Renovabilidade é uma medida útil que pode ser usado em conjunto com outras medidas, tais como ambientais e econômicas, para avaliar os benefícios dos biocombustíveis. O fator de renovabilidade pode guiar os formuladores de políticas públicas, auxiliando a avaliar e comparar opções de vários biocombustíveis e fazer julgamentos para evitar decisões erradas, sem o impacto desejado nos parâmetros ambientais que se busca melhorar.

 

 

       

        Uma das ferramentas mais importantes para estabelecer um índice comparativo de renovabilidade de biocombustíveis é a análise de ciclo de vida (LCA), que é uma contabilidade do berço ao túmulo, considerando o balanço de energia e os impactos ambientais da fabricação de um produto. O primeiro inventário do ciclo de vida completo de biodiesel produzido nos EUA, a partir de óleo de soja, foi publicado por Sheehan et al. (1998), e se tornou um clássico e uma referência histórica. Os pressupostos do inventário e do modelo foram desenvolvidos por um grupo de estudiosos, incluindo especialistas de diversas disciplinas e instituições. O objetivo desse estudo foi quantificar e comparar os fluxos ambientais e de energia associados tanto com biodiesel quanto com o diesel derivado do petróleo Os autores examinaram os fluxos de energia e as emissões de gases de efeito estufa e outras emissões atmosféricas. A maioria dos dados utilizados por Sheehan et al. (1998) foram de 1990 ou de anos anteriores.  

         A fim de atualizar o componente de energia deste LCA pioneiro, um relatório usando principalmente dados de 2002 foi conduzido por Pradhan et al. (2009). No presente estudo, a equipe do Dr. Pradhan reavaliou o próprio estudo anterior, utilizando dados recentemente obtidos pelo USDA e por outras fontes. O objetivo do estudo é atualizar o LCA do biodiesel de soja, tendo em vista as diferentes políticas públicas em implementação em diferentes países, em que o índice de renovabilidade (p. ex.: biocombustíveis avançados) exija participação muito baixa de energia fóssil no ciclo de vida do combustível, para que possa adequar-se às exigências dos marcos legais. Além disso, uma comparação dos três estudos, em períodos de tempo anteriores (1990, 2002 e 2006) foi efetuada, para mostrar como os fluxos de energia nos ciclos de vida se modificam com o tempo.

 

 

 

 

2. Definição de renovabilidade

Embora várias definições para medir a renovabilidade tenham sido usadas na literatura e nas políticas públicas, a relação entre energia fóssil (FER) e energia renovável foi usada neste estudo, como já havia sido sugerido por Pradhan et al. (2008) e também utilizada por Sheehan et al. (1998). O FER é definido como:  

 

 

                   Quantum de energia renovável do biocombustível

FER = _____________________________________________   (1)

                   Entrada de energia fóssil na produção de biodiesel

 

       

 

 

       É importante notar que apenas a energia fóssil (não renovável) está presente no denominador. Não inclui fontes renováveis de energia, como solar (p. ex.: fotossíntese) ou eólica. Dado que o objetivo primário é medir a renovabilidade, faz sentido não incluir fontes renováveis no denominador. Portanto, o FER não mede a eficiência do sistema ou determina que combustíveis fósseis possam ser substituídos por combustíveis renováveis, de forma energeticamente mais eficiente.          Já a proporção de energia líquida (NER, na sigla em inglês), que inclui a entrada total de energia no denominador da equação 1, é usada para medir eficiência do sistema, ao invés do FER (PRADHAN et al., 2008). Apesar de o valor de FER mais elevado ser desejável para garantir que o biocombustível é renovável, este fato não assegura que o biodiesel também será economicamente ou energeticamente viável.

 

 

 

 

3. Lógica do sistema

        A análise do ciclo de vida do biodiesel foi dividida em quatro subsistemas:

1) produção de matéria-prima;

2) transporte de matéria-prima;

3) processamento de soja e conversão em biodiesel; e

4) distribuição do produto.

 

 

      Um inventário dos materiais e da energia utilizada em todo o ciclo foi elaborado, quantificando toda a energia fóssil e os insumos utilizados em cada subsistema. Todas as fontes de energia, diretas e indiretas, foram incluídas no inventário, como o combustível líquido e a eletricidade usados diretamente nos equipamentos de cada subsistema. O conteúdo energético dos materiais tais como fertilizantes, pesticidas e outros petroquímicos, também está incluído no inventário.          O efeito adição de energia utilizada para a construção de usinas de biodiesel e máquinas agrícolas foi estudado separadamente, e não incluída no caso base, para ser coerente e comparável com Sheehan et al. (1998). Como sugerido por Pradhan et al. (2008), a energia consumida pelo trabalho não foi incluída ou estudada.

 

 

 

 

4. Fatores de Conversão de Energia

 Todos os materiais utilizados na lista de inventário foram convertidos para seu conteúdo energético equivalente, ao longo do ciclo de vida (Tabela 1).

 

        A energia no ciclo de vida de um material é definida como toda a energia não-renovável utilizada total, incluindo a energia incorporada durante a extração, processamento e transporte desse material. A energia renovável, como a energia solar utilizada na fotossíntese, não é incluída no ciclo de vida de energia. A fração de energia embutida nos materiais usados para produzir o biocombustível, tais como diesel, gasolina e gás natural, foi considerada como sendo o poder calorífico inferior (PCI, ou LHV, na sigla em inglês) desse material. PCI é a quantidade de calor liberado durante a combustão de um combustível quando o vapor de água do processo de combustão está ainda em fase gasosa. O poder calorífico superior (PCS) foi utilizado para insumos não-combustíveis, como o metanol.

 

 

 

Tabela 1. Ciclo de vida em energia equivalente para vários insumos e materiais

Insumo ou material

Energia embutida

Eficiência no Ciclo de Vida

Ciclo de vida em energia equivalente

Insumos de energia

     

Diesel

35,9 MJ/L(a)

84,3 (b)

42,5 MJ/L

Gasolina

32,4 MJ/L(a)

80,5 (b)

40,2 MJ/L

Propano

23,7 MJ/L(a)

89,8 (b)

26,4 MJ/L

Gás Natural

36,6 MJ/L(a)

94,0 (b)

38,9 MJ/L

Eletricidade

3,6 MJ/L(c)

32,5 (d)

7,4 MJ/kWh(e)

Vapor (10,3 bar)

2,0 MJ/L(f)

60,8 (g)

3,3 MJ/kg

       

Materiais

     

Nitrogênio

   

51,5 MJ/kg(h)

Fósforo

   

9,2 MJ/kg(h)

Potássio

   

6,0 MJ/kg(h)

Herbicidas

   

319 MJ/kg(h)

Inseticidas

   

325 MJ/kg(h)

Calcário

   

0,1 MJ/kg(i)

Sementes

   

4,7 MJ/kg(j)

Metanol

22,7 MJ/kg(k)

67,7 (l)

33,5 MJ/kg

Metóxido de sódio

   

31,7 MJ/kg(j)

Hidróxido de sódio

   

1,5 MJ/kg(j)

Ácido hidroclorídrico

   

1,7 MJ/kg(j)

Hexano

   

0,5 MJ/kg óleo (a)

       

Fontes:

(a) Huo et al. (2008); (b) Shapouri et al. (2002); (c) Conversão direta de unidades; (d) EIA (2010a); (e) Somente 70% foram contabilizados como energia fóssil; (f) Tabela industrial de dados de vapor; (g) Estimado do modelo USDA – ARS; (h) Hill et al. (2006); (i) Graboski (2002); (j) Sheehan et al. (1998); (k) AMI (2009); (l) Wang & Huang (1999).

       

 

  

     A eficiência do ciclo de vida é a proporção de energia incorporada sobre o conteúdo energético total embutido no material. O ciclo de vida de energia desses materiais foi calculado dividindo-se o PCI pela eficiência do ciclo de vida. O ciclo de vida de energia de combustíveis fósseis foi calculado dividindo-se a energia embutida no biocombustível pela eficiência do ciclo de vida. Os fatores de eficiência do ciclo de vida servem para ajustar a energia necessária para extrair, fabricar e transportar o insumo ou material. Estimativas de fatores ligados à geração de energia elétrica utilizada em todo o ciclo de vida foram efetuadas com base na média ponderada dos EUA. Cerca de 67% da energia elétrica gerada nos EUA vem de combustíveis fósseis (EIA, 2010a).           Com base em dados da Energy Information Administration, a eficiência de geração de eletricidade nos EUA aumentou em 32,0% entre o relatado por Sheehan et al. (1998) para 36,7% em 2009. Além da perda de geração, há também uma perda de linhas de distribuição. A inclusão de perda de distribuição reduz a eficiência global de energia elétrica para 32,5%. O modelo de esmagamento de soja nesta análise usa o hexano como método de extração de óleo da soja. A extração por hexano é bastante comum em plantas de grande escala e também foi usado por Sheehan et al. (1998). O processo de transesterificação é usado para converter óleo de soja em biodiesel. O esmagamento para extração do óleo e a transesterificação resultam na produção de dois coprodutos importantes: farelo de soja e glicerina bruta, respectivamente.

 

 

 

 

 

        Uma vez que o ciclo de vida de energia se concentra exclusivamente no biodiesel, a energia associada com a produção dos outros dois coprodutos deve ser estimada e excluída do inventário. Muitas vezes, informações detalhadas não estão disponíveis para medir os valores exatos de energia associados aos coprodutos individuais, razão pela qual se utiliza um método de alocação para atribuir valores de energia aos coprodutos.        Diversos métodos de alocação podem ser usados para estimar o valor energético dos coprodutos. Em geral, nenhum método de alocação é sempre aplicável, e o método adequado deve ser escolhido caso a caso (Shapouri et al., 2002) Por exemplo, o chamado método de energia utiliza o conteúdo energético de cada coproduto para alocar energia entre os produtos principais e coprodutos. Outro exemplo é o método econômico, que utiliza o valor de mercado relativo de cada coproduto, para alocar energia para efetuar o inventário. Sheehan et al. (1998) usaram um método de massa para efetuar a alocação. Para ser coerente e comparável com a análise de Sheehan, este estudo também utiliza o método de massa.  

        O método de alocação de massa é comumente usado porque é relativamente fácil de aplicar e proporciona um resultado razoável. Este método aloca as entradas de energia para os diversos coprodutos de acordo com seus pesos relativos. Essa regra de alocação separa a energia usada para produzir biodiesel da energia utilizada para produzir farelo de soja e glicerina da seguinte forma:

 

Alocação de energia para biodiesel = E1*f1+ E2*f2 + E3          (2)

 

onde E1 é a entrada de energia durante as etapas agrícolas, de transporte e de esmagamento de soja; f1 é a fração de massa do óleo de soja; E2 é a energia usada durante a transesterificação e para transporte do óleo de soja; f2 é a fração de massa do óleo transesterificado usado para produzir biodiesel; e E3 é a energia necessária para o transporte de biodiesel

 

 

 

 

5. Inventário de Energia do Ciclo de Vida

          Inventário do ciclo de vida (ICV) é a contabilidade de todas as entradas e saídas dos processos que ocorrem durante o ciclo de vida de um produto. O LCA para biodiesel inclui todos os quatro subsistemas mencionados anteriormente. Para efeitos de comparação e teste de sensibilidade da análise, na condução do presente estudo foi elaborado um caso-base, em que o LCA foi mantido o mesmo que o inventário relatado por Sheehan et al. (1998), exceto para calcário, que foi a única inclusão diferenciada. Em seguida, as entradas que não foram incluídos pela equipe de Sheehan, tais como máquinas agrícolas e energia incorporada em materiais de construção, foram adicionados para estudar sua sensibilidade no cálculo do FER.  

 

 

5.1 – A produção de matéria prima

 

        Uma vez que a agricultura dos EUA tem apresentado uma tendência de tornar-se mais eficiente, do ponto de vista do uso da energia, ao longo do tempo, é importante usar o mais recente conjunto de dados disponíveis na realização de uma análise de ciclo de vida. Para eliminar o erro de variação temporal na produção agrícola, a LCA resultante deste estudo utilizou a Pesquisa de Gestão de Recursos Agrícolas (ARMS) de 2006 e dados do National Agricultural Statistics Service (NASS), que se constituem no conjunto de dados mais recentes e mais completos disponíveis.

          Quando a equipe de Sheehan realizou seu estudo, os dados agrícolas mais recentes e detalhados disponíveis sobre a produção de soja eram da década de 1990 (USDA Farm Costs and Return Survey - FCRS), que agora é conhecido como ARMS. A análise feita por Pradhan et al. (2009) usou dados da ARMS de 2002. Os dados de produção de soja são estimativas do USDA, de conformidade com o Serviço Nacional de Estatísticas Agrícolas (NASS, 2010). O uso de fertilizantes e agrotóxicos para na soja são de 2006 (NASS, 2007). A aplicação de calcário e a quantidade de sementes utilizadas são médias disponíveis para 2006 no ARMS (ERS, 2009). Para o presente estudo, foram utilizados dados de áreas de produção de soja dos 19 estados maiores produtores de soja nos EUA, ponderados pela área colhida em cada estado, para estabelecer a quantidade de energia utilizada para a produção de soja (Tabela 2).

 

 

 

 

Tabela 2. Insumos utilizados para produção de soja

Material

Quantidade / ha

Ciclo de vida de energia equivalente (MJ/ha) (b)

Diesel

33,3 L

1417,6

Gasolina

12,8 L

515,7

GLP

2,0 L

52,7

Gás Natural

4,1 m3

161,4

Nitrogênio

3,3 kg

168,2

Fósforo

12,1 kg

111,2

Potássio

22,4 kg

133,4

Calcário

463,7 kg

57,9

Sementes

68,9 kg

324,4

Herbicidas

1,6 kg

507,7

Inseticidas

0,04 kg

13,2

Eletricidade

17,1 kWh

137,1

Total

 

3590,5

Média ponderada dos 19 estados principais produtores; Fonte: ERS, 2009a; NASS 2007; NASS, 2010

 

 

 O rendimento médio ponderado foi de 2.906,7 kg / ha, em 2006. Este valor é equivalente a um rendimento de 598,6 L / ha de biodiesel. A média ponderada de uso de insumos e de energia, e os rendimentos médios ponderados, foram utilizados para estimar a energia necessária para a produção de soja nos EUA (Tabela 2).

 

        A utilização de calcário não foi relatada por Sheehan et al. (1998). No entanto, em áreas de acidez de solo mais elevada, os agricultores aplicam calcário periodicamente para aumentar a produtividade de soja. Em 2006, a média de aplicação de calcário para a produção de soja foi 463,7 kg / ha (Tabela 2). O total de entrada de energia durante a parte agrícola do ciclo de vida foi de 3.590,5 MJ / ha, ou o equivalente a 6,0 MJ / L de biodiesel produzido. Comparando-se as entradas de energia para produção de soja em 2006 com as estimativas relatadas no passado, verifica que os produtores de soja têm diminuído o uso total de energia ao longo do tempo (Figura 1).

 

       

 

Figura 1 - Comparação do uso dos principais insumos agrícolas para produção de soja nos EUA, entre 1990 e 2006.

 

        Paralelamente ao menor uso de energia, o rendimento da soja tem aumentado. A mudança mais significativa no sistema de produção de soja dos EUA, desde 1990, é o uso de organismos geneticamente modificados, o que ajudou a reduzir o uso de pesticidas (incluindo herbicidas, inseticidas e fungicidas). O ARMS com dados de produção de soja de 1990, usado por Sheehan, não incluiu qualquer soja GM, posto que esta não havia sido introduzida na agricultura dos EUA à época. No entanto, em 2002, o rápido aumento na soja GM já tinha alcançado 75% de toda a soja plantada, e hoje quase toda a soja na EUA se compõe de variedades GM (ERS, 2010).

        Outra grande mudança é a crescente adoção da prática de plantio direto pelos produtores de soja, que passou de cerca de 10% da área plantada em 1990 para 45% em 2006 (HOROWITZ et al. 2010).

 

 

 

 

 

5.2 - Energia para transportar a soja para plantas de biodiesel

 

 

        A quantidade de energia necessária para o transporte de soja para plantas processamento foi obtida do modelo GREET - Greenhouse Gases, Regulated Emissions, and Energy Use in Transportation (ANL, 2010). A energia necessária para transportar a soja até plantas de processamento foi estimada em cerca de 720,1 MJ / ha (1,2 MJ / L de biodiesel). A estimativa foi baseada em uma distância de 80 km para transporte por caminhões a partir de um centro de distribuição, até a planta de esmagamento e posteriormente para a usina de biodiesel.

 

 

 

5.3 – Energia para extração do óleo e para conversão em biodiesel.

 

       A energia necessária para o esmagamento e para conversão do óleo em biodiesel foi obtida a partir de um modelo desenvolvido pelo USDA - ARS O modelo USDA foi preparado a partir da análise de processos, especificações de equipamentos, custos e consumo de energia que foram fornecidos por técnicos especializados e pelos fornecedores de equipamentos para o esmagamento de soja e para a indústria de biodiesel. O processo foi simulado pelo programa SuperPro Designer (Intelligen, Inc., Scotch Plains, NJ), e o consumo de energia total foi calculado para cada etapa do processo. Cópias deste modelo estão disponíveis mediante solicitação aos autores, junto à ARS – USDA.           Para rodar o modelo, as exigências de energia para o esmagamento de soja e para transesterificação foram estimadas utilizando produtos químicos, engenharia de processo e tecnologia de engenharia de custos de acordo com os estudos desenvolvido pelo USDA-ARS (HAAS et al., 2006). O modelo estima as necessidades de energia elétrica e térmica para uma instalação que combina uma planta de processamento de soja com uma instalação de conversão de biodiesel, produzindo 38,6 milhões L de biodiesel, 137.491 toneladas de farelo de soja, 8.167 toneladas de casca de soja, e 3.975 toneladas de glicerina bruta. O modelo estima os parâmetros de uma usina de biodiesel moderna, com base na melhor informação disponível a partir de fabricantes de equipamentos e técnicos especializados.

 

 

 

 

5.4 – Descrição do modelo

 

       A separação da soja em óleo e farelo pode ser feita usando extrusoras mecânicas, porém o método mais utilizado é a extração do óleo de soja utilizando hexano (Figura 2) Uma instalação de processamento de soja utiliza energia na forma de eletricidade para motores e para iluminação. Gás natural e vapor são usados para fornecer calor para a secagem. O modelo utilizado nesta análise permite que a planta possa gerar seu próprio vapor a partir do gás natural, com uma eficiência de ciclo de vida de 60,8%. Assim, o valor de energia para o vapor é incorporado ao valor da energia do gás natural utilizado para gerar o vapor necessário.  

        A soja que entra no processo é primeiramente limpa e em seguida aquecida e seca até atingir teor de umidade de 10% (base úmida) (ERICKSON, 1995). Na sequência, os grãos são quebrados em vários pedaços, através da passagem por rolos mecânicos. A casca de soja, que representa cerca de 8% da soja, é removida por aspiração. As cascas podem ser misturadas com o farelo de soja, que é mais tarde, extraído do processo, ou podem ainda ser trituradas e tostadas, sendo vendidas como ração animal.

 

        O grão de soja, triturado e cortado em flocos, é condicionado por aquecimento e enviado à unidade de extração, onde o óleo de soja é dissolvido com hexano. Na etapa seguinte, a mistura de óleo e hexano é tratada com vapor para separar o óleo da hexano. O óleo de soja bruto é degomado e desodorizado, branqueado, e neutralizado. Ar quente e água de refrigeração são usados no aquecimento final e secagem do óleo. Mais detalhes sobre o processamento pode ser encontrado em Anderson (2005).

 

 

 

 

 

 

    Os melhores dados disponíveis para Sheehan et al. (1998) sobre esmagamento de óleo foram baseados em uma única instalação que tinha 17 anos de idade na época do seu estudo. Assim, uma planta típica de operação hoje é provavelmente mais eficiente do que a planta modelada por Sheehan et al. (1998). Por exemplo, a média da taxa de extração da indústria de óleo de soja aumentou de 0,169 kg / kg de soja (como relatado por Sheehan et al. (1998)) para 0,189 kg / kg de soja em 2006/2007 (ERS, 2009b). A produção de óleo aumentou ainda mais, para 0,193 kg / kg de soja, na safra 2007/2008.           Mesmo que a taxa de extração de óleo para os últimos anos tenha sido maior, a taxa para 2006/2007 foi usado neste estudo, para ser consistente com os dados agrícolas de 2006 da ARMS. Além disso, novas plantas são mais eficientes no uso da energia, devido à adoção de processos de poupança de energia e de tecnologias que reduzam custos de produção e consumo de energia. A melhoria de processos em plantas de extração de óleo tem sido contínua, com ênfase na eficiência energética, reduzindo a perda de hexano e aumentando a capacidade de processamento por unidade de tempo. Por exemplo, o atual nível aceitável de perda de solvente é um terço do nível verificado em plantas de extração dos EUA em 1970 (WOERFEL, 1995).

 

 

 

5.5 – Conversão de óleo de soja em biodiesel

 

        A conversão do óleo de soja em biodiesel é feita pela reação do óleo com um álcool (normalmente metanol), com o auxílio de um catalisador (principalmente hidróxido de sódio ou metilato de sódio), em grandes reatores. Após a reação do óleo de soja com o metanol, a mistura resultante é centrifugada para remover o excesso de metanol, a glicerina e outras impurezas. Após a centrifugação, a mistura é lavada com uma solução de água acidulada e secada para se tornar biodiesel (Figura 2). O fluxo de metanol, glicerina, e outras impurezas é então tratado com uma pequena quantidade de ácidos e bases para remover qualquer ácido graxo restante.  

        O restante do material é então destilado para recuperar o metanol e maior parte da água. O metanol em excesso e a água são recuperados e reutilizados, para evitar desperdícios e reduzir os custos. A glicerina bruta é frequentemente vendida para empresas que a refinam para ser usada na elaboração de vários produtos, incluindo resinas de fibra de vidro, cosméticos, produtos farmacêuticos, detergentes líquidos, sabões, descongeladores e anticongelantes.

 

        Durante o processo de elaboração do biodiesel, a energia elétrica é usada para acionar as bombas, centrífugas e misturadores, enquanto a energia térmica é necessária na coluna de destilação para recuperar o metanol em excesso, e para remover a água de lavagem do biodiesel. A energia térmica também é utilizada para aquecer o óleo de soja para acelerar o processo de conversão.

 

        Os dados apresentados na Tabela 3 para a conversão de biodiesel foram obtidos a partir do modelo USDA-ARS.

 

 

 

Tabela 3. Requerimentos de energia fóssil para esmagamento de soja e conversão do óleo em biodiesel, antes da alocação dos valores dos coprodutos, de acordo com o modelo USDA-ARS

Etapa / Material

Quantidade /L de biodiesel

Energia equivalente MJ/L de biodiesel (a)

Esmagamento da soja

   

Eletricidade

212,3 Wh

1,6

Gás Natural

106.8 L

4,2

Hexano

11,1 g

0,5

     

Produção de biodiesel

   

Eletricidade

44,6 Wh

0,3

Vapor de gás natural

124,1 g

0,4

Metanol

96,7 g

3,2

Metilato de sódio

2.7 g

0,1

Ácido Hidroclorídrico

0,5 g

0,83x10-3

(a) Calculado usando dados da Tabela 1

 

A quantidade de energia necessária para converter óleo de soja em biodiesel, pelo processo de transesterificação, diminuiu ao longo na última década. O uso de instalações maiores colocou maior ênfase na minimização de custos de energia. O custo de capital para adoção de tecnologias poupadoras de energia se justifica em plantas maiores, onde o custo do investimento é menor do que a economia com os custos mais baixos de energia. Por exemplo, tecnologias que provocam a integração de calor, resultaram na captura e reutilização de calor que antes era desperdiçado. Melhorias na tecnologia de catalisador usado para produzir biodiesel resultaram na maior eficiência de conversão de óleo em soja biodiesel. Recuperar e reutilizar o fluxo de água de lavagem usado para purificar o biodiesel elimina a o volume de águas residuais após o tratamento.

 

 

 

        O modelo assume a recuperação do catalisador e do ácido hidroclorídrico e calcula o vapor necessário para a conversão do óleo de soja em biodiesel. O aquecimento do espaço da planta não foi considerado, porque é muito dependente da sua localização e da época do ano. O modelo mostrou que o esmagamento de soja requereu um total de 6,3 MJ de combustível fóssil, e a conversão do óleo de soja em biodiesel, com a recuperação do metanol em excesso e o tratamento da glicerina necessitaram 4,0 MJ / L de biodiesel produzido.

 

       

5.6 – Transporte de biodiesel

 

        Dados do modelo GREET foram utilizados para estimar a energia necessária para transportar biodiesel aos pontos de consumo, que requerem, em média, 0,3 MJ / L de biodiesel. A estimativa foi baseada em uma distância total de 540 km usando uma combinação de caminhão, barcaça e trens, que incluiu uma distância de cerca de 50 km para o caminhão, 68 km para barcaça e 374 km para o transporte ferroviário, a partir de uma planta para um centro de distribuição, e outros 48 km por caminhão para transportá-lo ao seu destino final.

 

5.7 – Atribuição de energia para os coprodutos

 

Uma das principais causas das discrepâncias em relatório de LCA, no tocante à energia, é a diferença na forma como a energia é alocada entre os coprodutos (PRADHAN et al., 2008). Historicamente, a demanda de soja é impulsionada pelo farelo de soja, que é usado como ração animal de alto teor protéico. O esmagamento de soja rende muito mais farelo (proteína) que óleo, bem como a maior parcela da receita provém do farelo. Claramente, farelo de soja não é um subproduto da produção do biodiesel.  Em vez disso, o farelo de soja e o óleo são produzidos em conjunto e vendidos em mercados distintos. A energia usada para produzir a parte protéica da soja, bem como da glicerina bruta que é produzido durante a fase de transesterificação, deve ser descontado do LCA do biodiesel. O método de alocação de massa foi usado para determinar como a energia total usada é distribuída entre estes coprodutos (Figura 3).

 

O óleo de soja bruto degomado contém uma pequena quantidade de material insaponificável e de ácidos graxos livres, que devem ser removidos porque eles são prejudiciais para o processo de transesterificação (SHEEHAN et al., 1998). Os ácidos graxos livres podem transformar-se em sabão, quando transesterificados, dificultando a separação de fases do éster metílico e da glicerina. O óleo degomado é tratado com hidróxido de sódio para obter óleo seco refinado, com um rendimento de cerca de 96%. Os outros 4% são considerado resíduos. No processo de transesterificação a proporção de biodiesel refinado para a glicerina bruta (com uma pureza de cerca de 80%) é de 82,4% para o biodiesel e de 17,6% para a glicerina bruta. Portanto, 82,4% do total da energia usada para converter óleo de soja degomado em biodiesel são alocados para biodiesel (Figura 3).

 

       

       

        Portanto, na equação (2) acima, f1 = 20,5% × 82,4% = 16,9%, e f2 = 82,4%. Toda a energia utilizada para o transporte de biodiesel é alocado para biodiesel.

 

        No próximo artigo analisaremos os resultados obtidos e efetuaremos sua discussão, comparativamente com estudos similares, realizados anteriormente.

 

 

 

Um cenário para a próxima década

Décio Luiz Gazzoni

 

            Em junho foi apresentado um estudo da OCDE e da FAO, abordando as Perspectivas Agrícolas Globais no período 2011-2020. Os cenários apresentados revelam que na próxima década haverá preços elevados e grande volatilidade internacional, e o Brasil será um dos países mais beneficiados. Fiquei particularmente feliz em verificar que, durante minha passagem pela Presidência da República, havia traçado, em linhas gerais, cenário semelhante ao ora lançado pelas duas entidades internacionais.

 

            O estudo tem o objetivo precípuo de incrementar a produção global, um efeito contra-cíclico destinado a estabilizar os preços das commodities agrícolas, que nos últimos anos elevaram índices inflacionários e chegaram a provocar protestos nas ruas de diversos países. Entrementes, o estudo indica que essa volatilidade, que já perdura 5 anos, assim prosseguirá e que os preços de muitas commodities básicas deverão se manter em patamares mais elevados (em valores nominais e até reais), comparados à década anterior.

 

            As principais causas para a manutenção dos preços em alta são: i) Os custos da produção agrícola estão em ascensão; ii) o crescimento da produtividade sofreu perigosa desaceleração; iii). pressões sobre os recursos naturais, principalmente água, vegetação e terras, aumentaram; iv) as terras mais férteis já estão sendo utilizadas e mesmo declinando em algumas regiões; v) a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos climáticos; vi) problemas internos de cada país (Exemplo, o nosso Custo Brasil com impostos elevados, falta de infra-estrutura, juros altos, desindustrialização) não serão solucionados na década.

 

            A expectativa é que os custos de alguns alimentos até declinem em relação ao início de 2011. Mas, em média e em termos reais, deverão subir ate 50% no caso das carnes e 20% no dos cereais nos próximos anos. O Brasil, principal pais exportador de carnes (25% do mercado mundial), e com boas perspectivas para o milho, tende a abocanhar boa parte do ganho - desde que sejam dadas as condições internas para produzir e exportar a custos competitivos.

 

 

Custos x expansão

 

Os custos da produção agrícola estão em ascensão – em especial devido à disparada de preços de fertilizantes e agrotóxicos. O crescimento da produtividade sofreu uma perigosa desaceleração, em função dos custos. Pressões da sociedade para proteção de recursos naturais (água, vegetação e terras) aumentaram. Como as áreas mais férteis já estão sendo utilizadas, a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos de problemas meteorológicos. E as Mudanças Climáticas Globais jogam o imponderável sobre este quadro, podendo tornar regiões outrora secas em pluviosas e vice versa.               De imediato, a produção agrícola crescerá – é a reação natural aos preços elevados. Entretanto, a estimativa é de crescer apenas 1,7% ao ano (média da próxima década), vis a vis 2,6% da década passada. A maioria dos cultivos tende a expandir menos, especialmente no caso de oleaginosas (grupo que inclui a soja) e grãos forrageiros (milho entre eles). A pecuária mantém o ritmo dos últimos anos. Lembremo-nos que o crescimento populacional global crescerá acima de 2% na década (demanda natural) e a inclusão social também manterá ritmo elevado (demanda induzida por crescimento econômico). Em consequencia, a desaceleração global do rendimento de importantes culturas, continuará a pressionar os preços internacionais, em um tabuleiro em que os maiores crescimentos da oferta virão de fornecedores que detém boas tecnologias e políticas públicas adequadas.

           

 

Mudanças no tabuleiro

 

            Prosseguirá a redivisão dos mercados agrícolas, com a produção migrando de países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento. À America Latina, motor do recente avanço agrícola global, unir-se-á o Leste Europeu. As duas regiões serão supridoras cada vez mais importantes nesta década. Suas áreas plantadas e produtividade deverão aumentar, e também haverá expansão para a pecuária. O documento infere que Brasil e Argentina manterão sólidos crescimentos em oleaginosas, cereais e gado de corte, devido a seus custos de produção menores. A America do Norte – leia-se EUA - é a única região de alta renda que expandirá significativamente a agricultura, baseada em crescimento de produtividade. A Europa Ocidental perdera mais competitividade e produção, pressionada por preocupações ambientais, custos e limitação de terras.

              Do lado da demanda, o crescimento populacional e o aumento da renda na China e Índia sustentarão compras firmes de commodities. Arroz, carne, lácteos, óleos vegetais e açúcar deverão ter os maiores aumentos de consumo, e preços firmes e em ascensão. O uso de matérias primas agrícolas para biocombustíveis mantém um crescimento robusto. O documento estima que, até 2020, 30% da produção de cana, 15% de óleos vegetais e 13% de grãos se destinarão à produção de biocombustíveis, num contexto em que as elevadas cotações do petróleo terminarão por viabilizar a sua produção, mesmo sem os subsídios estatais americanos e europeus.               Assim mesmo, o documento refere que preços mais elevados "são um sinal positivo e bem vindo para um setor que têm experimentado declínio real nos custos das commodities por varias décadas e podem estimular investimentos no aumento da produtividade e da produção, necessárias para atender a crescente demanda per alimentos". O relatório reforça que a produtividade continua a ser um influente fator na formação dos preços de colheitas. A variação no rendimento de grandes lavouras de países exportadores são uma fonte primária da volatilidade. A severa seca na Rússia e na Ucrânia no ano passado e o excesso de umidade nos EUA ilustram a rapidez com que o equilíbrio do mercado pode mudar. Além disso, o estudo aborda o peso dos mercados de energia na transmissão de volatilidade ao setor agrícola, por seu peso nos custos de produção e pela demanda crescente de biocombustíveis.

 

 

Incentivos e peixes

 

  

 

          As duas entidades ressalvam que nem sempre os incentivos derivados de melhores cotações internacionais chegam aos produtores, em virtude dos custos de transação elevados ou políticas nacionais de intervenções nos mercados. No segmento pesqueiro, a projeção é que a produção global aumentará 2,8% ao ano até 2020, bem menos do que na década passada, em virtude da redução ou estagnação na captura de pescados. Até 2015, a aqüicultura poderá representar mais da metade do consumo global de peixes. Os preços médios dos pescados capturados podem subir 23% ate 2020, ante alta de 50% na aqüicultura.

 

           Em resumo, as perspectivas para o agronegócio brasileiro são interessantes, e poderão ser muito melhores se o Governo fizer a sua parte.

 

 

 

 

Desafio de produtividade de soja

Décio Luiz Gazzoni

 

 Pela terceira safra consecutiva, o CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) realiza o Desafio de Máxima Produtividade de Soja, cuja cerimônia de entrega dos prêmios aos vencedores ocorreu na primeira semana de agosto, em Brasília. Antes de tudo, quero relembrar que não se trata simplesmente de obter a máxima produtividade, porém de conjugá-la com maior rentabilidade, com observância das legislações ambientais e trabalhistas, ou seja, em tudo lembrando o que todo o produtor de soja deve fazer, normalmente. Os vencedores foram auditados para verificar o seu cumprimento – e todos cumpriram – caso contrário seriam desclassificados!         O desafio foi dividido em áreas irrigadas e não irrigadas, em quatro regiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte/Nordeste. A partir da produtividade de 4.800kg/ha de soja foi realizada uma auditoria independente, para confirmar a produtividade e o cumprimento das regras do Desafio. Em 2010 inscreveram-se 800 participantes e, para esta safra, a adesão atingiu 1.185 sojicultores, sendo que 7-8% utilizaram irrigação. Os produtores eram majoritariamente do Sul (PR) e Centro-Oeste (MT), as maiores regiões produtoras do Brasil.

       

  

        A média geral da produtividade de soja dos participantes foi de 3.966 kg/ha (irrigada) e 3.617 kg/ha (não irrigada). A Tabela 1 mostra a distribuição dos resultados alcançados.

 

Tabela 1. Distribuição da produtividade de soja

Kg/ha

% Produtores

 

Irrigada

Não Irrigada

até 3000

3

2

3000-3600

41

50

3600-4200

21

32

4200-4800

7

6

4800-5400

28

6

5400-6000

-

4

 

 

        Interessante destacar outros resultados que chamaram a atenção no Desafio. Os cinco melhores produtores obtiveram produtividade média de 5.979 kg/ha; os 10 melhores atingiram 5.728 kg/ha; e os 100 melhores alcançaram 4.270 kg/ha. De acordo com a CONAB (levantamento de julho/2011), nesta safra o Brasil produziu 75.039.300 t de soja, em 24.158.000 ha, com produtividade média de 3.106 kg/ha. Caso a produtividade brasileira fosse igual à produtividade média de todos os sojicultores participantes do desafio, o Brasil haveria colhido 17% mais soja, na mesma área, ou seja, mais 13 milhões de toneladas. E, se a produtividade fosse igual aos 10 melhores produtores, haveríamos colhido mais 69 milhões de toneladas! Os produtores líderes demonstraram que isto é possível, que a tecnologia existe. Se ela for, progressivamente, transferida aos demais produtores de soja, nos próximos 20 anos, seguramente poderemos diminuir a área plantada de soja no Brasil, aumentando a produção para atender a demanda do mercado, e com custos menores – logo, rentabilidade maior.

 

 

Os melhores produtores

 

 

        Na categoria Irrigada, o vencedor foi Edinelson Lopes da Silva, que atingiu a produtividade de 5.316 kg/ha. Entre a 2ª. e a 4ª. colocações, as produtividades variaram de 5.160 a 4.991 kg/ha. Na categoria não irrigada, a premiação foi regional, ficando assim distribuída:

Centro-Oeste: O vencedor foi Edmilson Ribeiro Santana, com 5.304 kg/ha, e da segunda até a quinta colocação, a produtividade variou entre 5.087 e 4.573 kg/ha.

Sudeste: Ivaldo Lemes da Costa foi o vencedor, com produtividade de 5.938 kg/ha (quase 100 sacos por hectare!). Do 2º. ao 4º. colocados as produtividades situaram-se entre 5.341 e 3.876 kg/ha.

Norte/Nordeste: O produtor Roberto Pelizzaro venceu a etapa regional com 6.036 kg/ha, secundado por outros quatro produtores com produtividade variando de 5.920 a 5.160 kg/ha. Os participantes desta região apresentaram a produtividade média mais elevada entre todas as regiões.

Sul: Nesta região, o vencedor foi Leandro Sartorelli Ricci, com produtividade de 6.027 kg/ha, enquanto os seguintes colocados desta região produziram entre 5.975 e 5.074 kg/ha.

 

 

        O vencedor nacional foi o produtor Roberto Pelizzaro, que superou o vencedor da safra 2009/10 (Leandro Sartorelli Ricci) por meros 9 kg/ha. O fato de o Leandro situar-se, por dois anos consecutivos, no topo da escala de produtividade, mostra como o sistema de produção por ele utilizado é sólido e consistente, e tem permitido produzir acima de 100 sacos por hectare, em sua lavoura.

          A importância do Desafio conduzido pelo CESB está em mostrar que dispomos de tecnologia e condições para aumentar, consistentemente, a produtividade média da soja no Brasil. Este incremento de produtividade trará diversos benefícios ao Brasil e à cadeia produtiva, sendo sempre interessante destacar que, a maior rentabilidade dos produtores, e a redução da área de expansão de soja, são fatores fundamentais para mantermos e ampliarmos, de forma sustentável, a nossa participação no mercado internacional de soja.

 

 

 

Centro de Pesquisa de Cana

Décio Luiz Gazzoni

 

Durante a Fenasucro & Agrocana (30 de agosto a 2 de setembro, em Sertãozinho), será lançado o Centro de Pesquisa das Indústrias do Setor Sucroenergético. Trata-se de uma iniciativa do Programa de Estudos em Agronegócios da FEARP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto), em parceria com a Central Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis e a Prefeitura Municipal de Sertãozinho.

A diretriz do Centro é atuar em inteligência competitiva, e seu objetivo principal será municiar empresários e gestores de políticas públicas com ferramentas de análise do setor sucroenergético para a tomada de decisões. Para tanto, será efetuada coleta e processamento de informações industriais e de mercado, envolvendo também as empresas fornecedoras das usinas de açúcar, álcool e bioeletricidade.

O setor sucroenergético é um dos mais importantes para a economia paulista e para o Brasil, e se ressente de ferramentas de suporte ao planejamento e análise para melhor gestão, uma exigência do mercado setorial extremamente competitivo. Como tal, os pesquisadores atuarão para desenvolver ferramentas de apoio à tomada de decisão, e servirão como fonte de informação sobre expectativas e tendências. Além de contribuir com empresários e entidades de classe, o Centro gerará subsídios para a formulação de políticas públicas.

 

A evolução trimestral do setor será avaliada por seis indicadores: o índice de confiança; a utilização da capacidade instalada; a taxa de emprego; o número de horas trabalhadas na produção das unidades fabris; o faturamento, que avaliará a receita líquida do setor; e a massa salarial, que determinará a variação no poder de compra dos trabalhadores da indústria. A pesquisa será realizada por questionários aplicados aos gestores das principais empresas do setor. Os resultados serão divulgados na forma de índices agregados, o que permitirá analisar o comportamento do setor ao longo dos períodos.

O Centro também desenvolverá atividades de ensino, contribuindo para a formação dos alunos de graduação, envolvendo estudantes em atividades de extensão universitária e promovendo o contato direto com os agentes do setor sucroenergético.

 

 

 

O boi decodificado

Décio Luiz Gazzoni

 

Os bovinos, introduzidos no Brasil logo após o descobrimento, hoje passam de 200 milhões de cabeças. É uma das maiores riquezas do agronegócio, respondendo por 25% do mercado internacional de carne. Mas a nossa grande oportunidade está no que aparentemente é uma fraqueza. O Bos taurus (gado europeu), de carne tenra e saborosa, altamente valorizada no mercado dos países ricos, só pode ser criado do Paraná para o Sul, onde as temperaturas são mais amenas. O Bos indicus (zebu) é rústico, adaptado às regiões tropicais e sub-tropicais, mais resistente a pragas, porém sua carne não tem a qualidade do gado europeu. Por que? O Bos taurus teve séculos de aprimoramento genético e de seus parâmetros zootécnicos, em especial a qualidade da carne, por ser originário de regiões (Europa) onde era criado para servir de alimento. Já o zebu é originário da Índia, onde o boi é sagrado, e pouco ou nada foi feito para adequar seus parâmetros às exigências de sistemas de produção apurados e de um mercado cada vez mais exigente. Caberá ao Brasil efetuar este esforço (que, em realidade, já vem sendo feito) e um dos marcos foi o recente sequenciamento genético de um indivíduo zebuíno típico (Futuro POI do Golias), por pesquisadores da UNESP.

  Com o sequenciamento, que estabelece a posição nos cromossomos de cada gene, é possível identificar para que cada gene (ou grupo de genes) serve e qual sua função no organismo. Comercialmente, isto significa que podemos alterar tanto os parâmetros zootécnicos que permitem otimizar os sistemas de produção (maior precocidade, maior capacidade de conversão alimentar, maior resistência a pragas e enfermidades, maior tolerância a estresses), quanto os parâmetros que são exigidos pelos consumidores, como teor de gordura, tipo de gordura, maciez da carne, etc. No limite, daqui a alguns anos, poderemos produzir Nelore, em pleno Cerrado, com  maminha ou picanha tão tenra e saborosa quanto dos melhores rebanhos gaúchos, ou rivalizar em qualidade com o afamado bife de chorizo de los hermanos argentinos. Se o Governo priorizar este tipo de pesquisa, já que a base científica (sequenciamento) está disponível, em pouco tempo duplicaremos o nosso market share de exportação de carne.

 

 

Prêmio Bunge

Décio Luiz Gazzoni

 

 

        Na terça feira, 13/9, participamos da entrega do Prêmio Fundação Bunge, pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aos agraciados de 2011. Esta distinção é um dos principais galardões que destaca cientistas e artistas em nosso país. Já receberam o premio Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Di Cavalcanti, Pietro Bardi, Eleazar de Carvalho, Paulo Autran, Debora Bloch, Camargo Guarnieri, Claudio Santoro, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Manuel Bandeira e os meus amigos da Embrapa, Eliseu Alves e Alexandre Nepomuceno.

 

        Tivemos a honra de participar do júri que selecionou os premiados de 2011, na categoria de Defesa Agropecuária. Os agraciados de 2011 são:

 

 

 

José Roberto Postali Parra, que nasceu em Campinas, SP, é Engenheiro Agrônomo formado pela ESALQ (1968), possui mestrado e doutorado em Entomologia pela USP e pós-doutorado pela Universidade de Illinois. Desde a década de 70 estuda os insetos de importância para agricultura, contribuindo com soluções práticas e de grande impacto econômico, em especial técnicas de criação e nutrição de insetos e alternativas de controle de insetos, como o controle biológico. Seus estudos permitiram o controle da broca da cana e culturas como milho, hortaliças, flores e soja estão se beneficiando desta tecnologia. Atualmente dedica-se ao estudo dos feromônios e do controle biológico do bicho-furão que ataca os citros.   Helena Lage Ferreira (Juventude) nasceu em Ipatinga (MG), é veterinária formada pela UNESP, possui doutorado em Genética e Biologia Molecular pela UNICAMP e pós-doutorado em Influenza Aviária pelo Veterinary Agrochemical Research Centre – VAR, na Bélgica. Sua tese de doutorado emprega a tecnologia do RNA de interferência no controle de vírus do trato respiratório de aves, resultando em importantes achados de pesquisa na área de sanidade aviária e abrindo futuros estudos para a avaliação de uma eficiente ferramenta para evitar o escape viral. Helena atua na área de Virologia Aviária, participando de diferentes projetos, com colaborações nacionais e internacionais, voltados ao diagnóstico e pesquisa de vírus causadores de prejuízo a indústria avícola, desenvolvimento de métodos diagnósticos eficientes e vacinas. Aos agraciados nosso reconhecimento e parabéns.

 

 

 

Mercosoja

DécioLuiz Gazzoni

 

De 14 a 16 de setembro foi realizado o V Mercosoja, em Rosario (Argentina), congregando cerca de 600 participantes dos países do Mercosul, além de representantes da China e da Índia, grandes motores da expansão recente do comércio internacional de soja. Inúmeros temas foram abordados nos três dias do evento, sendo o mais auspicioso a projeção para os próximos anos, que mostra um mercado firme, sustentado pela demanda dos países emergentes e pelos mandatos de mistura de biodiesel ao diesel. Na apresentação que fiz, sobre perspectivas do agronegócio internacional para os próximos 15 anos, apontei que não apenas a soja, mas o conjunto de grãos deverá expandir-se com solidez, sendo de particular interesse para o Brasil o crescimento do mercado internacional de milho, suportado pelo aumento da demanda, pelos baixos estoques e pela retração dos EUA como principais exportadores.   A expansão sustentada do mercado demandará oferta crescente de soja pelos países do Mercosul, que já respondem por 53% da soja produzida no mundo. O Uruguai pode expandir, no máximo, mais um milhão de hectares, metade da área de expansão potencial do Paraguai. A Bolívia é uma incógnita, devido às sérias restrições de investimento em um país instável. A novidade é o sentimento de que a Argentina entra em processo de estabilização da área de soja, por estar atingindo os limites da Pampa Úmida, que lhe tem conferido espetacular competitividade no mercado, muito superior às áreas marginais agora disponíveis. E, embora o Brasil disponha de enormes áreas para incorporação à agricultura, a exigência de sustentabilidade nos impõe uma restrição à expansão sobre áreas de cobertura vegetal nativa. Para todos os países resta o uso adequado de tecnologia sustentável, para suportar um aumento anual superior a 2% na produtividade de soja. O Brasil ainda dispõe do recurso à recuperação de áreas degradadas (especialmente pastagens), para expandir a produção.

 

 

 

Este cenário é perfeitamente factível, pois a produtividade de soja nos países do Mercosul cresceu acima de 1,5% ao ano, nas últimas décadas e os concursos de produtividade demonstram que dispomos de tecnologia para manter taxas de crescimento acima deste patamar, nos próximos anos.

 

 

 

 

Soja e desmatamento

Décio Luiz Gazzoni

 

A Moratória da Soja é uma iniciativa da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), implantada em 2006. Os associados das duas entidades se comprometeram a não comercializar e nem financiar a soja produzida em áreas desflorestadas dentro do Bioma Amazônia, a partir de 2006. A iniciativa deveria durar dois anos, porém os bons resultados alcançados e o interesse dos atores da cadeia produtiva da soja em contribuir para a queda do desmatamento, permitiram que a Moratória permanecesse ativa.

 

Na falta de melhores argumentos, ONGs européias acusavam o Brasil de desmatar a Amazônia para produzir soja. Embora as evidências empíricas apontassem para o oposto, a Moratória da Soja passou a monitorar a produção de soja na Amazônia, de forma a detectar, precocemente, qualquer eventual desmatamento ligado à cultura. Os resultados do monitoramento da Moratória já demonstravam que a cultura da soja tinha importância quase nula para o desmatamento da floresta. O monitoramento da safra 2009/10 mostrou que apenas 0,25% da área total desflorestada nos estados do Mato Grosso, Pará e em Rondônia, nos três anos anteriores, foi alocado para a lavoura da soja.

 

Mais recentemente, um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com a Embrapa, chegou às mesmas conclusões. A pesquisa, que considerou o total desmatado até 2008 (720 mil km²) nos nove estados amazônicos, mostra que somente 34,9 mil km2 (4,8%) são destinados à agricultura em geral. Após o trabalho do INPE, são realizados sobrevôos para identificação do uso e ocupação do solo. Nas fazendas onde forem encontradas plantações de soja vinculadas ao desmatamento, são realizadas reuniões de orientação para os produtores rurais, para sua adequação à moratória da soja.

 

Atualmente, antes de comprarem soja, os associados da ABIOVE e da ANEC consultam a lista de áreas embargadas do IBAMA; a lista de trabalho escravo do MTE; e a lista da Moratória da Soja no Bioma Amazônia. Estas ações destroçaram o argumento de que a produção de soja brasileira era insustentável, supostamente fundada em impacto ambiental e insensibilidade social.

 

Mudanças climáticas e produtividade

Décio Luiz Gazzoni

 

Uma das questões que atormenta grupos científicos ao redor do mundo é a extensão do impacto das Mudanças Climáticas Globais, mormente secas intensas, na produtividade líquida de explorações agrícolas e florestais. Por ser um fenômeno ainda recente, a polêmica e a diversidade de opiniões permeia as discussões científicas, que estão longe de encontrar um ponto de consenso. Recentemente, as páginas da revista Science serviram de foro para discutir este tema, envolvendo três equipes de cientistas que se debruçaram sobre o assunto, com opiniões diferentes.   O primeiro artigo foi publicado por Maosheng Zhao and Steven W. Running (Science 329:940-943, 2010), apontando declínio na capacidade das florestas de capturar carbono, atribuindo o fenômeno ao aumento no número e na intensidade das secas na década passada. Os autores utilizaram um modelo de computador baseado no algoritmo MODIS NPP, sendo NPP a sigla em inglês para produção primária líquida. Os autores investigavam se a tendência da década anterior (clima mais quente, produtividade mais alta) era o fator climático diretriz ou se outro fenômeno poderia interferir de forma mais decisiva na NPP.    De acordo com estes autores, a NPP é uma boa medida para quantificar a quantidade de carbono atmosférico fixado pelas plantas e acumulado como biomassa. Estudos anteriores mostraram que o aumento da temperatura e da radiação solar estabeleceram uma tendência ascendente na NPP entre 1982 a 1999. A última década (2000-2009) foi a mais quente desde o início dos registros climáticos sistemáticos, o que deveria implicar na continuidade dos aumentos na NPP global. No entanto, as estimativas fornecidas pelo modelo apontaram uma redução da NPP global de 0,55 petagramas de carbono (550 milhões de toneladas). Secas em larga escala, circunscritas regionalmente, provocaram a redução da NPP, conjuntamente com a tendência de clima mais seco no Hemisfério Sul, contrastando com o aumento da NPP no Hemisfério Norte. Uma eventual queda contínua na NPP reduz a fixação de carbono pelas plantas, podendo conduzir à redução na produtividade dos cultivos e intensificar a competição entre a produção de alimentos, de biocombustíveis e outros produtos agrícolas não alimentares.

 

 

 

Réplica

 

Na edição de 26/08/11 da Science foram publicadas contestações ao artigo do Dr. Zhao e a sua resposta às mesmas. Um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Arindam Samanta, e que contou com a colaboração de professores da UFV e da Unicamp, contestou os resultados encontrados pelo Dr. Zhao (Science 333:1093-c, 2011). Os autores argumentam que as tendências encontradas são de baixa magnitude, e que os padrões regionais e as variações interanuais descritas são vieses do modelo de MODIS, utilizado pelo Dr. Zhao. De acordo com o grupo do Dr. Samanta, imagens de satélite não mostram alterações estatisticamente significativas em mais de 85% da área coberta com vegetação ao sul de 70 ° N, durante o período 2000-2009.   Igualmente, a Dra. Belinda E. Medlyn (Science 333:1093-d, 2011), contesta a metodologia utilizada pelo Dr. Zhao, afirmando que os resultados não são fruto de medições diretas, porém baseados em resultados de um modelo matemático, o qual considera uma forte dependência da NPP em relação à temperatura. Como tal, a Dra. Medlyn afirma que, ao examinar os pressupostos subjacentes aos resultados, é possível demonstrar que suas descobertas podem ser explicadas como consequências lógicas destas suposições.

 

 

 

Tréplica

 

Na mesma edição (Science 333:1093-e, 2011) o grupo do Dr. Zhao rebate as críticas, reportando que novos testes com o modelo MODIS mostraram que outros índices de vegetação tinham variações negativas ainda mais fortes que a NPP, ao longo da década. Mesmo ajustando o modelo, com redução dos efeitos da temperatura, do estresse hídrico e da respiração (pontos metodológicos mais contestados por Samanta e Medley), não foi possível obter uma tendência positiva na NPP, reforçando a conclusão de que as secas induziram a diminuição da NPP global, ao longo da última década.  

 Independentemente da sofisticada digressão teórica dos cientistas envolvidos, nossa visão é que, empiricamente, as Mudanças Climáticas Globais em curso nas últimas décadas reconfigurarão a geografia da agropecuária global. Áreas altamente produtivas poderão ter seu potencial ameaçado por déficit hídrico ou por excesso de água. Por outro lado, áreas com restrições térmicas ou hídricas poderão ser incorporadas à produção agrícola, pela adequação destes parâmetros às exigências das culturas.

   Do ponto de vista prático percebe-se a importância do arsenal tecnológico para enfrentar este novo desafio. O zoneamento agrícola permanentemente atualizado, o uso de técnicas sustentáveis de manejo de solo e de cultivos e, especialmente, a utilização de cultivares e variedades tolerantes à seca, são as principais ferramentas de que disporá o produtor rural para enfrentar um problema que já o afeta e cuja tendência é que seja ainda mais intenso, no futuro próximo.

 

 

Redução de emissões de GEE na agropecuária

Décio Luiz Gazzoni

 

     

 Parcela ponderável das emissões de gases de efeito estufa no Brasil decorre do desmatamento. Logo, evitar o desmatamento é a grande alternativa que temos para diminuir a emissão de GEE, o que é particularmente válido para regiões, como o Centro Oeste, onde a fronteira agrícola avança sobre o Cerrado, nos limites da Amazônia. Entretanto, no âmbito mais restrito da agropecuária, o manejo das culturas e o uso adequado do solo contribuem para que a agricultura seja conduzida com menos emissões.    Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e norte-americanos, utilizando um modelo biogeoquímico, estimou os impactos das emissões de GEE até 2050, em diferentes cenários de desmatamento e de uso do solo na fronteira agrícola de Mato Grosso. O estudo foi desenvolvido em parceria entre cientistas da ESALQ, do CENA, da USP, e da Universidade de Brown (EUA), e foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), em 2010.

  

       

 

Fontes de emissões

       

 De acordo com os autores, o desmatamento da vegetação nativa causa grande emissão de GEE. Mas, após o desflorestamento, também há emissões, que dependem do uso do solo. As áreas originalmente de vegetação nativa, podem ser convertidas em pastagens ou cultivos anuais, ou ainda iniciar com pecuária e depois incorporar-se à agricultura. O objetivo do trabalho foi estimar as emissões de GEE considerando cenários com diferentes tipos de conversão do uso do solo, partindo de áreas de vegetação nativa.  

Três GEEs típicos foram considerados: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (NOx), que são os mais comumente emitidos em áreas utilizadas pela agropecuária. Para os cálculos do estudo, todas as unidades foram expressas em CO2 equivalente. Com uma abordagem integrada, os cientistas estimaram a dinâmica dos GEE, em cenários futuros de ecossistemas naturais e agrícolas após o desmatamento, usando o Modelo de Ecossistemas Terrestres (TEM, na sigla em inglês).

        Os autores concluíram que as emissões em Mato Grosso podem variar de 2,8 a 15,9 petagramas de CO2-equivalente até 2050. O desmatamento é a maior fonte de GEE nesse período, mas os usos posteriores da terra correspondem a uma parcela substancial – de 24% a 49% – das emissões futuras. Tanto o desmatamento como o futuro manejo do uso da terra serão importantes para a emissão de GEE, logo ambos os aspectos devem ser considerados na hora de traçar estratégias e políticas públicas, ou no desenvolvimento de tecnologias relacionadas à mitigação das mudanças climáticas.

  

       

  A fim de validar os dados obtidos com o modelo TEM, os pesquisadores compararam os cenários atuais com simulações de cenários já conhecidos de emissões de GEE, aliado ao trabalho de campo para obtenção dos dados necessários. A validação dos dados foi feita com uma avaliação baseada em 12 testes estatísticos. Constatada a adequação do modelo com eventos já ocorridos, foi possível utilizá-lo para estimar as emissões de GEE no futuro.  

 

 

Manejo do solo e das culturas

      

  Após a conversão do uso do solo, se a área for utilizada para agricultura, as emissões de GEE podem variar muito de acordo com as práticas agrícolas. Um exemplo clássico é o contraste que se observa entre o preparo convencional do solo e a técnica de plantio direto. O plantio direto muda completamente a concepção da prática agrícola com base em um tripé: a não-mobilização do solo em área total, a manutenção da palha na superfície do solo e a rotação de culturas. Com essas mudanças, as emissões de GEE são substancialmente menores.

 

Quando o solo é intensamente revolvido, ele é oxigenado e a matéria orgânica fresca fica exposta. Isso acelera a decomposição desse material pelos microrganismos do solo e provoca muitas emissões de GEE. No plantio direto isso não ocorre. O segundo aspecto da técnica agrícola convencional é a remoção da palha e de outros restos vegetais, que têm grandes porcentagens de carbono em sua composição e que, em vez de poluir a atmosfera, podem enriquecer o solo e beneficiar a produção. A palha no campo vai sendo lentamente utilizada pelos microrganismos, retendo carbono, nitrogênio, fósforo e outros nutrientes no solo.

  A rotação de culturas é o terceiro aspecto que contribui para reduzir as emissões de GEE. Além da questão fitossanitária envolvida – as monoculturas são mais suscetíveis a pragas, com maior necessidade de uso de agrotóxicos – a rotação de culturas proporciona o acúmulo de diferentes tipos de palha sobre o solo. Quando as culturas são alternadas periodicamente, os restos orgânicos que ficam no solo também variam. Cada microrganismo tem preferência por determinado tipo de material orgânico. Se os restos orgânicos forem sempre provenientes das mesmas plantas, eles vão atender um grupo específico de microrganismos. Se houver uma rotação de culturas, a superposição de palhas de vários tipos também aumentará a biodiversidade local.

 

     

  O grande mérito deste estudo foi o de colocar números em fatos conhecidos e abordá-los com metodologia científica comprovada, demonstrando a importância de tecnologia adequada de manejo do solo e das culturas, para reduzir as emissões de GEE da agropecuária.  

  

 

Ciclo de vida do biodiesel de soja: II. Resultados e Discussão

Décio Luiz Gazzoni

 

(Este artigo é a continuação do anterior, publicado em setembro de 2011 no site Biodieselbr, sob o título Ciclo de vida do biodiesel de soja: I. Antecedentes e Parâmetros)

 

1. Resultados e Discussão

        Dispondo das estimativas de ingresso de energia nos quatro subsistemas, é possível estabelecer o caso-base do ciclo de vida para o biodiesel de soja. Os valores obtidos para cada um dos subsistemas são apresentados na Tabela 4.

 

Tabela 4. Caso-base de uso de energia para produção de biodiesel e FER (Fossil Energy Ratio) com a alocação dos coprodutos e ajustes para os fatores de eficiência de energia.

       Energia fóssil MJ/L de biodiesel

Subsistemas

Total

Biodiesel

Produção de soja

6

1

Transporte de soja

1,2

0,2

Esmagamento da soja

6,3

1,1

Produção de biodiesel

4

3,3

Transporte de biodiesel

0,3

0,3

Total

17,8

5,9

Energia total do biodiesel

32,7

FER

5,54

Os coprodutos foram alocados conforme disposto na Figura 3.

 

   

Como discutido anteriormente, as necessidades de energia para a obtenção dos coprodutos do biodiesel (ou seja, o farelo de soja e a glicerina bruta) foram removidos do inventário do biodiesel. As estimativas de uso de energia foram apresentadas na Tabela 3, ajustadas pelos fatores de eficiência energética de cada uma das fontes. Todas as estimativas de geração energia elétrica foram baseadas em médias ponderadas de todas as fontes usadas nos EUA, incluindo carvão, gás natural, nuclear e hidrelétrica. Nos EUA, a eletricidade gerada por fontes fósseis, como média nacional, equivale a 67% do total.   Depois de ajustar as entradas pela eficiência energética de cada fonte e de alocar a energia utilizada pelos coprodutos, a energia total necessária para produzir um litro de biodiesel foi de 5,9 MJ (Tabela 4). A etapa de conversão de biodiesel é a que utiliza mais energia, respondendo por cerca de 56% do total da energia requerida no inventário do ciclo de vida. O esmagamento da soja responde por cerca de 19%, seguido pela produção de soja, que requer quase 17% da energia total.

    

 

         

   

O valor da energia líquida (ou seja, a energia contida no biodiesel menos as entradas de energias fósseis) é de cerca de 26,8 MJ / L de biodiesel. A estimativa da FER do biodiesel de soja, para este estudo, é de 5,54, que é cerca de 73% maior do que a FER original relatado por Sheehan et al. (1998), usando dados de 1990 e 21% maior do que a relatada por Pradhan et al. (2009), que usou dados de 2002.  

 

        A principal razão para essa melhora é que a etapa de processamento industrial de soja, modelada para este estudo, mediu com mais acurácia a energia utilizada por uma instalação moderna. As instalações de esmagamento de soja que foram construídas nos últimos tempos são muito mais eficientes no uso da energia que as velhas plantas usadas no estudo de Sheehan et al. (1998). Além disso, desde 2002, a EPA dos EUA exigiu que as plantas de processamento de soja limitassem o uso de hexano e, assim, a quantidade de hexano relatado por Sheehan et al. (1998) teve que ser ajustada para refletir o novo padrão da indústria (EPA, 2004).

  O valor equivalente de energia do hexano que foi utilizado neste estudo é a metade do verificado por Sheehan et al. (1998). Em geral, a energia necessária para esmagar caiu de 2,6 para 1,1 MJ / L de biodiesel, ou seja, houve redução de 58% (Figura 4).

    

 

 

   

As entradas de energia fóssil para a fase de produção de soja caíram de 2,1 para 1,0 MJ / L de biodiesel, uma redução de 52% (Figura 4). Esta redução se deve principalmente ao menor uso de diesel, gasolina, fertilizantes e produtos químicos. Uma provável razão para a diminuição do uso de combustível é a maior adoção de práticas de semeadura menos intensivas por parte dos agricultores de soja. O menor uso de produtos químicos em 2006 esteve parcialmente relacionado com a adoção da soja transgênica. No entanto, diferenças de clima e outros fatores não relacionados à eficiência do uso da energia podem causar variação anual do uso de produtos químicos, como é o caso de anos mais favoráveis ao ataque de pragas.  

A energia necessária para a transesterificação estimada neste estudo foi cerca de 33% inferior à relatada por Sheehan et al. (1998) (Figura 4). O uso de energia fóssil derivada da energia elétrica e do uso de metanol diminuiu; no entanto, o uso de gás natural e de vapor foi ligeiramente aumentado. No geral, o total de energia necessária para o ciclo de vida do biodiesel caiu de 10,2 para 5,9 MJ / L de biodiesel.

    

  

       

 

         

Figura 4. Comparação dos requerimentos de energia para os principais subsistemas e para o ciclo de vida entre três estudos

 

1.1 Efeito da adição de insumos sobre o LCA

A Figura 5 mostra alguns efeitos da adição de insumos de energia secundária à LCA, os quais não foram incluídos no estudo de Sheehan et al., (1998), a fim de determinar como eles afetam os resultados gerais. Colina et al. (2006) calculou a energia associada com a fabricação de máquinas agrícolas utilizadas no ciclo como sendo de 1,4 MJ (parte do biodiesel = 0,2 MJ) por L de biodiesel. Adicionando a parte desta energia que efetivamente corresponde ao biodiesel, o FER do caso base cai de 5,54 para 5.36.

 

  Hill et al. (2006) também estimaram a energia associada com materiais de construção, sendo esta de 0,04 MJ (parte do biodiesel = 6,11 kJ) por L de biodiesel (na planta processadora de soja) e de 0,02 MJ (parte do biodiesel = 15,4 kJ) por L de biodiesel (para a instalação de conversão de biodiesel). Adicionando a percentagem de energia relacionada aos materiais de construção, efetivamente alocáveis ao biodiesel, originou uma baixa do FER para 5,52. Se a entrada energia para máquinas agrícolas e material construção forem adicionados ao inventário, o FER cairia para 5.34, o que é mais próximo da realidade de campo.

       

 

       

 

Figura 5. Efeito da proporção de energia fóssil por adição de entradas secundárias de energia no sistema

 

 

 

1.1.1 - Efeito da adição de calcário

        O presente estudo incluiu o uso de calcário para correção de solo, ao contrário do inventário de Sheehan et al. (1998). O calcário é adicionado ao solo a cada 4-5 anos, e as taxas anuais de aplicação de calcário são ajustados pelo número de anos entre as aplicações. Como os agricultores não aplicam calcário todos os anos, a taxa de aplicação média anual de calcário é relativamente de pequeno porte. Os cálculos demonstraram que a utilização de calcário requer 57,9 MJ / ha e reduz o FER em apenas 0,3%. Portanto, inclusive no trabalho de Sheehan et al. (1998), o inventário não teria mudado significativamente apenas com o uso de calcário.

 

 

 

 

1.1.2 - Efeito da adição do petróleo para transporte

        A usina de biodiesel modelo usada neste estudo combina as plantas de esmagamento de soja e de conversão de biodiesel, no mesmo local. A soja é enviada para a fábrica e esmagada, sendo retirado o óleo, que é convertido em biodiesel no local; portanto, o transporte de óleo não foi incluído no inventário de base. No entanto, muitas usinas compram o óleo de soja, tendo que transportá-lo para sua planta de transesterificação. No modelo usado por Sheehan et al. (1998), as instalações de extração de óleo e de conversão de biodiesel eram separadas, de forma que seu inventário incluiu a energia necessária para transportar o óleo para a usina de biodiesel, que foi de 0,21 MJ / L de biodiesel (proporção alocada ao biodiesel = 0,17 MJ) para 920 km de distância. Ao adicionar esta energia para o inventário, o FER caiu para 5,39 (Figura 5).

 

 

 

 

1.1.3 – Efeito da produção de soja

        Os rendimentos de soja foram melhorando ao longo do tempo devido às novas cultivares mais produtivas, melhoria no sistema de nutrição vegetal e correção do solo, aplicações de pesticidas de forma racional, bem como novas práticas de gestão (Ash et al., 2006). Além disso, os dados de produção de soja do ARMS (1990), usados por Sheehan et al. (1998), não incluíam soja geneticamente modificada, porque estas cultivares ainda não haviam sido introduzidas na agricultura dos EUA. No entanto, hoje quase toda a soja cultivada nos EUA são variedades GE (ERS, 2010). Estas cultivares são geneticamente modificadas para serem tolerantes a herbicidas e a pragas, permitindo melhor gestão da lavoura e aumentando a produtividade através de melhor controle de pragas e de plantas daninhas. Também o uso de soja GE reduz o uso de pesticidas e, consequentemente, os custos de produção, incluso os de energia (HEIMLICH et al., 2000).

  Com base em dados publicados no USDA-NASS (Agricultural Chemical Usage), ao longo dos cinco anos, nos períodos 1990 a 1994, 1995 a 1999, e 2000 a 2004, a média do uso de herbicidas foi de 1,32, 1,24, 1,22 kg / ha por ano, respectivamente (NASS, 2005). No entanto, essa redução média no uso de herbicidas pode não ser linear, de ano para ano, porque o uso de pesticidas em uma safra específica depende do nível de infestação das pragas. Por exemplo, o uso de inseticidas foi maior em 2005 e 2006, principalmente por causa da maior infestação de pulgões.   Alguns herbicidas usados atualmente também são menos tóxicos. Por exemplo, a maioria dos herbicidas utilizados na cultura da soja representa diferentes marcas comerciais de glifosato, que é cerca de 10 vezes menos tóxico, em termos de toxicidade oral (RFD), do que os herbicidas utilizados no passado, como alachlor (EPA, 1990). Kovach et al. (2007) descobriram que o quociente de impacto ambiental (EIQ), que abrange onze diferentes tipos de medições de toxicidade e impactos ambientais, foi mais favorável para o glifosato (EIQ = 15,3) do que para alachlor (EIQ = 18,3).

 

         

 

  

Os dados de produtividade anual de soja nos EUA mostraram um aumento significativo nos rendimentos a partir de 1980. Os rendimentos de soja têm aumentado constantemente desde 1990, quando o rendimento médio dos EUA foi 2293 kg / ha; em 2006, o rendimento de soja dos EUA aumentou para 2885 kg / ha (NASS de 2010). A tendência dos dados dos últimos anos mostra um aumento contínuo na produtividade de 33,6 kg / ha / ano, sem um aumento significativo no uso de insumos agrícolas.

  Mesmo que os rendimentos tenham sido superiores nos últimos anos, os dados do rendimento de 2006 foram usados para calcular a FER, a fim de manter uma correspondência com os dados agrícolas do ARMS 2006. A produtividade desempenha um papel crítico no cálculo da FER porque, como os rendimentos de soja aumentam ao longo do tempo, sem um correspondente aumento de insumos ou energia, o FER do biodiesel melhora proporcionalmente. De acordo com o USDA, a soja deve aumentar sua produtividade, anualmente, de 27 a 34 kg / ha até 2017 (USDA, 2008). Para cada 100 kg / ha de aumento na produtividade de soja, o FER melhora em cerca de 0,76%.

     

 

         

         

 

2. Conclusão

 

A relação de energia fóssil (FER) do biodiesel de soja foi de 5,54, com base em dados de produção de soja de 2006. Esta é uma melhoria significativa sobre o estudo clássico realizado por Sheehan et al. (1998), que relatou uma FER de 3,2, e até mesmo melhor do que o FER de 4,56, que foi encontrado por Pradhan et al. (2009), elaborado com base em dados de 2002. As instalações de esmagamento de soja e de transesterificação, que foram construídas nos últimos tempos, são mais eficientes no uso da energia do que plantas mais velhas. Além disso, a continua melhoria na produtividade de soja e a redução geral de uso de energia na fazenda ajuda a aumentar o desempenho energético do biodiesel.   O menor uso de produtos químicos, nos últimos anos, pode ser parcialmente explicado pela adoção de soja transgênica, o que resultou na diminuição de uso de herbicidas e inseticidas. Os efeitos da adição de fontes de consumo de energia secundária, tais como as máquinas agrícolas e materiais de construção para instalações de processamento de soja e para as usinas de biodiesel, também foram estudadas. O FER de biodiesel mudou muito pouco com a adição de tais insumos secundários. Quando a energia do ciclo de vida para máquinas agrícolas, materiais de fabricação e construção foi adicionada, a FER diminuiu para 5,34 (3,6% de redução). O modelo utilizado para estimar a energia necessária para converter óleo de soja para biodiesel representa uma planta de processamento de soja combinado com uma unidade de transesterificação, com uma capacidade anual de 38,6 milhões L por ano.   Os resultados desta pesquisa sugerem uma melhoria consistente do FER do biodiesel ao longo do tempo. Mantendo todos os outros fatores constantes, para cada 100 kg / ha de aumento na produtividade da soja, o FER aumenta em 0,76%. As previsões são otimistas, pois tanto a agricultura quanto a indústria de esmagamento e de produção de biodiesel tendem a acumular ganhos de eficiência energética a fim de reduzir custos de produção e, eventualmente, alcançar um ainda maior FER. Este é o caminho para a inserção definitiva do biodiesel na matriz energética mundial.

       

 

       

Anexo – Bibliografia referida no texto

 

 

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Biocombustíveis

Décio Luiz Gazzoni

 

O mercado de biocombustíveis sofrerá alterações dramáticas durante esta década, tanto no volume utilizado quanto na tecnologia de produção. Embora exista tecnologia para produção de biocombustíveis de forma competitiva, há uma longa trilha para melhorar e diversificar os processos. Por exemplo, a grande aposta do futuro próximo, que é a produção de combustíveis celulósicos, demandará rotas diferentes da gaseificação, exigirá a inovação na produção sustentável, na despolimerização e na conversão de matérias-primas em combustíveis líquidos.   Uma tecnologia em fase pré-industrial consiste na despolimerização da lignina para convertê-la em biocombustíveis e o uso de celobiose em vez de glicose para a conversão da xilose em etanol. Um break-through tecnológico desta ordem valorizará tanto cultivos ou plantas com alto teor de celulose e lignina, bem como agregará valor a produtos como a biomassa de restos culturais e da agroindústria.

 

 

Desde quando entrou em vigor a lei que definiu a produção e uso de biocombustíveis – a Renewable Fuel Standard (RFS2), que integra o Ato de Segurança Energética de 2007 (Energy Security and Independence Act of 2007) –, a produção de biocombustíveis nos EUA tem se expandido rapidamente. As novas regulamentações estabelecem um consumo mínimo de 45 bilhões de litros de biocombustíveis nos Estados Unidos a partir de 2010, chegando a pelo menos 136 bilhões de litros em 2022.  

Deste total, quase 80 bilhões de litros por ano devem ser destinados aos três tipos de combustíveis considerados avançados como o etanol celulósico e o diesel de biomassa, para cumprir os níveis de redução de gases de efeito estufa estipulados pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês). Para atingir a meta de produção de combustível renovável para 2022, os EUA investem na construção de nove biorrefinarias para produção de etanol celulósico ou de outro biocombustível a partir da biomassa lignocelulósica. Entretanto, mesmo com estas medidas, os EUA não conseguirão atender a sua demanda, criando um mercado internacional, onde o Brasil desponta como o grande supridor de biocombustíveis. O desafio do nosso país será compatibilizar o atendimento do nosso mercado interno com um mercado exportador que se afigura crescente e remunerador.

 

Sustentabilidade agrícola

Décio Luiz Gazzoni

 

O Projeto do Campo ao Mercado, liderado pelo Instituto Ares e desenvolvido em conjunto com a Embrapa, o CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e outros parceiros, tem o propósito de mapear o grau de sustentabilidade do agronegócio brasileiro, baseado em indicadores sistêmicos de sustentabilidade, auxiliando na propositura de políticas e programas para superar os aspectos que não se adéquem aos critérios de sustentabilidade.  

Os indicadores incluem temas ambientais e sociais, como carteira assinada, segurança e condições de trabalho, conservação do solo e da água, APPs e Reserva Legal consoantes com a legislação e rentabilidade da propriedade. O projeto vai abranger, inicialmente, as culturas de soja, milho e algodão, expandindo-se progressivamente nos próximos anos.

 

 

Devido à extensão geográfica do Brasil, e à conseqüente diversidade de solo, clima e sistemas de produção, a aquisição de insumos e a comercialização da safra, o grau de associativismo e de cooperativismo, o levantamento será regionalizado, e terá duração indefinida, permitindo comparações entre regiões e entre anos, para verificar a sua efetividade enquanto agente de mudanças. Também será útil para formar um banco de dados que permita ao Brasil negociar acordos internacionais afetos à sustentabilidade da exploração agropecuária.  

O programa não se limita à produção agrícola propriamente dita, vez que as informações disponíveis demonstram que, no âmbito da propriedade, os índices apresentam grande similaridade. Já na fase de produção de insumos ainda somos muito dependentes da importação de fertilizantes e agrotóxicos. O calcanhar de Aquiles é o transporte, quase totalmente baseado em rodovias, com alto consumo de derivados de petróleo. Portanto, fatores que compõem o custo Brasil (infraestrutura, câmbio, tributação, legislação trabalhista) também afetam a sustentabilidade do agronegócio. Do ponto de vista ambiental, o incremento da produtividade sustentável não apenas melhora a rentabilidade, como reduz os impactos ambientais, em especial a emissão de gases de efeito estufa. A meta final do projeto é a adequação do complexo do agronegócio às demandas da sociedade e do mercado, no século XXI.

 

Recuperação de solo

Décio Luiz Gazzoni

 

Apenas no Oeste do Mato Grosso do Sul há quatro milhões de hectares de pastagens degradadas em terras de areia quartzosa, áreas de Cerrado que foram desmatadas sem correção posterior do solo, gerando sérios problemas de erosão e baixa rentabilidade da pecuária. Os baixos índices de fertilidade, de matéria orgânica e a pouca capacidade de retenção de água, em solos com teor de argila de 8-12% e 85-90% de uma mistura de areia grossa e fina, representavam um desafio para a agricultura. Há 10 anos foi iniciado um programa demonstrativo do sistema ILPF (integração Lavoura, Pecuária e Floresta), que está permitindo produzir mais de 3.000 kg/ha de soja.   O processo inicia com a correção do solo, um ano antes do plantio da soja, com a aplicação de corretivos e fertilizantes e posterior cultivo de milheto ou braquiária. O pecuarista deixa o gado no pasto por seis meses a um ano. Após a retirada dos animais da área, aproveita-se a palhada das forrageiras, para fazer o plantio direto da soja. A soja é uma excelente opção de rotação para a pastagem, pois fixa nitrogênio no solo para as gramíneas, que são plantadas após a colheita da soja.

 

 

 

O tripé tecnológico se completa com a plantação de eucaliptos, que objetiva conferir sustentabilidade ao processo. Com árvores de ótimo desempenho e grande rentabilidade, o plantio da espécie é vantajoso, sobretudo para a pecuária, já que o gado é criado com menor estresse, pois a sombra dos eucaliptos diminui a temperatura ambiente em 5-7°C, proporcionando conforto térmico aos animais, uma das novas exigências do mercado internacional.   Com a aplicação desse esquema, onde a lotação era inferior a uma cabeça por hectare, está sendo possível criar cinco a seis unidades animais, pela exuberância da pastagem. O pay back com a correção feita somente com a exploração pecuária leva de oito a 10 anos, enquanto na integração com soja o retorno ocorre em dois ou três anos. Imagine-se o patrimônio que o Brasil dispõe nos estimados 30 milhões de hectares de pastagens degradadas, que podem retornar à produção, com o uso do ILPF, permitindo aumentar a produção sem a derrubada de novas áreas nativas.

 

 

Agronegócio global

Décio Luiz Gazzoni

 

O tamanho do agronegócio global, somados todos os elos da cadeia - o antes, o dentro e o pós porteira das fazendas - representa um PIB superior ao dos Estados Unidos (US$ 14 trilhões). No Brasil o montante dessas cadeias produtivas significa mais de US$ 500 bilhões. Se o agronegócio brasileiro fosse um país estaria em vigésimo lugar no mundo, ao lado da Suíça, Suécia, Bélgica, e seria 50% maior do que o PIB da Argentina.   A previsão de crescimento do PIB mundial para 2011 é de de 4% - o Brasil deve crescer apenas 3%, porém puxado pelo agronegócio. Com a demanda dos países emergentes, alavancados por forte inserção social na África e Ásia, os organismos internacionais calculam que será necessário aumentar em 20% a oferta de alimentos no planeta, nos próximos 10 anos. Grande esperança para alimentar o mundo, o Brasil precisaria aumentar em 40% a sua oferta dos produtos do agronegócio.

 

Conseguiremos crescer 40% em 10 anos? Onde estarão nossos gargalos? Área, clima, mão de obra, gestão privada e tecnologia são nossos grandes propulsores. Porém o Governo é o grande entrave, o maior responsável pelo custo Brasil. Precisamos resolver os grandes problemas que impedem a expressão do real potencial do agronegócio: tributação de país biliardário para serviços de quarto mundo; infra-estrutura deficitária e precária; real supervalorizado em relação ao dólar e às principais moedas de clientes e concorrentes; baixo volume de crédito e os juros mais altos do mundo; legislação anacrônica, que impede a agregação de valor nos produtos exportados; estrutura de Defesa Agropecuária insuficiente para atender a crescente demanda.   A iniciativa privada tem respondido à altura, com gestão de qualidade e investimentos adequados, tornando o Brasil um competidor quase imbatível, em um mercado livre de subsídios. Nos últimos anos o agronegócio é o responsável isolado pelo saldo da balança comercial e pela maior parcela da taxa de crescimento do país. Se o Governo também fizer a sua parte ao longo da década, o agronegócio brasileiro pode ser uma locomotiva ainda mais potente para alavancar o desenvolvimento brasileiro, ao longo desta e das próximas décadas.

 

 

Crescimento Sustentável

Décio Luiz Gazzoni

 

Entre 2010 e 2030, o Brasil pode diminuir as emissões de gases de efeito estufa em até 37% - sem comprometer o seu crescimento econômico e a geração de empregos - o que equivaleria à retirada de circulação de todos os carros do mundo por três anos. De acordo com o Banco Mundial, seriam necessários investimentos em políticas voltadas para um cenário de baixo carbono (com redução das emissões), aliado a um crescimento sustentável da economia. Ao todo, o investimento chegaria a US$ 725 bilhões no período. Um valor barato, de aproximadamente 1,5% do PIB brasileiro, a cada ano, para crescermos de cabeça erguida e com a consciência limpa.   De onde viria tanto dinheiro? Parte virá do setor privado, quando se tratar de investimentos produtivos. Porém existem setores onde será preciso investir dinheiro público. Neste terreno abre-se a oportunidade de parceria com os países industrializados, os grandes responsáveis pela alta concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.   O estudo destaca ações que podem contribuir para a preservação ambiental, como a redução de congestionamentos no transporte, o melhor manejo de resíduos urbanos, o aumento da produtividade da pecuária e a conservação de florestas. Apesar do significativo declínio verificado nos últimos anos, o desmatamento continua a ser a maior fonte das emissões de carbono, representando aproximadamente dois quintos das emissões nacionais brutas. E isto pode ser resolvido nos próximos anos.

 

 

 

De acordo com o estudo, a expansão da produção agrícola e pecuária demandará apenas 16,8 milhões de hectares para atender às necessidades previstas até 2030. Esta área pode ser obtida apenas com a transformação de pastagens degradadas em lavouras produtivas.   O Banco Mundial destaca o sucesso do etanol brasileiro que, oferece uma oportunidade para reduzir as emissões globais através do aumento das exportações do produto. O estudo aponta que o etanol produzido no País é superior a alternativas de outros países.   Essas ações evitariam a emissão de 6,2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, entre 2010 e 2030.É a grande chance para o Brasil, adotando as políticas corretas, mostrar ao mundo que é possível crescer de forma sustentável.

 

 

Um trilhão

Décio Luiz Gazzoni

 

A três dias do Natal, os cidadãos do mundo merecem um presente no valor de US$1 trilhão, que nos chega na forma de boa notícia: este mês, a indústria de energia renovável atingiu este fantástico valor, se considerados todos os investimentos em nível mundial realizados em energias renováveis, eficiência energética e tecnologias inteligentes para o setor energético, nos últimos sete anos.

 

A comunicação foi feita pela Bloomberg New Energy Finance (BNEF) empresa global especializada no fornecimento de informações financeiras e de negócios. A empresa acompanha os investimentos e resultados do segmento de energia limpa desde 2004, ano em que o barril de petróleo saltou das cotações históricas que oscilavam entre US$ 20 e US$ 30 para mais de US$ 100. A alta do petróleo, juntamente com a divulgação dos relatórios do IPCC – que demonstraram o forte impacto ambiental dos combustíveis fósseis - e uma onda de calor no outono europeu – que teria sido a causa mortis de mais de 30 mil cidadãos do Velho Continente – impulsionaram os investimentos em energia renovável, na esteira de um forte clamor social por quebras de paradigma com um passado de energia poluente.

 

 

Os investimentos saltaram de US$ 52 bilhões anuais em 2004 para US$ 243 bilhões em 2010, devendo atingir novo recorde em 2011. A marca de um trilhão de dólares mostra que o mundo não está aguardando um acordo político sobre o clima para se afastar dos combustíveis fósseis - o mercado e os cidadãos já tomaram a decisão sobre o rumo a seguir.   Dito de outra forma, o planeta não pode ficar dependendo da boa vontade de políticos para negociar acordos internacionais sobre emissões máximas de carbono para preparar um futuro melhor. Se os investimentos continuarem a crescer nesse ritmo, conseguiremos sobrestar o crescimento das emissões até a próxima década.   Conforme os custos da energia eólica, solar, geotérmica, marinha, hídrica, de biomassa continuam a cair e tecnologias mais eficientes para o gerenciamento dos sistemas de distribuição se tornam mais comuns, os investimentos na área têm tudo para manter a tendência de alta. Especialmente se o governo de cada país adotar políticas energéticas que incentivem essa tendência.

 

 

Isto dito, só me resta o chavão: Feliz Natal a todos os leitores e seus familiares.

Carne saudável

Décio Luiz Gazzoni

 

Organizações internacionais que prospectam o agronegócio indicam que o mercado que mais crescerá será o de carnes. Por ordem, carne suína, frango e bovina (mercado que dobra antes de 2050). Esta é uma enorme oportunidade para o Brasil – que possui as maiores vantagens comparativas – mas que carrega junto três desafios.  

O primeiro deles é de ordem produtiva: precisamos melhorar todos os índices zootécnicos do Brasil. Ou, colocando de outra forma, a média brasileira deverá convergir para os índices que já são obtidos pelos melhores pecuaristas do Paraná e de São Paulo. O que isto significa: precocidade de abate, taxa de lotação mais alta, maior desfrute, alta índice de ganho de peso. Esta melhora depende da genética, da nutrição e do manejo adequado do rebanho. Mas também depende do próximo desafio.

 

 

 

O segundo desafio é a saúde animal. Os países importadores se tornam progressivamente mais exigentes em termos sanitários. Doenças endêmicas, como aftosa ou brucelose são altamente restritivas, mas o mercado já se atenta para problemas sanitários menos expressivos como leptospirose, rinotraqueíte infecciosa, diarréia bovina, mamite, campilobacteriose ou colibacilose. Igualmente problemas parasitários como carrapatos ou verminoses podem nos tirar do mercado.   O terceiro desafio é um tema relativamente novo, ainda pouco entendido pela cadeia, mas que ganha espaço cada vez maior: é o tratamento dispensado nas diferentes etapas produtivas, do parto do animal ao transporte da carne, evitando estresses. Um animal criado e abatido sem estresse produz carne mais tenra e de melhor qualidade, com menos toxinas. Isto inclui a alimentação, a oferta de água, sombra e temperatura adequadas, manejo sanitário não traumático, instalações adequadas, transporte da fazenda ao frigorífico de forma cômoda e não traumática, manejo pré abate, abate indolor, esquartejamento e acondicionamento atendendo altos padrões, cadeia de frio até o consumidor em perfeitas condições. Embalando todo este conjunto está o processo de certificação e rastreabilidade, que é a garantia definitiva que qualquer etapa do processo produtivo pode ser verificada, vis a vis as exigências dos compradores. A receita não tem segredos, só temos que segui-la.

 

Cadeia da soja

Décio Luiz Gazzoni

 

Entre os objetivos do evento Conexão Indústria Campo, realizado em Goiânia em 22/11, estava a discussão das oportunidades e das ameaças à cadeia da soja, ao longo da presente década. Embora seja a cereja do bolo das exportações agrícolas brasileiras, a trilha da soja nos próximos anos exigirá muito esforço de nossa parte, para que o Brasil possa ser o grande protagonista da produção e da comercialização global da oleaginosa. Cabe às lideranças do país aprofundar a análise estratégica, potencializar as oportunidades e eliminar as ameaças.  

Oportunidades

O mercado internacional de soja, tanto o nutricional quanto o de energia, se encontra em franca expansão, o mesmo ocorrendo com o mercado doméstico brasileiro. O mercado se expandirá nesta década em função do crescimento populacional, do aumento da expectativa de vida, da alteração da estrutura etária da população, da inclusão social e do aumento da renda per capita. Temos a nosso favor algumas vantagens comparativas (terra, clima, tecnologia), conjuminadas com as dificuldades de expansão da cultura em outros países, tradicionalmente produtores, no longo prazo. Países da África, que seriam potenciais competidores, ainda possuem um longo caminho a trilhar, até atingirem condições de, efetivamente, impactar o mercado mundial.

 

Ameaças

O prolongamento da crise econômica mundial pode contrair o mercado da soja. Na hipótese reversa, de mercado aberto e de altos preços, pode haver o estímulo à expansão da produção de outros farelos, como girassol ou canola. As novas tecnologias de produção de energia renovável podem deslocar o biodiesel, restringindo um importante mercado para o óleo de soja. No âmbito regional, observamos a competição de outras culturas, por áreas mais propícias, em especial a cana-de-açúcar. No curto prazo, vamos enfrentar a alta competitividade da Argentina e do Paraguai, em especial porque nosso País insiste em manter seu já famoso “Custo Brasil” elevado, qual seja: baixa agregação de valor na exportação; logística e infraestrutura deficientes; alta tributação da cadeia e real supervalorizado.

 

  

Selo social

Décio Luiz Gazzoni

 

A Lei de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) prevê vantagens para os produtores familiares que entreguem oleaginosas para usinas de biodiesel, as quais também auferem vantagens tributárias. Para obter o selo social, a usina necessita demonstrar que adquire um percentual mínimo de matéria prima de agricultores familiares. É a inserção social promovida pelo biodiesel.       O Ministério de Desenvolvimento Agrário apresentava estatísticas otimistas sobre a inclusão social com o cultivo de mamona e outras oleaginosas, para produção de biodiesel. Entretanto, os números do MDA passaram a ser questionados pelo mercado e o site Biodieselbr informa que, de maneira silenciosa, o MDA alterou dados históricos referentes ao número de agricultores familiares beneficiados pelo PNPB. O fato não chamaria atenção se não fosse por quatro fatos: a alteração foi significativa; o número alterado é um inteiro exato (23.000); foi realizada sem qualquer publicidade; e ocorreu em dados que eram contestados pelo mercado.

 

 

 

A informação oficial do MDA era que 63.595 famílias de agricultores haviam produzido matéria-prima para o PNPB em 2006. Agora, o sítio na Internet do MDA reduz para 40.595 as famílias beneficiadas (Balanço do Selo Combustível Social http://www.mda.gov.br/portal/saf/arquivos/view/biodisel/ Balanço_Selo_Combustível_Social.pdf). Ou seja, em 2011 foram eliminados 23 mil agricultores familiares das contas dos beneficiados pelo Selo Combustível Social em 2006.  

Analistas do mercado de biodiesel apontavam que, em 2007 e 2008, teria havido uma redução expressiva dos agricultores familiares produtores de oleaginosas para biodiesel. O analista do site Biodieselbr alerta que, em apresentações públicas, o MDA não mostrava os números anteriores a 2008, pois estes exibiam uma enorme queda na participação de agricultores e os números de 2009 eram inferiores a 2006. A partir de 2009, com o ingresso agressivo da Petrobras Biocombustível, os números da inclusão social do programa de biodiesel voltaram a crescer. Portanto, à falta de explicação oficial convincente, a impressão que fica é que a participação nos primeiros anos seria melhor que a atual, em uma época em que a produção de biodiesel era insignificante, o que viola o senso comum.

 

O que é bom...

Décio Luiz Gazzoni

 

...para os EUA é bom para o Brasil, foi uma célebre frase proferida pelo Gal. Juracy Magalhães, embaixador brasileiro em Washington, em 1964. Ultimamente os EUA deram de fazer uma gastança fenomenal e criar um déficit abissal, que arrastou o país e o mundo para a recessão. Parece que continuamos regidos pela frase do Gal. Juracy e macaqueamos os EUA com gastança desenfreada dos recursos públicos, aumentado nossa dívida que não para de crescer, consumindo bilhões de reais ao ano em juros (que poderiam ir para Educação, Saúde, Segurança, Habitação, Ciência, etc). Mas tem uma coisa que poderíamos copiar dos EUA e nos traria muitas vantagens e benefícios: refiro-me ao acordo firmado entre o Governo Americano e as montadoras de automóveis.  

Hoje, em média, um veículo americano faz 12 km/l de gasolina (estrada). Pelo acordo entre governo e montadoras, em média, os novos veículos deverão percorrer 15 km/l em 2016 e 33 km/l em 2025. Parece impossível mas não é. Aliás, aqui seria mais fácil, porque poucos são os SUVs beberrões rodando nas estradas, nos contentamos com meios de transporte menos agressivos à Natureza. As montadoras não gostaram muito da idéia, mas Obama as convenceu que está na hora de os EUA contribuírem para reduzir as elevadas emissões de GEE.

O que será feito para atingir as metas?

 

a) Usar motores menores, com turbocompressores, que conseguem a mesma potencia com menos combustível; b) Usar materiais mais leves e resistentes, com menor dissipação de calor, para aumentar a eficiência energética dos motores; c) Melhorar a aerodinâmica dos veículos; d) Limitar a velocidade máxima a valores próximos ao máximo legal; d) Universalizar o uso da injeção direta de combustível; e) Criar sistemas independentes de alimentação do ar condicionado do carro; f) Universalizar a produção de carros híbridos (motor elétrico e combustão interna).

No Japão, o carro híbrido Prius (Toyota) já é o mais vendido no país. Ou seja, as ações acima requerem apenas alguns avanços e refinamentos tecnológicos, a base já existe. E, no Brasil, eu acrescentaria mais uma ação: otimizar os motores flex para uso com etanol, para nos livrarmos, definitivamente, da gasolina até 2025.

 

Somos sete bilhões

Decio Luiz Gazzoni

 

E, em 40 anos, seremos nove bilhões. A população crescerá no Sudeste Asiático, com a Índia sendo o país mais populoso do mundo na próxima década; e na África, em países como Malaui ou Niger, onde, em média, cada mulher tem seis filhos. Exceção feita à América Latina, a população mundial crescerá nos países mais pobres ou desiguais, com maiores dificuldades para prover condições dignas de vida a seus cidadãos.   O desafio é: como fornecer alimento, energia, saúde, educação, transporte e saneamento aos novos habitantes? Qual a capacidade de suporte de seres humanos do planeta Terra? E se a desigualdade for sanada e o nivelamento ocorrer pelo alto, pelo consumo dos mais ricos? A resposta é complexa mas, de forma estereotipada, pode-se afirmar que tudo depende da pressão exercida sobre os recursos naturais básicos. O que se desdobra em duas vertentes: as reservas destes recursos e a nossa capacidade de reciclagem de recursos finitos, não renováveis.

 

 

 

Até 2050, não seremos apenas mais dois bilhões de habitantes. Espero que, antes desta data, seja quitada a dívida social com cerca de um bilhão de seres humanos em estado de insegurança alimentar, que varia desde a fome quase absoluta, com extremos de morte por inanição, até desbalanços nutricionais graves. A expectativa de vida cresce no mundo todo. Esta população da quarta idade terá amealhado meios financeiros para sofisticar seu consumo, em especial proteínas animais, frutas e hortaliças. O cenário antecipa dois reptos brutais: as áreas mais propícias à agricultura já foram ocupadas, e as Mudanças Climáticas as encolherão nos próximos anos.   Mas nem só de pão vive o Homem! Da agricultura espera-se energia, plantas ornamentais, madeira, e plantas medicinais. Será difícil expandir além de 30% da área atual. Para solucionar a inequação, precisamos 1) investir em reciclagem e redução do desperdício, pois um terço do alimento do mundo desaparece entre a lavoura e a mesa; e 2) melhorar a produtividade agrícola e os índices zootécnicos, com lastro em tecnologias essencialmente sustentáveis, com inovações que aliem os ganhos de produtividade com redução do uso de insumos, em especial agrotóxicos, fertilizantes e água.

 

       

 

Energia do futuro

Décio Luiz Gazzoni

 

Há uma janela de oportunidades aberta para a Agroenergia, que assim permanecerá até a metade do século, porque os avanços tecnológicos com outras formas de energia as tornarão tão competitivas que passarão a ser dominantes. É só acompanhar as revistas científicas para ver como a Ciência nos prepara maravilhas para as próximas décadas. Recentemente coordenei uma reunião bilateral de cooperação científica Brasil/Finlândia e impressionei-me com os avanços da fotossíntese artificial naquele país. Em um determinado momento da fotossíntese há formação de hidrogênio molecular, ou seja, energia pura. Trata-se, tão somente, de parar o processo neste ponto e usar a energia gerada.   Outra linha excitante é a química supramolecular, que permite a síntese de moléculas que formam estruturas maiores, que podem ser combinadas, para gerar composições super ativas, na escala nanométrica (bilionésima parte do metro). Por exemplo, pode ser criada uma substância que, derramada sobre a água, permite decompô-la sob a ação da luz, e liberar energia.

 

 

 

Um exemplo de aplicação de nanotubos, nanoporos e nanofilmes são as células fotovoltaicas de terceira geração (dye solar cells), que são finas, flexíveis e transparentes, aumentando a versatilidade dos receptores de energia solar. A química supramolecular pode criar estruturas que aumentem a condutividade e reduzam a corrosão, ou ampliem o espectro de luz solar absorvido para gerar energia.   Ainda há um longo caminho na Agroenergia. O aumento na temperatura e na concentração de dióxido de carbono na atmosfera acelera a fotossíntese na cana e aumenta a sua biomassa em 60%, porque as mudanças ambientais alteram o desempenho de genes associados à captura de luz. Outra novidade é o miscanto, uma gramínea que tem menos sacarose do que a cana-de-açúcar, porém é mais resistente ao frio, permitindo produzir bioenergia no sul do Brasil, no Uruguai e na Argentina ou outros países frios. A planta resiste a temperaturas inferiores a 14º C. O importante disso tudo é que a Ciência está permitindo a substituição progressiva das fontes fósseis, sujas, por energia renovável, limpa, e o agronegócio brasileiro deve aproveitar esta oportunidade de atender as demandas da sociedade.

 

 

 

 

Desafio Soja

Decio Luiz Gazzoni

 

Em 15 de janeiro encerram-se as inscrições para o 4º. Desafio de Máxima Produtividade de Soja, promovido pelo CESB (www.desafiosoja.com.br). No último Desafio, a produtividade média dos participantes foi 3.966 kg/ha (irrigada) e 3.617 kg/ha (não irrigada) e mais de 50% dos produtores obtiveram produtividade entre 3 e 6.000 kg/ha, contra a média brasileira de 3.065 kg/ha.   Na região Sul, o vencedor foi Leandro Ricci, de Mamborê (6.027 kg/ha), enquanto os demais classificados desta região produziram entre 5.074 e 5.975 kg/ha. O vencedor nacional foi Roberto Pelizzaro (6.037 kg/ha), que superou o vencedor da safra anterior (Leandro Ricci) por meros 9 kg/ha. O fato de o Leandro situar-se, por dois anos consecutivos, no topo da escala de produtividade, mostra como o sistema de produção por ele utilizado é sólido e consistente, e tem permitido produzir acima de 100 sacos por hectare, em sua lavoura.    

 

 

Os cinco melhores produtores obtiveram média de 5.979 kg/ha; os 10 melhores atingiram 5.728 kg/ha; e os 100 melhores alcançaram 4.270 kg/ha, muito superior à produtividade média do Brasil, de 3.106 kg/ha (CONAB). Caso a produtividade brasileira fosse igual à dos participantes do Desafio, o Brasil haveria colhido 17% mais soja, na mesma área, ou seja, mais 13 milhões de toneladas! E, se a produtividade fosse igual aos 10 melhores produtores, haveríamos colhido mais 69 milhões de toneladas! Os produtores líderes demonstraram que isto é possível, que a tecnologia existe. Se ela for transferida aos demais produtores de soja, nos próximos 20 anos, poderemos diminuir a área plantada de soja no Brasil, aumentando a produção para atender a demanda do mercado, e com custos menores – logo, rentabilidade maior.   A importância do Desafio está em mostrar que dispomos de tecnologia e condições para aumentar, consistentemente, a produtividade média da soja no Brasil, de forma sustentável. Este incremento de produtividade trará diversos benefícios ao Brasil, sendo sempre interessante destacar que, a maior rentabilidade dos produtores, e a redução da área de expansão de soja, são fatores fundamentais para mantermos e ampliarmos, de forma sustentável, a nossa participação no mercado internacional de soja.

 

 

 

Seda de aço

Décio Luiz Gazzoni

 

 

Costumo lembrar que a biotecnologia virá em ondas. A primeira, que ora vivenciamos, envolve questões agronômicas e o maior beneficiário é o agricultor. As próximas ondas favorecerão fortemente a sociedade e os consumidores, e quando a cornucópia dos cientistas se abrir, seremos aquinhoados com inovações benéficas. Ao menos uma vez por semana as revistas científicas publicam um novo avanço de peso na biotecnologia. Esta semana li um artigo de pesquisadores americanos que criaram bichos-da-seda geneticamente modificados para produzir fios muito mais resistentes, como os das teias de aranha.   Tentativas anteriores de criar aranhas para a produção comercial de fios fracassaram porque os aracnídeos não produzem quantidades suficientes e têm o mau hábito de predar os membros da própria comunidade. Já a criação de bicho-da-seda é uma técnica milenar, e os insetos produzem grandes quantidades de seda. Segundo os cientistas, da Universidade de Wyoming, os resultados do experimento podem levar ao desenvolvimento de materiais revolucionários para a medicina e engenharia, já que a seda produzida pelas aranhas é mais resistente que o aço. O estudo, publicado na revista científica americana PNAS, pode representar uma revolução no agronegócio e na indústria.

 

 

 

A inovação consistiu em incorporar os genes de aranha responsáveis pela resistência do fio, no bicho-da-seda. As demais características do inseto, de nome científico Bombix mori, como a docilidade, a facilidade de criação, a alta capacidade de proliferação e de produção de casulos com grande quantidade de seda, foram mantidas inalteradas. A alimentação dos insetos continua sendo com folhas de amoreira (Morus nigra).   As aplicações são inúmeras, menos na área têxtil e mais na engenharia e na medicina, podendo a nova seda ser utilizada para suturas, implantes e ligamentos mais fortes. Também poderia ser usada como um substituto mais sustentável para os plásticos duros, que usam muita energia em sua produção, reduzindo o consumo de petróleo e os impactos ambientais negativos associados. Na próxima semana vou contar como o Brasil busca capturar esta oportunidade, com outra abordagem, porém igualmente benéfica para agricultores e consumidores.

 

 

 

Fios resistentes

Decio Luiz Gazzoni

 

O Brasil tem uma das biodiversidades mais ricas do planeta. O desafio é como bem utilizar esta biodiversidade em benefício da Humanidade. Com este foco, pesquisadores brasileiros (Embrapa) e norte-americanos conseguiram isolar, em parceria, os genes da glândula que secreta o fio de seda da teia de três espécies de aranhas brasileiras, e inseri-los em bactérias. Em testes de laboratório, estas bactérias transgênicas produziram as mesmas proteínas que as aranhas utilizam para tecer a sua teia. Os genes da glândula que secreta os fios de seda da teia foram inseridos em bactérias, que passaram a produzir as proteínas que formam a teia. Sonho da indústria por ser um material ao mesmo tempo flexível e muito resistente, a criação de uma teia de aranha sintética está mais perto de virar realidade.

  O material mais resistente e flexível que se conhece é o polímero kevlar, usado em coletes à prova de balas. A teia de aranha tem qualidade superior à do kevlar e ainda é biodegradável, o que possibilita seu uso, por exemplo, na medicina, para a criação de fios para suturas cujos pontos não precisam ser retirados. O desafio agora é desenvolver um método para a produção em grande escala. O problema brasileiro é o mesmo que os americanos enfrentaram: Como fazer as aranhas produzirem fios em larga escala? Na terra do Tio Sam, os cientistas criaram os bichos-da-seda transgênicos, com genes de aranhas, para produzir as teias de aço. Aqui, a Embrapa optou por desenvolver bactérias transgênicas, com os genes que comandam a produção da teia, levando as bactérias a produzirem as proteínas do fio. São estes genes que conferem as características de leveza, flexibilidade e resistência.

 

 

 

Conhecendo as proteínas que formam a teia, os pesquisadores podem manipular o material. O fio é composto por proteínas modulares, formadas por combinações de três aminoácidos: glicina, prolina e alanina. Controlando esses módulos, obtém-se fibras com diferentes características. É a era da engenharia proteômica.

Mas a produção massiva de bactérias é cara e a Embrapa busca reduzir custos colocando o módulo de produção de fios em plantas, como a soja ou, quem sabe, o algodão, que já é uma planta produtora de fibras.

 

 

Agronegócio e desenvolvimento

Décio Luiz Gazzoni

 

Vamos partir de dois fatos: 1) Quando olhamos o mundo como um todo, 90% do consumo dos países é produzido, processado e consumido localmente, só 10% é exportado; 2) Na cadeia de valor do agronegócio, o pré porteira (insumos e bens de produção para a agropecuária) representam 10%; o dentro da porteira (a produção) significa 20%; e o restante, 70%, é alocado ao transporte, processamento, distribuição e comercialização. O Brasil é exceção no primeiro fato, pois somos o principal exportador líquido do mundo, apesar do contínuo aumento do consumo doméstico. Como tal, o Brasil necessita de empresas que tenham um pé na cozinha (mercado interno) e outro na varanda (mercado externo).   O mercado interno de um país pode ser considerado um patrimônio. É através dele que uma empresa cria musculatura para enfrentar a guerra do mercado global. Por isso, acima de tudo precisamos de empreendimentos “glocais”, ou seja, empresas capazes de posicionar-se adequadamente no mercado interno e serem muito agressivas no mercado externo. O Brasil ainda peca neste conceito, exceção feita às cadeias de carnes – frango em particular – em que nos situamos no topo da escala. No restante, nos contentamos com a exportação de produtos primários, como é o caso da soja em grão.

 

 

 

 

E o conceito também se aplica aos produtos minerais, pois somos o maior exportador de minério de ferro do mundo. Ocorre que, para comprar um Iphone de 100g, precisamos vender oito toneladas de minério de ferro. A diferença remunera não apenas o capital, mas os institutos de inovação, os engenheiros, os trabalhadores, etc. Agregação de valor é sinônimo de desenvolvimento, emprego, qualidade de vida. E também de preservação ambiental, pois quanto maior a remuneração na cadeia, mais recursos serão investidos em tecnologias adequadas, para agregar mais valor à imagem do produto.

  O que significa isto na prática? Que o governo disponha de uma política industrial agressiva, que realinhe tributos e câmbio para favorecer agregação de valor e exportação. Que a infraestrutura seja adequada para competir com os concorrentes estrangeiros. Lembrando que o mercado doméstico nunca será relegado, porque ele é o outro pé da sustentabilidade do negócio.

 

 

 

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