QI das bactérias
Decio Luiz Gazzoni

Inteligência é prerrogativa de animais superiores? Comece a mudar este conceito pois, mantidas as devidas proporções, uma espécie de bactéria - comparativamente a outras espécies de bactérias - pode ser tão inteligente quanto os gênios humanos, quando comparados a nós, comuns mortais. Pesquisadores norte-americanos desenvolveram um teste de pontuação de interação social para as bactérias, que em tudo é comparável aos testes de QI que conhecemos para os humanos. Qual o sentido prático deste teste? Ele pode auxiliar a produzir novos antibióticos ou substâncias que controlam pragas agrícolas, a partir da "inteligência" das bactérias.

  Os pesquisadores desenvolveram o primeiro modelo de pontuação social das bactérias enquanto sequenciavam o genoma da bactéria Paenibacillus vortex, atraídos pelo lindo padrão arquitetônico da colônia da bactéria em laboratório. Os cientistas verificaram que a espécie vortex e duas cepas do mesmo gênero obtiveram as pontuações mais altas de interação social entre 500 bactérias seqüenciadas.

 

Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores examinaram os genes que permitem que as bactérias se comuniquem e processem informação sobre seu ambiente, a sua tomada de decisões, e a síntese de substâncias para fins defensivos e ofensivos. O estudo mostrou que as bactérias não são simples organismos solitários ou entidades de baixo nível, mas são altamente sociais e evoluídas, constantemente desenvolvendo estratégias contra os antibióticos.

O estudo mostrou que as bactérias patogênicas mais conhecidas possuem apenas nível médio de inteligência. Mas a inteligência social das bactérias Vortex ficaram na "faixa de gênio". Se comparado com o QI humano seriam 160 pontos (a média da população é 100).

 

 

Usando informações sobre a inteligência social das bactérias, os cientistas podem tentar (!) ser mais espertos que elas. Esta informação pode ser aplicada diretamente na agricultura, por exemplo, em técnicas de controle biológico, onde as estratégias ofensivas das bactérias e as substâncias tóxicas por elas produzidas podem ser utilizadas para combater bactérias, fungos, nematóides ou insetos pragas de cultivos.

 

À direita: Colônia de Paenibacillus vortex, cultivada em placa de Petri, em condições de laboratório, mostrando o padrão de crescimento da mesma.

 

 

 

 

Plantas x tuberculose
Decio Luiz Gazzoni

Um terço da população mundial está infectada pelo bacilo de Koch, causador da tuberculose, que mata quase 2 milhões de pessoas, anualmente. Após mais de 50 anos sem o surgimento de novas drogas, uma substância extraída do óleo da copaíba (Copaifera sp) poderá ser usada no tratamento da tuberculose. O princípio ativo, identificado e isolado na Fundação Oswaldo Cruz, apresentou atividade antibacteriana em testes in vitro – feitos em macrófagos infectados – e in vivo, em camundongos. Outra planta, a chalmugra (Carpotroche brasiliensis), utilizada no início do século 20 contra a hanseníase –provocada por bactérias da mesma família do bacilo de Koch – também apresentou atividade antibacteriana.   A copaíba começou a ser pesquisada por sua ação anti-inflamatória, porém os testes demonstraram atividade contra a tuberculose. Ainda este ano será possível realizar testes em humanos, divididos em fase 1 (em torno de 20 voluntários sadios), fase 2 (pacientes geralmente adultos jovens) e fase 3 (testes em centros médicos). Os testes clínicos exigem alto investimento, infraestrutura e grande conhecimento técnico. Os testes clínicos são caros e difíceis, pois é necessário acompanhar o paciente por meses.

 

Mas, e por que não criar um fitoterápico, com partes ou extratos das plantas? O problema é a quantidade de matéria-prima presente em cada planta, vez que a quantidade da substância encontrada em uma planta, de uma determinada região, não é a mesma presente naquela espécie, em outra região. As condições climáticas e ambientais influem, impedindo o uso de fitoterápicos para tratar a tuberculose pois, além do risco da ineficácia, a bactéria pode desenvolver resistência aos fitoterápicos.   No entanto, os medicamentos para a tuberculose têm que ser baratos, já que a doença atinge principalmente a população de baixa renda. A saída para tornar o medicamento economicamente viável será extrair a substância ativa ou sintetizá-la em grande escala e baixo custo. Se a eficiência for comprovada e um processo viável for desenvolvido para produção industrial dos medicamentos, surge uma oportunidade para os agricultores cultivarem estas plantas, para fornecer matéria prima à industria.

 

 

Leite de cabra
Décio Luiz Gazzoni

Uma pesquisa conduzida durante dois anos, pela Unesp (Botucatu), demonstrou que leite de cabra produzido em criações confinadas garante uma produção 60% maior, se comparado a um rebanho criado a pasto. Porém a produção dos animais soltos é, pelo menos, 50% mais econômica.   Não há um modo ideal para se criar os rebanhos, ambos apresentam vantagens e desvantagens. As diferenças não estão somente na quantidade e no custo do leite, mas também na qualidade. O leite dos animais de pasto contém mais matéria seca. Isso significa maiores teores de proteínas, gordura e lactose. Já os animais confinados produzem leite menos concentrado, devido à produção maior que ocorre no confinamento.   A raça alpina foi a que apresentou maior produção, fornecendo entre 2 e 2,5 litros de leite por dia. Em compensação, os animais dessa raça exigem uma dieta com suplementos e, portanto, mais cara, além de serem menos tolerantes ao calor, por causa de sua origem européia. Outro grupo racial analisado, fruto do cruzamento da alpina com a raça boer, apresentou leite com maior teor de lactose e de extrato seco desengordurado. Os animais desse grupo também têm carne de melhor qualidade além de maior potencial de ganho de peso durante a fase final da engorda, em sistema de confinamento.

 

Outro foco da pesquisa foi a comparação entre dois períodos de desmame: aos 120 dias e sem suplementação alimentar e aos 60 dias com suplementação. Os pesquisadores concluíram que a dieta suplementar compensa o estresse do desmame e da falta da mãe e do leite. Os cabritos desse grupo também tiveram maior desenvolvimento muscular e distribuição de gordura mais adequada.   De acordo com a pesquisa, as cabras confinadas apresentaram carne de melhor qualidade. A carcaça tem melhor distribuição de gordura, o que resulta numa aparência melhor na hora da comercialização. Os animais soltos apresentaram carcaças mais magras, com menor volume de carne e gordura. O consumidor tende a comprar carnes que considera mais bonitas, por esse motivo, a criação em confinamento de caprinos de corte é mais lucrativa ao produtor.

 

 

Bioenergia
Décio Luiz Gazzoni

  Estou em Bogotá, na Colômbia, participando da Reunião da Academia Internacional de Ciências, da qual sou membro. No painel de energia, entre as razões que envolvem os quatro temas que dominam os debates, uma é óbvia, uma enfadonhamente recorrente e duas impensáveis há pouco tempo.  

 

A óbvia: depois de Fukushima os governos recorrem novamente aos cientistas, encomendando novos estudos sobre os riscos das usinas nucleares. A solução para o lixo tóxico está sendo empurrada para a geração dos nossos netos, quiçá tataranetos. Depois do acidente no Japão, volta à tona o risco imediato de acidentes nucleares, o que deve frear bruscamente os novos empreendimentos, e acelerar a aposentadoria das usinas vetustas.   A recorrente: Vira e mexe volta à pauta o sofisma do conflito entre a produção de agroenergia e de alimentos e eu já estou enfadado de demonstrar, numericamente, que o mundo pode produzir alimentos e energia sem conflitos. Fome decorre de falta de renda, não de sub-oferta de alimentos. Ultimamente surgiu um corolário hipócrita: produzir agroenergia apenas a partir de plantas não alimentares, como o pinhão manso. A hiprocrisia: na área onde se obtém 1,5 t de óleo de pinhão manso também podem ser obtidos 10 t de milho, 6 de arroz, 5 de trigo, 3 de soja, 2 de feijão, etc. Conflitaria ou não?   Novidade 1: Grandes hidroelétricas eram o paradigma da energia renovável, um orgulho do Brasil. Agora Hollywood inteira vai para o meio da floresta amazônica protestar contra a usina de Belo Monte – cujo maior erro, ironicamente, foi haver reduzido tão drasticamente a sua capacidade de geração, que sua inviabilidade é econômica e não mais ambiental.  

Novidade 2: Mais que as grandes, as pequenas centrais hidroelétricas (PCHs) eram o símbolo da energia politicamente correta. Agora tenho que explicar à comunidade científica se é verdade que estamos destruindo o Pantanal com as pequenas hidroelétricas programadas para a região, como a Rede Globo denunciou para o mundo.

 

  No frigir dos ovos, a energia renovável surge como a grande resposta. Minha luta tem sido demonstrar que a nossa agroenergia é tão sustentável quanto a energia eólica ou solar, as saídas que sobraram para os países ricos.  

 

Biogasolina
Décio Luiz Gazzoni

O Diesel Vegetal abriu o caminho e, em um futuro próximo a cana de açúcar poderá ser convertida também em biogasolina. A Virent Energy Systems e a Shell projetaram, construíram e estão operando uma instalação pré-industrial em que açúcares são convertidos em biogasolina e em outros produtos químicos de importância comercial. A fábrica de testes, localizada nas dependências da Virent, nos EUA, é a última fase do acordo de ações de pesquisa e desenvolvimento conjunto, anunciado pelas duas empresas há três anos. A instalação experimental tem capacidade de produzir até 38 mil litros por ano, os quais serão usados exclusivamente em testes de campo. Na sequência virão as instalações comerciais de grande porte.   Quimicamente, o novo biocombustível se assemelha à gasolina de petróleo. Pode ser misturado com gasolina em altas concentrações, para uso em motores de ciclo Otto (que usam gasolina convencional). Nenhuma exigência de instalação especial, de modificações no motor ou de equipamento de mistura especial para gasolina com mais de 10% de etanol. A grande diferença é o fato de ser renovável, reduzindo em mais de 80% as emissões de gases de efeito estufa.

 

A tecnologia da plataforma BioForming, patenteada pela Virent, utiliza catalisadores para transformar a cana em hidrocarbonetos, semelhantes aos produzidos em uma refinaria de petróleo. Tradicionalmente, a cana de açúcar tem sido fermentada para produzir o etanol que depois é destilado. A biogasolina possui mais energia do que o etanol, dispensa a destilação, promove uma economia maior de combustível e reduz os gastos de estocagem e transporte. Ela pode ser misturada com gasolina pura ou com gasolina contendo etanol.  

O açúcar pode ser proveniente de matérias primas não alimentares, como palha de cereais, ou de grãos como trigo, aveia ou milho. Atualmente, a fábrica de testes utiliza açúcar de beterraba, mas ninguém duvida que a biomassa comercial do futuro virá da cana-de-açúcar, pois nenhuma outra planta produz tanto açúcar a tão baixo custo quanto ela. E a cana – todos sabemos – adora o solo e o clima do Brasil, onde existe a tecnologia mais avançada do mundo para seu cultivo. É mais uma oportunidade dourada para o nosso agronegócio.

 

Integração energética
Décio Luiz Gazzoni

  Estou em Quito para uma reunião com a Direção da OLADE (Organização Latinoamericana de Energia), em mais uma etapa do estudo para organizar redes de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em Energia Renovável e Eficiência Energética, no Continente. A missão da OLADE é contribuir para a integração, o desenvolvimento sustentável e a segurança energética na região, orientando e promovendo a cooperação e a coordenação entre os países membros. A OLADE nasce no contexto da crise energética internacional do início dos anos setenta. À época foi analisado o alcance e o impacto da crise o efeito da falta de políticas energéticas na crise. Foi decidido criar um órgão regional para enfrentar a situação, que culminou em novembro de 1973 com a assinatura da Convenção Lima, o ato constitutivo da OLADE, que foi ratificado por 27 países da América Latina e do Caribe.  

 

O objetivo da reunião é discutir a proposta de redes de P&D em elaboração pelo Grupo de Trabalho da Academia de Ciências (ICSU), e os pontos de contato com a missão e as atividades da OLADE. Concordamos que a América Latina e o Caribe tem um enorme potencial em energia renovável, que precisa ser transformado em realidade, sendo tecnologias sustentáveis uma das pilastras para atingir o objetivo. Discutimos a necessidade de manter o foco na universalização do acesso à energia, como o grande objetivo social; e na redução das emissões de gases de efeito estufa – propulsores das mudanças climáticas globais – como o grande objetivo ambiental.   Também concordamos na busca da autossuficiencia energética e na integração regional, na necessidade de gerar novos empregos e novas oportunidades de renda, associados às cadeias de energia renovável; na necessidade de dispormos de tecnologia adequada, sustentável, gerada na própria região; e na atração de capitais de investimentos para auxiliar na consecução destes objetivos.  

As redes de pesquisa, com o intercambio de pesquisadores, o incentivo a novos cursos de pós graduação, a formação de grupos de pesquisa poderá ser a estratégia para atuação conjunta da OLADE e do ICSU, nos próximos anos. O Brasil terá um papel fundamental para alavancar o processo e também será um dos principais beneficiários desta iniciativa.

 

Mudas sadias
Décio Luiz Gazzoni

Produzir mudas sadias respeitando o ambiente: este é o objetivo da Embrapa ao desenvolver um coletor solar que combate microorganismos presentes no solo, reduzindo sensivelmente o risco de ocorrência de doenças futuras em diversas culturas. O sistema é simples e o custo é baixo, pois o equipamento se utiliza apenas da energia solar (gratuita) para eliminar bactérias, nematóides e fungos da terra usada na produção de mudas.   A partir de 2006 o brometo de metila, que era usado para esta finalidade, foi proibido no Brasil, em cumprimento ao Protocolo de Montreal, que prevê a o fim do uso da substância, uma das responsáveis pela destruição da camada de ozônio.   A tecnologia consiste em uma caixa com seis tubos metálicos em seu interior, recoberta por um plástico transparente, que permite a passagem da radiação solar. Os tubos, com 15 cm de diâmetro, podem ser de ferro galvanizado (calhas de residências) ou alumínio (tubos de irrigação) ou qualquer outro metal, sendo seu exterior pintado com tinta preta fosca.

 

Não podem ser utilizados tubos de PVC ou outros materiais não metálicos, pois as temperaturas atingidas não são suficientes para um controle adequado. O plástico localizado na parte superior da caixa deve ser transparente, preferencialmente espesso e fixado nas laterais da caixa para evitar a entrada de água em dias de chuva.

  Os coletores são instalados com exposição na face norte e um ângulo de inclinação semelhante à latitude local acrescida de 10º. Por exemplo, Londrina está localizada na latitude de 23°, assim a caixa deve ser instalada com ângulo de 33° de inclinação. A energia solar aquece a caixa e os tubos chegam a uma temperatura de 70° durante a tarde. Com a terra devidamente aquecida, os microorganismos são eliminados.   Livre dos fungos, bactérias e nematóides, causadores de doenças nas raízes das plantas, o solo já pode ser colocado nos vasos, bandejas e sacos plásticos, onde serão produzidas as mudas. Deve-se cuidar para não utilizar água e materiais orgânicos que infestem novamente a terra com microorganismos. No caso de adubação orgânica, esta deve atingir a fase final de compostagem antes do uso. Maiores informações podem ser obtidas na Embrapa Meio Ambiente.

 

As energia limpas
Decio Luis Gazzoni

 

Na segunda fêra nóis fez a palestra de abertura da Jornada de Agroenergia da Universidade Federal dos Tocantins. A Jornada fazem parte do Curso de Mestrado em Bioenergias. Tocantins é um estado que o povo perceberam a importância dos investimento em novos negocio, como a produção das energia renováveis. O Governador até criou uma Secretaria das Energia Limpas, devido as alta prioridades deste tema no Estado, com o apoio da Presidenta da CNA, Katia Abreu, que é senadora pelos Estado.

No Tocantins tem muito sol, as água são abundante e também tem muita terras prá cultivá. A Secretaria das Energia Limpas tem como finalidade criá um ambiente adecuado para atraí e fixá investimento produtivos no Tocantins. Criá o ambiente inclue potencializá as vantagens comparativa e adicioná otras que fassa o Estado ser competitivo na produção das energia renováveis. Assim como o Mato Grosso do Sul, o Tocantins também está descubrindo as suas vocação energéticas. Sem precisão de criá menas vacas ou produzi menas comida e otros produto agrícolas.

 

 

 

 

Se o leitor está surpreso ou, mais que isto, chocado com o estupro da última flor do Lácio, nem tão inculta mas tão bela; se os seus olhos e ouvidos foram agredidos pelo linguajar chulo acima, então atingi meu objetivo. Porque estou extremamente indignado com a atitude do Ministério da Educação (?!) de distribuir livros didáticos às escolas brasileiras, difundindo a idéia de que não existe uma única gramática, que ensinar a crianças e jovens a ortografia correta e a necessidade de concordância verbal, de gênero, grau e número é "preconceito lingüístico". Os professores universitários que escreveram o livro assassinando a gramática, e a impressão e distribuição dos livros aos jovens, são pagos com o sagrado dinheiro dos impostos – o meu, o seu, o nosso dinheiro conquistado de forma árdua e que entregamos para o Governo. Se o leitor não quiser ver seus filhos e netos falando e escrevendo como acima posto, na contramão do que exige o competitivo mundo moderno, encontre a sua forma de protestar e lutar contra esta estapafúrdia idéia de talibã tropical. Nossa acomodação permitiu que a ética e a honestidade fossem para o esgoto, não permita que façam o mesmo com a língua portuguesa.

 
     

 

Dia do Ambiente
Decio Luiz Gazzoni

A ONU instituiu o dia 5 de junho como o Dia Mundial do Meio Ambiente. Pode parecer uma ironia, pois todos os dias deveriam ser o dia do Meio Ambiente, tamanhos são os desafios para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável da sociedade planetária, os quais sempre envolvem um componente ambiental. A intenção óbvia da ONU foi criar uma parada obrigatória para pensar, refletir, clamar, cobrar e agir.   Desde o nosso ponto de observação, é importante destacar dois segmentos da economia que muito tem a ver com a temática ambiental: energia e agronegócio. Que, cada vez mais estão cruzando seus caminhos, pois parcela ponderável da energia já é obtida da biomassa produzida pela agropecuária, e esta participação aumentará muito no futuro. No que tange à emissão de gases de efeito estufa (GEE) – matriz dos malefícios advenientes das Mudanças Climáticas Globais - ambos os setores tanto podem mitigar quanto acirrar o problema.

 

O setor de energia responde, atualmente, por cerca de 60% das emissões globais de GEE. Isto se deve à elevada concentração de uso de combustíveis fósseis, o que fez com que, nos últimos 40 anos, aumentássemos em mais de 200% a emissão de GEE pelo setor energético. Mas, o mundo não está perdido, pois um estudo recente, que busca demonstrar que é possível inverter o quadro de fontes de energia fósseis por renováveis nos próximos 40 anos, concluiu ser possível reduzir em 80% estas emissões.

  A agropecuária é uma fonte emissora, como o é a simples decomposição de matéria orgânica de matas nativas. Posta a impossibilidade de extinguirmos a produção de alimentos da face da Terra, os agrônomos perseguem incansavelmente sistemas de produção sustentáveis, que emitam o mínimo possível de GEE. Para tanto desenvolveu-se o plantio direto, em inexorável expansão; bactérias são usadas para substituir nitrogênio mineral; expande-se o uso de programas de manejo de pragas, para reduzir o uso de agrotóxicos; promove-se a integração da lavoura e da pecuária, para sinergizar os benefícios de ambos os segmentos.

 

Nossa mensagem final é de que todos somos responsáveis e cada qual, com os meios ao seu alcance, deve pugnar por um verdadeiro desenvolvimento sustentável.

 

Redes de energia
Decio Luiz Gazzoni

Foram seis meses de efervescente labor intelectual de um Grupo de Trabalho Internacional no âmbito da Academia Internacional de Ciências - o qual tivemos a honra de coordenar - e que resultou em um documento que propõe a criação de redes de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Energia Renovável, na América Latina e no Caribe. As redes contarão com dois suportes fundamentais. Um deles será o aporte científico de redes similares e de institutos de referencia, localizados nos países mais avançados. O outro será um Fundo Financiador, composto por doadores internacionais, interessados na promoção da Energia Renovável na região.   O propósito da Academia ao investir nesta linha de trabalho compõe-se de três pilares: ambiental (redução das emissões de gases de efeito estufa); social (acesso universal à energia, redução de problemas de saúde associados à energia de baixa qualidade e mais empregos); e econômico (alavancar o potencial de negócios da região). Se efetivamente implantada, a proposta tem o potencial de reconfigurar a oferta e demanda de energia no continente e, por que não?, no mundo!

 

Esta semana estamos em Washington, apresentando o documento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento, que financiou a preparação, e à Academia de Ciências dos EUA, um dos potenciais parceiros do projeto. Na próxima semana apresentaremos a proposta a um colegiado de cientistas da IANAS (Inter American Network of Academy of Sciences), que se reunirá em Bogotá (Colombia), para discussão e recebimento de sugestões. Em agosto, apresentaremos oficialmente o documento na reunião preparatória da Conferencia Rio+20 (Cidade do México), organizada pela ONU, para avaliar o cumprimento dos Objetivos do Milênio.   Ultrapassada esta primeira fase, e incorporados os avanços dela advenientes, iniciaremos uma segunda etapa, discutindo a proposta com instituições da América Latina e do Caribe (como OEA, IICA, OLADE) e com o Governo de cada país, rumo à operacionalização e implementação das redes em nossa região.

 

Lesa Pátria
Décio Luiz Gazzoni

 

Na semana passada ocorreu a reunião da Rede Latinoamericana de Academias de Ciências, em Bogotá (Colômbia). A temática cingiu-se à conversão energética para uma matriz limpa. Cientistas de quase todos os países da América Latina e do Caribe apresentaram seus relatos e propostas, expondo a plêiade de oportunidades para o continente. O Brasil é destaque, pela diversidade de fontes de energia, em especial pelo enorme potencial da agroenergia, secundado pela Argentina e Colômbia. Outros países possuem avantajado potencial de geração de energia, de múltiplas fontes. A América Central é particularmente aquinhoada pelo potencial de energia geotérmica.

 

  Entrementes, o potencial que Deus concedeu não é suficiente para que a sociedade se beneficie desta riqueza. Há necessidade de trazê-lo à realidade dos negócios, de produzir energia para consumo doméstico e para exportação. Assim, é preocupante o que ocorre em países (Bolívia, Equador e Venezuela) que possuem enormes reservas de hidrocarbonetos (petróleo e gás), além de outras fontes potenciais, mas que se mostram incapazes de transformá-las em realidade. Em particular, chocou-me o relato do representante da Venezuela (a 6ª. maior reserva de petróleo do mundo!), mostrando os seguintes fatos: 1) há quase dois anos os venezuelanos são submetidos ao racionamento diário de energia elétrica, que pode chegar a 5 horas/dia; 2) a maior refinaria de petróleo do mundo opera com apenas 35% de sua capacidade, por falta de energia(!!!?); 3) o país, que tem a maior reserva de gás da América Latina, importa gás da Colômbia; 4) o país depende de Cuba para construir uma simples linha curta de transmissão de eletricidade; 5) um decreto presidencial do ano passado pune com pena de prisão o cidadão que criticar o planejamento energético da Venezuela. Em uma empresa privada, um executivo responsável por estes desastres seria demitido sumariamente, e jamais conseguiria outra colocação. Já o contribuinte e o eleitor costumam ser a mesma pessoa, logo é o cidadão eleitor que desperdiça o dinheiro do mesmo cidadão – contribuinte - mantendo no cargo governantes ineptos. Seria este fato causa ou conseqüência do crônico subdesenvolvimento regional?  

 

Gaseificação de biomassa
Décio Luiz Gazzoni

O Governo de São Paulo instala no Parque Tecnológico de Piracicaba um projeto de R$80 milhões, em parceria com o IPT, a FINEP e o BNDES. De acordo com o IPT, o centro abrigará, em uma área de 80 mil m², uma planta piloto para desenvolver a tecnologia de gaseificação do bagaço de cana-de-açúcar, a exemplo da corrida tecnológica que se desenrola em outros países , usando a palha de milho e o carvão.

  A gaseificação é vista como uma ferramenta de mitigação de emissão de gases do efeito estufa. O gás de síntese do bagaço de cana será avaliado em três aplicações: para a geração de energia elétrica, produção de biocombustível líquido e como precursor de biopolímeros monômeros do plástico). Para os primeiros cinco anos está prevista a produção de 500 kg/hora de gás de biomassa. Além do bagaço, outras matérias-primas de biomassa serão pesquisadas.   Os parceiros industriais investirão conjuntamente na planta piloto de gaseificação e, isoladamente, nos projetos de pesquisa do aproveitamento de gás de síntese. Essas duas fases terão apoio da Rede Nacional de Combustão e Gaseificação, que conta com projetos de pesquisa financiados pela FAPESP.

 

Um papel fundamental da planta piloto será aperfeiçoar os equipamentos empregados na gaseificação. Durante os três anos de operação da planta, deverão ser processadas 3 mil toneladas de biomassa. Atualmente, o bagaço é usado para a produção de energia, mas seu rendimento energético é de 20%. No novo processo, o rendimento poderá dobrar, chegando a 40%. Um dos principais desafios do projeto é reduzir o custo do investimento. A literatura internacional afirma que o investimento é de cerca de US$ 3 por watt e nós temos que otimizar esse valor, chegando a US$ 1,5 por watt", disse Fernando Landgraf, diretor de inovação do IPT.

  O grupo que apoia o projeto é composto por quatro empresas – Oxiteno, Petrobras, Brasken e Cosan – e quatro instituições – Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) e IPT. Cada empresa parceira deverá contribuir com R$ 2 milhões durante a execução do projeto. Além disto, o IPT, junto com o CTC e o CTBE estão articulando um consórcio com empresas públicas e privadas, além de institutos e universidades do Brasil e do exterior. A Esalq e a cidade de Piracicaba, uma das maiores produtoras de cana-de-açúcar no Brasil, contribuem com a infraestrutura necessária para a instalação da planta piloto, a qual deve abrir novas e promissoras oportunidades para o aproveitamento do bagaço da cana.

 

 

 

Milho dourado
Décio Luiz Gazzoni

  Um grupo internacional de pesquisadores produziu um milho transgênico contendo mais de um tipo de vitamina e em quantidades bem maiores. O milho transgênico contém tanto pigmento alaranjado betacaroteno -substância que dá origem à vitamina A- que ficou até cor de cenoura. Os pesquisadores são acadêmicos sem vínculos com grandes companhias, e seu trabalho visa diminuir a carência de vitaminas das populações mais pobres. Em artigo na "PNAS", eles lembram que 50% da população mundial sofre com falta de vitaminas. As vítimas se concentram nos países subdesenvolvidos. "Nós estimamos que, se uma pessoa comer de 100 a 200 gramas de milho por dia, terá a dose recomendada completa de quatro vitaminas carotenogênicas -betacaroteno, licopeno, zeaxantina e luteína -, níveis adequados de folato e cerca de 20% da vitamina C", comentaram os cientistas da Universidade de Lleida e do Instituto Catalão de Pesquisa e Estudos Avançados, de Barcelona, Espanha. "Pela primeira vez nós demonstramos que se pode usar a engenharia genética e plantas transgênicas para melhorar múltiplos traços nutricionais em uma mesma cultura. Até muito recentemente, mesmo vários cientistas duvidavam de que isso seria possível". A equipe conseguiu aumentar em 169 vezes a quantidade natural do betacarroteno. Isso também é cinco vezes mais betacaroteno do que existe no arroz dourado.  

 

  A criação do "supermilho" envolveu bombardear embriões da planta de 10 a 14 dias com partículas metálicas cobertas com cinco genes -dois envolvidos na síntese do betacaroteno, um para vitamina C, um para folato (vitamina B9) e um para servir de "marcador". O supermilho também apresentou nível de vitamina C seis vezes maior que o natural e duas vezes mais folatos. O betacaroteno é importante para a visão. A vitamina B9 é fundamental para a formação de proteínas e da hemoglobina do sangue, e importante para evitar anemias. Já a vitamina C é importante para a formação do colágeno, a proteína que dá resistência aos ossos e dentes. E o licopeno é o maior fator de redução de risco de cânceres já descoberto. O processo de cozimento também poderia destruir as vitaminas. Mas nós comemos vegetais cozidos e ainda assim obtemos uma boa dose de vitaminas  

 

Gaseificação de biomassa II
Decio Luiz Gazzoni

Foi instalada a primeira fase do projeto do Centro de Desenvolvimento de Gaseificação de Biomassa (CDGB) em Piracicaba (SP), com investimento de R$ 80 milhões, viabilizado por uma parceria entre o IPT, a Finep e o BNDES. O centro abrigará, em uma área de 80 mil m², uma planta piloto que desenvolverá a tecnologia de gaseificação do bagaço de cana-de-açúcar, a exemplo da corrida tecnológica que se desenrola em outros países para consolidar esse processo, só que com diferentes matérias-primas, como a palha de milho e o carvão.   A gaseificação é vista como uma ferramenta de mitigação de emissão de gases do efeito estufa. O gás de síntese do bagaço de cana será avaliado em três aplicações: para a geração de energia elétrica, produção de biocombustível líquido e como precursor de biopolímeros, os chamados monômeros do plástico.   A atual fase do projeto está voltada para a produção do gás. Para os primeiros cinco anos está prevista a produção de 500 kg/hora de gás de biomassa. Além do bagaço, outras matérias-primas de biomassa serão pesquisadas.

 

Os parceiros industriais investirão conjuntamente na planta piloto de gaseificação e, isoladamente, nos projetos de pesquisa do aproveitamento de gás de síntese. Essas duas fases terão apoio da Rede Nacional de Combustão e Gaseificação. Um papel fundamental da planta piloto será aperfeiçoar os equipamentos empregados na gaseificação. Durante os três anos de operação da planta, deverão ser processadas 3 mil toneladas de biomassa de diversas origens.  

Atualmente, o bagaço é usado para a produção de energia, mas seu rendimento energético é de 20%. No novo processo, o rendimento poderá dobrar, chegando a 40%, um enorme ganho. Um dos principais desafios do projeto é reduzir o custo do investimento. "A literatura internacional afirma que o investimento é de cerca de US$ 3/watt e o objetivo é chegar a US$ 1,50/watt".

 

O grupo que apóia o projeto é composto por quatro empresas – Oxiteno, Petrobras, Braskem e Cosan – e quatro instituições – Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP) e IPT. Cada empresa parceira deverá contribuir com R$ 2 milhões durante a execução do projeto. O IPT, junto com o CTC e o CTBE, está articulando um consórcio com empresas públicas e privadas, além de institutos e universidades do Brasil e do exterior.

 

 

Sustentabilidade
Décio Luiz Gazzoni

O termo "sustentável" provém do latim sustentare (sustentar; defender; favorecer, apoiar, conservar, cuidar). O conceito moderno de sustentabilidade começou a ser delineado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972 quando a ONU patrocinou uma reunião para discutir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente.  

Embora a expressão "desenvolvimento sustentável" ainda não fosse usada na época, a declaração já abordava a necessidade de defender e melhorar o ambiente humano para as atuais e futuras gerações, um objetivo a ser alcançado juntamente com a paz e o desenvolvimento econômico e social. Verifica-se que, desde a sua gênese, o conceito de sustentabilidade envolve um tripé fundindo indissoluvelmente aspectos ambientais, sociais e econômicos. Nada será sustentável se deixar de atender a um dos quesitos, perfeitamente harmonizado com os demais. Uma elaboração complexa, inteligente e integradora.

 

A definição correntemente aceita de sustentabilidade na agropecuária deriva do "Relatório Brundtland" preparado a pedido da ONU e publicado em 1987 com o título Our Common Future, e reza que "o uso sustentável dos recursos naturais deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas". A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92 ou ECO-92), consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, plasmando em definitivo meio ambiente e desenvolvimento quando se trata de sustentabilidade, consolidando a iniciativa esboçada na Conferência de Estocolmo. A RIO-92 adotou, oficialmente, o conceito de desenvolvimento sustentável, elaborado pela Comissão Brundtland. Na ECO-92 também foi elaborada a Agenda 21, um amplo e abrangente programa de ação, visando a sustentabilidade global no século XXI.   A Cúpula da Terra sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 em Joanesburgo, reafirmou os compromissos da Agenda 21, propondo a maior integração das três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental). Avançou além do proposto na ECO-92 ao propor programas e políticas centrados nas questões sociais e nos sistemas de proteção social.

 

A próxima década
Décio Luiz Gazzoni

Em junho foi apresentado um estudo da OCDE e da FAO, abordando as Perspectivas Agrícolas Globais no período 2011-2020. Os cenários apresentados revelam que na próxima década haverá preços elevados e grande volatilidade internacional, e o Brasil será um dos países mais beneficiados. Fiquei particularmente feliz em verificar que, durante minha passagem pela Presidência da República, havia traçado, em linhas gerais, cenário semelhante ao ora lançado.

 

O estudo tem o objetivo precípuo de incrementar a produção global,um efeito contra-cíclico destinado a estabilizar os preços das commodities agrícolas, que nos últimos anos elevaram índices inflacionários e chegaram a provocar protestos nas ruas de diversos países. Entrementes, o estudo indica que essa volatilidade, que já perdura 5 anos, assim prosseguirá e que os preços de muitas commodities básicas deverão se manter em patamares mais elevados (em valores nominais e até reais), comparados à década anterior.

 

 

As principais causas para a manutenção dos preços em alta são: i) Os custos da produção agrícola estão em ascensão; ii) o crescimento da produtividade sofreu perigosa desaceleração; iii). pressões sobre os recursos naturais, principalmente água e terras, aumentaram; iv) as terras mais férteis já estão sendo utilizadas e mesmo declinando em algumas regiões; v) a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos de problemas meteorológicos; vi) problemas internos de cada país (Exemplo, o nosso Custo Brasil com impostos elevados, falta de infra-estrutura, juros altos, desindustrialização) não serão solucionados na década.   A expectativa é que os custos de alguns alimentos até declinem em relação ao início de 2011. Mas, em média e em termos reais, deverão subir ate 50% no caso das carnes e 20% no dos cereais nos pr6ximos anos. O Brasil, principal pais exportador de carnes (25% do mercado mundial), e com boas perspectivas para o milho, tende a abocanhar boa pane do ganho - desde que sejam dadas as condições internas para produzir e exportar a custos competitivos. Em resumo, as perspectivas para o agronegócio brasileiro são interessantes, poderão ser melhores se o Governo fizer a sua parte.

 

Sustentabilidade e agropecuária
Décio Luiz Gazzoni

A agricultura sustentável é a que provê as necessidades de produtos agrícolas da sociedade, com respeito ao meio ambiente, remunerando as cadeias produtivas de forma a mantê-las em atividade, em consonância com a dignidade do trabalho. O crescimento populacional (com taxas em progressiva desaceleração) e a inserção social (com taxas em progressiva aceleração) serão os principais vetores da demanda, nas próximas décadas. Ou seja, o mercado de produtos agrícolas cresce essencialmente por inserção social, rumo à eliminação da fome estrutural no mundo. Para tanto, é necessário aumentar significativamente a produção agrícola.   O aumento da demanda de alimentos e de outros produtos agrícolas, em especial pela inserção social, no médio e longo prazos acentuam as restrições físicas e ambientais à incorporação de novas áreas – as áreas agricultáveis estão atingindo sua fronteira e as que sobraram são ambientalmente sensíveis. Ao mesmo tempo, aumenta a insegurança da produção, por força das mudanças climáticas globais. Este é o resumo das questões ambientais envolvidas na produção agropecuária.

 

A grande saída que o mundo dispõe para aumentar a produção - diminuindo o custo dos alimentos e mantendo a renda dos agricultores - é a tecnologia adequada e seu corolário prático, a produtividade agrícola. Este é o desafio econômico. Felizmente, a produtividade agrícola pode atender adequamente aos três pilares da sustentabilidade, desde que os sistemas de produção sejam intrinsicamente sustentáveis.  

O progresso da agricultura pode ocorrer devido ao aumento real de preços da produção (ou efeito "relações de troca"); por incorporação de novas áreas agrícolas; e por aumento da produtividade. O aumento dos preços reais (ou melhoria das relações de troca) aumenta o valor da mesma quantidade da produção, enquanto a expansão da área e o aumento da produtividade implicam em aumento da produção física. Esta elaboração atende a apenas um quesito da sustentabilidade, ou seja, a sua face econômica. Portanto não é possível tornar a produtividade um fim em si mesmo, esquecendo as consequências ambientais: esta é a sintese da sustentabilidade na agropecuária.

 

Etanol espacial
Décio Luiz Gazzoni

O Brasil acumula um atraso de meio século na propulsão de foguetes espaciais em relação aos norte-americanos e russos. Para dar um impulso no setor, há 15 anos o país iniciou um programa de pesquisa em propulsão líquida, que tem como base o etanol nacional. O desafio do programa, liderado pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), é movimentar foguetes com um combustível líquido que seja mais seguro do que o propelente à base de hidrazina, empregado atualmente, que é corrosivo e tóxico.  

O desafio da busca por um combustível "verde" e nacional conta com o apoio de um grupo particular de pesquisadores, formado em parte por engenheiros que cursam ou cursaram o mestrado profissional em engenharia aeroespacial do IAE –em parceria com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica e com o Instituto de Aviação de Moscou. Liderado pelo engenheiro José Miraglia, professor da Faculdade de Tecnologia da Informação (FIAP), o grupo se uniu para desenvolver propulsores de foguetes que utilizem propelentes líquidos.

 

Os propelentes líquidos usados atualmente no Brasil estão restritos à aplicação no controle de altitude de satélites e à injeção orbital. Eles têm como base a hidrazina e o tetróxido de nitrogênio, ambos importados, caros e tóxicos. Na primeira fase do projeto, o grupo, em parceria com a empresa Guatifer, testou motores e foguetes de propulsão líquida com impulso de 10 newtons (N), com o objetivo de avaliar propelentes líquidos pré-misturados à base de peróxido de hidrogênio combinado com etanol ou querosene.   Os testes mostraram que o projeto é viável tecnicamente. Os propulsores movidos com uma mistura de peróxido de hidrogênio e etanol, ambos produzidos em larga escala no Brasil e a baixo custo, apresentaram o melhor rendimento. A mistura apresenta algumas vantagens em relação à hidrazina ou ao tetróxido de nitrogênio, usados atualmente. Ela é muito versátil, podendo ser utilizada como monopropelente e como oxidante em sistemas bipropelentes e pré-misturados. O peróxido de hidrogênio misturado com etanol apresenta densidade maior do que a maioria dos propelentes líquidos, necessitando de menor volume de reservatório. Com criatividade, trilharemos uma rota diferenciada na propulsão espacial.

 

 

Desafio Soja I
Décio Luiz Gazzoni

O CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) entregou os prêmios aos vencedores o Desafio de Máxima Produtividade de Soja, na semana passada, em Brasília. Antes de tudo, relembro que não se trata simplesmente de obter a máxima produtividade, porém de conjugá-la com maior rentabilidade, com observância das legislações ambiental e trabalhista, ou seja, cumprindo o que todo o produtor de soja deve fazer, normalmente. Os vencedores foram auditados para verificar o cumprimento das regras, sob pena de desclassificação.  

O desafio foi dividido em áreas com e sem irrigação e em 4 regiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte/Nordeste. A partir da produtividade de 4.800kg/ha de soja é realizada uma auditoria independente, para confirmar a produtividade e a observância das regras do Desafio. Em 2010 inscreveram-se 800 participantes e, para esta safra, a adesão foi de 1.185 sojicultores, sendo que 7-8% utilizaram irrigação. Os produtores eram, majoritariamente do Sul (PR) e Centro-Oeste (MT), as maiores regiões produtoras do Brasil.

 

 

  A média geral da produtividade dos participantes foi de 3.966 kg/ha (irrigada) e 3.617 kg/ha(não irrigada).Interessante destacar outros resultados que chamaram a atenção no Desafio. Os cinco melhores produtores obtiveram produtividade média de 5.979 kg/ha; os 10 melhores atingiram 5.728 kg/ha; e os 100 melhores alcançaram 4.270 kg/ha. De acordo com a CONAB (levantamento de julho/2011), nesta safra o Brasil produziu 75.039.300 t de soja, em 24.158.000 ha, com produtividade média de 3.106 kg/ha. Caso a produtividade brasileira fosse igual à produtividade dos sojicultores participantes do Desafio, o Brasil teria colhido 17% mais soja, na mesma área, ou seja, mais 13 milhões de toneladas. E, se a produtividade fosse igual aos 10 melhores produtores, haveríamos colhido mais 69 milhões de toneladas! Os produtores líderes demonstraram que isto é possível, que a tecnologia existe. Se ela for, progressivamente, adotada pelos demais produtores de soja, nos próximos 20 anos, seguramente poderemos diminuir a área plantada de soja no Brasil, aumentando a produção para atender a demanda do mercado, com custos menores – logo, rentabilidade maior. Na próxima semana, detalhes dos vencedores.  

 

Desafio Soja II
Décio Luiz Gazzoni

 

O vencedor do Desafio Soja do CESB, na categoria Irrigada, foi o produtor Edinelson Lopes da Silva, que atingiu a produtividade de 5.316 kg/ha. Entre a 2ª. e a 4ª. colocações, as produtividades variaram de 5.160 a 4991 kg/ha. Na categoria não irrigada, a premiação foi regional, ficando assim distribuída:

Centro-Oeste: O vencedor foi Edmilson Ribeiro Santana, com 5.304 kg/ha, e até a quinta colocação, a produtividade variou entre 5.087 e 4.573 kg/ha.

Sudeste: Ivaldo Lemes da Costa foi o vencedor, com produtividade de 5938 kg/ha (quase 100 sacos por hectare!). Do 2º. ao 4º. colocados as produtividades situaram-se entre 5.341 e 3.876 kg/ha.

Norte/Nordeste: O produtor Roberto Pelizzaro venceu a etapa regional com 6.036 kg/ha, secundado por outros quatro produtores com produtividade variando de 5.920 a 5.160 kg/ha. Esta região despontou como a de produtividade média mais elevada entre os participantes.

Sul: Nesta região, o vencedor foi Leandro Sartorelli Ricci, do Paraná, com produtividade de 6.027 kg/ha, enquanto os quatro próximos colocados desta região produziram entre 5.975 e 5074 kg/ha.

 

 

 

O vencedor nacional foi o produtor Roberto Pelizzaro, que superou o vencedor da safra 2009/10 (Leandro Sartorelli Ricci –Mamborê, PR) por meros 9 kg/ha! O fato de o Leandro situar-se, por dois anos consecutivos, no topo da escala de produtividade, mostra como o sistema de produção por ele utilizado é sólido e consistente, e tem permitido produzir acima de 100 sacos por hectare, em sua lavoura.   A sequência de edições do Desafio mostra que não há segredos para atingir alta produtividade: é apenas uma questão de usar, corretamente, a tecnologia adequada disponível. A importância do Desafio conduzido pelo CESB está em mostrar que dispomos de tecnologia e condições para aumentar, consistentemente, a produtividade média da soja no Brasil. Este incremento de produtividade trará diversos benefícios ao Brasil e à cadeia produtiva, sendo sempre interessante destacar que, a maior rentabilidade dos produtores, e a redução da área de expansão de soja são fatores fundamentais para mantermos e ampliarmos a nossa participação no mercado internacional de soja, que é um mercado francamente aberto nas duas próximas décadas.

 

Feijão
Décio Luiz Gazzoni

A produção de feijão está praticamente estacionada no Brasil, desde os anos 80. De acordo com a Conab, em 1982 produzimos 2,9 milhões de toneladas de feijão e, este ano, devemos produzir em torno de 3,4 milhões, um aumento de 17% em 30 anos. No mesmo período, a população brasileira passou de 120 para 193 milhões, um incremento de 60%. O feijão é uma cultura típica do mercado doméstico, não possui um mercado internacional firme e a estagnação de seu consumo no país repousa em duas pilastras: a urbanização e o ingresso da mulher no mercado de trabalho, fenômenos que se acentuaram nos últimos 40 anos. O consumo per cápita de feijão (kg/ano) é a melhor expressão da mudança do hábito de consumo. Em 1960, cada brasileiro consumia 25 kg de feijão, que caiu para 16 em 1980. Nas últimas duas décadas, o consumo subiu (18kg/pessoa/ano), movido pela proliferação dos restaurantes self-service e os produtos pré-preparados com feijão.   Por não dispor de um mercado internacional forte, o preço do feijão oscila muito. O feijão é uma cultura de ciclo curto e este é um dos motivos para a oscilação de preço que faz o produto variar de R$200 a R$60(saca de 60 quilos), em poucas semanas. Além disso, o consumidor exige feijão novo, reduzindo o período de estocagem, e a oferta oscila ao sabor das intempéries e do interesse dos produtores em plantar, influenciados pelo preço.   O Brasil produz e consome variedades próprias. Isso significa que quando sobra feijão, não tem para quem vender e quando falta não tem de quem comprar. Essa situação também contribui para a oscilação de preços. O feijão preto tem mercado internacional mais amplo, porém essa variedade só é cultivada em 15% do mercado nacional. Outro motivo para essa oscilação de preços é o fato do produtor brasileiro ainda olhar o que acontece no mercado apenas no momento do plantio. Isso é um erro grave, pois se o preço está bom atualmente e todos plantarem, dentro de 90 dias corre-se o risco de ter uma super oferta. E o inverso também ocorre. Pensando a mais longo prazo, com o conhecimento do que está ocorrendo no restante do país é possível ampliar seu horizonte e entender o que poderá ocorrer no mercado meses à frente, modulando sua área de plantio de feijão.

 

Produtividade da agropecuária
Décio Luiz Gazzoni

O crescimento populacional - com taxas em progressiva desaceleração - e a inserção social - com taxas em progressiva aceleração - serão os principais vetores da demanda de produtos agrícolas, nas próximas décadas. Com as restrições físicas e ambientais à incorporação de novas áreas e o aumento da insegurança da produção, por força das mudanças climáticas globais, a grande saída que o mundo dispõe para aumentar a produção - diminuindo o custo dos alimentos e mantendo a renda dos agricultores - é a tecnologia adequada e seu corolário prático, a produtividade agrícola.   O progresso da agricultura pode ocorrer devido ao aumento real de preços da produção (ou efeito "relações de troca"); por incorporação de novas áreas agrícolas; e por aumento da produtividade. O aumento dos preços reais (ou melhoria das relações de troca) aumenta o valor da mesma quantidade da produção, enquanto a expansão da área e o aumento da produtividade implicam em aumento da produção física.   A produtividade guarda estreita relação com tecnologia. Rendimentos mais altos podem ocorrer a partir de intensificação do uso das tecnologias existentes (mais fertilizantes por hectare) ou de uma maior eficiência no uso de insumos em geral (mais produção com o mesmo nível de insumos). Maior eficiência no uso de insumos significa crescimento da produtividade total.

 

Existem diferentes abordagens para analisar a produtividade agrícola. Uma das fórmulas mais adequadas é a medida da produtividade total dos fatores (PTF). Por esta metodologia, a produção obtida é contrastada com os fatores ou insumos utilizados para obtê-la, proporcionando uma visão mais abrangente das necessidades de recursos para produzir os resultados. Por exemplo, o aumento de 1% na PTF significa que se necessita 1% menos recursos ou insumos para obter determinada produção. Por outro ângulo, se os preços dos insumos permanecem inalterados, então o custo médio de produção reduz-se em 1%.   Cada vez mais temos que pensar o agronegócio brasileiro sobre o pano de fundo do comércio agrícola internacional, porque a vocação do nosso país é ser protagonista neste mercado. Por este motivo, interessou-me um estudo realizado pelo Dr. Keith O. Fuglie, do ERS/USDA, publicado em setembro de 2010. O pesquisador calculou a PTF de 15 países, com estudos específicos para algumas regiões, permitindo extrapolar os valores para o restante dos países. O modelo fornece uma medida do crescimento da PTF agrícola ao longo do tempo para cada país, região e para o mundo.

Resultados

 

Os resultados sugerem que a PTF global tem acelerado e é responsável por uma parcela cada vez maior do crescimento na produção agrícola mundial. De acordo com o Dr. Fuglie, a produção agrícola mundial cresceu cerca de 2,2% a.a. entre 1961 e 2007, com uma taxa de crescimento excepcionalmente alta de 2,8% a.a., na década de 1960, e crescimento médio anual entre 2,0 a 2,3% nas décadas seguintes. O aumento no uso de fertilizantes foi o principal fator de crescimento da produção agrícola nas décadas de 1960 e 1970, devido ao uso de variedades de cereais altamente responsivas à adubação, nos países em desenvolvimento (Revolução Verde). O uso de fertilizantes também aumentou consideravelmente na União Soviética durante estas décadas, quando o adubo foi fortemente subsidiado.   Mesmo assim, o uso de insumos agrícolas desacelerou-se gradualmente entre 1960 e 2007, enquanto a taxa de crescimento da PTF foi se acelerando, mantendo o crescimento do produto real em pouco mais de 2% a.a. O modelo demonstrou que o uso de insumos na agricultura mundial foi excepcionalmente baixo durante a década de 1990, devido à rápida retirada de recursos da agricultura nos países do antigo bloco soviético. Ocorre que os insumos usados nesses países aparentemente não eram aplicadas de maneira eficiente, logo a diminuição de seu uso aumentou significativamente a produtividade média dos demais recursos na agricultura, evidenciada pela alta taxa de crescimento da PTF na década de 1990.

 

O estudo do Dr. Fuglie revelou três padrões gerais do crescimento da produtividade global:

1. Nos países industrializados, o crescimento da PTF ajudou a compensar um declínio nos recursos empregados na agricultura. No entanto, o crescimento da PTF, de apenas 0,9% a.a durante 2000-07, foi o menor de qualquer década desde 1960, o que pode indicar a necessidade de novos breakthroughs tecnológicos;   2. A dissolução da URSS em 1991 representou um grande choque para a agricultura nos países do antigo bloco soviético. Na década de 1990, os recursos agrícolas contraíram-se fortemente, com queda significativa na produção destes países. No entanto, nesta década, já sob um regime capitalista, o uso de recursos agrícolas se estabilizou e o crescimento da produção foi retomado exclusivamente por ganhos de produtividade;  

3. Nos países em desenvolvimento a produtividade acelerou-se a partir da década de 1980. A China e o Brasil têm registrado robusto crescimento da PTF nas últimas três décadas. Já em outras regiões como a África Subsaariana, Ásia Ocidental e Caribe, a baixa produtividade agrícola está ligada à pobreza generalizada e conduz à insegurança alimentar.

 

  A redução do uso de insumos e o aumento da PTF têm implicações importantes para a oferta adequada de alimentos. A principal alavanca para aumentar o crescimento da PTF é incrementar os investimentos em pesquisa agrícola e transferencia de tecnologia. Lembrando que o período de maturação é sempre longo, e que os impactos de novas tecnlogias sempre ocorrem no médio e longo prazos. Portanto, investir agora é a única forma de garantir a segurança alimentar do futuro.  

 

 

Alimentando o mundo em 2050
Décio Luiz Gazzoni

 

O mundo tem os recursos e a tecnologia necessários para erradicar a fome e assegurar comida para alimentar a população, no longo prazo, apesar dos múltiplos desafios e inúmeros riscos. Para tanto, será necessário mobilizar a vontade política e construir as instituições necessárias para garantir que as principais decisões sobre investimento e políticas de erradicar a fome serão tomadas e implementadas de forma efetiva.  

Estima-se que, em 2050, a população mundial atingirá 9,1 bilhões, 34% maior que hoje. Quase todo esse aumento populacional ocorrerá nos países em desenvolvimento. A urbanização vai continuar em um ritmo acelerado, e cerca de 80 % da população do mundo será urbana (em comparação com 50 % em 2011). Para alimentar uma população maior, mais urbana, mais rica, mais idosa e melhor informada, a produção de alimentos deve aumentar em, no mínimo, 70 por cento, porque incluirá a parcela da população hoje à margem do mercado, em estado de fome endêmica ou, no mínimo, de deficiência nutricional. A produção anual de cereais deverá atingir cerca de 3 bilhões de toneladas (contra 2,1 bilhões de hoje) e a produção de carne deverá aumentar das atuais 200 milhões para 470 milhões de toneladas.

 

Os cinco desafios

 

1. Acesso à alimentação. Apenas produzir mais alimentos não garante que a fome será erradicada do mundo. Desde a década de 1980 que a FAO tenta comprometer os países membros com programas de erradicação da fome no mundo, estabelecendo metas e cronogramas que são sistematicamente descumpridos. Como resultado, a fome no mundo tem aumentado, tanto em termos relativos (proporção da população) quanto em termos absolutos. A estimativa é que entre 800 milhões e 1 bilhão de pessoas sofrem algum grau de restrição alimentar. O problema central não é a oferta de alimentos, porém o acesso à alimentação, em especial os meios financeiros para adquirir alimentos. Portanto, políticas públicas de emprego e renda, de inclusão social, de garantia de acesso à alimentação necessitarão ser implementadas e este aspecto tem se mostrado mais resiliente e difícil de atingir que aumentar a produção mundial de alimentos.

2. Incremento da produtividade. Será cada vez mais difícil incorporar novas áreas para a produção agropecuária, ao mesmo tempo em que a agricultura será demandada a atender não apenas a demanda de alimentos, porém uma plêiade de utilidades sociais, como energia, fitoterápicos, fibras, produtos madeireiros ou insumos para a indústria química. Para tanto, avanços ponderáveis deverão ocorrer na geração de novas tecnologias apropriadas, bem como deverá aumentar a velocidade de transmissão de conhecimentos para o sistema produtivo, e a sua consequente adoção. Atenção: não basta gerar novas tecnologias, estas devem ser sustentáveis por qualquer ângulo que se examine, seja no aspecto ambiental, social ou econômico.

3. Infra-estrutura. Não basta produzir, é necessário levar a produção aos locais de consumo. Antes disso, obviamente os insumos agrícolas necessitam ser transportados aos locais de produção. Para tanto, necessita-se de logística e infraestrutura adequada. Os países ricos já dispõem da infraestrutura necessária. Porém, nos países emergentes, onde deverá ocorrer 80% do aumento da produção agrícola nos próximos 40 anos, esta infraestrutura é precária e está muito longe de atender as necessidades. O Brasil é um exemplo didático do descasamento entre o alto potencial do agronegócio e a deficiente infraestrutura disponível, porém o quadro se repete em outros países com potencial agrícola, em especial na África.

4. Políticas de apoio. Entre as atividades econômicas legais, a agropecuária é a que apresenta a maior taxa de risco, devido à imponderabilidade do clima, ao ataque de pragas ou às flutuações abruptas de preços de insumos ou dos produtos agrícolas. Para equalizar a exposição ao risco da agropecuária com outras atividades econômicas, são necessárias políticas públicas adequadas, como oferta adequada de crédito, com taxas de juros compatíveis; seguro agrícola contra riscos climáticos e seguro renda para proteção contra oscilações do mercado; garantias de comercialização e de escoamento da produção.

5. Redução de perdas. Estima-se que aproximadamente um terço da produção mundial de alimentos seja perdida entre o momento do plantio e a mesa do consumidor. Durante o processo produtivo, tecnologias necessitam ser desenvolvidas e adotadas para reduzir as perdas por fatores bióticos (pragas) ou abióticos (seca, alagamento, deficiência nutricional) e minimizar as perdas na colheita. Após a porteira programas devem ser delineados e implementados para reduzir à metade (ou ainda menos que isto) as perdas na colheita, no transporte, na armazenagem, nos canais de distribuição, nos restaurantes e nos lares.

 

 

Brasil

Nosso país deverá apresentar o maior crescimento, em escala global, tanto na produção quanto na comercialização no mercado internacional, de produtos agrícolas em geral, mormente alimentos. Destaque deve ser dado à dobradinha soja e milho e ao conjunto de proteínas animais (gado, frangos e suínos). Ao mesmo tempo, o Brasil caminha para consolidar-se como o grande ícone da produção e uso de agroenergia, tanto no segmento de biocombustíveis quanto de bioeletricidade. Paralelamente, os negócios florestais estarão em alta nas próximas décadas, devido às estimativas de incremento espetacular na demanda internacional de produtos florestais. Quero crer que nunca antes na História do agronegócio deste país vivemos uma perspectiva de negócios florescentes como a que se descortina para as próximas décadas.

 

Biocombustíveis e sustentabilidade: uma questão comercial
Décio Luiz Gazzoni

Todos concordamos que a atual matriz energética mundial (e da maioria dos países, individualmente) é insustentável e que medidas precisam ser tomadas para incorporação rápida e progressiva de fontes renováveis na matriz, para torná-la efetivamente sustentável.   Ocorre que na prática a teoria é outra e não é fácil produzir uma revolução quando, em 2010, a sociedade global consumiu 124.738.000.000.000.000 kcal! Entre as fontes de energia fóssil, o consumo de petróleo superou 5 trilhões de litros por ano; foram consumidos 3,3 quatrilhões de m3 de gás natural; e mais de 2 bilhões de toneladas de carvão mineral foram utilizadas. A participação da energia renovável na matriz energética global, de acordo com a Energy Information Agency, foi de apenas 11,6%.
 

 

Para alterar o status quo, além da conscientização da sociedade e da decorrente pressão por mudanças, que resulte na determinação política de mudar, impõe-se:

  1. Dispor de matéria prima abundante e barata, como já ocorre com as fontes fósseis;
  2. Dispor de tecnologia avançada de conversão e aproveitamento, de processos ambientalmente adequados e de baixo custo;
  3. Dispor de políticas públicas de incentivo e de equalização de preços da energia.

 

 

 

A seguir apresentaremos uma visão sintética da situação atual do mercado e das políticas públicas de incentivo ao uso de biocombustíveis no mundo e as crescentes exigencias de sustentabilidade na sua produção.

Políticas públicas

Até 2009, mandatos de mistura de biocombustíveis aos combustíveis fósseis utilizados em veículos, foram promulgados em pelo menos 41 estados ou províncias individualmente, e em 24 países, em nível nacional (Tabela 1). Em 14 países constantes da tabela, os mandatos são exclusivamente nacionais (como ocorre no Brasil). Em outros, onde existe um federalismo clássico, a situação varia de acordo com a divisão geográfica do país. Por exemplo, os mandatos podem ser encontrados em 13 estados ou territórios indianos, em 9 províncias chinesas, em 9 estados dos EUA, em 5 províncias canadenses ou em 2 estados australianos, entre outros casos.   Muitos países, assim como vários estados dos EUA, também estão aderindo ao mandato de utilização dos biocombustíveis nos veículos do governo (aproveitamento do poder de compra do Governo).   O Brasil tem sido a líder mundial na mistura obrigatória de biocombustíveis nos últimos 30 anos, desde a edição do Proálcool. As misturas são ajustadas ocasionalmente, mas mantém-se em um intervalo legalmente obrigatório de 20-25%. Todos os postos de abastecimento de combustível são obrigados a vender gasolina misturada ao etanol (E25) e também o etanol puro (E100), o que é um caso sui generis no mundo, suportado comercialmente pela generalização dos veículos flex fluel.

 

 

Tabela 1. Mandatos de misturas de biocombustíveis em países selecionados

País

Mandato

Alemanha

Biocombustíveis devem representar 6,75% do consumo de combustíveis em 2010 e 7,25% em 2012; biodiesel 4,4% em 2009; etanol 2,8% em 2009 e 3,6% em 2015

Argentina

B5 em 2010; E5 em 2010

Austrália

E2 em New South Wales, aumentando para E10 em 2011; E5 em Queensland em 2010

Bolívia

B2,5 em 2007 e B20 em 2015; E10

Brasil

B5; E20–E25

Canadá

E5 em 2010 e B2 em 2012; E5 em Alberta; E7,5 em Saskatchewan; E8,5 em Manitoba; E5 em Ontario; Quebec 5% em 2012 (biocombustíveis avançados

China

E10 em 9 províncias

Colômbia

B10 em 2010 e B20 em 2012; E8 em 2010

Coréia do Sul

B3 em 2012

Espanha

B5,8 em 2010

Estados Unidos

Política federal: 130 bilhões de litros/ano em 2022; E10 em Iowa, Hawaii, Missouri, e Montana; E20 em Minnesota; B5 em New Mexico; E2 e B2 em Louisiana e Washington State; Pennsylvania: 3,4 bilhões de litros/ano de biocombustíveis em 2017

Filipinas

B2 e E10 em 2011

Índia

E5 em 2008 e E20 em 2018; E10 em 13 estados / territorios

Itália

E3,5, B3,5

Jamaica

E10 em 2009

Malásia

B5 em 2008

México

E6,7 em 2010 em Guadalajara, em 2011 em Monterrey, em 2012 no Valle Central;

Paquistão

B5 em 2015; B10 em 2025

Paraguai

E18–E24; B5

Peru

B5 em 2011; E7,8 em 2010

Portugal

B7 em 2010

Quênia

B5

Republica Checa

B3,5

Republica Dominicana

E15 e B2 em 2015

Reino Unido

B3,25

Tailândia

B3 em 2010; E10

Uruguai

B5 em 2012, crescendo após 2015

Bn: Proporção de biodiesel misturado ao petrodiesel; En: proporção de etanol misturado à gasolina.

 

 

     O mandato de mistura também tem sido acompanhado por um conjunto de políticas de apoio, incluindo impostos diferenciados para veículos (tanto veículos "flex-fuel" quanto movidos a etanol puro). Na esteira do aprendizado e do sucesso do programa de substituição de gasolina por etanol foi lançado o programa de Produção e Uso de Biodiesel no Brasil, que se traduziu em sucesso imediato, antecipando em 3 anos a meta de B5, projetada para 2013 e efetivamente adotada em 2010.

     Nos EUA a legislação "Renewable Fuel Standards" requer das distribuidoras de combustíveis que aumentem o volume anual de biocombustíveis comercializados, até atingir 136 bilhões de litros em 2022. O Reino Unido estabeleceu obrigação semelhante, tendo como alvo cinco por cento em 2010. A estratégia do Japão para a produção de etanol estabelece a meta de 6 bilhões de litros / ano até 2030, o que representa 5 por cento do mercado de combustíveis do país.

     A China estabeleceu a meta de 13 bilhões de litros de etanol e 2,3 bilhões de litros de biodiesel por ano, para 2020. A estratégia da África do Sul aponta para a meta de uso de 2 por cento de biocombustíveis, também para 2020.

     Como regra geral, a UE estabeleceu a meta de 10% de energia renovável no setor de transporte até 2020, que abrange tanto os biocombustíveis sustentáveis quanto os veículos elétricos. Entretanto, ao examinar individualmente a participação de cada país, é possível encontrar disparidades como a Bélgica e a Croácia (5,75% para biocombustíveis em 2010), Portugal (B7 em 2010) ou França (10% de biocombustíveis em 2015).

 

 

Políticas fiscais

Para atingir o objetivo, a UE utiliza uma nova definição de sustentabilidade, que incorpora um número crescente de exigências para enquadrar um biocombustível como sustentável. Acidionalmente, impostos sobre os combustíveis, isenções e subsídios à produção de biocombustíveis se tornaram importantes políticas para fomentar a produção e uso de biocombustíveis.   Os maiores subsídios à produção eram encontrados nos Estados Unidos, onde o governo federal permitia a isenção de até 45 centavos de dólar / galão (13 centavos / litro) como crédito fiscal para mistura de etanol à gasolina, e que venceu em 2010. Havia também um crédito de impostos federais de US$ 1,00 / galão (28 centavos / litro) para o biodiesel, cujo mandato venceu em 2010 e sua revalidação se encontra em estudo no Congresso.

 

Diversos estados dos EUA também oferecem incentivos à produção e reduções ou isenções de impostos sobre vendas de biocombustíveis. No Canadá a legislação reduz impostos e taxas federais, em média, em 20 centavos / litro de biodiesel e em 10 centavos / litro de etanol. Os subsídios foram previstos para durar três anos, declinando nos anos seguintes, com a meta de aumentar a produção de etanol para 2 bilhões de litros / ano e de biodiesel para 0,6 bilhões de litros / ano. Cinco províncias canadenses também incentivam os produtores com benefícios e / ou isenções fiscais que variam de 9 a 20 centavos / litro. Outros países com incentivos fiscais para a produção incluem Argentina, Bolívia, Colômbia, Portugal e Paraguai.  

Isenções fiscais para os biocombustíveis existem em mais de 10 países da UE (Bélgica, Portugal França, Grécia, Irlanda, Itália, Lituânia, Eslovénia, Espanha, Suécia e Reino Unido). Outros países da OCDE com isenções fiscais incluem o Canadá e a Austrália. Isenções fiscais, também existem em vários países em desenvolvimento, incluindo Argentina, Bolívia, Colômbia, e África do Sul.

 

Os critérios de sustentabilidade

A inovação, em termos de política pública, é a incorporação da temática da sustentabilidade ambiental e social. Nos últimos anos, vários países e regiões adotaram políticas e normas para promover a produção e uso sustentáveis de biocombustíveis líquidos, tendo como expoentes a União Européia e os Estados Unidos. A edição de 2009 da Diretiva de Energias Renováveis da UE, que exige que 10% do combustível usado nos meios de transporte seja proveniente de fontes renováveis até 2020, é o padrão de sustentabilidade mais abrangente no momento. A diretiva exige que as emissões de gases de efeito estufa no ciclo de vida dos biocombustíveis seja pelo menos 35% inferior às emissões equivalentes de gasolina ou diesel a partir de 2011, e 50% menor até 2017.   Como a escala do investimento e a visibilidade das energias renováveis aumentou muito durante a década passada, a sustentabilidade das diferentes tecnologias de obtenção de energia renovável emergiu como um tema de destaque. Os temas que mais sensibilizaram os formuladores de políticas públicas incluem o uso da terra e da biodiversidade, o desmatamento, a estética sonora e visual, os subprodutos tóxicos da fabricação, os impactos na segurança alimentar e nos mercados, e o uso de recursos minerais. Além disso, as matérias-primas para os biocombustíveis não deve ser produzida em regiões com alto valor para a biodiversidade, rica em carbono no solo, com cobertura florestal recente, ou em várzeas úmidas.

 

A atenção política recente tem foco na sustentabilidade da bioenergia porque, de acordo com lideranças européias "os custos ambientais, econômicos e sociais da bioenergia podem ser elevados se as garantias de sustentabilidade são omitidas". O foco da sustentabilidade é nas emissões de gases de efeito estufa no ciclo de vida da produção de energia. Estas políticas estão afetando a sustentabilidade da bioenergia, influenciando as matérias-primas / culturas utilizadas, os locais e tipos de solos em que a biomassa é cultivada ou obtida, e os meios técnicos de conversão de energia.

  As políticas de comércio internacional também estão afetando o quesito sustentabilidade, pela influência nos carriers energéticos que são negociados entre países. No caso dos países produtores de bioenergia em larga escala, está sempre presente a desconfiança de que os quesitos de sustentabilidade são enviesados de forma a criar barreiras à importação, pela União Européia, de produtos como biodiesel, etanol ou derivados de florestas energéticas.   Apesar de as exigências sociais não estarem incluídas na directiva da UE, as restrições quanto aos impactos sociais (por exemplo, segurança alimentar e direito à terra) foram estabelecidas para todos os países membros da UE. Nos EUA a legislação que trata do Renewable Fuel Standard (RFS) e a Califórnia Fuel Low Carbon Standard (LCFS), exigem reduções específicas nos níveis de gases de efeito estufa, durante o ciclo de vida, em comparação com o consumo de combustível fóssil equivalente. A RFS requer que, até 2022, pelo menos metade da produção de biocombustíveis reduza em 50% as emissões no seu ciclo de vida.

 

 

Ambas legislações (EUA e da Califórnia) atualmente apontam apenas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas a Califórnia pretende expandir a sua política para abordar outras questões de sustentabilidade. O Brasil também adotou políticas abrangentes de sustentabilidade para o etanol de cana, incluindo o zoneamento agroecológico, a regulação da expansão da cana e os protocolos sociais, especialmente vinculados à dignidade do trabalho e ao cumprimento da legislação trabalhista.  

Além de políticas obrigatórias para a sustentabilidade, várias iniciativas voluntárias estão surgindo em todo o mundo. Uma das mais abrangentes é a Mesa Redonda sobre Biocombustíveis Sustentáveis (Roundtable on Sustainable Biofuels - RSB), lançada em 2009. A Mesa Redonda está conduzindo projetos pilotos e convocando de grupos de especialistas para detalhar os requisitos de sustentabilidade. Outra iniciativa é a Parceria Global de Bioenergia (Global Bioenergy Partnership - GBEP), reunindo 32 países, organizações internacionais e associações da indústria de bioenergia.

 

Outras iniciativas estão orientadas para a sustentabilidade de matérias-primas específicas, como a Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), a Better Sugarcane Initiative (BSI), a Roundtable on Responsable Soybean (RTRS), e o Forest Stewardship Council (FSC). Essas iniciativas representam a colaboração dos agentes envolvidos nas cadeias produtivas específicas para estabelecer requisitos de sustentabilidade que regem as trocas comerciais. A maioria das iniciativas voluntárias incorpora certificação independente para demonstrar a conformidade aos padrões estabelecidos.   Outras formas de bioenergia, como a biomassa gasosa e sólida para geração de eletricidade e calor, não têm sido objeto de controle tão exigente e detalhado em termos de sustentabilidade, mas isso também está mudando, conforme essas formas de bioenergia são usadas em quantidades cada vez maiores.   Por exemplo, muitos países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, bem como importantes agências internacionais, participam do Global Bio-Energy Partnership, um organismo intergovernamental criado pelo G8 em 2005. O seu objetivo central é a elaboração de normas e critérios de sustentabilidade para todas as formas de bioenergia e uma lista está sendo elaborada para ser acordada já em 2011, que servirá como base para implementação voluntária em acordos comerciais bilaterais ou multilaterais. A International Organization for Standardization (ISO) também começou a trabalhar, em 2010, na elaboração de uma base voluntária de padrão de sustentabilidade para a bioenergia, devendo constituir-se na principal referencia internacional, nos próximos anos.

 

Em resumo, a questão da sustentabilidade migrou rapidamente do discurso dos ativistas ambientais, românticos ou radicais, para entranhar-se nos usos e costumes comerciais e nos padrões para as transações comerciais de formas de bionergia, com respingos colaterais em outras atividades comerciais dos países envolvidos, em especial no comércio de produtos agrícolas.

  O corolário do exposto é que o Brasil pode transformar o limão da sustentabilidade em uma limonada comercial, pois temos todas as condições de produzir biocombustíveis observando todos os critérios de sustentabilidade, suprindo um mercado que é pródigo em regulamentações porém limitado na capacidade de atender tanto a demanda de biocombustíveis quanto os critérios para sua produção.

 

 

Óleo vegetal como combustível
Décio Luiz Gazzoni

 

 

A biomassa (tanto animal quanto vegetal) é usada há milênios para produzir energia. Carboidratos, em especial de alto peso molecular (celulose, hemicelulose) e lignina, bem como lipídios (óleos e gorduras) estão entre as principais fontes de biomassa para geração de energia.   Neste ensaio, interessa-nos analisar de perto o uso de lipídios, inicialmente utilizados em tochas, lampiões e lamparinas, até os usos mais nobres e mais eficientes da era contemporânea. Os lipídios são substâncias que contém ácidos graxos em sua composição. Os ácidos graxos são cadeias carbônicas saturadas (todas as ligações entre os átomos de carbono são ligações químicas simples) ou insaturadas (existe pelo menos uma ligação dupla entre dois átomos de carbono).     Nos lipídios, os ácidos graxos estão ligados a uma molécula de glicerina, por isso são chamados quimicamente de triacilgliceróis. Quando um lipídio é hidrolisado, os seus componentes originais são liberados, quais sejam, o glicerol e os ácidos graxos a ele ligados. No caso da transesterificação, embora os ácidos graxos não sejam liberados, a molécula de glicerina (um triálcool) é separada dos ácidos graxos que compunham o lipídio, os quais se ligam a outro álcool (metanol ou etanol, por exemplo)

 

 

       

 

Os lipídios podem apresentar-se, à temperatura ambiente, como sólidos (gorduras) ou líquidos viscosos (óleos). Em geral, as gorduras apresentam altos teores de ácidos graxos saturados em sua composição, o que implica em alto ponto de fusão. Os óleos apresentam diferentes teores de ácidos graxos insaturados, sendo tanto mais baixo o ponto de fusão quanto maiores forem as insaturações e/ou os teores de ácidos graxos insaturados.  

Não por acaso os lipídios são utilizados há muito tempo como fonte energética, pois, comparativamente à madeira e outros produtos lignocelulósicos, possuem densidade energética quase 150% superior. Portanto, a portabilidade e a armazenagem de uma mesma quantidade de energia potencial são efetuadas com muito mais facilidade. A liberação da energia química potencial dos lipídios ocorre através de uma reação exotérmica em que os átomos de carbono e de hidrogênio são oxidados, formando água e gás carbônico.

      .

 

       

Das tochas para os motores

       

 O que era feito milenarmente nas tochas ou lampiões foi mimicado nos motores de combustão interna, com a queima controlada dos lipídios e a busca da otimização do aproveitamento energético. Uma determinada quantidade de combustível (que pode ser um óleo vegetal puro ou transesterificado) é injetada na presença de certa porção de oxigênio sob altas temperatura e pressão, quando ocorre uma combustão espontânea do combustível. O valor de referência é a massa estequiométrica de oxigênio capaz de reagir com o combustível para, idealmente, promover a sua combustão completa. Ou seja, os cálculos da admissão do ar (que contém cerca de 21% de oxigênio) e da injeção de combustível são efetuados de maneira a que a reação química (combustão) de forma satisfatória.   No entanto, na prática todos sabemos que a teoria é outra e em condições operacionais normais não se obtém a combustão completa dos combustíveis. O balanço térmico de uma combustão é feito por meio da análise do calor liberado, da temperatura da combustão e da quantidade de calor perdido na exaustão. A partir destes cálculos, busca-se maximizar a energia química transformada em potência efetiva. Por exemplo, a combustão incompleta, representada pela presença de hidrocarbonetos, de monóxido de carbono ou particulados, pode ser reduzida aspirando-se uma quantidade de ar superior ao cálculo teórico. É uma solução economicamente viável, pois o ar em si não possui custo e permite que a combustão seja tão próxima da completa quanto possível.   Outro aspecto importante é a viscosidade do combustível. No caso do petrodiesel, os sistemas que compõem o conjunto do motor foram otimizados para que a combustão seja próxima àquela considerada plena ou total. Quando se utiliza outro combustível – por exemplo biodiesel ou óleo vegetal – de alguma maneira estamos alterando as condições de operação e algum grau de ineficiência pode ocorrer, especialmente a queima incompleta. Uma fórmula simples de contornar este problema é aquecer o combustível, fazendo com que sua viscosidade diminua, permitindo maior fluidez e queima mais perfeita.

 

            

 

Óleo vegetal em motores Diesel

 

 

O uso de óleos vegetais em motores de ciclo Diesel, sem a sua conversão em biodiesel, é muito controversa e possui tanto defensores quanto opositores aguerridos. O principal argumento favorável é o seu custo mais baixo, posto que dispensa o processo de transformação do óleo vegetal (ou gordura animal) em biodiesel, o que encarece o seu preço em estimados 20%, por conta do processamento industrial.   Por outro lado, argui-se que o óleo vegetal é muito mais viscoso que o diesel (uma das principais razões para a produção do biodiesel é aproximar sua viscosidade daquela do petrodiesel), o que conduz à maior pressurização das linhas de combustíveis, além de tornar a combustão mais incompleta, com formação de depósitos e de pontos quentes na câmara de combustão, polimerização e emissão de dioxina, entre outros aspectos. Neste ensaio, vou alinhavar os argumentos dos defensores do uso do óleo vegetal como combustível, seja puro ou em mistura com o petrodiesel.

      

 

       

 

O óleo vegetal refinado é utilizado como combustível na Europa, especialmente na Alemanha, desde a década de 1990, em veículos de transporte e em motores estacionários para geração de energia elétrica. No Brasil, o Inmetro e a FIAT estão desenvolvendo conjuntamente um sistema que permite operar motores Diesel com óleo vegetal sem transformá-lo em biodiesel.    Antevendo o eventual sucesso deste processo, o Inmetro firmou uma parceria com o National Institute of Standards and Technology (NIST) norteamericano, para estabelecer padrões de medição para biocombustíveis, o que inclui o óleo vegetal puro. Projeto similar está sendo desenvolvido entre o NIST e a Comunidade Européia (projeto Biorama), o que inclui a capacitação dos laboratórios para medir a qualidade dos biocombustíveis.   Na Europa, mais especificamente na Alemanha, o internacionalmente conceituado Deutsches Institut für Normung e. V. liberou a norma DIN V 51605 (especificações para combustíveis para motores de combustão compatíveis com óleos vegetais e métodos de teste). No Brasil, o Instituto Tecnológico do Paraná (TECPAR) analisou os óleos refinados de girassol, algodão, milho e canola, produzidos no Brasil, constatando que os mesmos atendem às disposições da DIN V 51605.

       

              

 

Solucionando problemas

 

        A empresa Elsbett, da Alemanha, desenvolveu um motor para serviço pesado, usando óleo diesel ou óleos vegetais como combustível, com uma série de modificações em relação aos motores de ciclo Diesel convencionais. No motor Elsbett, a operação com óleo vegetal mantém as características operacionais e de potência semelhantes à operação com petrodiesel, de acordo com o fabricante.

 

        Desta forma, a combustão do óleo vegetal na câmara de combustão assemelha-se ao diesel, conforme os testes da Elsbett representados na Figura 1.

 

 

 

 

Figura 1. Processo de injeção e combustão do óleo vegetal em um motor Elsbett.

Fonte: Guenter Elsbett and Michal Bialkowsky, 2003 - Engines running on pure vegetable oil as regrowing fuel History, Development, Experience, Chances (www.elsbett.com/fileadmin/elsbett/archiv/de/svohistory.pdf)

  O primeiro contratempo (talvez o principal) que necessita ser resolvido em um motor Diesel convencional para operar com óleo vegetal é a alta viscosidade. A solução proposta é o aquecimento do óleo vegetal de maneira que, ao ingressar no circuito bomba-filtro-bomba injetora-bico injetor, sua viscosidade esteja próxima àquela do petrodiesel. Isto é conseguido elevando-se a temperatura até cerca de 85o.C. Normalmente, aproveita-se o circuito da água de arrefecimento (por vezes dos gases de escapamento) para promover uma transferência de calor para o óleo vegetal. Este sistema foi inicialmente desenvolvido na Europa, sendo posteriormente testado nos Estados Unidos e no Brasil, e é composto de um kit de adaptação do circuito de combustível para promover o aquecimento do óleo.  

O kit inclui um segundo tanque de combustível, especificamente para armazenar o óleo vegetal, e utiliza a água quente do sistema de arrefecimento do motor e, eventualmente, resistências elétricas, para aquecer o óleo e reduzir sua viscosidade (Figs 2 e 3). O objetivo final é atingir uma temperatura do óleo que permita ao sistema de injeção do motor fazer uma atomização adequada do combustível na câmara, permitindo sua combustão em níveis similares aos do petrodiesel.

 

 

 

Figura 2. Sistema de aquecimento de óleo vegetal.

Fonte: Adaptado de voilpower.com

 

 

Figura 3. Componentes do kit para uso de óleo vegetal

Fonte: Engo Mec. Paulo Morais

 

 

 

        Nos testes realizados com o kit, nenhuma modificação é efetuada nos motores. Para dar a partida com o motor frio é utilizado exclusivamente o petrodiesel. Uma vez atingida a temperatura normal de operação (após 5-10 minutos de funcionamento), a qual permite o aquecimento do óleo vegetal, este passa a ser utilizado. Pouco antes de desligar o motor, se o veículo for ficar parado por longo período, o fornecimento de óleo vegetal é suspenso, e o motor funciona exclusivamente com petrodiesel para que os dutos, o filtro e a bomba injetora estejam preenchidos com petrodiesel, facilitanto a próxima partida. 

  As figuras a seguir mostram o comportamento do óleo vegetal em função da temperatura, de acordo com testes realizados pela Elsbett. A Figura 4 mostra como o tamanho da gota diminui acentuadamente com o aumento da temperatura. Igualmente, a Figura 5 mostra a redução drástica da tensão superficial com o aumento da temperatura, sendo que, aos 72ºC a tensão superficial da gota de óleo vegetal atinge valor equivalente à do petrodiesel a 40ºC, que é considerada uma temperatura corriqueira desse combustível ao atingir a bomba injetora.

 

Tamanho da gota (mM)


Temperatura (oC)

 

Figura 4. Tamanho da gota de óleo vegetal em  função da temperatura.

Fonte: Elsbett

 

 

Tensão superficial (mN/m)


Temperatura (oC)

 

Figura 5. Tensão superficial da gota de óleo vegetal em  função da temperatura.

Fonte: Elsbett

 

 

Viscosidade (cP)


Temperatura (oC)

 

Figura 6. Viscosidade do óleo vegetal em  função da temperatura.

Fonte: Elsbett

 

 

 

Na Figura 6, relaciona-se a viscosidade do óleo vegetal com a temperatura. Igualmente, verifica-se uma redução acentuada da viscosidade em função do acréscimo da temperatura, especialmente na faixa entre 0 e 40º.C.  A 110ºC a viscosidade do óleo vegetal iguala-se à do petrodiesel a 40ºC. Entretanto, a partir de 85ºC, as diferenças de viscosidade entre os dois combustíveis, para efeitos práticos, são imperceptíveis e permitem a operação do motor de forma similar.

 

Há cerca de 5 anos, em especial no Estado do Mato Grosso, observou-se uma conjunção favorável ao uso de óleo vegetal em motores Diesel. Por um lado, a cotação das commodities agrícolas, em especial soja e algodão, atingiram um pico de baixa no mercado internacional, refletindo-se em baixos preços no mercado doméstico, agravado no caso do MT pelo alto custo do frete para o transporte da soja ao porto; de outra parte, o preço do petrodiesel atingiu um pico de alta, tornando altamente desfavorável a relação de troca e onerando o custo de produção.

 

 

 

 

        Em determinado momento, no período 2004-2005, o óleo vegetal no MT valia 50% do preço do diesel, o que levou muitos produtores rurais a utilizarem o óleo vegetal refinado, misturado ao petrodiesel ou mesmo puro, sem mistura, em máquinas, veículos e tratores. Segundo os relatos verbais, num primeiro momento os veículos e máquinas funcionaram normalmente, como se estivessem operando com diesel, porém, com o uso continuado, observaram-se diversos problemas mecânicos – alguns bastante graves. O argumento desfiado pelos defensores do uso do óleo vegetal é que, naquele momento, não houve o uso dos kits de adaptação para o aquecimento do óleo vegetal, o que provocou as avarias.  

  Como reforço a este argumento, é lembrado que a Deutz, fabricante de tratores e motores Diesel na Europa (Alemanha e Itália), lançou em 2007 o trator Agrotron Natural Power, desenvolvido para operar com 100% de óleo vegetal refinado, utilizando o sistema de 2 tanques e kit de adaptação (Figura 7). Esse trator é vendido com garantia de 2.000 horas ou 2 anos, desde que o óleo vegetal refinado utilizado atenda à norma DIN V 51605. De acordo com os testes oficiais realizados na Europa, os óleos vegetais refinados disponíveis no mercado (soja, girassol, milho, algodão e canola) estão de acordo com os requisitos dessa norma.

 

 

Figura 7. Deutz Agrotron Natural Power Tractor

 

O atendimento das especificações da norma DIN permite o uso de óleos já disponíveis no mercado. No caso de óleos vegetais usados em restaurantes e residências, existe tecnologia disponível, de baixo custo, que possibilita sua adequação às especificações da norma. Os dois problemas que se antecipam, no caso de óleos de fritura, não são técnicos, porém de escala e logística. Em primeiro lugar, combustíveis são usados na escala de muitos bilhões de litros, enquanto o óleo de fritura é usado na escala de poucos milhões de litros. Em segundo lugar, há necessidade de enorme dose de cooperação, boa vontade e de consciência para fazer com que todos os consumidores de óleo de fritura, residenciais, industriais ou comerciais, transportem seu produto aos pontos de recolhimento para futuro processamento.

 

 

Para finalizar, apresentamos a seguir algumas fotos de veículos e equipamentos que utilizam óleo vegetal puro, com imagens cedidas pela Elsbett.

 

Figura 8. Trem convertido para uso de óleo vegetal.

 

Figura 9. Ônibus convertido para uso de óleo vegetal.

 

 

 

Figura 10. Volkswagen Golf convertido para
 uso de óleo vegetal.

 

Figura 11. Motor Scania convertido para uso de óleo vegetal.

 

 

Laboratório Nacional de Energia Renovável.

Décio Luiz Gazzoni

 

      

 

O Departamento de Energia dos EUA possui 17 centros de pesquisa em energia. Um deles (National Renewable Energy Laboratory – NREL) é totalmente dedicado à geração de energia a partir de fontes renováveis (biomassa, solar, eólica e geotérmica), e está localizado em Golden, estado do Colorado. Durante o mês de março de 2011 estive em visita técnica ao NREL e voltei extremamente impressionado. O que me impressionou? A qualidade dos cientistas, as facilidades (equipamentos, plantas piloto) e o volume de novas tecnologias que estão no pipeline. Muitas delas se transformarão em tecnologias comerciais nos próximos anos e impactarão não apenas os EUA, mas o mundo.

 

        Impossível resumir neste artigo todas as novas tecnologias que me foram apresentadas, e que terão enorme impacto na rotina das empresas e dos cidadãos nos próximos anos. Portanto, vou concentrar os comentários naquelas que afetam diretamente a substituição de combustíveis fósseis, especialmente o óleo diesel.

 

 

 

 

Produção de Hidrogênio molecular

  

  Muito se especula sobre a era do hidrogênio e as células de combustível substituindo motores e turbinas. O hidrogênio permitiria abastecer o mundo com uma fonte limpa e inesgotável de biocombustível, especialmente quando produzida a partir do hidrogênio contido na água. Porém, o jato de água fria sempre vem do alto custo de obtenção do hidrogênio molecular (H2). Inúmeros grupos de pesquisa ao redor do mundo estão debruçados sobre o tema, buscando fórmulas de produzir hidrogênio em grande quantidade e a baixo custo. O NREL é uma das instituições que investe neste segmento, tendo desenvolvido duas tecnologias muito promissoras.  

     

 

Produção de Hidrogênio fotoquímico

 

A primeira tecnologia envolve conjuntos híbridos compostos de enzimas hidrogenases e pontos quânticos, que abre perspectivas entusiasmantes para o desenvolvimento da próxima geração de materiais fotocatalíticos que permitirão converter água em hidrogênio. Os pontos quânticos são nanopartículas esféricas que possuem propriedades fotofísicas, como a seletividade do substrato e a capacidade de rápida indução de enzimas hidrogenase para aproveitar a luz em reações de produção de hidrogênio (H2).   Os cientistas do NREL descobriram que os pontos quânticos de telureto de cádmio, revestidos por ácidos carboxílicos, facilmente formaram complexos altamente estáveis com a hidrogenase. Estes conjuntos híbridos catalisaram com sucesso a produção de H2, utilizando a energia da luz solar. Aí está a grande inovação, o armazenamento da energia solar (renovável, limpa e barata) em um biocombustível, o hidrogenio.  

Vamos comparar o processo desenvolvido no NREL com o que ocorre nas plantas. Durante a fotossíntese, a ferredoxina atua como intermediário para mediar a transferência de elétrons fotoexcitados para a hidrogenase, o que resulta em aproveitamento da radiação solar para a produção de H2. Essa interação da hidrogenase com ferredoxina transfere os elétrons do polo negativo (ferredoxina) para o polo positivo (hidrogenase).

       

        

 

       

  

No BioHybrid – nome da tecnologia desenvolvida pelo NREL -  a carga negativa do ponto quântico, revestido com ácido carboxílico, interage com a hidrogenase carregada positivamente, de forma a substituir a ferredoxina como fonte de elétrons para a hidrogenase. Medições ópticas mostraram que a eficiência fotocatalítica varia com a relação ponto quântico / hidrogenase, que atingiu o ponto ótimo na relação 1:1.   Em resumo pontos quânticos revestidos de ácidos carboxílicos e enzimas hidrogenase conjugam-se espontaneamente em complexos fotosensíveis, possibilitando a transferência de elétrons foto-gerados nos pontos quânticos para a hidrogenase, resultando na produção de H2 a partir de água. O desafio agora é demonstrar a sua produção em larga escala e deflagrar o processo de aprendizado para que seus custos se equiparem aos combustíveis fósseis.   Neste particular um grande avanço foi apresentado em 27/3/11, em Anaheim (EUA), por um grupo de cientistas liderado pelo Dr. Daniel Nocera (Massachusetts Institute of Technology – MIT), que desenvolveu uma folha artificial capaz de produzir energia. Durante a 241ª reunião nacional da American Chemical Society, o Dr. Daniel descreveu uma célula solar do tamanho de um baralho de cartas capaz de imitar a fotossíntese, convertendo luz e água em energia.

     

 

       

 

             

O equipamento é feito de silício e contém componentes eletrônicos e catalisadores, para acelerar reações químicas. Colocado em um balde com água e sob a luz do Sol, o pequeno aparelho divide a água em hidrogênio e oxigênio, que são transformados novamente em água por meio de células de combustível, uma reação exotérmica de alta intensidade que, ao final, produz eletricidade.   O dispositivo apresentado na Reunião é cerca de dez vezes mais eficiente na fotossíntese do que uma folha normal de uma planta. Ainda assim seriam precisos dezenas ou centenas de dispositivos para produzir a mesma energia que uma árvore, demonstrando que, na prática ainda se está na fase de demonstração de conceito, necessitando evolução tecnológica.   Há uma derivada nesta tecnologia pois, de certa maneira este é o ponto de partida para desenvolver processos de fotossíntese artificial, o que conduziria a um futuro em que as plantas seriam dispensáveis para a produção de alimentos, energia e bioprodutos.

  

       

 

Produção de Hidrogênio biológico

  

Uma pesquisa do grupo de Bioenergia do NREL desvendou um aspecto obscuro da atuação das hidrogenases em algas, o que pode melhorar a capacidades de produção de H2 por algas verdes. A descoberta é uma interação específica entre a proteína ferredoxina - responsável pelos elétrons redutores durante a fotossíntese - e a enzima hidrogenase denominada HYDA2. O NREL vem trabalhando na produção de algas verdes com capacidade de produzir hidrogênio há cerca de 15 anos. No início da década passada, a equipe de investigação do NREL descobriu que algas verdes não só codificavam e expressavam a bem conhecida hidrogenase HYDA1-[FeFe], mas também uma segunda hidrogenase (HYDA2 [FeFe]). Embora tenha sido possível demonstrar, à época, que a HYDA2 produzia biohidrogênio in vitro, seu papel no metabolismo biológico permaneceu desconhecido.   Recentemente, cientistas do NREL detectaram uma interação concreta entre a hidrogenase HYDA2 e a ferredoxina, a proteína responsável pelo transporte de elétrons redutores para o catalisador da produção de hidrogênio. Isto foi conseguido através de um teste denominado “Yeast Two-Hybrid Assay” que detecta fortes interações entre dois conjuntos de proteínas (que atuam como atratoras e atraídas), e foi confirmado por testes específicos usando meios de crescimento seletivos. Através destes testes comprovou-se a ação da segunda hidrogenase na produçào de hidrogênio pelas algas. Esta pesquisa é um passo importante para entender as rotas metabólicas que as algas usam para produzir hidrogênio. Na prática significa que, por um lado será possível selecionar mais rapidamente as algas com mais alta capacidade de produção de biohidrogenio; por outro lado permite engenheirar novas cepas de algas, partindo de espécies altamente produtivas e incorporando a característica de mais alta produção de hidrogênio.

     

       

 

Algas energéticas

 

Já que estamos falando de algas, um dos estudos que me impressionou é o avanço no cultivo de algas para gerar energia. Entre 1978 e 1996, o NREL estudou 3.000 cepas de algas e 50 delas atraíram a atenção dos cientistas pelo potencial de produção de biocombustíveis. Em 1996, o preço do petróleo chegou ao fundo do poço (US$ 20/barril) e o custo estimado de óleo de algas na época era cerca de US$ 80/barril. Como a falta de visão de futuro não é prerrogativa brasileira, o Governo americano parou de financiar o programa!

Saltemos 20 anos no tempo. Em 2007 foi aprovada a Lei de Independência e Segurança Energética (EISA), exigindo que os EUA consumam quase 140 bilhões de litros de biocombustíveis anuais, a partir de 2022. Devido à sua pesquisa passada, em pouco tempo a equipe do NREL garantiu US$ 8 milhões em financiamento para retomar o estudo com algas. Atualmente, já são 400 diferentes cepas de algas sendo cultivadas em ambientes diferentes - de água doce a salobra - com o objetivo de produzir substitutos do diesel e da gasolina. A prioridade máxima, no momento, é compreender a biologia dos organismos, para poder desenvolver sistemas de produção na escala de milhões de toneladas.

 

Os cientistas escolheram uma espécie de alga, Chlorella vulgaris, como organismo modelo porque ela cresce rapidamente e produz alta quantidade de óleo. Um dos estudos mais desafiadores é o desenvolvimento de um processo para extrair o óleo das células de algas, para produzir o biodiesel. A tecnologia convencional usa um solvente que, no entanto, é pouco eficiente. Os cientistas estão buscando enzimas que tenham a capacidade de degradar a parede celular, permitindo o acesso de solventes para extrair o óleo de forma mais eficiente.

Se uma enzima capaz de quebrar a parede celular for identificada, será possível isolar o gene e introduzi-lo no DNA de algas para a produção de enzimas que seriam ativadas pouco antes da colheita. Mas esta inovação não se resume ao cultivo de algas. Descoberta a enzima e a forma de controle de sua ativação, os genes responsáveis pelo controle do processo podem ser transferidos para qualquer planta com alta capacidade de produção de massa celulósica. Uma vez colhida a planta, a enzima seria ativada, desdobrando a celulose para açúcares primários, que podem ser fermentados a biocombustíveis de forma rápida, simples e com baixo custo.

 

 

 

Modelo de simulação de reações bioquímicas in vivo

 

Cientistas do NREL, usando ferramentas computacionais avançadas (Advanced Computing SciDAC Program), desenvolveram um modelo que simula o metabolismo do carbono nos organismos eucarióticos (todos os seres vivos com células contendo um núcleo, que abriga o DNA). O modelo demonstrou alta fidedignidade com as rotas bioquímicas observadas em organismos vivos, durante o processo de validação do modelo.  

 Para obter modelos preditivos de engenharia metabólica que sejam altamente confiáveis, é necessário ir além de pequenos modelos canônicos atualmente disponíveis. O modelo desenvolvido é realista, e permitiu descrever sistemas dinâmicos de redes bioquímicas celulares em larga escala, ou seja, com condições de difícil controle, diferente das observações em tubos de ensaio ou placas de Petri.

  O modelo do NREL compreende 149 substâncias químicas complexas e 65 enzimas. Permite utilizar 688 diferentes parâmetros e simular 114 reações, que descrevem as principais vias da glicólise, do ciclo dos ácidos carboxílicos, da redução da pentose fosfato, da fosforilação oxididativa, da degradação do amido e da fermentação, permitindo quantificar toda a complexidade das equações cinéticas das reações químicas.

      

 

       

        Qual a importância prática deste modelo matemático? A partir das simulações que são possíveis somente em computadores de altíssimo desempenho, poder-se-á otimizar todo o ciclo de produção de energia de biomassa, desde a identificação de organismos vivos com alta capacidade de acúmulo de reservas energéticas por unidade de tempo e unidade de área, até os processos industriais de desconstrução de moléculas complexas para biocombustíveis de uso corrente. Ou seja, surge a possibilidade prática de identificação de novas matérias primas altamente eficientes e da otimização dos processos industriais de produção de biocombustíveis.

  Em uma visão mais futurística, porém perfeitamente factível, o modelo pode auxiliar no “desenho” em computador de organismos otimizados tanto para a produçào de energia, quanto para a transformação de substâncias acumuladas como reservas em biocombustíveis, através de ferramentas de biologia molecular.

       

 

Caminhão híbrido gasolina/eletricidade

Figura 1. Veículo híbrido gasolina/eletricidade testado pelo NREL.

 

Já existem diversos modelos de automóveis híbridos sendo vendidos em escala comercial. Agora estamos ingressando na era dos veículos de transporte de carga híbridos, o que significa a primeira etapa para atingir caminhões exclusivamente elétricos.

O NREL participou da avaliação da tecnologia híbrida em caminhões de entrega de encomendas operados pela FedEx Express, na cidade de Los Angeles, Califórnia. A FedEx Express tem uma grande frota comercial que opera mais de 30.000 veículos e, recentemente, incorporou veículos híbridos elétrico e diesel ou elétrico e gasolina. O objetivo da incorporação à sua frota foi atender a severa legislação ambiental da Califórnia, em especial no que concerne às emissões de gases de efeito estufa (GEE).

O NREL analisou os resultados relativos ao consumo de combustível, aos custos de manutenção e às emissões de GEE em operação real de campo, bem como os resultados dos testes de dinamômetro comparados com um caminhão similar movido a diesel. Uma foto do caminhão híbrido de teste é apresentada na Figura 1.

Os resultados mostraram que as emissões de gases no escapamento do veículo híbrido foram substancialmente mais baixas nas três repetições do teste, quando comparados com as emissões do veículo de referência a diesel. O veículo híbrido apresentou emissões 75-89% mais baixas de óxidos de nitrogênio (NOx), além de 99% menos particulados.

 

 

O consumo de combustível, medido em laboratório, usando como parâmetro o consumo de energia em termos de diesel equivalente, foi semelhante entre o veículo híbrido (3,1 - 4,9 km/L) e dos veículos a diesel (2,6 - 5,0 km/L). Já no ciclo de condução mais intensa, cineticamente testados em laboratório, o híbrido apresentou uma economia de combustível 21% superior ao diesel.   Entretanto, não foram observadas diferenças no consumo de combustível (medido em diesel equivalente) em condições de estrada entre o veículo híbrido elétrico/diesel (3,2 km/L) e o diesel puro (3,4 km/L). O custo de manutenção também foi semelhante para os dois tipos de veículos, sendo de aproximadamente R$1,00/km rodado.  

Os resultados do consumo de combustível são animadores, considerando que os motores a gasolina apresentam consumo de combustível mais alto que os motores diesel. Em conclusão, consumindo a mesma energia e com o mesmo custo de manutenção, os caminhões híbridos diminuem drasticamente as emissões de GEE, o que deve levar a Fed Express a promover a substituição progressiva de sua frota na Califórnia. Conforme o custo de aquisição se aproxime dos veículos convencionais, a substituição deve se estender a outros estados e influenciar a decisão de compra de outros transportadores. Considerando o ganho de escala, quando isto ocorrer, o mundo inteiro será impactado.

       

 

Biodiesel nanoaditivado
Décio Luiz Gazzoni

A utilização direta de óleo vegetal em motores Diesel é limitada devido a diversos problemas, como alta viscosidade, atomização insuficiente e combustão incompleta. Por outro lado, os ésteres de ácidos graxos (biodiesel) derivados de óleos vegetais possuem elevado teor de oxigênio em sua estrutura molecular, o que, sob alta temperatura, leva à formação de NOx (óxidos de nitrogênio), um gás de efeito estufa indutor da formação de ozônio e precursor da chuva ácida.   A fim de reduzir as emissões de NOx e de particulados provenientes dos motores Diesel, o biodiesel pode ser emulsionado em água. Por este processo, gotas de água são suspensas no biodiesel com o auxilio de um tensoativo adequado. Uma vez no interior da câmara de combustão, ocorre uma rápida evaporação da água, evitando a corrosão no motor, em especial da superfície do cilindro. Outra vantagem da técnica de emulsão é a ocorrência de fenômenos de microexplosões em que as gotas grandes de combustível são quebradas em gotas menores, resultando em vaporização quase completa do óleo, nos cilindros do motor.   Entretanto, a emulsão do biodiesel provoca atraso de ignição, conduzindo a aumento da duração da fase de combustão, alta taxa de liberação de calor, maior pico de pressão no cilindro e operação do motor fora dos padrões do fabricante.

 

Experiências anteriores

Revendo a literatura, é possível localizar uma série de estudos com o objetivo de solucionar adequadamente o problema exposto acima. Crookes et al conduziram um experimento em um motor Diesel usando óleo de soja e óleo de colza misturado com 10% de água, e observaram uma melhoria significativa na eficiência térmica e redução de emissões de NOx e de fumaça. Entretanto, em outro experimento, a mesma equipe relatou um desempenho inferior da emulsão por conta da dificuldade ou demora na ignição, quando a carga é baixa. Yoshimoto et al. realizaram investigação com emulsão de óleo de fritura, com 30% de água, em volume, em um motor Diesel, observando redução significativa de NOx, de fumaça e maior atraso na ignição.   Para resolver o problema de atraso de ignição, os pesquisadores aventaram a possibilidade de adição de nanopartículas aos biocombustíveis. Um dos trabalhos pioneiros é de Tyagi et al., observando que a adição de nanopartículas de alumínio no óleo diesel melhorou significativamente a temperatura de ignição, com menor atraso. Kao et al. verificaram que o óleo diesel nanoaditivado com alumina, misturado com 3% a 6% de água, diminuiu o consumo e reduziu a emissão de poluentes.

 

Um ensaio em um motor Diesel, operando com biodiesel misturado com etanol e óxido de cério, foi conduzido por Mozhi et al. que verificaram melhora na eficiência térmica, diminuição no atraso na ignição e redução de emissões. Recentemente, Sajith et al. utilizaram biodiesel de jatrofa, nanoaditivado com óxido de cério, e observaram redução significativa das emissões de NOx e hidrocarbonetos (HC) e melhoria na eficiência térmica, devido à ação catalítica das nanopartículas.   Sadhik Basha & Anand revisaram criticamente a literatura relacionada com as aplicações de nanopartículas e nanofluidos nos motores Diesel e concluíram que a adição de nanopartículas/nanotubos de carbono em combustíveis convencionais reduz o tempo de evaporação e encurta o atraso da ignição. Com base no relatório de revisão sobre as aplicações dos nanoaditivos, os mesmos autores estudaram os efeitos de nanotubos de carbono (CNTs) misturado com óleo diesel aplicado em um motor monocilíndrico, observando melhoria significativa na eficiência térmica e redução da emissão de poluentes, em relação à operação com diesel puro.   Em uma série de investigações inéditas dos mesmos autores sobre a incorporação da alumina nanoaditivada (25 e 50 ppm) na emulsão de água-diesel (5% e 15% de água, em volume), foi constatada melhora considerável na eficiência térmica e redução de emissões nocivas. Além disso, foram verificadas reduções significativas no pico de pressão do cilindro, na taxa de liberação de calor, e no atraso na ignição em todas as cargas. Também observaram um incremento significativo na taxa de evaporação de combustíveis emulsificados, quando as nanopartículas são incorporadas

Trabalho recente

 

  Em abril de 2011, os pesquisadores indianos J. Sadhik Basha e B. Ananda, do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Nacional de Tecnologia, em Tamil Nadu, publicaram um estudo muito interessante no Journal of Renewable and Sustainable Energy, denominado Role of nanoadditive blended biodiesel emulsion fuel on the working characteristics of a diesel engine (Efeito da emulsão de biodiesel nanoaditivado sobre as características de trabalho de um motor de ciclo Diesel). O estudo decorreu da necessidade de resolver alguns problemas observados com o uso de óleo vegetal ou biodiesel, em motores de ciclo Diesel. Os pesquisadores utilizaram biodiesel produzido com óleo de pinhão manso (jatrofa) para este estudo.  

 

Preliminarmente, é importante referir que, embora sendo muito polêmica e contestada, a linha de ação adotada na Índia é de priorizar o estudo dos óleos vegetais não comestíveis (como pinhão manso, mahua, nim, e Pongomia) e seus ésteres metílicos, para uso energético. A contestação decorre do fato de que, embora estes óleos não tenham finalidade nutricional - o mesmo ocorrendo com a fração proteica (que é tóxica) - a área de terra utilizada para o seu cultivo poderia ser destinada à produção de alimentos e, como tal, existe, sim, uma "competição" direta com a produção de alimentos. Por exemplo, em 1 hectare onde se produzem 1.500 kg de óleo de pinhão manso, podem-se produzir 10 t de milho ou 3 de soja para uso nutricional, sendo uma falácia afirmar que o uso de óleos não comestíveis para uso energético não compete com a produção de alimentos.   No estudo em tela, a emulsão de biodiesel foi preparada com 83% de biodiesel de pinhão-manso, 15% de água, e 2% de surfactantes (Span80 ou Tween80), com o auxílio de um agitador mecânico. A emulsão de biodiesel recebeu as nanopartículas de alumina na ordem de 25, 50 e 100 ppm, com a ajuda de um ultrasonicador (Fig. 1). O ensaio foi realizado em um motor Diesel de velocidade constante, em três etapas, utilizando (a) biodiesel de pinhão manso; (b) biodiesel de pinhão-manso emulsionado; e (c) emulsão de biodiesel de pinhão manso adicionado de nanopartículas de alumina.   Os resultados experimentais revelaram um aumento substancial no desempenho e uma redução das emissões para as emulsões de biodiesel, quando em comparação com o uso de biodiesel puro. Além disso, a incorporação de nanopartículas na emulsão de biodiesel revelou melhor desempenho incremental e redução de emissões, comparada com a emulsão não aditivada e com o biodiesel.  Os autores demonstraram que o aumento da velocidade do agitador aumenta a estabilidade da emulsão, que pode ultrapassar a 108 horas (Fig. 2).

 

  Na Figura 3, pode ser observado o aumento da estabilidade da emulsão, em função da nanoaditivação com alumina. Verifica-se que conforme aumenta a concentração de alumina, também aumenta a estabilidade da emulsão. Igualmente, o aumento da estabilidade está positivamente correlacionado com o aumento da rotação do sonicador, com os melhores resultados sendo obtidos a 3.000 rpm. A combinação desta velocidade com a concentração de 100 ppm de alumina, permite que a estabilidade da emulsão ultrapasse 132 horas.  

 

Figura 1. Imagem ao microscópio da emulsão de biodiesel (esquerda) e de nanopartículas de alumina (direita). Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

Figura 2. Estabilidade do biodiesel emulsificado em função da rotação do sonicador. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

Figura 3. Estabilidade do biodiesel emulsificado em função da rotação do sonicador e do teor de alumina nanoaditivada. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

 

Impacto nos parâmetros de operação

Figura 4. Variação do atraso na ignição e da taxa de aumento da pressão máxima em função da nanoaditivação de emulsões de biodiesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011

Figura 5. Variação do consumo específico e da eficiência térmica de um motor Diesel, em função da variação da pressão média efetiva. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

 

Na Figura 4, observa-se um problema de atraso de ignição associado com a emulsão do biodiesel, devido à melhora da combustão e à absorção de calor pela vaporização da água. Quando à emulsão de biodiesel são adicionadas nanopartículas, o atraso de ignição é reduzido consideravelmente com o aumento da carga do motor. Este fenômeno decorre da rápida taxa de evaporação da água, de melhores propriedades de ignição, e da relação superfície/volume da gota mais favorável, em função do menor tamanho delas.

Em geral, a adição de nanopartículas a qualquer fluido (água, por exemplo) melhora consideravelmente a taxa de transferência de calor, não apenas pelo menor tamanho de gota (consequentemente, melhor relação superfície/volume), mas também devido às propriedades condutivas do fluido. As nanopartículas contidas no fluido influenciam positivamente a taxa de condutividade, de maneira que a taxa de evaporação é acelerada, otimizando a relação máxima evaporação / menor tempo de evaporação.

 

O efeito da nanoaditivação sobre a eficiência térmica de um motor de ciclo Diesel é apresentado na Figura 5, que contém dois conjuntos de curvas. No primeiro conjunto, associado à ordenada da direita, observa-se a redução progressiva do consumo específico, em função do aumento da carga. O consumo específico é uma relação entre a quantidade de combustível (medida em kg/h) consumida pelo motor em relação à potência gerada (medida em kW). A carga, na prática, significa a pressão exercida sobre o acelerador, o que redunda em aumento da pressão média efetiva do motor (medida em MPa).

Quando a carga é baixa (0,08 MPa de pressão média efetiva), há um aumento de consumo específico de combustível com o uso de biodiesel emulsionado, sem nanoaditivação, enquanto o conjunto de combustíveis nanoaditivados apresenta valores muito próximos ao observado para biodiesel puro. Entretanto, na carga máxima (0,53 MPa), que representa a condição mais frequente de operação de um motor Diesel, verifica-se redução de 18% no consumo específico de biodiesel, quando são adicionados 100 ppm de alumina nanoaditivada.

 

  Porém, este não é o único benefício da nanoaditivação. Observando o segundo conjunto de curvas associadas à ordenada da esquerda, verifica-se um ganho expressivo na eficiência térmica do motor, apesar dos valores absolutos ainda pequenos, característicos dos motores de combustão interna. Na carga máxima, ocorre um ganho de eficiência de 13%, com o uso de 100 ppm de alumina nanoaditivada, em relação ao biodiesel puro. Portanto, observa-se que, na condição de carga máxima (a mais frequente em condições normais de operação), há um ganho de 13% na eficiência térmica combinada com redução de 18% no consumo de combustível, com a adição de 100 ppm de alumina nanoaditivada, no biodiesel emulsificado.  

 

Impacto nas emissões

  Tanto a emulsão quanto a nanoaditivação ocasionam reduções de emissões de NOx, devido à presença de água na mistura combustível, que reduz a temperatura de chama, gerando um ambiente menos propício à formação destes gases. Na Figura 6, é possível observar uma redução de 19% na temperatura dos gases de exaustão quando 100 ppm de alumina são adicionados ao biodiesel emulsionado. Em conseqüência, foi observada redução na emissão de NOx de 23% com o uso de biodiesel emulsionado e de 34% quando o biodiesel com maior nanoaditivação é utilizado.  

 

A emissão de particulados é fortemente reduzida pela emulsão, com uma redução adicional sendo obtida com a nanoaditivação. Este fenômeno pode ser observado na Figura 7, verificando-se que o biodiesel emulsionado reduz em 17% a opacidade da fumaça, uma medida indireta da emissão de particulados. Quando o biodiesel emulsionado recebe 100 ppm de Al nanoaditivada, a redução da emissão de particulados chega a 30%, em relação ao biodiesel puro. A emulsão do biodiesel somente não reduz a emissão de monóxido de carbono (CO). Ao contrário, verifica-se um leve aumento da emissão de CO, na pressão média efetiva máxima, em relação ao biodiesel puro (Figura 8).   Entretanto a nanoaditivação reduz as emissões de CO, sendo que, com a máxima aditivação, na PME máxima, verifica-se diminuição de 66% nas emissões do gás. O mesmo fenômeno não ocorre em relação às emissões de hidrocarbonetos (HC), que resultam de queima incompleta do combustível. A Figura 8 mostra um aumento de 50% na emissão de HC quando o biodiesel é emulsionado, em relação ao produto puro, na PME máxima. A nanoaditivação mitiga as emissões de HC, observando-se para a PME máxima um aumento de apenas 16%, com biodiesel emulsionado adicionado de 100 ppm de alumina, em relação ao biodiesel puro.

 

Figura 6. Variação da temperatura dos gases de exaustão e da emissão de NOx, em função da variação da pressão média efetiva de um motor Diesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

Figura 7. Variação da opacidade da fumaça em funçao da variação da pressão média efetiva de um motor de ciclo Diesel. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

 

Figura 8. Variação nas emissões de monóxido de carbono e hidrocarbonetos, em função da variação da pressão média efetiva. Fonte: J. Sadhik Basha and R. B. Anand, 2011.

 

Conclusões

 

 
  1. A adição de nanopartículas na emulsão de biodiesel redundou em redução no pico de pressão, na taxa de liberação de calor e no atraso da ignição, tanto em relação ao biodiesel puro quanto ao emulsificado.
  2. A eficiência térmica do biodiesel nanoaditivado com 100 ppm de alumina, conjuminada com a redução do consumo específico, é alta (29,4%), comparada ao biodiesel puro (24,9%).
  3. As emissões de NOx e de fumaça no escapamento são drasticamente reduzidas com a emulsão de biodiesel. A magnitude das emissões de NOx e de fumaça é de 870 ppm e 49% para o biodiesel emulsionado e nanoditivado com 100ppm de alumina, comparado com 1.282 ppm e 67% para o biodiesel puro, respectivamente.
  4. A conclusão final é que o desempenho e as características de emissão do motor Diesel são melhorados devido à incorporação de nanopartículas de alumina na emulsão de biodiesel.

 

 

Literatura consultada

 

 R. J. Crookes, M. A. A. Nazha, and F. Kiannejad, Proceedings of SAE, 1992, Paper No. 922230

 R. J. Crookes, F. Kiannejad, and M. A. A. Nazha, Energy Convers. Manage. 38, 1785 _1997_.

Y. Yoshimoto, M. Onodera, and H. Tamaki, Proceedings of SAE, 1999, Paper No. 1999-01-3598

H. Tyagi, P. E. Phelan, R. Prasher, R. Peck, T. Lee, J. R. Pacheco, and P. Arentzen, Nano Lett. 8, 1410 _2008.

 M.-J. Kao, C.-C. Ting, B.-F. Lin, and T.-T. Tsung, J. Test. Eval. 36, 19428 _2008_.

 V. Selvan Arul Mozhi, R. B. Anand, and M. Udayakumar, Journal of Eng. & Applied Sciences 4, 1, 2009.

 V. Sajith, C. B. Sobhan, and G. P. Peterson, Advances in Mechanical Eng. 2010.

 J. Sadhik Basha and R. B. Anand, International Journal of Appl. Eng. Research 5, 697, 2010.

 J. Sadhik Basha and R. B. Anand, Int. J. of Advances in Thermal Sci. and Eng. 1, 67 _2010_.

 J. Sadhik Basha and R. B. Anand, “An experimental investigation in a diesel engine using carbon nanotubes blended water-diesel emulsion fuel,” Proc. Inst. Mech. Eng., Part A _in press;

J. Sadhik Basha and R. B. Anand, “Effects of nanoparticle additive in the water-diesel emulsion fuel on the performance, emission and combustion characteristics of a diesel engine,” Int. J. Veh. Des. _in press;

J. Sadhik Basha and R. B. Anand, “An experimental study in a CI engine using nano-additive blended water-diesel emulsion fuel,” Int. J. of Green Energy _in press.

 J. Basha & B. Ananda, J. Renewable Sustainable Energy 3, 023106 (2011); doi:10.1063/1.3575169 (17 pages)

 

 

 

 

Combustível sintético renovável
Décio Luiz Gazzoni

Esta equação diz alguma coisa para você:

Não se culpe por não conhecê-la, realmente ela é privilégio de iniciados na área de combustíveis sintéticos, muito mais teoria e experimento que impacto prático. Mas, se invertermos os termos da equação e substituirmos os nomes químicos por nomes genéricos, o entendimento fica facilitado:

Ficou mais claro agora?

 

Esta equação existe antes mesmo da química, desde que o fogo surgiu na face da Terra, em priscas eras. Agora o seu inverso – aquela primeira equação mais complicada - é uma instigação estonteante, qual seja: Seria possível produzir combustível a partir de gás carbônico e água, que não seja por processo fotossintético, usado pelas plantas para formar suas reservas de energia, posteriormente convertidas em biocombustível?   Em uma primeira análise, a aplicação prática desta equação poderia parecer ficção científica, um contrassenso que viola o conhecimento de que dispomos. Mas, em Ciência, a verdade é sempre a última verdade, o seu mote é a dinâmica e a constante inovação.

 

Eficiência

Embora seja a grande fonte primária da energia que usamos em todo o planeta Terra (não esqueçamos que petróleo, gás ou carvão um dia foram biomassa), a fotossíntese e, conseqüentemente, a tecnologia atual de produção de biocombustíveis, têm uma eficiência muito baixa para converter a radiação solar em compostos de hidrocarbonos, para uso energético. Portanto, é muito natural que cientistas sejam excitados para, alternativamente, melhorar a taxa de eficiência da fotossíntese ou buscar formas alternativas, mais eficientes, de armazenar a energia da radiação solar em substâncias combustíveis.  

Nancy Jackson, pesquisadora chefe do Projeto Sunshine to Petrol, e presidente da Sociedade Americana de Química.

 

  A bem da verdade, já existem processos para obter gás de síntese (CO e H2) e processos para promover a reação do CO com o H2,(como Fischer –Tropsch), gerando combustíveis sintéticos (Synfuel), a exemplo do metanol, porém com eficiência energética baixa, razão pela qual seu uso não se vulgarizou. Mais recentemente, os laboratórios da Sandia, uma instituição de pesquisa do Departamento de Energia do governo dos EUA (atualmente administrados pela Lockheed Martin), desenvolveram um processo em que a abordagem consiste em aplicar a energia radiante do sol em ciclos termoquímicos de óxido de metal, que desdobram CO2 e H2O em CO, H2, os blocos de construção universal de combustíveis sintéticos, além do O2. A equipe que pesquisa a nova tecnologia é liderada pela Dra. Nancy Jackson.

 

A inovação

Conceitualmente, os ciclos termoquímicos são processos térmicos que geram reações químicas endotérmicas como, por exemplo, a separação da água em hidrogênio e oxigênio. A radiação solar altamente concentrada fornece energia para as temperaturas ultra-altas (> 1400° C) necessárias para as reações iniciais. Como a quebra da molécula de gás carbônico é uma reação fortemente endotérmica, a chave do sucesso passa por fontes de energia de baixíssimo custo.   O programa de pesquisa, denominado "Sunshine to Petrol" (do sol para o petróleo, abreviadamente S2P) já produziu avanços encorajadores, como a construção de um eficiente reator movido a energia solar, que apoiará a equipe nos próximos passos. Embora o conceito tenha sido provado em laboratório, ainda persistem desafios tecnológicos, pois ciclos termoquímicos contínuos em metal óxidos exigem novos materiais e processos inovativos, ainda não totalmente dominados para uso da tecnologia em larga escala.  

 

Rich Diver, pesquisador da SANDIA, trabalhando na montagem do protótipo do reator (Foto Randy Montoya)

 

Rich Diver ajustando a parabólica que concentra a energia solar para uso nas reações iniciais de obtenção de hidrogênio molecular e monóxido de carbono (Foto Randy Montoya)

  A operação deste protótipo demonstrou que a química que suporta o processo é sólida e pode ser reproduzida inúmeras vezes, sem perda de eficiência entre as bateladas. A equipe busca agora a automação do processo, para que o fornecimento de gás carbônico e água seja contínuo, bem como a obtenção dos produtos da reação.   O nome com o qual o reator foi batizado é "Counter Rotating Ring Receiver Reactor Recuperator", mas na prática é chamado de CR5, formado a partir das suas letras iniciais. Neste reator ocorrerão as reações para quebra das ligações entre carbono e oxigênio (do gás carbônico) para formar monóxido de carbono e oxigênio, o que vem sendo denominado de reação de reenergização do gás carbônico. Pelo mesmo processo é possível efetuar a quebra da água em seus componentes básicos 2H2 e O2. Obtidos os blocos básicos, é possível produzir etanol, metanol, gasolina, querosene, ou qualquer outro combustível líquido – sem o recurso ao petróleo!

 

Impactos práticos

 

O aspecto prático mais importante é a possibilidade de promover uma sinergia, tanto com combustíveis fósseis quanto na produção de biocombustíveis. Um exemplo claro é o aproveitamento da água presente na vinhaça e do gás carbônico expelido na fermentação, como insumos do reator. Assim, uma usina de cana poderia adicionar à sua produção de bioenergia atual (bioetanol e bioeletricidade) outros biocombustíveis, como biogasolina, bioquerosene, biodiesel ou outras substâncias químicas apropriadas para operar em motores de ciclo diesel. Lembrando que a energia, o grande custo nos processos de obtenção de combustíveis sintéticos, será praticamente gratuita, uma vez que o equipamento de concentração de radiação solar é de custo relativamente baixo e amortizado no longo prazo, com baixos custos de manutenção.   O mesmo raciocínio se aplica a termoelétricas a biomassa em que, além da bioeletricidade, seria possível produzir biocombustíveis sintéticos, a partir do gás carbônico capturado da combustão da biomassa. Mas o universo não se restringe à indústria de energia, pois o gás carbônico produzido em cervejarias ou vinícolas também poderia ser transformado em combustível.

 

O combustível fóssil (gasolina ou diesel) queimado em transportes, dificilmente poderia ser reconvertido a combustível sintético, pelas dificuldades naturais de captura, estocagem e portabilidade. Entretanto, em instalações industriais ou comerciais de porte, onde combustíveis fósseis são utilizados em grande escala, e sempre no mesmo local, a captura é técnica e economicamente viável. Se a oferta de água, a baixo custo, também for possível, estão presentes as condições para regeneração do combustível. Um exemplo típico são as termoelétricas movidas a derivados de petróleo ou carvão. Embora o combustível original seja mantido, haveria o aproveitamento do gás carbônico resultante da queima e, novamente, posta a disponibilidade sustentável de água, seria possível produzir combustíveis líquidos sintéticos.  

Esta nova linha de pesquisa, redundando em uma tecnologia comercial viável e competitiva, pode causar uma revolução em uma macro tendência que estava se fixando, que é a substituição dos combustíveis líquidos por eletricidade, nos meios de transporte, à exemplo dos carros elétricos. A competição agora passa a ser em relação à qual linha de inovação tecnológica se estabelecerá como definitiva - se baterias de baixo custo, baixo peso e alta eficiência ou combustíveis sintéticos. A vantagem adicional para os combustíveis sintéticos é o aproveitamento da infraestrutura de distribuição de combustível e a tecnologia dos motores de combustão interna. A vantagem da eletrificação reside na expectativa de maior eficiência dos motores elétricos. Ou, eventualmente, ambas se estabelecerão concorrencialmente. Independente do que vier a acontecer, as duas soluções apontam para o crescimento da oferta de energia renovável, em qualquer cenário tecnológico futuro.

 

Outlook 2011-2010 (Parte I) 

Décio Luiz Gazzoni

 

 

 Em junho de 2011 a OECD (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) e a FAO lançaram uma edição conjunta do Agricultural Outlook 2011-2010, uma espécie de cenário business-as-usual para a próxima década. Além dos objetivos rotineiros para um Outlook, a impressão que me ficou ao lê-lo é que se trata de uma mensagem aos governos acerca dos riscos de descasamento entre oferta e demanda de produtos agrícolas ao longo da década, com os conseqüentes riscos de desabastecimento, volatilidade de preços, aumento da fome e inflação.   Numa sequencia de três artigos vamos apresentar na Parte I um resumo das conclusões e propostas do Outlook para o agronegócio, sendo as partes II e III dedicadas especificamente ao setor de biocombustíveis. Os leitores interessados em ler o documento na íntegra (OECD-FAO Agricultural Outlook 2011-2020, 197 páginas, inglês) podem adquiri-lo em http://www.oecdbookshop.org/oecd/index.asp?lang=EN.

           

 

            

Síntese

 

 

O cenário apresentado revela que, na próxima década, haverá preços elevados conjuminados com grande volatilidade de preços no mercado internacional de commodities agrícolas - e o Brasil será um dos países mais beneficiados. Percebe-se no estudo o objetivo de chamar a atenção para a necessidade de incrementar a produção global, um efeito contra-cíclico destinado a estabilizar os preços das commodities agrícolas, que nos últimos anos elevaram índices inflacionários e chegaram a provocar protestos nas ruas de diversos países. Entrementes, o estudo indica que essa volatilidade, que já perdura 5 anos, assim prosseguirá e que os preços de muitas commodities básicas deverão se manter em patamares mais elevados (em valores nominais e até reais), comparados à década anterior, se medidas audaciosas não forem tomadas de imediato.   As principais causas para a manutenção dos preços em alta são: i) Os custos da produção agrícola estão em ascensão; ii) o crescimento da produtividade sofreu perigosa desaceleração; iii) as pressões sobre os recursos naturais, principalmente água, vegetação e terras, aumentaram; iv) as terras mais férteis já estão sendo utilizadas e mesmo declinando em algumas regiões; v) a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos climáticos; vi) problemas internos de cada país (Exemplo, o nosso Custo Brasil com impostos elevados, falta de infra-estrutura, juros altos, desindustrialização, real sobrevalorizado) não serão solucionados na década.   A expectativa é que os custos de alguns alimentos até declinem em relação ao início de 2011. Mas, em média e em termos reais, deverão subir até 50% no caso das carnes e 20% no dos cereais, nos próximos anos. O Brasil, principal pais exportador de carnes (25% do mercado mundial), grande produtor de soja e com boas perspectivas para o milho, tende a abocanhar boa parte do ganho - desde que sejam dadas as condições internas para produzir e exportar a custos competitivos.

          

             

 

Introdução

 

          

Os preços das commodities elevaram-se consistementemente a partir do 2º. semestre de 2010, como resultado de quebras de safras nas principais regiões produtoras, e de estoques baixos, o que reduziu a oferta disponível. Além disso, houve um ensaio de ressurgimento do  crescimento econômico em escala global, atiçando a demanda e fazendo com que o período de alta volatilidade nos mercados de commodities agrícolas entrasse em seu quinto ano consecutivo.    Preços de commodities elevados e voláteis e suas implicações para a insegurança alimentar estão claramente entre as questões importantes que os governos enfrentam hoje. Isso foi bem refletido nas discussões na Cimeira do G20 em Seul, em novembro de 2010, e nas propostas de ação que foram analisadas na reunião de junho 2011 realizada em Paris, congregando Ministros da Agricultura de quase todos os países do mundo.   As colheitas deste ano (safra 2011) serão naturalmente críticas, mas o equilíbrio dos mercados e a sua restauração pode levar algum tempo. Até que as reservas (estoques) possam ser reconstruídas, os riscos da volatilidade de preços continuarão elevados. Assim, os preços das commodities agrícolas em termos reais, tendem a permanecer em um patamar superior durante a próxima década, em comparação com a década anterior. Longos períodos de preços elevados podem tornar o cumprimento das metas de segurança alimentar global mais difíceis de serem atingidas, colocando os consumidores pobres em maior risco de desnutrição. A FAO estima existirem cerca de 1 bilhão de pessoas que sofrem de algum grau de insegurança alimentar.

 

 

           

 

             

  

De outra parte, preços mais altos das commodities são um sinal positivo para um setor que vinha experimentando quedas nos preços expressos em termos reais, por muitas décadas, até meados da década passada. Em teoria,  preços remuneradores estimulam os investimentos na melhoria da produtividade e aumento de produção, necessário para atender a demanda crescente por alimentos. No entanto, a resposta da oferta está condicionada pelo custo relativo dos insumos (sentido diretamente pelo produtor), enquanto os incentivos fornecidos pelo aumento dos preços internacionais nem sempre são repassados aos produtores devido ao alto custo das operações ou intervenções de política interna. Em algumas regiões que produzem, a apreciação cambial também tem afetado a competitividade dos seus setores agrícolas, limitando respostas às elevadas cotações em dólar – sendo o Brasil provavelmente o caso mais grave.    Há sinais de que os custos de produção estão subindo e o crescimento da produtividade está diminuindo, e existe uma relação direta de causa e efeito entre os dois fenômenos. Custos relacionados com a energia aumentaram significativamente, assim como os custos de alimentação. Pressões sociais sobre o uso sustentável dos recursos naturais, em particular água, vegetação e terra, também estão aumentando.  

Terras disponíveis para a agricultura em muitas áreas tradicionais de produção são cada vez mais restritas. Logo, a produção deve se expandir para áreas menos desenvolvidas e em terras marginais com menor fertilidade e maior risco de eventos climáticos adversos. Novos investimentos substanciais em melhorias de produtividade são necessários para assegurar que o setor pode atender à crescente demanda do futuro.

         

 

Mensagens principais:

 

1.  Produção agrícola: deve aumentar no curto prazo, assumindo-se condições climáticas normais, como resposta aos atuais preços elevados. Os preços das commodities podem cair dos valores de pico do início de 2011, mas em termos reais são projetados para médias de até 20% maior para os cereais (milho) e até 30% para carnes (aves), durante o período de 2011-20, em comparação com a último década.   2.  Alta de preços de produtos agrícolas: Como os preços mais elevados para commodities são transmitidos através da cadeia alimentar, evidências recentes indicam que a inflação devida ao preço dos alimentos está aumentando na maioria dos países, contribuindo para o aumento da inflação agregada de preços ao consumidor. Isso gera preocupações para a estabilidade econômica e para a insegurança alimentar em alguns países em desenvolvimento, onde o poder de compra das populações mais pobres é reduzido.   3.  Taxas de crescimento da produção: A produção agrícola global está projetada para crescer 1,7% ao ano, em média, ante 2,6% na década anterior. Espera-se um crescimento mais lento para a maioria das culturas, especialmente oleaginosas e cereais, que enfrentam maiores custos de produção, além de desaceleração do crescimento da produtividade. O crescimento da produção pecuária permanece perto das tendências recentes, projetada em 0,7%, anualmente.

 

4.  Desaceleração da produtividade: Estima-se que, nas lavouras mais importantes, a frenagem do ganho de produtividade continuará a exercer pressão sobre os preços internacionais. Um maior crescimento da produção se espera de fornecedores emergentes, onde as tecnologias existentes oferecem um bom potencial para a melhoria de rendimento. A parte da produção de países em desenvolvimento continua a aumentar ao longo do período, devido à grande defasagem entre as produtividades médias obtidas atualmente em países desenvolvidos e emergentes, para as mesmas culturas.   5.  Pesca e aquicultura: O setor aumentará sua produção global em 13%, anualmente, até 2020 – alto porém mais lento do que na década anterior, devido a uma menor taxa de crescimento da aquicultura (2,8% contra 5,6% para 2001-10) e um setor de captura de peixe reduzido ou estagnado Em 2015, a aquicultura deverá superar a pesca de captura como a fonte mais importante de peixes para consumo humano, e até 2020 deve representar cerca de 45% da produção da pesca total (incluindo os não-alimentares). Em relação ao período 2008-2010, os preços médios do peixe de captura devem ser cerca de 20% maior em 2020 em termos nominais, comparado com um aumento de 50% para espécies aquícolas.  

   6. Consumo per capita : Vai expandir mais rapidamente na Europa Oriental, Ásia e América Latina onde os rendimentos das famílias são crescentes e o incremento da população está diminuindo de intensidade. Produtos como óleos vegetais, açúcar, carnes e laticínios devem experimentar os maiores aumentos na demanda.

 

7.  Biocombustíveis: A utilização da produção agrícola como matéria-prima para biocombustíveis continuará o seu crescimento robusto, em grande parte impulsionado por mandatos de biocombustível e apoio de políticas públicas. Em 2020, 13% da produção global de grãos, 15% da produção de óleo vegetal e 30% da produção de cana-de-açúcar serão destinados para a produção de biocombustíveis. Os preços mais elevados do petróleo levarão a um crescimento ainda maior no uso de matérias-primas de biocombustíveis, e com preços do petróleo suficientemente alta, a produção de biocombustíveis em muitos países, torna-se viável, mesmo na ausência de apoio político.   8.  Mercado Global: O comércio agrícola internacional deverá crescer 2% ao ano, que é mais lento do que na década anterior, com aumento apenas modesto dos exportadores tradicionais e maior produção doméstica por parte dos importadores. O crescimento mais rápido virá, principalmente, de exportadores emergentes na Europa Oriental, Ásia Central e países da América Latina. Déficits no cultivo de alimentos são esperados em países da África Subsaariana com o continuado crescimento populacional impulsionando a demanda crescente na produção doméstica.   9.  Projeção de preços: Análise estocástica demonstra a incerteza das projeções de preços, que são altamente dependentes dos pressupostos subjacentes, e sugere que o risco do aumento dos preços é maior do que de preços mais baixos. Esta análise também confirma que o rendimento de flutuações de produção induzida nos países principais exportadores representam o eixo fulcral da volatilidade dos preços internacionais. A seca do ano passado e os incêndios na Federação Russa e Ucrânia, e excesso de umidade nos Estados Unidos ilustra quão rapidamente o equilíbrio do mercado pode mudar. Esta relação entre eventos climáticos e variações de rendimento das culturas tornar-se-á um driver ainda mais crítico da volatilidade dos preços no futuro.

 

 

Volatilidade dos preços

 

            O documento lança um olhar sobre as principais forças conducentes à volatilidade dos preços, que criam incerteza e risco para os produtores, comerciantes, consumidores e governos. A volatilidade dos preços pode ter extensos impactos negativos sobre o setor agrícola, segurança alimentar e a economia em geral, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento.

 

1.  O clima e as mudanças climáticas - O fator mais frequente e significativo para gerar volatilidade são as condições meteorológicas imprevisíveis. As Mudanças Climáticas Globais estão alterando os padrões climáticos, mas o impacto de eventos climáticos extremos sobre a oferta de produtos agrícolas, ainda não está suficientemente elucidada.   2.  Níveis de estoque - Há muito tempo os estoques de passagem desempenham um papel na mitigação de discrepâncias na demanda de curto prazo e na oferta de commodities. Quando os estoques são muito baixos em relação ao consumo, tal como presentemente ocorre para grãos em geral, a volatilidade dos preços pode ser alta.   3.  Preços da energia – A energia tanto representa um custo direto na produção, quanto indireto através da fabricação de insumos, como fertilizantes , ou mesmo pela demanda de matérias-primas de biocombustíveis, transmitindo a volatilidade dos preços da energia para os mercados agrícolas.

 

4.  Taxas de câmbio - Ao afetar os preços das commodities domésticas, movimentos cambiais têm o potencial de impacto na segurança alimentar e competitividade em todo o mundo. Taxas de câmbio irreais, como é o caso da supervalorização do real brasileiro, representam um forte desestimulo ao setor produtivo, tanto o agrícola quanto os demais setores da economia.   5.  A crescente demanda - Se a oferta não acompanhar a demanda, haverá uma pressão ascendente sobre os preços das commodities. Com renda per capita crescente a nível mundial - em muitos países pobres deve aumentar em até 50% durante a próxima década - a demanda de alimentos se tornará mais inelástica, de forma que oscilações de preços ainda maiores seriam necessários para reduzir a demanda.   6.  Pressões sobre os recursos - Maiores custos de entrada, a aplicação mais lenta de tecnologia, a expansão em terras marginais e limites para o uso de água para irrigação, estão limitando as taxas de crescimento da produção.

 

7.  Restrições comerciais - Tanto restrições a exportação quanto a importação amplificam a volatilidade dos preços nos mercados internacionais.  

    8. Especulação - A maioria dos pesquisadores concorda que altos níveis de atividade especulativa nos mercados futuros podem amplificar os movimentos de preços no curto prazo, embora não haja evidências conclusivas de seu impacto no longo prazo.

  

Desafios políticos

 

 

O Outlook destaca tanto desafios significativos para enfrentar a insegurança alimentar global quanto as grandes oportunidades para os produtores agrícolas, decorrentes do maior preço médio projetado ao longo da próxima década. O desafio da política é promover o crescimento da produtividade, principalmente para os pequenos produtores, que melhora a resistência do mercado a choques externos, reduz o desperdício e aumenta o suprimento para os mercados locais, a preços acessíveis.  

Investimentos do setor público são necessários em pesquisa e desenvolvimento agrícola, instituições e infra-estrutura para aumentar a produtividade do setor e resiliência em relação tempo / mudança climática e a escassez de recursos para estas ações. Investimentos são necessários para reduzir as perdas pós-colheita. Reconhecendo que a volatilidade continuará a ser uma característica dos mercados agrícolas, políticas coerentes são necessárias para reduzir a volatilidade tanto quando possível e limitar seus impactos negativos, como:

          

 

1.  Atenuantes da volatilidade - a transparência do mercado pode reduzir a volatilidade dos preços. São necessários maiores esforços para melhorar a informação global e nacional e os sistemas de vigilância sobre as perspectivas de mercado, incluindo estatísticas rápidas, completas e confiáveis sobre a produção, estoques e comércio de produtos sensíveis de segurança alimentar.  

   2. Protecionismo: Remoção ou redução das distorções da política, tais como restrições à importação e exportação de produtos agrícolas e biocombustíveis ou de subsídios e mandatos, também pode reduzir a volatilidade dos preços. Informação e transparência nos mercados futuros deve ser melhorada reconhecendo a importância de harmonizar as medidas e políticas públicas.

  3.   Gestão da volatilidade: redes de segurança social podem ajudar os consumidores mais vulneráveis quando os preços dos alimentos aumentarem; igualmente, redes de segurança podem compensar os baixos rendimentos do produtor, mantendo assim a sua capacidade de adquirir insumos e manter a produção. Reservas de emergência de alimentos para assistência específica para as pessoas pobres são úteis para diminuir o impacto dos preços elevados. São necessários maiores esforços para atuar com base no mercado, com sistemas de gerenciamento de risco, incluindo o uso de frentes contratação e bolsas de mercadorias de futuros, à disposição dos pequenos produtores. Os governos também podem adotar estratégias de risco de gestão, tais como o seguro para financiar as importações de alimentos, quando mau tempo reduz a produção doméstica ou contratos de opção para bloquear a compra futura importação de alimentos.

             

 

 

Outlook 2011-2020

Parte II – Análise do Mercado de Biocombustíveis

 

Décio Luiz Gazzoni

 

1.    Situação do mercado

        

Os preços mundiais de etanol aumentaram em mais de 30% em 2010, no contexto de um aumento dos preços das commodities que servem como matéria prima para produção de etanol, principalmente açúcar (= cana-de-açúcar) e milho, e com os preços de outras formas de energia (fósseis) mantendo-se firmes. Esta situação contrasta com 2007/08, quando os movimentos de preços do etanol não acompanharam o ritmo dos aumentos dos preços das commodities, e as margens de lucro do etanol foram reduzidas. Os EUA se tornaram, pela primeira vez, um exportador líquido de etanol em 2010, enquanto as exportações do Brasil foram reduzidas significativamente em um contexto de preços do açúcar bruto muito altos e com valores relativamente mais competitivos do etanol baseado no milho, quando comparado aos anos anteriores (em grande parte efeito do excesso de valorização do real).   Os preços mundiais de biodiesel aumentaram em 2010, em um contexto de aumento dos preços da colza e de outros óleos vegetais, além da alta dos preços do petróleo bruto. Este aumento de preço é menor, em comparação com o etanol, devido ao fato de que os preços do biodiesel se mantiveram relativamente firmes em 2009, em comparação com o petróleo e com os preços mundiais de óleo vegetais.

   

            

 

2.    Principais projeções

 

1. Os preços globais de etanol e biodiesel deverão continuar a subir em 2011. Durante o período 2011-20, os preços do etanol e biodiesel deverão manter-se firmes, posto que as políticas que promovem o uso de biocombustíveis continuam vigentes ou sendo implementadas e os preços do petróleo se mantém em ascensão (Figura 1a e 1b). A produção mundial de etanol (Figura 2) e de biodiesel (Figura 3) deve continuar a expandir-se rapidamente ao longo dos próximos dez anos.

  2. Os EUA deverão continuar a ser o maior produtor e consumidor de etanol. Como os preços do açúcar bruto devem reduzir-se, no médio prazo, o etanol de cana deve se tornar mais competitivo do que em 2010 e as exportações do Brasil devem se recuperar nos primeiros anos. A União Européia deverá ser de longe o produtor e consumidor mais importante de biodiesel. Alguns países em desenvolvimento (Argentina, Malásia e Tailândia) poderão desempenhar um papel significativo nas exportações de biodiesel. Se forem eliminados os problemas de câmbio e de tributação, e políticas de apoio forem implementadas o Brasil poderá tornar-se o grande exportador global de biodiesel.

 


 

Figura 1a. Projeção de preços nominais do etanol e do biodiesel

 

Figura 1b. Projeção de preços reais do etanol e do biodiesel

 

Figura 2 – Produção e comercialização global de etanol

 

Figura 3 – Produção e comercialização global de biodiesel

 

 

As projeções de produção de biocombustíveis em muitos países em desenvolvimento são relativamente incertas, prosseguindo na tendência de aumentar pouco ou quase nada a sua produção nos últimos anos. O cultivo de matérias-primas novas, como pinhão manso ou mandioca, não passam de tentativas experimentais, que não têm permitido a produção em larga escala de biocombustíveis, de maneira a alterar a situação do mercado.

 

 

 

 

    3. Tendências de mercado e perspectivas

3.1 Preços

  

O cenário traçado pelo estudo OCDE/FAO assume que os preços do petróleo bruto continuarão a subir em 2011 e manter-se-ão constantes, em termos reais, durante o restante do período analisado. Expressos em termos nominais, os preços reais são projetados para alcançar US$ 107/barril até 2020. Movidos por este movimento, pelas dificuldades com abastecimento de matéria prima e pela demanda crescente, as cotações de etanol e de biodiesel devem subir em 2011. Este aumento espera-se que seja mais forte para o biodiesel, pois são aguardados preços dos óleos vegetais e do petróleo próximos ao níveis pré-2007.   A expansão da produção e uso de biocombustíveis durante o período de projeção (2011-2020) deve ser impulsionado principalmente - como ocorreu no passado recente - pelas políticas de mandatos ou outros usos que causem algum impacto positivo, em especial trazendo alívio para os produtores e consumidores de biocombustíveis (formação de estoques), medidas de proteção mais ampla e uso de biocombustíveis com elevadas especificações de qualidade, bem como pela capacidade de investimento nos principais países produtores.   Neste contexto, os preços do etanol e biodiesel deverão manter-se firmes ao longo do período (Figuras 1a e 1b). A projeção indica, em média, cotações nominais até 80% maiores do que na década anterior no uso de etanol, e até 45% para o biodiesel. A previsão é de que atinjam, respectivamente, US$ 66,4 / hl e US$ 142,9 / hl, em 2020. Os preços devem diminuir ligeiramente quando expressos em termos reais, durante o período de análise, mas a relação de preços de biocombustíveis para os principais preços de suas matérias-primas deverá permanecer relativamente estável. Biocombustíveis deverão tornar-se um pouco mais competitivos ao longo do período de projeção e seus preços devem aumentar menos rapidamente do que os preços do petróleo bruto.

         

 

   4. Produção e utilização de biocombustíveis

Impulsionado por mandatos de políticas e metas de produção e uso de energia renovável, em escala  global, a produção de etanol e de biodiesel deve continuar com aumentos rápidos ao longo do período de projeção e alcançar, respectivamente, cerca de 155 GL e 42 GL em 2020 (Figuras 2 e 3). Estas projeções dependem do ingresso em escala comercial de tecnologias de biocombustíveis de segunda geração e de políticas públicas para o seu suporte.   A publicação do IEA (IEA, 2010 – Sustainable production of second general biofuels: potential and perspectives in major economics and developing countries, 2010) fornece uma clara definição de biocombustíveis de primeira e segunda geração. Biocombustíveis típicos de primeira geração são o etanol de cana ou à base de amido e o biodiesel. A matéria-prima para a produção de biocombustíveis de primeira geração consiste de açúcar, amido e óleos vegetais, ou o resíduo graxo dos animais - que na maioria dos casos também podem ser utilizados como alimento ou ração – ou, ainda, de resíduos de alimentos. Biocombustíveis de segunda geração são os produzidos a partir de celulose, hemicelulose ou lignina. Exemplos de biocombustíveis de segunda geração são o etanol celulósico e aqueles produzido pela reação de Fischer-Tropsch.

                      

 

4.1 Situação nos países desenvolvidos

 

  Com a implementação da Norma de Combustíveis Renováveis (RFS2), os Estados Unidos continuarão a ser o player mais importante no mercado de etanol. Apesar da incerteza política atual, assume-se que o crédito para os blenders de etanol e de biodiesel, assim com as tarifas sobre etanol importado, permanecerão em vigor. Nos EUA, espera-se que o uso do etanol como combustível siga um padrão de aumento constante durante o período de projeção, até atingir cerca de 71 GL em 2020 (Figura 4), abaixo dos padrões 2020 previamente estimados de 110 GL. Este consumo deve representar uma percentagem média de 8,4% na gasolina automotiva, até 2020.  

 

Figura 4. Produção, uso e intercâmbio comercial de etanol nos Estados Unidos

 

            O estado da arte tecnológico do etanol celulósico ainda não permite a sua produção em larga escala. Estima-se que a produção de etanol de segunda geração deva expandir-se nos últimos anos do período de projeção para alcançar 4,3 GL em 2020, longe da meta do RFS2 que prevê 40 GL de etanol celulósico. A produção doméstica, principalmente derivada do milho, deve responder pela maior parte do consumo de etanol dos EUA. O RFS2 permite 56,8 GL de etanol de primeira geração à base de milho em 2015, o que deve se aproximar do teto de produção do etanol por esta rota.

            A Agência de Proteção Ambiental dos EUA promulgou uma resolução em janeiro de 2011, permitindo a expansão da mistura de etanol na gasolina comum, variando de 10% a 15%, para carros fabricados em 2001 ou em data posterior. Na prática, o impacto desta decisão no curto prazo deve ser mínimo, posto que os retalhistas não estão em condições de oferecer diferentes tipos de mistura de etanol/gasolina para os seus consumidores, ampliando o número de bombas, além de oferecer as necessárias garantias, e resolver outras questões de responsabilidade que ainda precisam ser equacionadas no médio prazo. Durante o período em análise, estima-se que a mistura de 10% de etanol à gasolina comum deva ser alcançada até 2012.


 

 

          

Os biocombustíveis sucedâneos do diesel, derivados de biomassa, que constam no mandato definido no RFS2, podem atingir 3,8 GL de biodiesel para ser utilizado em 2012. Este mandato está em aberto a partir de 2012, donde presume-se que se mantenha inalterado durante o resto do período, até 2020. Isto significa um crescimento acompanhando a demanda até atingir 4,8 GL em 2020. O biodiesel contribuirá para cobrir a lacuna do atraso da entrada no mercado de biocombustíveis avançados não-celulósicos, previstos em 57 GL para 2020. A produção de biodiesel de sebo ou gordura animal, óleos usados, bem como de óleo de milho (subproduto de usinas de etanol) deverá representar mais de 60% da produção de biodiesel dos EUA.    A Diretiva Energias Renováveis (RED) implementado pela União Européia estipula que a quota de fontes renováveis de energia (incluindo não-líquidos) deve aumentar para 10% do total de combustível do setor de transporte, até 2020.  O RED permite a substituição de combustíveis fósseis por outras fontes renováveis, como carros elétricos. A contribuição dos biocombustíveis de segunda geração será contada duplamente para ser contabilizada no atingimento das metas de mitigação da UE/RED. O documento da OECD/FAO não faz suposições sobre a evolução da frota de carros elétricos e de de fontes alternativas de energia renovável, neste contexto. (Para efeitos de demonstração de conformidade com obrigações nacionais de energias renováveis, impostas aos operadores, e a meta para o uso de energia proveniente de fontes renováveis,  em todos os meios de transporte referidos no artigo 3 (4), a contribuição dos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, detritos, material celulósico não alimentar deve ser considerada como o dobro da contribuição dos outros biocombustíveis, de acordo com a Directiva 2009-28/EC 200.)

 

           

           

O uso total de biodiesel na União Européia é projetada para aumentar em quase 85% durante o período da análise e alcançar cerca de 20 GL em 2020 representando uma proporção média de biodiesel nos diferentes tipos de diesel, cerca de 70% acima do período 2008-2010. A produção doméstica de biodiesel deve incrementar-se para manter-se equivalente à demanda. As importações devem permanecer estáveis, em torno de 2 GL, na média do período projetado, e ultrapassar 2,2 GL em 2020 (Figura 5).

A produção européia de etanol, principalmente de trigo, grãos e beterraba, deve aumentar para quase 16,5 GL em 2020. A produção de etanol de segunda geração será factível apenas nos últimos anos do período, devendo atingir 1,6 GL em 2020. O consumo de gasolina deve estagnar durante o período, quando comparado ao período de base (década anterior). A combinação dos dois fatores deve levar o market share do álcool para 8,2% do mercado de gasolina para transporte até 2020.

Quando o conteúdo energético do etanol e do biodiesel é computado em conjunto, e a contribuição dos biocombustíveis de segunda geração é contada em dobro (como nos cálculos de mitigação RED-alvo), projeta-se que a parcela de fontes renováveis de energia proveniente de biocombustíveis poderia chegar a quase 8,5% do total de combustível para transporte da frota de veículos a gasolina e diesel da UE, contrastado com a média de 5% durante o período 2008-2010. De acordo com estes cálculos, a média prevista na Diretiva (RED), de 10%, não seria atingida.

 

Figura 5. Projeções para o mercado europeu de biodiesel.

 


 

No Canadá, o mandato exige uma participação de 5% de etanol em volume na gasolina, iniciando-se em 2011 e mantendo-se durante todo o período da análise. Em consequencia, o consumo de etanol do Canadá deverá crescer em linha com o consumo de combustível. A produção nacional deverá aumentar ao longo do período de projeção para chegar a quase 2,4 GL em 2020. O uso do biodiesel está projetado para cumprir o mandato de mistura de 1,6% (2% em termos de volume) para todo o diesel utilizado no transporte, bem como para o óleo de aquecimento, até 2012.   Na Austrália, a participação do etanol na gasolina deverá permanecer praticamente inalterada durante o período de projeção, em cerca de 1,6%. Este valor será sustentado por políticas em vigor em New South Wales e Queensland, onde mandatos de mistura de etanol foram introduzidos em 2010. A porcentagem de biodiesel no diesel deve permanecer em torno de 2,7% em todo o período de projeção, e a maior parte da produção de biodiesel deve ser baseada em sebo animal.

           

           

4.2 Países em desenvolvimento

 

  Em 2010, a produção de biocombustíveis situou-se significativamente abaixo das expectativas na maioria dos países em desenvolvimento, com mandatos implementados ou metas ambiciosas para o uso de biocombustíveis, sendo Brasil e a Argentina as exceções. Isto resulta principalmente do fato de que o cultivo comercial de culturas alternativas para a produção de biocombustíveis, como pinhão manso ou mandioca é na maioria dos casos ainda um projeto experimental, de pequena escala. Esta restrição não permite a produção em larga escala de biocombustíveis, exceto em alguns países como a Nigéria ou Gana, onde o cultivo da mandioca está bem estabelecido. Durante o período de projeção, devido ao crescimento lento de fornecimento de biocombustíveis para uso doméstico no mundo em desenvolvimento, é provável que o consumo de biocombustíveis continue significativamente abaixo das metas e / ou mandatos. As exceções são os países que já têm um elevado potencial de produção de cana-de-açúcar ou óleos vegetais, predominantemente de óleo de palma.  

 

Brasil, Índia e China, devem responder por 85% da produção de 71 GL de etanol no mundo em desenvolvimento, esperado para 2020. Na China, a maioria do etanol produzido é utilizado na indústria alimentícia e química. Algumas regiões da Ásia e da América do Sul também devem se tornar notáveis produtores de etanol. Na Tailândia, a produção deverá crescer 1,5 GL, até alcançar cerca de 2,2 GL em 2020.    Investimentos na capacidade instalada de produção de etanol devem continuar a ocorrer. A produção de etanol derivado da cana de açúcar está prevista para expandir rapidamente, com crescimento de quase 6% ao ano, durante o período de projeção, para atender tanto a demanda nacional quanto internacional. O Brasil deve manter-se como segundo maior produtor global de etanol (primeiro em etanol de cana), com uma quota de 33% da produção mundial em 2020.   A situação no mercado brasileiro de etanol deve ser diferente da que prevaleceu em 2010, com o etanol recuperando a competitividade em relação ao açúcar,devido a uma combinação de fatores: os preços do açúcar bruto serão menores nos primeiros anos do período do Outlook; a área de cana deverá crescer e a produção de cana de açúcar deve se recuperar da má colheita de 2010; e os investimentos no mercado de etanol deve expandir largamente a atual capacidades de produção. Cerca de metade da produção de cana de açúcar está prevista para ser canalizada para o consumo doméstico de etanol, devendo alcançar 41 GL em 2020 (Figura 6). Este crescimento é impulsionado principalmente pela crescente frota de veículos flex-fuel no mercado brasileiro.

           

           

Figura 6. Evolução do bioetanol no Brasil.

 

O maior produtor de biodiesel no mundo em desenvolvimento ainda é a Argentina, que será responsável por cerca de 25% (3,2 GL) do biodiesel produzido nos países em desenvolvimento e 8% da produção de biodiesel mundial até 2020. No Brasil, a produção de biodiesel é baseada em óleo de soja, algodão e gordura vegetal e é esperado um aumento além dos 3 GL até 2020, como resultado de uma crescente demanda doméstica impulsionada por mandatos de biodiesel e incentivos para a sua produção no Norte do Brasil (a partir de óleo de palma).

 

            Em contraste, a Argentina (depois de cumprir sua meta de consumo doméstico) deverá continuar a centrar seu foco nos mercados de exportação, devido aos incentivos oferecidos pelo sistema tributário diferenciado de exportação. O mesmo é verdadeiro para a Malásia, onde a produção deve aumentar para cerca de 1,3 GL em 2020. Outros países do Leste Asiático, como Tailândia, Indonésia e Índia também vão aumentar significativamente a sua produção nacional de biodiesel, cada um para cerca de 1,5 GL. No entanto, a maior parte será destinada para o consumo interno devido a ambiciosas metas de mistura de biodiesel nacional.

           

 

 

 

Agronegócio 2011

Décio Luiz Gazzoni

Acho que haverá apenas uma má notícia importante para o nosso setor, durante 2011: o real deverá continuar valorizado, encolhendo as margens dos agricultores, que poderiam aproveitar este período de vacas gordas para capitalizar-se e criar um colchão para enfrentar as vicissitudes que sempre ocorrem, nos picos e vales do mercado agrícola internacional. Nada indica que a situação atual do câmbio será alterada, apesar da degradação da balança comercial e do processo acentuado de desindustrialização que o Brasil está enfrentando.   De resto, as perspectivas para este ano são particularmente animadoras, com uma conjunção de fatores rara de ocorrer: preços e produtividade em alta, ao mesmo tempo. Para a maioria dos produtos agrícolas (com raras exceções, como o feijão, restrito ao mercado doméstico), os preços internacionais estão em patamares elevados, com alguns destaques, como o açúcar e a soja. Outros produtos também estão em alta, como o suco de laranja, o café, o milho e a grande jóia da coroa dos próximos anos, que são os produtos madeireiros e outros derivados de florestas cultivadas.   De resto, as perspectivas para este ano são particularmente animadoras, com uma conjunção de fatores rara de ocorrer: preços e produtividade em alta, ao mesmo tempo. Para a maioria dos produtos agrícolas (com raras exceções, como o feijão, restrito ao mercado doméstico), os preços internacionais estão em patamares elevados, com alguns destaques, como o açúcar e a soja. Outros produtos também estão em alta, como o suco de laranja, o café, o milho e a grande jóia da coroa dos próximos anos, que são os produtos madeireiros e outros derivados de florestas cultivadas.

 

Os preços elevados são decorrência de três grandes fundamentos: a) os baixos estoques, que persistem já há algum tempo; b) a crescente demanda, em especial dos países emergentes (China e Índia como grandes locomotivas), que por sua vez também são causa dos baixos estoques; c) programas de incentivo à recuperação da economia, em diversos países. A FAO lançou um alerta de que os preços das commodities agrícolas alcançaram, em fevereiro de 2011, o mesmo patamar elevado de meados de 2008. Na época, o grande vilão respondia pelo nome de biocombustíveis. Hoje as acusações são difusas, sem um alvo específico, apesar das referencias aos subsídios agrícolas e especulação. Porém, eu insisto em um ponto, capital embora não exclusivo: a inserção social é a maior responsável pelo aumento dos preços dos produtos agrícolas.   Em economia raros são os fatos sem conseqüência. O esplendoroso crescimento dos países emergentes está provocando uma inserção social sem precedentes, trazendo centenas de milhões de pessoas, antes abaixo da linha da pobreza, para o mercado de produtos agrícolas, em especial de alimentos. A elevação dos preços das comodities nada mais é que o reflexo do descompasso entre a capacidade de oferta e a demanda real, escudado por estoques de passagem que não se recuperam. Um detalhe: estoques baixos significam vulnerabilidade, risco de desabastecimento em caso de acidentes climáticos ou outros problemas que afetem a produção. Portanto, enquanto não forem recuperados os estoques internacionais, e oferta e demanda não atingirem um ponto de equilíbrio, os preços internacionais de commodities agrícolas permanecerão acima dos valores históricos, quer o Diretor da FAO ou o Presidente da França queiram ou não!

 

O segundo aspecto que favorece o agricultor é a produtividade em alta, para quase todos os cultivos agrícolas, em praticamente todo o Brasil, conjugado com problemas climáticos enfrentados pelos concorrentes, seja na Argentina, na Austrália ou na Ucrânia. A produção de grãos do Brasil, em 2011, deve atingir novo recorde, bem como a produtividade dos cultivos também deve se situar em patamar acima dos anos recentes.   Aliás, esta é a única saída para o Brasil, no futuro próximo: expandir a produtividade, de forma sustentável, refreando a expansão da fronteira agrícola. Com a demanda de produtos agrícolas em alta, pelo menos nos próximos 20 anos, o Brasil deve insistir nesta trilha, para capturar o maior quinhão do crescimento da demanda. Que ninguém se iluda: apesar de o mercado internacional ser francamente comprador, não podemos nos arriscar a sofrer sanções por agressão ao ambiente ou descumprimento de preceitos sociais básicos, bem como devemos atentar para os princípios fundamentais de sanidade agropecuária. Estes são os três segmentos onde barreiras podem ser interpostas, para barrar ou dificultar o acesso do Brasil ao mercado internacional.   Neste particular, é fundamental haver uma gestão compartilhada entre o Governo e a iniciativa privada, em relação ao uso do solo no Brasil. A tese maior que tenho defendido é que devemos congelar, pelo menos por 30 anos, em 250 milhões de hectares a área efetivamente utilizada pela agropecuária, no Brasil. A busca pela máxima produtividade sustentável deve ser uma constante. Eventuais expansões de área, de um cultivo em particular, devem ocorrer à custa de recuperação de áreas degradadas ou de redução de área de pastagens, por ganhos zootécnicos no rebanho (precocidade, maior velocidade ganho de peso, desfrute maior). Áreas de florestas nativas que forem incorporadas à agricultura, mesmo que ao abrigo da Lei, devem ser acompanhadas de expansão da área de florestas comerciais cultivadas, ou reflorestamento à conta de programas governamentais, para evitar qualquer ilação de mau comportamento ambiental do agronegócio brasileiro. Isto feito, teremos, nas próximas décadas, diversas repetições do bom ano de 2011.

 

 

Produção sustentável
Décio Luiz Gazzoni

  O termo "sustentável" provém do latim sustentare (sustentar; defender; favorecer, apoiar; conservar, cuidar). O conceito moderno de sustentabilidade começou a ser delineado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972. Foi a primeira oportunidade em que a ONU patrocinou uma reunião para discutir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente.  

 

Embora a expressão "desenvolvimento sustentável" ainda não fosse usada na época, a declaração já abordava a necessidade de defender e melhorar o ambiente humano para as atuais e futuras gerações, um objetivo a ser alcançado juntamente com a paz e o desenvolvimento econômico e social. Verifica-se que, desde a sua gênese, o conceito de sustentabilidade envolve um tripé fundindo indissoluvelmente aspectos ambientais, sociais e econômicos. Nada será sustentável se deixar de atender a um dos quesitos, perfeitamente harmonizado com os demais. Uma elaboração complexa, inteligente e integradora.   A definição correntemente aceita de sustentabilidade na agropecuária deriva do "Relatório Brundtland" preparado a pedido da ONU e publicado em 1987 com o título Our Common Future, e reza que "o uso sustentável dos recursos naturais deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas". A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92 ou ECO-92), consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, plasmando em definitivo meio ambiente e desenvolvimento quando se trata de sustentabilidade, consolidando a iniciativa esboçada na Conferência de Estocolmo. A RIO-92 adotou, oficialmente, o conceito de desenvolvimento sustentável, elaborado pela Comissão Brundtland. Na ECO-92 também foi elaborada a Agenda 21, um amplo e abrangente programa de ação, visando a sustentabilidade global no século XXI.   A Cúpula da Terra sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 em Joanesburgo, reafirmou os compromissos da Agenda 21, propondo a maior integração das três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental). Avançou além do proposto na ECO-92 ao propor programas e políticas centrados nas questões sociais e nos sistemas de proteção social.

 

Sustentabilidade e agropecuária

Integrando os aspectos sociais, ambientais e econômicos, derivados das considerações anteriores, entendo que a agricultura sustentável provê as necessidades da sociedade de produtos agrícolas de qualidade, com respeito ao meio ambiente e remunerando as cadeias produtivas de forma a mantê-las em atividade. Eatabelecido o intróito, passemos a discutir o conceito de sustentabilidade aplicado à agropecuária. O crescimento populacional – embora declinando progressivamente até a estabilização, na metade deste século - e a inserção social – que aumentará progressivamente, rumo à eliminação da fome estrutural no mundo - serão os principais vetores da demanda de produtos agrícolas, nas próximas décadas. Estas premissas constituem o fulcro da questão social da sustentabilidade na agropecuária, ou seja, o mercado de produtos agrícolas cresce essencialmente por inserção social, até que a população do mundo tenha suas necessidades nutricionais atendidas. Para tanto, é necessário aumentar significativamente a produção agrícola.   Entretanto, destarte o aumento da demanda de alimentos e de outros produtos agrícolas - em especial pela inserção social - no médio e longo prazos acentuam-se as restrições físicas e ambientais à incorporação de novas áreas, pois as áreas agricultáveis do mundo estão atingindo sua fronteira e as que sobraram são ambientalmente sensíveis. Ao mesmo tempo, aumenta a insegurança da produção, por força das mudanças climáticas globais. Esta é a síntese das questões ambientais envolvidas na produção agropecuária. A grande saída que o mundo dispõe para aumentar a produção - diminuindo o custo dos alimentos e mantendo a renda dos agricultores - é a tecnologia adequada e seu corolário prático, a produtividade agrícola. Este é o desafio econômico. Felizmente, a produtividade agrícola pode atender adequamente aos três pilares da sustentabilidade, desde que os sistemas de produção sejam intrinsicamente sustentáveis.

 

Sustentabilidade e mercado

Este dueto configura um casamento duradouro. Para garantir espaço no mercado, será necessário demonstrar a sustentabilidade na produção agrícola. E o Brasil vem se preocupando com esta questão. Para ilustrar cito duas iniciativas que apoiam a busca da sustentabilidade na cultura da soja:

  1. Desafio Soja – Trata-se de uma iniciativa pioneira da OSCIP Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB) que, desde 2008, propugna o incremento constante da produtividade sustentável da soja brasileira, com observância dos requerimentos trabalhistas e ambientais, e lastreada em tecnologia intrinsicamente sustentável;
  2. Soja Plus – Trata-se de um sistema de certificação voluntária, lançado em 2011, que inclui aspectos trabalhistas e ambientais na produção de soja, e que envolve diversos atores da cadeia de soja, tanto públicos quanto privados.

A sustentabilidade será fundamental para o contínuo crescimento do agronegócio brasileiro, e o agricultor contará cada vez mais com as iniciativas como as citadas, para orientá-lo no rumo de sempre produzir de forma sustentável.

 

 

 

Nutrição vegetal sustentável

Décio Luiz Gazzoni

 

Os fertilizantes químicos são produzidos a partir de matérias primas finitas (não renováveis) e com grande consumo de energia. Surpreendentemente, o Nitrogênio (N) – o nutriente que mais demanda energia para sua obtenção - é o único que pode ser fornecido às plantas de forma renovável, sustentável e com baixo consumo de energia. Isto é muito importante, porque o nitrogênio é o nutriente requerido em maior quantidade pela cultura da soja, que necessita 80 kg de N para cada 1.000 kg de grãos produzidos.   A associação simbiótica entre bactérias fixadoras de nitrogênio e plantas da família Fabaceae (leguminosas) é conhecida há muito tempo. Além da simbiose, pesquisas realizadas nos últimos anos permitiram identificar bactérias capazes de realizar o processo de fixação do nitrogênio em gramíneas, um tipo de associação menos estreita do que aquela que ocorre com as leguminosas. Como exemplo, a associação entre a cana-de-açúcar e bactérias endofíticas foi identificada em pesquisas realizadas sob a batuta de uma das decanas da pesquisa agropecuária brasileira, a Dra. Johanna Döbereiner.

 

 

 

As bactérias

 

Seguindo a trilha da Dra. Johanna, uma de suas pupilas, a Dra. Mariangela Hungria - pesquisadora da Embrapa Soja - liderou uma equipe de pesquisadores que iniciou, em 1996, um ciclo de estudos sobre a identificação de bactérias do gênero Azospirillum, objetivando desenvolver uma tecnologia que reduzisse a necessidade de adubação nitrogenada nas culturas do milho e do trigo. Estas bactérias possuem a habilidade não só de fixar o nitrogênio atmosférico e repassar parte das substâncias nitrogenadas produzidas para as plantas mas, principalmente, de promover o crescimento das plantas, particularmente das raízes, pela produção de fitormônios. Com isso, ocorre maior absorção de nutrientes e de água, melhorando a tolerância da planta ao déficit hídrico e otimizando a nutrição mineral das plantas.   Existem diversas espécies de bactérias benéficas aos vegetais, das quais a mais conhecida pelo agricultor é a responsável pela fixação biológica de nitrogênio na soja, do gênero Bradyrhizobium. Conhecida como rizóbio, ela permite dispensar a adubação nitrogenada na cultura de soja, no Brasil. Já as bactérias do gênero Azospirillum não são tão eficientes quanto os rizóbios, pois excretam somente uma parte do nitrogênio atmosférico fixado, suprindo apenas parcialmente as necessidades da planta à qual estão associadas.

 

          

A pesquisa

       

Os estudos iniciaram com a identificação das estirpes (ou cepas) de Azospirillum que fossem mais eficientes com as culturas do milho e do trigo, um trabalho em parceria entre a Embrapa Soja e a UFPR. Com base nos resultados da pesquisa com ensaios de campo, conduzidos por cinco anos em Londrina e Ponta Grossa, foram identificadas algumas estirpes que aumentaram a produção de grãos do milho em 24-30% e em 13-18% no trigo.   Foram, então, estudas formulações à base de turfa e líquida para as melhores estirpes. Duas dessas estirpes, a Ab-V5 e a Ab-V6 foram eficientes tanto para o milho, como para o trigo, levantando maior interesse por parte da iniciativa privada. A seguir foram conduzidos estudos em parceria com a iniciativa privada para obter uma formulação comercial líquida.

 

 

Os resultados

 

Os ensaios de campo conduzidos pela Embrapa Soja comprovaram a eficiência do produto formulado em parceria com a iniciativa privada, demonstrando que a inoculação da semente de trigo, semeado após a soja e com a aplicação de apenas 20 kg de nitrogênio por hectare, permite atingir a produtividade de 2.600 kg/ha. Aplicando-se apenas 24 kg/ha de nitrogênio na cultura de milho inoculado com Azospirillum foi possível obter 3.400 kg/ha. De acordo com a Embrapa Soja, esta produtividade é economicamente viável, para o cultivo de milho na safrinha ou para a agricultura familiar. Quando o milho recebe uma adubação suplementar de 30 kg/ha em cobertura, a produtividade mais do que dobra, atingindo até 7.000 kg/ha.

  A equipe da Dra. Mariangela estima que a economia com a inoculação com Azospirillum possa ser superior a 3 bilhões de reais por ano, se adotada por todos os produtores de milho e trigo, que reduziriam em 50% o uso de adubação química de nitrogênio. Este não é o único benefício para os agricultores e para a sociedade. A tecnologia contribui para a sustentabilidade da agricultura, reduzindo a demanda de matérias primas finitas e de energia, diminuindo a poluição causada por adubos nitrogenados, altamente solúveis, em que parte do adubo aplicado acaba sendo arrastado para os cursos de água e contribuindo para a redução na emissão de gases de efeito estufa.

 

 

Maiores informações sobre a tecnologia podem ser obtidas na Embrapa Soja, ou acessando a publicação “Inoculação com Azospirillum brasilense: inovação em rendimento a baixo custo” (http://www.cnpso.embrapa.br/download/doc325.pdf).

 

 

 

O desafio da segurança alimentar

Décio Luiz Gazzoni

 

  Em 2010 foi constituído um grupo de experts em agricultura, desenvolvimento, ciência, política e economia, liderado pelo senador norte americano Thomas A. Daschle, para preparar um estudo com o objetivo de delinear uma estratégia para garantir a segurança alimentar da sociedade global, ao longo do século XXI. Referido grupo foi respaldado pela Du Pont, porém o resultado do estudo encontra-se disponível em http://dlgazzoni.discovirtual.uol.com.br/disco_virtual/Sustainable/Report.zip. Apresentamos, a seguir, um resumo do referido documento.  

 

 

O pano de fundo

 

De acordo com os membros do comitê, o cerne do desafio está em atender à crescente demanda de alimentos, para atender uma população global que aumenta em cerca de 78 milhões de pessoas a cada ano – uma Alemanha! De minha parte acrescentaria que, nos próximos 20 anos, o mundo deverá solucionar o dilema de 1 bilhão de pessoas que, atualmente, sofrem sérias restrições de acesso a alimentos, de acordo com a FAO. Isto significa outros 50 milhões de pessoas que ingressarão no mercado de alimentos, a cada ano.   A garantia de comida suficiente para atender a demanda torna-se progressivamente desafiadora até 2050, quando a população global ultrapassar 9 bilhões. Para atender esta demanda, a produção de alimentos deve ser 70% por cento maior do que é hoje. Até aí, nada de mais, haveria área de expansão da agricultura suficiente para atender a demanda. Entretanto, dois fatos principais potencializam o desafio:

1. A sociedade global não aceita mais a solução simplista de expandir área à custa de mais impacto ambiental;

2. As mudança climáticas globais em curso reduzem a viabilidade agrícola de algumas áreas potenciais e criam insegurança na produção de áreas tradicionais.

  Como os atuais estoques de grãos encontram-se em níveis historicamente baixos, e como já vivemos um desequilíbrio entre oferta e demanda (refletida no alto preço das commodities agrícolas)  o desafio do futuro já é presente. De acordo com a FAO, já a partir de 2011 existem mais pessoas vivendo nas cidades que nos campos. A migração continuará ocorrendo nas próximas décadas, estimando-se que, em 2050, cerca de 70 por cento da população mundial viverá em cidades. As preferências dos consumidores também mudarão conforme a renda per capita nos países em desenvolvimento subir, aumentando o consumo de carnes e alimentos processados.

 

  

O desafio

 

Além disso, como as populações crescem e envelhecem, há uma maior necessidade de alimentos mais nutritivos e com características funcionais para garantir a saúde e o bem estar. Finalmente, e não menos importante, a sociedade demandará da agropecuária – além de alimentos – energia, produtos madeireiros, flores e plantas ornamentais, biomassa para a indústria química, plantas medicinais, entre outros produtos.  

Este conjunto único de variáveis cria uma das questões mais desafiadoras do mundo já enfrentou, e que ameaça a estabilidade política e econômica das nações ao redor do mundo. A urgência deste desafio exige um esforço concertado de todas as partes, começando agora. De acordo com o grupo que elaborou o estudo, o desafio é triplo:

• Produzir mais alimentos e melhorar o seu valor nutricional;

• Universalizar o acesso aos alimentos acessíveis;

• Enfrentar o desafio de uma forma contínua de maneira mais sustentável e abrangente.

 

  

A solução

 

  Para atender a estas necessidades, impõe-se uma abordagem multifacetada e inovadora. A mescla entre conhecimentos e práticas já existentes e as inovações tecnológicas que advierem, devem ser divulgadas rapidamente, para que os agricultores de todo o mundo possam ser bem sucedidos. O desafio exige novos tipos de investimentos, as estruturas políticas e de regulamentação, e colaborações criativas entre uma variedade de parceiros globais e locais, e entre os sectores público e privado. Para tanto, algumas condições são importantes, como destaca o grupo, das quais selecionamos duas:  

 

 

1. Os agricultores têm que estar no fulcro do processo de criação de soluções sustentáveis, sendo transversais nas políticas públicas. Estima-se que existem 500 milhões de pequenos agricultores no mundo, responsáveis por alimentar 2 bilhões de pessoas, e respondendo por 80% do alimento produzido na África e na Ásia. Ocorre que estes agricultores, em média, obtém 10% da produtividade de seus colegas situados na Europa ou nos EUA. Donde se conclui que existe muito espaço para melhoria, com a tecnologia atual, e que mesmo pequenos avanços (exemplo: passando de 10 para 20% da produtividade dos países ricos) pode significar um grande alívio na oferta de alimentos, já nesta década.  

2. Um esforço compreensivo e colaborativo é necessário. Será necessário investir em melhores variedades, adaptadas à diversidade de solos e clima; o uso de fertilizantes deve ser efetuado de forma racional, perseguindo a máxima eficiência econômica; perdas na colheita, no transporte, no armazenamento, na comercialização e nos locais de consumo devem ser enfrentadas, reduzidas ou eliminadas; igualmente acesso ao crédito e ao mercado e infraestrutura são fundamentais. Também completaria afirmando que, no futuro próximo, tecnologias avançadas para superar estresses bióticos (pragas) e abióticos (solo, clima) serão fundamentais para expressar o potencial produtivo das variedades.

 

 

 Em conclusão, temos um enorme desafio pela frente, porém também dispomos das ferramentas adequadas para solucioná-lo a contento. Trata-se de colocar o tema alimentação no topo das prioridades globais e alinhavar as políticas públicas e as práticas comerciais para solucionar a questão.

 

           

Outlook 2011-2020

Parte III – Perspectivas do Mercado de Biocombustíveis 

Décio Luiz Gazzoni

 

1.    Matérias-primas utilizadas

           

 

 A Figura 7 apresenta alguns produtos agrícolas de importância no mercado internacional, com a variação de preços entre a década anterior e a década do Outlook (2011-2020). Observa-se uma elevação próximo a 20% para o milho e de 22% para os óleos vegetais, fortemente influenciados pelo crescimento da produção de etanol e biodiesel, assim como um crescimento de 20% para o açúcar bruto, em parte influenciado pela destinação da cana para produção de etanol.

O preço médio do biodiesel cresce 21% no período, entretanto  o maior pico de alta ocorre com o etanol (55%), pela forte demanda gerada pelos mandatos das políticas públicas e pelo aumento da demanda no mercado internacional, potencializada pela incapacidade de suprimento do próprio mercado pelos países desenvolvidos e o afrouxamento das políticas de subsídios, justamente para permitir o cumprimento dos mandatos.

             A figura 8 projeta o crescimento da produção de etanol produzido a partir de diversas matérias-primas. Milho e cana-de-açúcar continuarão a ser as principais matéria-primas do etanol na próxima década. Em 2020, 44% do etanol mundial deverá ser produzido a partir de grãos e 36% da cana de açúcar. A produção de etanol celulósico deve representar apenas 5% da produção global.

 

 

 

Figura 7. Relação reais de preços de produtos agrícolas entre o período 2011-2020 e a década anterior 2001-2010.

 

Figura 8. Evolução do etanol global por matéria-prima


 

   

             Nos países desenvolvidos, a proporção de etanol à base de milho sobre o etanol total produzido deve diminuir de 89% - média no período 2008-10 - para 78% em 2020. Etanol à base de trigo deve representar 6% da produção de etanol nos países desenvolvidos, em comparação com 3% durante o período de base, com a maior parte da produção ocorrendo na UE. Etanol de beterraba deve responder por 4% da produção de etanol em todo o período de projeção. A produção de etanol celulósico deve crescer nos países desenvolvidos a partir de 2017, para representar cerca de 8% da produção total de etanol até 2020, nestes países.

            Nos países em desenvolvimento, mais de 80% do etanol produzido em 2020 deverá ser baseado em cana-de-açúcar, resultado da predominância da produção de etanol brasileiro. Etanol à base de raízes e tubérculos, como a mandioca, deve responder por cerca de 4%. A imagem é diferente se o mercado do etanol brasileiro é excluído. Nesse caso, no mundo em desenvolvimento, a quota de melaço na produção de etanol atinge 40% da produção de etanol, enquanto o etanol de grãos deve atingir 17%, e a percentagem de raízes e tubérculos também é muito maior (15%).

 

          Em particular, o cultivo da mandioca para produção de etanol pode ter um grande potencial no mundo em desenvolvimento, excetuando-se o Brasil, concentrando-se na África. No entanto, os altos custos de produção e as estruturas de pequena escala de produção, especialmente em comparação com cana-de-açúcar, impedem uma expansão de mercado.

            A Figura 9 apresenta a divisão do crescimento projetado da produção de biodiesel entre as diversas matérias-primas utilizadas. Mais de 75% da produção mundial de biodiesel deve provir de óleos vegetais em 2020. O pinhão manso deve responder por, no máximo, 7% da produção global de biodiesel em 2020. Nos países desenvolvidos, a proporção de óleo vegetal para produção de biodiesel deve diminuir de 85% (média no período 2008-10) para 75% em 2020.

O biodiesel produzido a partir de fontes animais, como gordura e sebo, bem como de resíduos de óleos e subprodutos da produção de etanol, deve representar cerca de 15% do biodiesel total produzido no mundo desenvolvido, ao longo do período de projeção. A produção de biodiesel de segunda geração deve crescer nos países desenvolvidos a partir de 2018 e representará cerca de 30% do biodiesel mundial em 2020.

           

 

Figura 9. Evolução do biodiesel global por matéria-prima.

 

As matérias-primas mais importantes para produção de biodiesel nos países emergentes serão o óleo de palma ou de soja. Isto resulta de um forte incremento na produção de soja na Argentina e no Brasil, além do incentivo à produção de óleo de palma no Norte do Brasil e a produção já existente no Sudeste asiático, além de eventuais expansões na África e América Latina. A produção de pinhão manso não deve exceder 7% em termos globais (14% se excluído o Brasil e a Argentina), devido à enorme dificuldade de desenvolver sistemas de produção confiáveis de Jatropha, que efetivamente atraiam empresários empreendedores.

            O óleo de colza possui menor importância para produção de biodiesel nos países em desenvolvimento, com a exceção do Chile, onde as condições climáticas permitem o cultivo extensivo de colza. A produção de biodiesel a partir de óleo de canola também ocorre nos países em transição como a Ucrânia e o Cazaquistão. Menos importante do ponto de vista de uma perspectiva global, mas notável a partir de uma perspectiva nacional, é a produção de biodiesel de sebo no Paraguai e Uruguai, como resultado da pecuária altamente desenvolvida nesses países.

 

 

A utilização de biocombustíveis continuará a representar uma parte importante da demanda mundial de cereais, cana-de-açúcar e de óleo vegetal ao longo do período. Em 2020, 12% da produção mundial de alguns grãos, como o milho, serão usados para produzir etanol, em comparação com 31%, em média, durante o período de 2008-10. Igualmente, 16% da produção mundial de óleo vegetal serão usados para produzir biodiesel, em comparação com 11%, em média, do período 2008-10; e 33% da produção mundial de cana-de-açúcar, em comparação com 21%, em média, durante o período 2008-10. Durante a próxima década, 21% do aumento global de grãos, 29% do óleo vegetal e 68% do aumento da produção de cana-de-açúcar mundial devem ser destinados para a produção de biocombustíveis.

 

 

1.    Comércio de etanol e biodiesel

   

O comércio de etanol deve representar cerca de 7% da produção global, em média, ao longo do período de projeção. Prevê-se uma recuperação da situação de baixa, em 2010, quando as exportações de etanol brasileiro foram fortemente reduzidas. Para manter o ritmo da demanda e dado o lento crescimento esperado da produção de etanol de segunda geração, as importações líquidas dos EUA devem chegar a 9,5 GL em 2020. As importações de etanol a partir da cana pode ser computadas no mandato RFS2 para a categoria "avançado". Parte das importações de etanol dos EUA devem ser na forma de etanol brasileiro desidratado no Caribe, importados com isenção de direitos aduaneiros ao abrigo da Iniciativa da Bacia do Caribe.   Em nível global, o crescimento no comércio vem quase que inteiramente por expansão das exportações do Brasil e da Tailândia. As exportações brasileiras de etanol deverão alcançar 9,7 GL em 2020. Para a Tailândia, as exportações de etanol deverão aumentar para cerca de 0,5 GL, em 2020. Na UE, as importações de etanol devem aumentar, inicialmente, para atender a demanda crescente de etanol, devendo atingir cerca de 4 GL em 2013. Devido aos critérios de sustentabilidade da RED e o desenvolvimento esperado de etanol celulósico, nos últimos anos do período em análise, as importações de etanol devem diminuir para 2,3 GL em 2020.   A Argentina deverá continuar a ser o exportador de biodiesel mais importante, e as exportações devem chegar a cerca de 2,5 GL em 2020, sendo a produção baseada em óleo de soja.. As exportações da Malásia também aumentarão de 0,4 para 0,8 GL e a Colômbia vai exportar 0,25 GL em 2020. O comércio de biodiesel permanecerá baixo na maioria dos países, cujos mandatos obrigam a colocar o biodiesel no mercado interno. As necessidades de importação da UE deverão manter-se relativamente constantes ao longo do período de projeção, cerca de 2 GL por ano, vez que a produção europeia deve ter  um aumento na mesma taxa do incremento da sua demanda.

        

 

2.    Evolução das políticas

Os últimos anos têm mostrado como os mercados de biocombustíveis podem ser fortemente afetados por mudanças em políticas setoriais ou transversais, por eventos macroeconômicos e mudanças no preço do petróleo. A interação destes diferentes fatores produz impactos na rentabilidade da indústria e, assim, modifica as decisões dos investidores e os gastos em P & D.   No momento, há uma considerável incerteza sobre a renovação do crédito de impostos sobre o etanol nos EUA, que reverte para os blenders. Se esses elementos de política energética forem removidos, a plena integração dos os EUA no mercado mundial de etanol mudaria as perspectivas contidas na análise. Por exemplo, a produção de biodiesel nos EUA pode diminuir substancialmente, como foi o caso quando a renovação do crédito para os blenders foi posta em cheque, e adiada por um largo prazo, em 2010.  

As exportações brasileiras de etanol poderiam ser canalizados diretamente para os EUA, posto que o etanol de cana de açúcar é mais competitivo que o etanol de milho. Com a maturidade da indústria de biocombustíveis e as crescentes preocupações sobre a concorrência entre alimentos e combustível, e seu impacto sobre os preços dos alimentos, é possível que os subsídios do governo e outras medidas sensíveis contidas nos orçamentos de apoio à produção ou consumo de biocombustíveis podem ser objeto de reduções graduais.

             

3.    Dos biocombustíveis de primeira geração a outras fontes de energia renovável

Biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas agrícolas são vislumbrados como um primeiro passo para o desenvolvimento de fontes de energia renováveis, em especial na produção de  combustíveis líquidos para o transporte. A futura transição para biocombustíveis de segunda geração, produzidos a partir de biomassa lignocelulósica, resíduos ou outras matérias-primas não alimentares, depende do avanço da Pesquisa e do Desenvolvimento Tecnológico, ao longo dos próximos anos.   Também pesam os investimentos produtivos que estão sendo feitos, bem como a continuação de políticas que criaram mandatos ambiciosos para a produção de biocombustíveis de segunda geração. Neste contexto, a produção comercial não depende apenas da viabilidade econômica plena. A análise da OCDE/FAO é muito cautelosa sobre o potencial de médio prazo de biocombustíveis de segunda geração, acreditando que os mesmos só produzirão impactos no final do período de projeção. A continuidade do lento desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração pode levar à demanda de importações adicionais para os países com mandatos mais ambiciosos uso de biocombustíveis.   Outras fontes de energia renováveis podem desempenhar um papel maior no futuro. A RED explicitamente permite que a eletricidade renovável, utilizada no setor dos transportes, possa contar para a quota das energias renováveis, de 10% dos combustíveis na área de transportes. O ritmo de desenvolvimento de veículos elétricos ou híbridos permanece incerto, por enquanto, mas poderia potencialmente reduzir a necessidade de biocombustíveis derivados de produtos agrícolas para atender os mandatos estabelecidos pelos Estados-membros europeus.

                      

 

4.    Critérios de sustentabilidade

Os critérios de sustentabilidade que estão embutidos nas políticas dos principais países que impõem mandatos ambiciosos de substituição de energia fóssil, devem continuar a afetar os mercados de biocombustíveis. Produtores de biocombustíveis nos Estados Unidos e na União Europeia têm de cumprir as metas mais drásticas de emissões de GEE. A Regra RFS2 final requer reduções específicas de emissões de GEE para os diversos biocombustíveis.

            Combustíveis convencionais renováveis devem reduzir gases de efeito estufa em 20%, quando comparados à gasolina; biodiesel e biocombustíveis não-celulósicos avançados devem reduzir a emissão de GEE em 50%; e biocombustíveis celulósicos em 60%. As instalações de produção de etanol convencional já existentes estão isentas dessa obrigação, mas as novas usinas terão que cumpri-la. A RED especifica que um biocombustível deve alcançar uma redução inicial de, pelo menos, 35% de GEE. Este limiar de 35% vai subir para 50% em 2017 para as instalações existentes e 60% para novas instalações de produção.

 

Do ponto de vista comercial, os impactos dos critérios de sustentabilidade podem ser consideráveis, podendo limitar a disponibilidade de biocombustíveis importados ou matérias-primas de biocombustível, se os países não cumprirem as políticas em vigor nos países importadores. Portanto, é lícito esperar a ocorrência de disputas comerciais relativamente à fixação das reduções de emissões de GEE de diferentes biocombustíveis.

            Por exemplo, para o RFS2 nos EUA, o padrão de poupança de emissões de GEE do biodiesel de óleo de soja é definido como 57%, portanto acima do teto de 50% fixado pela política. Para a RED, esta poupança padrão é de apenas 31%, abaixo do limiar de 35% fixado pela política. Esta diferença pode afetar tanto o comércio de soja (grão), quanto o de óleo de soja (para produção de biodiesel) ou do biodiesel de óleo de soja, uma vez que o RED seja implementado. Enquanto isso, o comércio de biodiesel à base de óleo de palma pode ser afetada por requisitos para certificação de práticas de produção sustentáveis, tanto ambiental quanto socialmente.

           

             

5.    Desenvolvimento de indústrias de biocombustíveis nos países em desenvolvimento

A disponibilidade de dados sobre a produção e utilização de biocombustíveis não é confiável, em muitos países em desenvolvimento. A intenção declarada de alguns desses países é o de aumentar substancialmente a capacidades de produção, bem como o uso doméstico, para os próximos anos. Se os países têm baixa capacidade de produção doméstica de matérias-primas de biocombustíveis, pairam dúvidas se eles serão capazes de atender a demanda interna sem a utilização de importações. Em países onde a matéria-prima de biocombustíveis não é produzida em grandes quantidades, os planos estão em vigor ou sendo desenvolvidas para aumentar a capacidade de produção de alternativas.   No entanto, ainda é muito difícil encontrar matérias-primas competitivas em larga escala, que não seja derivada de culturas alimentares, sendo o pinhão manso um bom exemplo para este fato: mais se fala sobre o pinhão manso do que efetivamente se produz óleo de pinhão manso, em escala global! Mesmo que ocorra uma rápida melhoria de materiais de plantio adaptado a diferentes condições de cultivo, utilizando métodos de biotecnologia e melhoramento genético avançado, ainda restam muitas questões agronômicas a serem resolvidas para a produção de pinhão manso em larga escala, ao longo da década. Assim, ainda é possível que um aumento notável nessas matérias-primas alternativas pode ocorrer, mas a discussão sobre datas e volumes ainda é muito controversa.   Alguns países em desenvolvimento podem se tornar exportadores importantes no futuro, como a Malásia e a Indonésia, no caso da produção de biodiesel . A produção atual na Malásia responde por, aproximadamente 45% da capacidade de produção disponível, estimada em 1,75 GL, em 2010. Menos ainda da capacidade disponível é atualmente utilizada na Indonésia, onde apenas cerca de 10% da capacidade instalada (estimada em cerca de 4 GL) foi utilizado em 2010. Não está claro se esta capacidade pode ser melhor aproveitada ou se pode até crescer nos próximos anos. O regime de certificação de sustentabilidade RED da UE pode afetar as importações de biodiesel de óleo de palma destes países, portanto pode impactar negativamente a produção de biodiesel da Malásia e da Indonésia e as suas exportações, caso estes países não atendam as exigências ambientais e sociais da certificação.

           

 

6.    As implicações da expansão da produção de matéria-prima para bioenergia sobre os sistemas aquáticos

 A agricultura mundial enfrenta um enorme desafio nas próximas décadas, para produzir mais alimentos, rações e fibras, devido à população crescente, ao aumento da renda per cápita e às mudanças de hábitos alimentares.  Pressões adicionais decorrem da industrialização, da rápida urbanização da população mundial e das Mudanças Climáticas, para o que a gestão sustentável dos sistemas de água será vital.

O crescimento previsto na produção agrícola para  matéria-prima de biocombustíveis, tem levantado preocupações sobre a pressão que isso possa ter sobre os sistemas hídricos Na prática, como o cultivo de matérias-primas para bioenergia não é diferente dos cultivos destinados à produção de alimentos, fibras ou pecuária, suas consequências ambientais devem ser semelhantes. No entanto, a rápida expansão da produção de matéria-prima para bioenergia tem levantado preocupações relacionadas com a competição por recursos hídricos, em regiões onde a sua escassez representa um sério problema, e os impactos na qualidade da água representam uma preocupação da sociedade.

  Os impactos globais sobre os recursos hídricos decorrentes do cultivo de matérias-primas agrícolas para a produção de bioenergia (biocombustíveis, energia e calor) pode ser difícil de rastrear. A produção de matéria-prima que necessita de irrigação varia com o tipo de matéria-prima e região. O cultivo de colza na Europa, por exemplo, não requer irrigação, e o milho nos Estados Unidos é em grande parte alimentado pela chuva, com apenas cerca de 3% da água retirada da irrigação. Globalmente, cerca de 1% da irrigação é aplicada às culturas para produção de biocombustíveis. A quantidade de água necessária para produzir cada unidade de energia, a partir de matérias-primas de segunda geração de biocombustíveis (ex. resíduos da colheita celulósico), é 3-7 vezes menor do que a água necessária para produzir etanol a partir de colza, milho, etc.

           

 

 Matérias-primas de segunda geração, como a das árvores e de florestas cultivadas, podem capturar uma proporção maior da precipitação anual, em comparação com culturas semeadas anualmente, em áreas onde grande parte das chuvas ocorre fora da safra normal de crescimento, e também ajudar a reduzir a erosão do solo e trazer benefícios, como o controle de enchentes. Assim mesmo, matérias-primas de segunda geração que oferecem o potencial para reduzir a demanda de água de irrigação, não é necessariamente um axioma definitivo, pois o resultado final pode depender do tipo de matéria-prima cultivada, da localização da produção e da referência de matérias-primas de primeira geração. Além disso, algumas matérias-primas de segunda geração podem requerer irrigação durante o estabelecimento, para alcançar altos rendimentos, portanto, o impacto final sobre os balanços hídricos são incertos, até que estes sistemas de produção sejam implantados e avaliados.    Os impactos da qualidade da água na produção de matéria-prima da bioenergia derivam das práticas de gestão utilizadas em seu cultivo, incluindo o uso de agroquímicos, enquanto as plantas de processamento para transformar matérias-primas para a bioenergia podem, também, ter impactos na qualidade da água. Grande parte da produção projetada de biocombustíveis deve ser derivada do milho, o que poderia resultar em aumento dos níveis de sedimentos do solo e poluição da água por nutrientes, particularmente onde o milho é cultivado em terras agrícolas marginais, que contribui para o sedimento mais elevado do solo, e para a erosão ou carregamento destes nutrientes.

           

           

           

Isso pode ter consequências significativas para a qualidade da água, especialmente nos rios e zonas costeiras. Para plantações de madeira utilizada como matéria-prima da bioenergia, a depuração de vegetação  em sistemas de gestão de madeira pode alterar as propriedades físicas de sistemas de água, tais como a turbidez, temperatura da corrente de luz e infiltração de corpos d'água. Se a aplicação de nutrientes é necessária para plantações de florestas cultivadas, a infiltração de nutrientes também pode representar um risco para a água subterrânea.       A principal conclusão da maioria dos estudos sobre as relações entre a produção de bioenergia a partir de matérias-primas agrícolas e a qualidade da água é que, em matérias-primas em geral a partir de culturas anuais, como milho e oleaginosas, podem ter um impacto mais prejudicial sobre os sistemas de água do que matérias-primas de segunda geração, como o florestas de curta rotação. Outra conclusão importante é que a localização da produção e do tipo de prática agrícola, o sistema de rotação de culturas e outras práticas agrícolas de gestão utilizado na produção de matérias-primas para bioenergia, também vão influenciar bastante os sistemas de água. Além disso, o aumento do uso de bioenergia a partir de resíduos agrícolas e alimentares (por exemplo, palha, estrume, restos de comida, gorduras animais) pode ajudar a diminuir a demanda para a produção de matérias-primas a partir de plantas cultivadas e, portanto, reduzir os impactos ambientais.

 

 

Ciclo de vida do biodiesel de soja: I. Antecedentes e Parâmetros

Décio Luiz Gazzoni

 

  O Dr. Anup Pradhan, Professor Associado do Departamento de Biologia e Engenharia Agrícola da Universidade de Idaho, liderou uma equipe que reavaliou as informações existentes sobre o ciclo de vida do biodiesel de soja. O extenso artigo foi publicado na revista Transactions of the ASABE, Vol. 54(3): 1031-1039 2011, editada pela American Society of Agricultural and Biological Engineers. Em uma série de dois artigos, vamos trazer para o leitor de Biodieselbr as principais informações que contém o estudo, uma vez que o ciclo de vida do biodiesel se constitui, atualmente, no mais importante parâmetro para definição dos biocombustíveis avançados, uma das chaves para abrir o mercado internacional de biodiesel e de outros biocombustíveis. Ao final do segundo artigo, incluiremos, como anexo, uma extensa bibliografia de suporte aos dados e informações utilizadas para o estabelecimento do LCA.  

       

 

RESUMO

 

      

A primeira avaliação do ciclo de vida completo (LCA, na sigla em inglês) para o biodiesel de soja produzido em os EUA foi concluída pelo National Renewable Energy Laboratory (NREL) em 1998, e o inventário de energia para esta análise foi atualizado em 2009, porém utilizando dados de 2002, que eram os únicos completos, disponíveis à época. A adoção contínua de novas tecnologias na agricultura, no processamento de soja e para a conversão para biodiesel afetaram o uso de energia no ciclo de vida do biodiesel, ao longo do tempo, exigindo que os cientistas dedicados ao estudo do LCA atualizem seus modelos com muita frequência.

 

        O presente estudo utiliza os dados mais recentes disponíveis para estabelecer o balanço de energia do ciclo de vida do biodiesel de soja e faz comparações com os dois estudos anteriores. A análise atualizada mostrou que a proporção de energia fóssil (FER) de biodiesel de soja foi 5,54, usando dados do ano agrícola de 2006. Esta é uma grande melhora sobre o FER de 3,2 relatados no estudo do NREL de 1998, que usou dados de 1990 e também melhores que o FER de 4,56, que usou dados de 2002. Gazzoni e colaboradores, desenvolvendo estudo similar, chegaram a um valor de FER=3,5, para o biodiesel de soja produzido nas condições brasileiras, em 2005.

 

As melhorias observadas foram devidas principalmente a sistemas de produção de soja mais eficientes, em termos energéticos, e à maior produtividade da soja, sem aumento proporcional de uso de insumos e implementos, e da melhoria nos processos de esmagamento da soja e das instalações de conversão para biodiesel. A entrada de energia na etapa de produção de soja foi reduzida em 52%, no processo de esmagamento de soja em 58%, e na transesterificação em 33%, por unidade de volume de biodiesel produzido. Ao final, a redução da entrada de energia nestas etapas foi de 42%, para a mesma quantidade de biodiesel produzido.

 

        A adição de entradas secundárias, tais como máquinas agrícolas e materiais de construção, não teve um efeito significativo sobre o FER. O FER de biodiesel de soja provavelmente continuará a melhorar ao longo do tempo, devido aos aumentos nos rendimentos da soja e com o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais eficientes, em termos energéticos.

 

        

 

1. Introdução

       

Desde os anos 90, com o estabelecimento acima de qualquer dúvida razoável da relação direta entre emissões de gases de efeito estufa (GEE) e as Mudanças Climáticas Globais e a verificação que a maior parcela individual destas emissões provinha da queima de combustíveis fósseis, o desenvolvimento e a produção de combustíveis renováveis experimentaram um crescimento com taxas anuais elevadas, postas as metas de diferentes países de ampliar e diversificar fornecimento de energia do mundo, em bases sustentáveis.    O maior consumidor de petróleo do mundo, os EUA, estimam dispor de reservas comprovadas de petróleo de 19 bilhões de barris e a produção total de petróleo bruto foi de 9,2 milhões barris / dia em 2009 (EIA, 2010b). Com esta taxa de extração, a relação reserva/produção (R/P) para os EUA é estimada em seis anos. A relação R/P é o número de anos durante os quais o atual nível de produção de combustível pode ser sustentado pelas reservas e é calculado dividindo-se as reservas provadas no final do ano pela produção nesse ano (FEYGIN & SATKIN, 2004) Como tal, o maior consumidor de petróleo do mundo passa a ser totalmente dependente de fornecimento externo de um insumo crucial para a economia, que é a energia. Mais que um atestado de bom comportamento ambiental, os esforços que os EUA envidam para ampliar o uso de energia renovável constituem-se em ação estratégica para diminuir a dependência externa, normalmente atendida por países pouco confiáveis.   Em geral, a produção de combustíveis renováveis demanda uma quantidade significativa de energia não renovável (combustíveis fósseis e energia embutida nos insumos químicos). A quantidade de energia fóssil usada para produzir biodiesel deve ser medida ao longo de todo ciclo de vida de produção de qualquer biocombustível, para determinar a extensão em que o combustível é renovável. A fixação deste parâmetro é crucial para o estabelecimento de políticas públicas sólidas, que efetivamente diminuam as emissões de GEE para a atmosfera. Renovabilidade é uma medida útil que pode ser usado em conjunto com outras medidas, tais como ambientais e econômicas, para avaliar os benefícios dos biocombustíveis. O fator de renovabilidade pode guiar os formuladores de políticas públicas, auxiliando a avaliar e comparar opções de vários biocombustíveis e fazer julgamentos para evitar decisões erradas, sem o impacto desejado nos parâmetros ambientais que se busca melhorar.

 

 

       

        Uma das ferramentas mais importantes para estabelecer um índice comparativo de renovabilidade de biocombustíveis é a análise de ciclo de vida (LCA), que é uma contabilidade do berço ao túmulo, considerando o balanço de energia e os impactos ambientais da fabricação de um produto. O primeiro inventário do ciclo de vida completo de biodiesel produzido nos EUA, a partir de óleo de soja, foi publicado por Sheehan et al. (1998), e se tornou um clássico e uma referência histórica. Os pressupostos do inventário e do modelo foram desenvolvidos por um grupo de estudiosos, incluindo especialistas de diversas disciplinas e instituições. O objetivo desse estudo foi quantificar e comparar os fluxos ambientais e de energia associados tanto com biodiesel quanto com o diesel derivado do petróleo Os autores examinaram os fluxos de energia e as emissões de gases de efeito estufa e outras emissões atmosféricas. A maioria dos dados utilizados por Sheehan et al. (1998) foram de 1990 ou de anos anteriores.  

         A fim de atualizar o componente de energia deste LCA pioneiro, um relatório usando principalmente dados de 2002 foi conduzido por Pradhan et al. (2009). No presente estudo, a equipe do Dr. Pradhan reavaliou o próprio estudo anterior, utilizando dados recentemente obtidos pelo USDA e por outras fontes. O objetivo do estudo é atualizar o LCA do biodiesel de soja, tendo em vista as diferentes políticas públicas em implementação em diferentes países, em que o índice de renovabilidade (p. ex.: biocombustíveis avançados) exija participação muito baixa de energia fóssil no ciclo de vida do combustível, para que possa adequar-se às exigências dos marcos legais. Além disso, uma comparação dos três estudos, em períodos de tempo anteriores (1990, 2002 e 2006) foi efetuada, para mostrar como os fluxos de energia nos ciclos de vida se modificam com o tempo.

 

 

 

 

2. Definição de renovabilidade

Embora várias definições para medir a renovabilidade tenham sido usadas na literatura e nas políticas públicas, a relação entre energia fóssil (FER) e energia renovável foi usada neste estudo, como já havia sido sugerido por Pradhan et al. (2008) e também utilizada por Sheehan et al. (1998). O FER é definido como:  

 

 

                   Quantum de energia renovável do biocombustível

FER = _____________________________________________   (1)

                   Entrada de energia fóssil na produção de biodiesel

 

       

 

 

       É importante notar que apenas a energia fóssil (não renovável) está presente no denominador. Não inclui fontes renováveis de energia, como solar (p. ex.: fotossíntese) ou eólica. Dado que o objetivo primário é medir a renovabilidade, faz sentido não incluir fontes renováveis no denominador. Portanto, o FER não mede a eficiência do sistema ou determina que combustíveis fósseis possam ser substituídos por combustíveis renováveis, de forma energeticamente mais eficiente.          Já a proporção de energia líquida (NER, na sigla em inglês), que inclui a entrada total de energia no denominador da equação 1, é usada para medir eficiência do sistema, ao invés do FER (PRADHAN et al., 2008). Apesar de o valor de FER mais elevado ser desejável para garantir que o biocombustível é renovável, este fato não assegura que o biodiesel também será economicamente ou energeticamente viável.

 

 

 

 

3. Lógica do sistema

        A análise do ciclo de vida do biodiesel foi dividida em quatro subsistemas:

1) produção de matéria-prima;

2) transporte de matéria-prima;

3) processamento de soja e conversão em biodiesel; e

4) distribuição do produto.

 

 

      Um inventário dos materiais e da energia utilizada em todo o ciclo foi elaborado, quantificando toda a energia fóssil e os insumos utilizados em cada subsistema. Todas as fontes de energia, diretas e indiretas, foram incluídas no inventário, como o combustível líquido e a eletricidade usados diretamente nos equipamentos de cada subsistema. O conteúdo energético dos materiais tais como fertilizantes, pesticidas e outros petroquímicos, também está incluído no inventário.          O efeito adição de energia utilizada para a construção de usinas de biodiesel e máquinas agrícolas foi estudado separadamente, e não incluída no caso base, para ser coerente e comparável com Sheehan et al. (1998). Como sugerido por Pradhan et al. (2008), a energia consumida pelo trabalho não foi incluída ou estudada.

 

 

 

 

4. Fatores de Conversão de Energia

 Todos os materiais utilizados na lista de inventário foram convertidos para seu conteúdo energético equivalente, ao longo do ciclo de vida (Tabela 1).

 

        A energia no ciclo de vida de um material é definida como toda a energia não-renovável utilizada total, incluindo a energia incorporada durante a extração, processamento e transporte desse material. A energia renovável, como a energia solar utilizada na fotossíntese, não é incluída no ciclo de vida de energia. A fração de energia embutida nos materiais usados para produzir o biocombustível, tais como diesel, gasolina e gás natural, foi considerada como sendo o poder calorífico inferior (PCI, ou LHV, na sigla em inglês) desse material. PCI é a quantidade de calor liberado durante a combustão de um combustível quando o vapor de água do processo de combustão está ainda em fase gasosa. O poder calorífico superior (PCS) foi utilizado para insumos não-combustíveis, como o metanol.

 

 

 

Tabela 1. Ciclo de vida em energia equivalente para vários insumos e materiais

Insumo ou material

Energia embutida

Eficiência no Ciclo de Vida

Ciclo de vida em energia equivalente

Insumos de energia

     

Diesel

35,9 MJ/L(a)

84,3 (b)

42,5 MJ/L

Gasolina

32,4 MJ/L(a)

80,5 (b)

40,2 MJ/L

Propano

23,7 MJ/L(a)

89,8 (b)

26,4 MJ/L

Gás Natural

36,6 MJ/L(a)

94,0 (b)

38,9 MJ/L

Eletricidade

3,6 MJ/L(c)

32,5 (d)

7,4 MJ/kWh(e)

Vapor (10,3 bar)

2,0 MJ/L(f)

60,8 (g)

3,3 MJ/kg

       

Materiais

     

Nitrogênio

   

51,5 MJ/kg(h)

Fósforo

   

9,2 MJ/kg(h)

Potássio

   

6,0 MJ/kg(h)

Herbicidas

   

319 MJ/kg(h)

Inseticidas

   

325 MJ/kg(h)

Calcário

   

0,1 MJ/kg(i)

Sementes

   

4,7 MJ/kg(j)

Metanol

22,7 MJ/kg(k)

67,7 (l)

33,5 MJ/kg

Metóxido de sódio

   

31,7 MJ/kg(j)

Hidróxido de sódio

   

1,5 MJ/kg(j)

Ácido hidroclorídrico

   

1,7 MJ/kg(j)

Hexano

   

0,5 MJ/kg óleo (a)

       

Fontes:

(a) Huo et al. (2008); (b) Shapouri et al. (2002); (c) Conversão direta de unidades; (d) EIA (2010a); (e) Somente 70% foram contabilizados como energia fóssil; (f) Tabela industrial de dados de vapor; (g) Estimado do modelo USDA – ARS; (h) Hill et al. (2006); (i) Graboski (2002); (j) Sheehan et al. (1998); (k) AMI (2009); (l) Wang & Huang (1999).

       

 

  

     A eficiência do ciclo de vida é a proporção de energia incorporada sobre o conteúdo energético total embutido no material. O ciclo de vida de energia desses materiais foi calculado dividindo-se o PCI pela eficiência do ciclo de vida. O ciclo de vida de energia de combustíveis fósseis foi calculado dividindo-se a energia embutida no biocombustível pela eficiência do ciclo de vida. Os fatores de eficiência do ciclo de vida servem para ajustar a energia necessária para extrair, fabricar e transportar o insumo ou material. Estimativas de fatores ligados à geração de energia elétrica utilizada em todo o ciclo de vida foram efetuadas com base na média ponderada dos EUA. Cerca de 67% da energia elétrica gerada nos EUA vem de combustíveis fósseis (EIA, 2010a).           Com base em dados da Energy Information Administration, a eficiência de geração de eletricidade nos EUA aumentou em 32,0% entre o relatado por Sheehan et al. (1998) para 36,7% em 2009. Além da perda de geração, há também uma perda de linhas de distribuição. A inclusão de perda de distribuição reduz a eficiência global de energia elétrica para 32,5%. O modelo de esmagamento de soja nesta análise usa o hexano como método de extração de óleo da soja. A extração por hexano é bastante comum em plantas de grande escala e também foi usado por Sheehan et al. (1998). O processo de transesterificação é usado para converter óleo de soja em biodiesel. O esmagamento para extração do óleo e a transesterificação resultam na produção de dois coprodutos importantes: farelo de soja e glicerina bruta, respectivamente.

 

 

 

 

 

        Uma vez que o ciclo de vida de energia se concentra exclusivamente no biodiesel, a energia associada com a produção dos outros dois coprodutos deve ser estimada e excluída do inventário. Muitas vezes, informações detalhadas não estão disponíveis para medir os valores exatos de energia associados aos coprodutos individuais, razão pela qual se utiliza um método de alocação para atribuir valores de energia aos coprodutos.        Diversos métodos de alocação podem ser usados para estimar o valor energético dos coprodutos. Em geral, nenhum método de alocação é sempre aplicável, e o método adequado deve ser escolhido caso a caso (Shapouri et al., 2002) Por exemplo, o chamado método de energia utiliza o conteúdo energético de cada coproduto para alocar energia entre os produtos principais e coprodutos. Outro exemplo é o método econômico, que utiliza o valor de mercado relativo de cada coproduto, para alocar energia para efetuar o inventário. Sheehan et al. (1998) usaram um método de massa para efetuar a alocação. Para ser coerente e comparável com a análise de Sheehan, este estudo também utiliza o método de massa.  

        O método de alocação de massa é comumente usado porque é relativamente fácil de aplicar e proporciona um resultado razoável. Este método aloca as entradas de energia para os diversos coprodutos de acordo com seus pesos relativos. Essa regra de alocação separa a energia usada para produzir biodiesel da energia utilizada para produzir farelo de soja e glicerina da seguinte forma:

 

Alocação de energia para biodiesel = E1*f1+ E2*f2 + E3          (2)

 

onde E1 é a entrada de energia durante as etapas agrícolas, de transporte e de esmagamento de soja; f1 é a fração de massa do óleo de soja; E2 é a energia usada durante a transesterificação e para transporte do óleo de soja; f2 é a fração de massa do óleo transesterificado usado para produzir biodiesel; e E3 é a energia necessária para o transporte de biodiesel

 

 

 

 

5. Inventário de Energia do Ciclo de Vida

          Inventário do ciclo de vida (ICV) é a contabilidade de todas as entradas e saídas dos processos que ocorrem durante o ciclo de vida de um produto. O LCA para biodiesel inclui todos os quatro subsistemas mencionados anteriormente. Para efeitos de comparação e teste de sensibilidade da análise, na condução do presente estudo foi elaborado um caso-base, em que o LCA foi mantido o mesmo que o inventário relatado por Sheehan et al. (1998), exceto para calcário, que foi a única inclusão diferenciada. Em seguida, as entradas que não foram incluídos pela equipe de Sheehan, tais como máquinas agrícolas e energia incorporada em materiais de construção, foram adicionados para estudar sua sensibilidade no cálculo do FER.  

 

 

5.1 – A produção de matéria prima

 

        Uma vez que a agricultura dos EUA tem apresentado uma tendência de tornar-se mais eficiente, do ponto de vista do uso da energia, ao longo do tempo, é importante usar o mais recente conjunto de dados disponíveis na realização de uma análise de ciclo de vida. Para eliminar o erro de variação temporal na produção agrícola, a LCA resultante deste estudo utilizou a Pesquisa de Gestão de Recursos Agrícolas (ARMS) de 2006 e dados do National Agricultural Statistics Service (NASS), que se constituem no conjunto de dados mais recentes e mais completos disponíveis.

          Quando a equipe de Sheehan realizou seu estudo, os dados agrícolas mais recentes e detalhados disponíveis sobre a produção de soja eram da década de 1990 (USDA Farm Costs and Return Survey - FCRS), que agora é conhecido como ARMS. A análise feita por Pradhan et al. (2009) usou dados da ARMS de 2002. Os dados de produção de soja são estimativas do USDA, de conformidade com o Serviço Nacional de Estatísticas Agrícolas (NASS, 2010). O uso de fertilizantes e agrotóxicos para na soja são de 2006 (NASS, 2007). A aplicação de calcário e a quantidade de sementes utilizadas são médias disponíveis para 2006 no ARMS (ERS, 2009). Para o presente estudo, foram utilizados dados de áreas de produção de soja dos 19 estados maiores produtores de soja nos EUA, ponderados pela área colhida em cada estado, para estabelecer a quantidade de energia utilizada para a produção de soja (Tabela 2).

 

 

 

 

Tabela 2. Insumos utilizados para produção de soja

Material

Quantidade / ha

Ciclo de vida de energia equivalente (MJ/ha) (b)

Diesel

33,3 L

1417,6

Gasolina

12,8 L

515,7

GLP

2,0 L

52,7

Gás Natural

4,1 m3

161,4

Nitrogênio

3,3 kg

168,2

Fósforo

12,1 kg

111,2

Potássio

22,4 kg

133,4

Calcário

463,7 kg

57,9

Sementes

68,9 kg

324,4

Herbicidas

1,6 kg

507,7

Inseticidas

0,04 kg

13,2

Eletricidade

17,1 kWh

137,1

Total

 

3590,5

Média ponderada dos 19 estados principais produtores; Fonte: ERS, 2009a; NASS 2007; NASS, 2010

 

 

 O rendimento médio ponderado foi de 2.906,7 kg / ha, em 2006. Este valor é equivalente a um rendimento de 598,6 L / ha de biodiesel. A média ponderada de uso de insumos e de energia, e os rendimentos médios ponderados, foram utilizados para estimar a energia necessária para a produção de soja nos EUA (Tabela 2).

 

        A utilização de calcário não foi relatada por Sheehan et al. (1998). No entanto, em áreas de acidez de solo mais elevada, os agricultores aplicam calcário periodicamente para aumentar a produtividade de soja. Em 2006, a média de aplicação de calcário para a produção de soja foi 463,7 kg / ha (Tabela 2). O total de entrada de energia durante a parte agrícola do ciclo de vida foi de 3.590,5 MJ / ha, ou o equivalente a 6,0 MJ / L de biodiesel produzido. Comparando-se as entradas de energia para produção de soja em 2006 com as estimativas relatadas no passado, verifica que os produtores de soja têm diminuído o uso total de energia ao longo do tempo (Figura 1).

 

       

 

Figura 1 - Comparação do uso dos principais insumos agrícolas para produção de soja nos EUA, entre 1990 e 2006.

 

        Paralelamente ao menor uso de energia, o rendimento da soja tem aumentado. A mudança mais significativa no sistema de produção de soja dos EUA, desde 1990, é o uso de organismos geneticamente modificados, o que ajudou a reduzir o uso de pesticidas (incluindo herbicidas, inseticidas e fungicidas). O ARMS com dados de produção de soja de 1990, usado por Sheehan, não incluiu qualquer soja GM, posto que esta não havia sido introduzida na agricultura dos EUA à época. No entanto, em 2002, o rápido aumento na soja GM já tinha alcançado 75% de toda a soja plantada, e hoje quase toda a soja na EUA se compõe de variedades GM (ERS, 2010).

        Outra grande mudança é a crescente adoção da prática de plantio direto pelos produtores de soja, que passou de cerca de 10% da área plantada em 1990 para 45% em 2006 (HOROWITZ et al. 2010).

 

 

 

 

 

5.2 - Energia para transportar a soja para plantas de biodiesel

 

 

        A quantidade de energia necessária para o transporte de soja para plantas processamento foi obtida do modelo GREET - Greenhouse Gases, Regulated Emissions, and Energy Use in Transportation (ANL, 2010). A energia necessária para transportar a soja até plantas de processamento foi estimada em cerca de 720,1 MJ / ha (1,2 MJ / L de biodiesel). A estimativa foi baseada em uma distância de 80 km para transporte por caminhões a partir de um centro de distribuição, até a planta de esmagamento e posteriormente para a usina de biodiesel.

 

 

 

5.3 – Energia para extração do óleo e para conversão em biodiesel.

 

       A energia necessária para o esmagamento e para conversão do óleo em biodiesel foi obtida a partir de um modelo desenvolvido pelo USDA - ARS O modelo USDA foi preparado a partir da análise de processos, especificações de equipamentos, custos e consumo de energia que foram fornecidos por técnicos especializados e pelos fornecedores de equipamentos para o esmagamento de soja e para a indústria de biodiesel. O processo foi simulado pelo programa SuperPro Designer (Intelligen, Inc., Scotch Plains, NJ), e o consumo de energia total foi calculado para cada etapa do processo. Cópias deste modelo estão disponíveis mediante solicitação aos autores, junto à ARS – USDA.           Para rodar o modelo, as exigências de energia para o esmagamento de soja e para transesterificação foram estimadas utilizando produtos químicos, engenharia de processo e tecnologia de engenharia de custos de acordo com os estudos desenvolvido pelo USDA-ARS (HAAS et al., 2006). O modelo estima as necessidades de energia elétrica e térmica para uma instalação que combina uma planta de processamento de soja com uma instalação de conversão de biodiesel, produzindo 38,6 milhões L de biodiesel, 137.491 toneladas de farelo de soja, 8.167 toneladas de casca de soja, e 3.975 toneladas de glicerina bruta. O modelo estima os parâmetros de uma usina de biodiesel moderna, com base na melhor informação disponível a partir de fabricantes de equipamentos e técnicos especializados.

 

 

 

 

5.4 – Descrição do modelo

 

       A separação da soja em óleo e farelo pode ser feita usando extrusoras mecânicas, porém o método mais utilizado é a extração do óleo de soja utilizando hexano (Figura 2) Uma instalação de processamento de soja utiliza energia na forma de eletricidade para motores e para iluminação. Gás natural e vapor são usados para fornecer calor para a secagem. O modelo utilizado nesta análise permite que a planta possa gerar seu próprio vapor a partir do gás natural, com uma eficiência de ciclo de vida de 60,8%. Assim, o valor de energia para o vapor é incorporado ao valor da energia do gás natural utilizado para gerar o vapor necessário.  

        A soja que entra no processo é primeiramente limpa e em seguida aquecida e seca até atingir teor de umidade de 10% (base úmida) (ERICKSON, 1995). Na sequência, os grãos são quebrados em vários pedaços, através da passagem por rolos mecânicos. A casca de soja, que representa cerca de 8% da soja, é removida por aspiração. As cascas podem ser misturadas com o farelo de soja, que é mais tarde, extraído do processo, ou podem ainda ser trituradas e tostadas, sendo vendidas como ração animal.

 

        O grão de soja, triturado e cortado em flocos, é condicionado por aquecimento e enviado à unidade de extração, onde o óleo de soja é dissolvido com hexano. Na etapa seguinte, a mistura de óleo e hexano é tratada com vapor para separar o óleo da hexano. O óleo de soja bruto é degomado e desodorizado, branqueado, e neutralizado. Ar quente e água de refrigeração são usados no aquecimento final e secagem do óleo. Mais detalhes sobre o processamento pode ser encontrado em Anderson (2005).

 

 

 

 

 

 

    Os melhores dados disponíveis para Sheehan et al. (1998) sobre esmagamento de óleo foram baseados em uma única instalação que tinha 17 anos de idade na época do seu estudo. Assim, uma planta típica de operação hoje é provavelmente mais eficiente do que a planta modelada por Sheehan et al. (1998). Por exemplo, a média da taxa de extração da indústria de óleo de soja aumentou de 0,169 kg / kg de soja (como relatado por Sheehan et al. (1998)) para 0,189 kg / kg de soja em 2006/2007 (ERS, 2009b). A produção de óleo aumentou ainda mais, para 0,193 kg / kg de soja, na safra 2007/2008.           Mesmo que a taxa de extração de óleo para os últimos anos tenha sido maior, a taxa para 2006/2007 foi usado neste estudo, para ser consistente com os dados agrícolas de 2006 da ARMS. Além disso, novas plantas são mais eficientes no uso da energia, devido à adoção de processos de poupança de energia e de tecnologias que reduzam custos de produção e consumo de energia. A melhoria de processos em plantas de extração de óleo tem sido contínua, com ênfase na eficiência energética, reduzindo a perda de hexano e aumentando a capacidade de processamento por unidade de tempo. Por exemplo, o atual nível aceitável de perda de solvente é um terço do nível verificado em plantas de extração dos EUA em 1970 (WOERFEL, 1995).

 

 

 

5.5 – Conversão de óleo de soja em biodiesel

 

        A conversão do óleo de soja em biodiesel é feita pela reação do óleo com um álcool (normalmente metanol), com o auxílio de um catalisador (principalmente hidróxido de sódio ou metilato de sódio), em grandes reatores. Após a reação do óleo de soja com o metanol, a mistura resultante é centrifugada para remover o excesso de metanol, a glicerina e outras impurezas. Após a centrifugação, a mistura é lavada com uma solução de água acidulada e secada para se tornar biodiesel (Figura 2). O fluxo de metanol, glicerina, e outras impurezas é então tratado com uma pequena quantidade de ácidos e bases para remover qualquer ácido graxo restante.  

        O restante do material é então destilado para recuperar o metanol e maior parte da água. O metanol em excesso e a água são recuperados e reutilizados, para evitar desperdícios e reduzir os custos. A glicerina bruta é frequentemente vendida para empresas que a refinam para ser usada na elaboração de vários produtos, incluindo resinas de fibra de vidro, cosméticos, produtos farmacêuticos, detergentes líquidos, sabões, descongeladores e anticongelantes.

 

        Durante o processo de elaboração do biodiesel, a energia elétrica é usada para acionar as bombas, centrífugas e misturadores, enquanto a energia térmica é necessária na coluna de destilação para recuperar o metanol em excesso, e para remover a água de lavagem do biodiesel. A energia térmica também é utilizada para aquecer o óleo de soja para acelerar o processo de conversão.

 

        Os dados apresentados na Tabela 3 para a conversão de biodiesel foram obtidos a partir do modelo USDA-ARS.

 

 

 

Tabela 3. Requerimentos de energia fóssil para esmagamento de soja e conversão do óleo em biodiesel, antes da alocação dos valores dos coprodutos, de acordo com o modelo USDA-ARS

Etapa / Material

Quantidade /L de biodiesel

Energia equivalente MJ/L de biodiesel (a)

Esmagamento da soja

   

Eletricidade

212,3 Wh

1,6

Gás Natural

106.8 L

4,2

Hexano

11,1 g

0,5

     

Produção de biodiesel

   

Eletricidade

44,6 Wh

0,3

Vapor de gás natural

124,1 g

0,4

Metanol

96,7 g

3,2

Metilato de sódio

2.7 g

0,1

Ácido Hidroclorídrico

0,5 g

0,83x10-3

(a) Calculado usando dados da Tabela 1

 

A quantidade de energia necessária para converter óleo de soja em biodiesel, pelo processo de transesterificação, diminuiu ao longo na última década. O uso de instalações maiores colocou maior ênfase na minimização de custos de energia. O custo de capital para adoção de tecnologias poupadoras de energia se justifica em plantas maiores, onde o custo do investimento é menor do que a economia com os custos mais baixos de energia. Por exemplo, tecnologias que provocam a integração de calor, resultaram na captura e reutilização de calor que antes era desperdiçado. Melhorias na tecnologia de catalisador usado para produzir biodiesel resultaram na maior eficiência de conversão de óleo em soja biodiesel. Recuperar e reutilizar o fluxo de água de lavagem usado para purificar o biodiesel elimina a o volume de águas residuais após o tratamento.

 

 

 

        O modelo assume a recuperação do catalisador e do ácido hidroclorídrico e calcula o vapor necessário para a conversão do óleo de soja em biodiesel. O aquecimento do espaço da planta não foi considerado, porque é muito dependente da sua localização e da época do ano. O modelo mostrou que o esmagamento de soja requereu um total de 6,3 MJ de combustível fóssil, e a conversão do óleo de soja em biodiesel, com a recuperação do metanol em excesso e o tratamento da glicerina necessitaram 4,0 MJ / L de biodiesel produzido.

 

       

5.6 – Transporte de biodiesel

 

        Dados do modelo GREET foram utilizados para estimar a energia necessária para transportar biodiesel aos pontos de consumo, que requerem, em média, 0,3 MJ / L de biodiesel. A estimativa foi baseada em uma distância total de 540 km usando uma combinação de caminhão, barcaça e trens, que incluiu uma distância de cerca de 50 km para o caminhão, 68 km para barcaça e 374 km para o transporte ferroviário, a partir de uma planta para um centro de distribuição, e outros 48 km por caminhão para transportá-lo ao seu destino final.

 

5.7 – Atribuição de energia para os coprodutos

 

Uma das principais causas das discrepâncias em relatório de LCA, no tocante à energia, é a diferença na forma como a energia é alocada entre os coprodutos (PRADHAN et al., 2008). Historicamente, a demanda de soja é impulsionada pelo farelo de soja, que é usado como ração animal de alto teor protéico. O esmagamento de soja rende muito mais farelo (proteína) que óleo, bem como a maior parcela da receita provém do farelo. Claramente, farelo de soja não é um subproduto da produção do biodiesel.  Em vez disso, o farelo de soja e o óleo são produzidos em conjunto e vendidos em mercados distintos. A energia usada para produzir a parte protéica da soja, bem como da glicerina bruta que é produzido durante a fase de transesterificação, deve ser descontado do LCA do biodiesel. O método de alocação de massa foi usado para determinar como a energia total usada é distribuída entre estes coprodutos (Figura 3).

 

O óleo de soja bruto degomado contém uma pequena quantidade de material insaponificável e de ácidos graxos livres, que devem ser removidos porque eles são prejudiciais para o processo de transesterificação (SHEEHAN et al., 1998). Os ácidos graxos livres podem transformar-se em sabão, quando transesterificados, dificultando a separação de fases do éster metílico e da glicerina. O óleo degomado é tratado com hidróxido de sódio para obter óleo seco refinado, com um rendimento de cerca de 96%. Os outros 4% são considerado resíduos. No processo de transesterificação a proporção de biodiesel refinado para a glicerina bruta (com uma pureza de cerca de 80%) é de 82,4% para o biodiesel e de 17,6% para a glicerina bruta. Portanto, 82,4% do total da energia usada para converter óleo de soja degomado em biodiesel são alocados para biodiesel (Figura 3).

 

       

       

        Portanto, na equação (2) acima, f1 = 20,5% × 82,4% = 16,9%, e f2 = 82,4%. Toda a energia utilizada para o transporte de biodiesel é alocado para biodiesel.

 

        No próximo artigo analisaremos os resultados obtidos e efetuaremos sua discussão, comparativamente com estudos similares, realizados anteriormente.

 

 

 

Um cenário para a próxima década

Décio Luiz Gazzoni

 

            Em junho foi apresentado um estudo da OCDE e da FAO, abordando as Perspectivas Agrícolas Globais no período 2011-2020. Os cenários apresentados revelam que na próxima década haverá preços elevados e grande volatilidade internacional, e o Brasil será um dos países mais beneficiados. Fiquei particularmente feliz em verificar que, durante minha passagem pela Presidência da República, havia traçado, em linhas gerais, cenário semelhante ao ora lançado pelas duas entidades internacionais.

 

            O estudo tem o objetivo precípuo de incrementar a produção global, um efeito contra-cíclico destinado a estabilizar os preços das commodities agrícolas, que nos últimos anos elevaram índices inflacionários e chegaram a provocar protestos nas ruas de diversos países. Entrementes, o estudo indica que essa volatilidade, que já perdura 5 anos, assim prosseguirá e que os preços de muitas commodities básicas deverão se manter em patamares mais elevados (em valores nominais e até reais), comparados à década anterior.

 

            As principais causas para a manutenção dos preços em alta são: i) Os custos da produção agrícola estão em ascensão; ii) o crescimento da produtividade sofreu perigosa desaceleração; iii). pressões sobre os recursos naturais, principalmente água, vegetação e terras, aumentaram; iv) as terras mais férteis já estão sendo utilizadas e mesmo declinando em algumas regiões; v) a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos climáticos; vi) problemas internos de cada país (Exemplo, o nosso Custo Brasil com impostos elevados, falta de infra-estrutura, juros altos, desindustrialização) não serão solucionados na década.

 

            A expectativa é que os custos de alguns alimentos até declinem em relação ao início de 2011. Mas, em média e em termos reais, deverão subir ate 50% no caso das carnes e 20% no dos cereais nos próximos anos. O Brasil, principal pais exportador de carnes (25% do mercado mundial), e com boas perspectivas para o milho, tende a abocanhar boa parte do ganho - desde que sejam dadas as condições internas para produzir e exportar a custos competitivos.

 

 

Custos x expansão

 

Os custos da produção agrícola estão em ascensão – em especial devido à disparada de preços de fertilizantes e agrotóxicos. O crescimento da produtividade sofreu uma perigosa desaceleração, em função dos custos. Pressões da sociedade para proteção de recursos naturais (água, vegetação e terras) aumentaram. Como as áreas mais férteis já estão sendo utilizadas, a produção tende a se expandir em terras marginais com menor fertilidade e maiores riscos de problemas meteorológicos. E as Mudanças Climáticas Globais jogam o imponderável sobre este quadro, podendo tornar regiões outrora secas em pluviosas e vice versa.               De imediato, a produção agrícola crescerá – é a reação natural aos preços elevados. Entretanto, a estimativa é de crescer apenas 1,7% ao ano (média da próxima década), vis a vis 2,6% da década passada. A maioria dos cultivos tende a expandir menos, especialmente no caso de oleaginosas (grupo que inclui a soja) e grãos forrageiros (milho entre eles). A pecuária mantém o ritmo dos últimos anos. Lembremo-nos que o crescimento populacional global crescerá acima de 2% na década (demanda natural) e a inclusão social também manterá ritmo elevado (demanda induzida por crescimento econômico). Em consequencia, a desaceleração global do rendimento de importantes culturas, continuará a pressionar os preços internacionais, em um tabuleiro em que os maiores crescimentos da oferta virão de fornecedores que detém boas tecnologias e políticas públicas adequadas.

           

 

Mudanças no tabuleiro

 

            Prosseguirá a redivisão dos mercados agrícolas, com a produção migrando de países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento. À America Latina, motor do recente avanço agrícola global, unir-se-á o Leste Europeu. As duas regiões serão supridoras cada vez mais importantes nesta década. Suas áreas plantadas e produtividade deverão aumentar, e também haverá expansão para a pecuária. O documento infere que Brasil e Argentina manterão sólidos crescimentos em oleaginosas, cereais e gado de corte, devido a seus custos de produção menores. A America do Norte – leia-se EUA - é a única região de alta renda que expandirá significativamente a agricultura, baseada em crescimento de produtividade. A Europa Ocidental perdera mais competitividade e produção, pressionada por preocupações ambientais, custos e limitação de terras.

              Do lado da demanda, o crescimento populacional e o aumento da renda na China e Índia sustentarão compras firmes de commodities. Arroz, carne, lácteos, óleos vegetais e açúcar deverão ter os maiores aumentos de consumo, e preços firmes e em ascensão. O uso de matérias primas agrícolas para biocombustíveis mantém um crescimento robusto. O documento estima que, até 2020, 30% da produção de cana, 15% de óleos vegetais e 13% de grãos se destinarão à produção de biocombustíveis, num contexto em que as elevadas cotações do petróleo terminarão por viabilizar a sua produção, mesmo sem os subsídios estatais americanos e europeus.               Assim mesmo, o documento refere que preços mais elevados "são um sinal positivo e bem vindo para um setor que têm experimentado declínio real nos custos das commodities por varias décadas e podem estimular investimentos no aumento da produtividade e da produção, necessárias para atender a crescente demanda per alimentos". O relatório reforça que a produtividade continua a ser um influente fator na formação dos preços de colheitas. A variação no rendimento de grandes lavouras de países exportadores são uma fonte primária da volatilidade. A severa seca na Rússia e na Ucrânia no ano passado e o excesso de umidade nos EUA ilustram a rapidez com que o equilíbrio do mercado pode mudar. Além disso, o estudo aborda o peso dos mercados de energia na transmissão de volatilidade ao setor agrícola, por seu peso nos custos de produção e pela demanda crescente de biocombustíveis.

 

 

Incentivos e peixes

 

  

 

          As duas entidades ressalvam que nem sempre os incentivos derivados de melhores cotações internacionais chegam aos produtores, em virtude dos custos de transação elevados ou políticas nacionais de intervenções nos mercados. No segmento pesqueiro, a projeção é que a produção global aumentará 2,8% ao ano até 2020, bem menos do que na década passada, em virtude da redução ou estagnação na captura de pescados. Até 2015, a aqüicultura poderá representar mais da metade do consumo global de peixes. Os preços médios dos pescados capturados podem subir 23% ate 2020, ante alta de 50% na aqüicultura.

 

           Em resumo, as perspectivas para o agronegócio brasileiro são interessantes, e poderão ser muito melhores se o Governo fizer a sua parte.

 

 

 

 

Desafio de produtividade de soja

Décio Luiz Gazzoni

 

 Pela terceira safra consecutiva, o CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) realiza o Desafio de Máxima Produtividade de Soja, cuja cerimônia de entrega dos prêmios aos vencedores ocorreu na primeira semana de agosto, em Brasília. Antes de tudo, quero relembrar que não se trata simplesmente de obter a máxima produtividade, porém de conjugá-la com maior rentabilidade, com observância das legislações ambientais e trabalhistas, ou seja, em tudo lembrando o que todo o produtor de soja deve fazer, normalmente. Os vencedores foram auditados para verificar o seu cumprimento – e todos cumpriram – caso contrário seriam desclassificados!         O desafio foi dividido em áreas irrigadas e não irrigadas, em quatro regiões: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte/Nordeste. A partir da produtividade de 4.800kg/ha de soja foi realizada uma auditoria independente, para confirmar a produtividade e o cumprimento das regras do Desafio. Em 2010 inscreveram-se 800 participantes e, para esta safra, a adesão atingiu 1.185 sojicultores, sendo que 7-8% utilizaram irrigação. Os produtores eram majoritariamente do Sul (PR) e Centro-Oeste (MT), as maiores regiões produtoras do Brasil.

       

  

        A média geral da produtividade de soja dos participantes foi de 3.966 kg/ha (irrigada) e 3.617 kg/ha (não irrigada). A Tabela 1 mostra a distribuição dos resultados alcançados.

 

Tabela 1. Distribuição da produtividade de soja

Kg/ha

% Produtores

 

Irrigada

Não Irrigada

até 3000

3

2

3000-3600

41

50

3600-4200

21

32

4200-4800

7

6

4800-5400

28

6

5400-6000

-

4

 

 

        Interessante destacar outros resultados que chamaram a atenção no Desafio. Os cinco melhores produtores obtiveram produtividade média de 5.979 kg/ha; os 10 melhores atingiram 5.728 kg/ha; e os 100 melhores alcançaram 4.270 kg/ha. De acordo com a CONAB (levantamento de julho/2011), nesta safra o Brasil produziu 75.039.300 t de soja, em 24.158.000 ha, com produtividade média de 3.106 kg/ha. Caso a produtividade brasileira fosse igual à produtividade média de todos os sojicultores participantes do desafio, o Brasil haveria colhido 17% mais soja, na mesma área, ou seja, mais 13 milhões de toneladas. E, se a produtividade fosse igual aos 10 melhores produtores, haveríamos colhido mais 69 milhões de toneladas! Os produtores líderes demonstraram que isto é possível, que a tecnologia existe. Se ela for, progressivamente, transferida aos demais produtores de soja, nos próximos 20 anos, seguramente poderemos diminuir a área plantada de soja no Brasil, aumentando a produção para atender a demanda do mercado, e com custos menores – logo, rentabilidade maior.

 

 

Os melhores produtores

 

 

        Na categoria Irrigada, o vencedor foi Edinelson Lopes da Silva, que atingiu a produtividade de 5.316 kg/ha. Entre a 2ª. e a 4ª. colocações, as produtividades variaram de 5.160 a 4.991 kg/ha. Na categoria não irrigada, a premiação foi regional, ficando assim distribuída:

Centro-Oeste: O vencedor foi Edmilson Ribeiro Santana, com 5.304 kg/ha, e da segunda até a quinta colocação, a produtividade variou entre 5.087 e 4.573 kg/ha.

Sudeste: Ivaldo Lemes da Costa foi o vencedor, com produtividade de 5.938 kg/ha (quase 100 sacos por hectare!). Do 2º. ao 4º. colocados as produtividades situaram-se entre 5.341 e 3.876 kg/ha.

Norte/Nordeste: O produtor Roberto Pelizzaro venceu a etapa regional com 6.036 kg/ha, secundado por outros quatro produtores com produtividade variando de 5.920 a 5.160 kg/ha. Os participantes desta região apresentaram a produtividade média mais elevada entre todas as regiões.

Sul: Nesta região, o vencedor foi Leandro Sartorelli Ricci, com produtividade de 6.027 kg/ha, enquanto os seguintes colocados desta região produziram entre 5.975 e 5.074 kg/ha.

 

 

        O vencedor nacional foi o produtor Roberto Pelizzaro, que superou o vencedor da safra 2009/10 (Leandro Sartorelli Ricci) por meros 9 kg/ha. O fato de o Leandro situar-se, por dois anos consecutivos, no topo da escala de produtividade, mostra como o sistema de produção por ele utilizado é sólido e consistente, e tem permitido produzir acima de 100 sacos por hectare, em sua lavoura.

          A importância do Desafio conduzido pelo CESB está em mostrar que dispomos de tecnologia e condições para aumentar, consistentemente, a produtividade média da soja no Brasil. Este incremento de produtividade trará diversos benefícios ao Brasil e à cadeia produtiva, sendo sempre interessante destacar que, a maior rentabilidade dos produtores, e a redução da área de expansão de soja, são fatores fundamentais para mantermos e ampliarmos, de forma sustentável, a nossa participação no mercado internacional de soja.

 

 

 

Centro de Pesquisa de Cana

Décio Luiz Gazzoni

 

Durante a Fenasucro & Agrocana (30 de agosto a 2 de setembro, em Sertãozinho), será lançado o Centro de Pesquisa das Indústrias do Setor Sucroenergético. Trata-se de uma iniciativa do Programa de Estudos em Agronegócios da FEARP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto), em parceria com a Central Nacional das Indústrias do Setor Sucroenergético e Biocombustíveis e a Prefeitura Municipal de Sertãozinho.

A diretriz do Centro é atuar em inteligência competitiva, e seu objetivo principal será municiar empresários e gestores de políticas públicas com ferramentas de análise do setor sucroenergético para a tomada de decisões. Para tanto, será efetuada coleta e processamento de informações industriais e de mercado, envolvendo também as empresas fornecedoras das usinas de açúcar, álcool e bioeletricidade.

O setor sucroenergético é um dos mais importantes para a economia paulista e para o Brasil, e se ressente de ferramentas de suporte ao planejamento e análise para melhor gestão, uma exigência do mercado setorial extremamente competitivo. Como tal, os pesquisadores atuarão para desenvolver ferramentas de apoio à tomada de decisão, e servirão como fonte de informação sobre expectativas e tendências. Além de contribuir com empresários e entidades de classe, o Centro gerará subsídios para a formulação de políticas públicas.

 

A evolução trimestral do setor será avaliada por seis indicadores: o índice de confiança; a utilização da capacidade instalada; a taxa de emprego; o número de horas trabalhadas na produção das unidades fabris; o faturamento, que avaliará a receita líquida do setor; e a massa salarial, que determinará a variação no poder de compra dos trabalhadores da indústria. A pesquisa será realizada por questionários aplicados aos gestores das principais empresas do setor. Os resultados serão divulgados na forma de índices agregados, o que permitirá analisar o comportamento do setor ao longo dos períodos.

O Centro também desenvolverá atividades de ensino, contribuindo para a formação dos alunos de graduação, envolvendo estudantes em atividades de extensão universitária e promovendo o contato direto com os agentes do setor sucroenergético.

 

 

 

O boi decodificado

Décio Luiz Gazzoni

 

Os bovinos, introduzidos no Brasil logo após o descobrimento, hoje passam de 200 milhões de cabeças. É uma das maiores riquezas do agronegócio, respondendo por 25% do mercado internacional de carne. Mas a nossa grande oportunidade está no que aparentemente é uma fraqueza. O Bos taurus (gado europeu), de carne tenra e saborosa, altamente valorizada no mercado dos países ricos, só pode ser criado do Paraná para o Sul, onde as temperaturas são mais amenas. O Bos indicus (zebu) é rústico, adaptado às regiões tropicais e sub-tropicais, mais resistente a pragas, porém sua carne não tem a qualidade do gado europeu. Por que? O Bos taurus teve séculos de aprimoramento genético e de seus parâmetros zootécnicos, em especial a qualidade da carne, por ser originário de regiões (Europa) onde era criado para servir de alimento. Já o zebu é originário da Índia, onde o boi é sagrado, e pouco ou nada foi feito para adequar seus parâmetros às exigências de sistemas de produção apurados e de um mercado cada vez mais exigente. Caberá ao Brasil efetuar este esforço (que, em realidade, já vem sendo feito) e um dos marcos foi o recente sequenciamento genético de um indivíduo zebuíno típico (Futuro POI do Golias), por pesquisadores da UNESP.

  Com o sequenciamento, que estabelece a posição nos cromossomos de cada gene, é possível identificar para que cada gene (ou grupo de genes) serve e qual sua função no organismo. Comercialmente, isto significa que podemos alterar tanto os parâmetros zootécnicos que permitem otimizar os sistemas de produção (maior precocidade, maior capacidade de conversão alimentar, maior resistência a pragas e enfermidades, maior tolerância a estresses), quanto os parâmetros que são exigidos pelos consumidores, como teor de gordura, tipo de gordura, maciez da carne, etc. No limite, daqui a alguns anos, poderemos produzir Nelore, em pleno Cerrado, com  maminha ou picanha tão tenra e saborosa quanto dos melhores rebanhos gaúchos, ou rivalizar em qualidade com o afamado bife de chorizo de los hermanos argentinos. Se o Governo priorizar este tipo de pesquisa, já que a base científica (sequenciamento) está disponível, em pouco tempo duplicaremos o nosso market share de exportação de carne.

 

 

Prêmio Bunge

Décio Luiz Gazzoni

 

 

        Na terça feira, 13/9, participamos da entrega do Prêmio Fundação Bunge, pelo Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, aos agraciados de 2011. Esta distinção é um dos principais galardões que destaca cientistas e artistas em nosso país. Já receberam o premio Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Di Cavalcanti, Pietro Bardi, Eleazar de Carvalho, Paulo Autran, Debora Bloch, Camargo Guarnieri, Claudio Santoro, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Manuel Bandeira e os meus amigos da Embrapa, Eliseu Alves e Alexandre Nepomuceno.

 

        Tivemos a honra de participar do júri que selecionou os premiados de 2011, na categoria de Defesa Agropecuária. Os agraciados de 2011 são:

 

 

 

José Roberto Postali Parra, que nasceu em Campinas, SP, é Engenheiro Agrônomo formado pela ESALQ (1968), possui mestrado e doutorado em Entomologia pela USP e pós-doutorado pela Universidade de Illinois. Desde a década de 70 estuda os insetos de importância para agricultura, contribuindo com soluções práticas e de grande impacto econômico, em especial técnicas de criação e nutrição de insetos e alternativas de controle de insetos, como o controle biológico. Seus estudos permitiram o controle da broca da cana e culturas como milho, hortaliças, flores e soja estão se beneficiando desta tecnologia. Atualmente dedica-se ao estudo dos feromônios e do controle biológico do bicho-furão que ataca os citros.   Helena Lage Ferreira (Juventude) nasceu em Ipatinga (MG), é veterinária formada pela UNESP, possui doutorado em Genética e Biologia Molecular pela UNICAMP e pós-doutorado em Influenza Aviária pelo Veterinary Agrochemical Research Centre – VAR, na Bélgica. Sua tese de doutorado emprega a tecnologia do RNA de interferência no controle de vírus do trato respiratório de aves, resultando em importantes achados de pesquisa na área de sanidade aviária e abrindo futuros estudos para a avaliação de uma eficiente ferramenta para evitar o escape viral. Helena atua na área de Virologia Aviária, participando de diferentes projetos, com colaborações nacionais e internacionais, voltados ao diagnóstico e pesquisa de vírus causadores de prejuízo a indústria avícola, desenvolvimento de métodos diagnósticos eficientes e vacinas. Aos agraciados nosso reconhecimento e parabéns.

 

 

 

Mercosoja

DécioLuiz Gazzoni

 

De 14 a 16 de setembro foi realizado o V Mercosoja, em Rosario (Argentina), congregando cerca de 600 participantes dos países do Mercosul, além de representantes da China e da Índia, grandes motores da expansão recente do comércio internacional de soja. Inúmeros temas foram abordados nos três dias do evento, sendo o mais auspicioso a projeção para os próximos anos, que mostra um mercado firme, sustentado pela demanda dos países emergentes e pelos mandatos de mistura de biodiesel ao diesel. Na apresentação que fiz, sobre perspectivas do agronegócio internacional para os próximos 15 anos, apontei que não apenas a soja, mas o conjunto de grãos deverá expandir-se com solidez, sendo de particular interesse para o Brasil o crescimento do mercado internacional de milho, suportado pelo aumento da demanda, pelos baixos estoques e pela retração dos EUA como principais exportadores.   A expansão sustentada do mercado demandará oferta crescente de soja pelos países do Mercosul, que já respondem por 53% da soja produzida no mundo. O Uruguai pode expandir, no máximo, mais um milhão de hectares, metade da área de expansão potencial do Paraguai. A Bolívia é uma incógnita, devido às sérias restrições de investimento em um país instável. A novidade é o sentimento de que a Argentina entra em processo de estabilização da área de soja, por estar atingindo os limites da Pampa Úmida, que lhe tem conferido espetacular competitividade no mercado, muito superior às áreas marginais agora disponíveis. E, embora o Brasil disponha de enormes áreas para incorporação à agricultura, a exigência de sustentabilidade nos impõe uma restrição à expansão sobre áreas de cobertura vegetal nativa. Para todos os países resta o uso adequado de tecnologia sustentável, para suportar um aumento anual superior a 2% na produtividade de soja. O Brasil ainda dispõe do recurso à recuperação de áreas degradadas (especialmente pastagens), para expandir a produção.

 

 

 

Este cenário é perfeitamente factível, pois a produtividade de soja nos países do Mercosul cresceu acima de 1,5% ao ano, nas últimas décadas e os concursos de produtividade demonstram que dispomos de tecnologia para manter taxas de crescimento acima deste patamar, nos próximos anos.

 

 

 

 

Soja e desmatamento

Décio Luiz Gazzoni

 

A Moratória da Soja é uma iniciativa da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC), implantada em 2006. Os associados das duas entidades se comprometeram a não comercializar e nem financiar a soja produzida em áreas desflorestadas dentro do Bioma Amazônia, a partir de 2006. A iniciativa deveria durar dois anos, porém os bons resultados alcançados e o interesse dos atores da cadeia produtiva da soja em contribuir para a queda do desmatamento, permitiram que a Moratória permanecesse ativa.

 

Na falta de melhores argumentos, ONGs européias acusavam o Brasil de desmatar a Amazônia para produzir soja. Embora as evidências empíricas apontassem para o oposto, a Moratória da Soja passou a monitorar a produção de soja na Amazônia, de forma a detectar, precocemente, qualquer eventual desmatamento ligado à cultura. Os resultados do monitoramento da Moratória já demonstravam que a cultura da soja tinha importância quase nula para o desmatamento da floresta. O monitoramento da safra 2009/10 mostrou que apenas 0,25% da área total desflorestada nos estados do Mato Grosso, Pará e em Rondônia, nos três anos anteriores, foi alocado para a lavoura da soja.

 

Mais recentemente, um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em parceria com a Embrapa, chegou às mesmas conclusões. A pesquisa, que considerou o total desmatado até 2008 (720 mil km²) nos nove estados amazônicos, mostra que somente 34,9 mil km2 (4,8%) são destinados à agricultura em geral. Após o trabalho do INPE, são realizados sobrevôos para identificação do uso e ocupação do solo. Nas fazendas onde forem encontradas plantações de soja vinculadas ao desmatamento, são realizadas reuniões de orientação para os produtores rurais, para sua adequação à moratória da soja.

 

Atualmente, antes de comprarem soja, os associados da ABIOVE e da ANEC consultam a lista de áreas embargadas do IBAMA; a lista de trabalho escravo do MTE; e a lista da Moratória da Soja no Bioma Amazônia. Estas ações destroçaram o argumento de que a produção de soja brasileira era insustentável, supostamente fundada em impacto ambiental e insensibilidade social.

 

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