Integra 2010
Décio Luiz Gazzoni

Dias 23 e 24 de março, no Hotel Sumatra, a Adetec realiza o Integra 2010, um evento no qual a comunidade científica, os empresários e os agentes de políticas de desenvolvimento buscam a convergência de interesses e ações para promover o desenvolvimento sustentável através de inovações (detalhes em http://www.adetec.org.br/conteudo/conteudo.asp?id=73). Tive a honra de ser convidado para proferir a palestra de encerramento do evento, intitulada "Inovação Tecnológica no Contexto do Desenvolvimento Sustentável que se Impõe para o Século XXI". Como seria lícito esperar de um agrônomo, vou usar o exemplo do agronegócio para desenvolver o tema. Pretendo demonstrar, com uma pitada de fé dos congressistas, que a agropecuária do século XXI terá duas grandes marcas: a sustentabilidade e a constante inovação tecnológica, uma dependendo da outra.   Por sustentabilidade entendo que o agricultor assegura sua rentabilidade, com o mínimo de impacto ambiental, enquanto cumpre sua função social. De outra parte, entendo que a maior característica da tecnologia do século XXI será a sua dinâmica inacreditável, destruindo as barreiras da ficção científica. Modelos tecnológicos que hoje são dominantes serão superados e ultrapassados por inovações mais eficientes e mais adequadas, dentro de uma mesma década, obrigando a um constante inovar, para evitar a falência do negócio. Este é o propósito da Adetec e do Integra 2010: aproximar cientistas e empresários, para que as inovações tecnológicas sejam o suporte da competitividade.

O mercado comprador não representará um problema, nos próximos 40 anos. O desafio é inserir-se competitiva e sustentavelmente, para abocanhar a "parte do leão", o que não será atingido deitado eternamente em berço esplêndido. Até 2050, o mercado será garantido por mais 3 bilhões de novos cidadãos e pela inclusão social de quase 1 bilhão de famintos. Esta demanda impõe um incremento consistente da produção de alimentos e de agroenergia. Porém, não a qualquer custo, pois os efeitos já palpáveis das Mudanças Climáticas Globais impõem incremento sustentável da produtividade e não a mera expansão de área. O esgotamento das fontes de energia fóssil e o impacto ambiental negativo por elas causado, exige uma mudança radical da matriz energética mundial, onde a energia da biomassa será protagonista.  

Até 2050 haverá necessidade de expandir a produção mundial de alimentos em mais de 60%. Dificilmente será possível incorporar, para produção de alimentos, mais de 20% da área atual, pois, paralelamente, também haverá pressão para aumento da área para outros produtos agrícolas. O Brasil, pelas suas vantagens comparativas e pela expectativa de que venha a ser o grande provedor de alimentos do mundo, deverá elevar sua produtividade muito acima da estimativa global de 33%, para compensar ganhos menores em áreas onde a produtividade já é muito alta ou onde ela permanecerá baixa. É aí que entra o dueto inovação tecnológica e sustentabilidade, para garantir a nossa competitividade.

 

Agricultura 2050
Décio Luiz Gazzoni

Tecnologia é o fulcro da preocupação dos especialistas da FAO, que estudam o desafio da produção de alimentos em 2050. Aprofundo as inquietudes destes especialistas: a) Dispomos, hoje, de tecnologia para aumentar a produção agrícola de forma sustentável e equitativa? Por que muitas tecnologias já existentes não são utilizadas pelos produtores? Acho que a tecnologia hoje disponível nos garantiria pelos próximos 15 anos. Quanto à baixa adoção, começo a acreditar que o tema é insolúvel. Difícil entender porque o produtor deixa de adotar uma tecnologia que o beneficia. Algo como porque um fumante que sabe que o cigarro vai matá-lo, com muito sofrimento, continua fumando... b) Quais são as estruturas e o incentivo necessários para melhorar a adoção de tecnologias, incluindo os agricultores com poucos recursos? Não há segredo: assistência técnica universal, permeabilizada, e políticas públicas de incentivo ao aumento sustentável da produtividade.  

 c) Como financiar a pesquisa agrícola a fim de assegurar que as tecnologias estarão disponíveis a tempo, em particular para mitigar os impactos das mudanças climáticas? A resposta é vontade política, conferindo prioridade nos orçamentos para o investimento em pesquisa agrícola, com o suporte de toda a sociedade. d) Como a pesquisa em avanços genéticos pode ser estimulada? Que tipo de sistemas de regulamentação e aprovação são necessários para garantir a plena utilização destas tecnologias? Qual o papel das parcerias público-privadas? Precisamos superar as restrições sem fundamento científico em relação às ferramentas avançadas, como a biotecnologia, sem dispensar o controle governamental sobre os produtos biotecnológicos. E, finalmente, não vejo como avançar tecnologicamente, com equidade de oportunidades de adoção, sem parcerias público privadas, que busquem a equanimidade de acesso à tecnologia.

Revolução verde

Finalmente, a pergunta central: e) É possível uma segunda Revolução Verde? Quais devem ser as suas características para assegurar o aumento da produção de alimentos até 2050? Não apenas vejo como possível, porém como indispensável um novo salto na produção agrícola mundial. Ao contrário da Revolução Verde, que objetivava resolver o problema da fome produzindo alimentos com fartura e baixo custo, devemos atentar para a nova exigência da produção agrícola: produtividade com sustentabilidade.

Projeto Biomas
Décio Luiz Gazzoni

Vinte unidades da Embrapa e diversas Universidades, envolvendo 240 cientistas, iniciam em 2010 a condução do projeto Biomas, com duração de 9 anos e custo de R$60 milhões. O objetivo é viabilizar soluções técnico-científicas para a proteção e o uso sustentável de paisagens rurais nos diferentes biomas brasileiros, com ênfase no componente arbóreo das reservas legais (RL), áreas de proteção permanente (APP) e seus entornos. Mas o que é um bioma? É um conjunto de vida constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e identificáveis em escala regional, com condições geoclimáticas similares e história compartilhada de mudanças, com diversidade biológica própria. No Brasil temos seis biomas (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal).   A participação dos entornos das APPs na pesquisa (incluindo as áreas de uso agrícola) é tanto mais importante quanto mais frágil é a paisagem local, ajudando-as no estabelecimento das funcionalidades ambientais da propriedade rural. Tanto as APPs quanto seus entornos são porções do território que devem sustentar serviços ambientais para a proteção da paisagem (águas, estabilidade geopedológica, fluxo gênico, etc.), o que não as impede de auxiliar na sustentação social e econômica da propriedade rural. Em um contexto em que a sociedade exige sustentabilidade da produção agropecuária, a definição de critérios para delimitação e manejo destas áreas exige fundamentação técnica, lastreada em fatos científicos irrefutáveis.

Ênfases

O conhecimento sistematizado hoje disponível, sobre a definição e o manejo de APPs e seus entornos, é insuficiente para garantir a funcionalidade ambiental das paisagens rurais quando associadas à produção agrossilvipastoril – considerando que esta atende a aptidão agrícola - e a viabilidade das populações rurais ali presentes. A rede de cientistas que elaborou o projeto considerou alguns aspectos como prioritários: 1) A importância de implantar florestas para a preservação ambiental; 2) A importância dos povoamentos arbóreos e seu manejo, para a economia e a sociedade;   3) A importância do componente arbóreo aumenta se o grau de fragilidade ambiental das paisagens locais for maior, podendo viabilizar os serviços ambientais esperados de uma propriedade rural; e 4) A necessidade de considerar as fragilidades ambientais locais nos critérios que definem os limites das APPs. É desta forma, com Ciência de boa qualidade, que garantiremos a sustentabilidade do agronegócio brasileiro.

 

Lei rigorosa
Décio Luiz Gazzoni

Quem está acostumado a viajar pela Europa já verificou que suas florestas nativas foram derrubadas há muito tempo, tendo restado apenas 1% da cobertura original. O descaso com o ambiente prossegue nas matas ciliares, pois são poucas as árvores a proteger as barrancas dos rios ou suas nascentes. Já tive a oportunidade de colocar este argumento na mesa de discussão em diversos foros na Europa, salientando que, antes de financiar ONGs para cobrarem do Brasil o cumprimento da nossa legislação, os europeus deveriam fazer a sua lição de casa. Americanos não são diferentes: foi impossível explicar aos gringos o que é reserva legal, pois eles se recusam a discutir o conceito. Preservação da Natureza é problema exclusivo do Governo, deve ser feito com recursos públicos, "nada de eu tirar parte da minha terra para um benefício coletivo". Sempre tive a sensação de que a Legislação Ambiental brasileira estava entre as mais rigorosas do mundo. Agora veio a comprovação.   Análise feita pelo Depto. de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, para o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, aponta que o Código Florestal Brasileiro é considerado o mais rigoroso do mundo em relação às áreas de preservação permanente e reserva legal. A pesquisa, denominada Estudo Comparativo da Legislação Florestal Sobre Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal, concluiu que o Brasil é, em comparação com Canadá, Estados Unidos, Austrália, Argentina, China, Finlândia, Suécia, França, África do Sul e Paraguai, o país mais exigente em relação à manutenção e formação de reservas legais.   O estudo abordou particularidades de cada país que pudessem se assemelhar com as brasileiras, como extensão territorial (por exemplo, Austrália, China, África do Sul, EUA e Canadá), forte tradição florestal (Finlândia e Suécia) e pertencer ao mesmo continente e condições fisiográficas (Argentina e Paraguai), ou em relação à França, que inspirou a política de recursos hídricos brasileira. Este foi um dos temas que abordei ontem à noite, ao proferir a Conferência Magna de abertura do 2º. Fórum Internacional do Agronegócio Florestal, que se realiza em Gramado-RS. Considerei o rigor da nossa legislação um dos diferenciais competitivos para tornar o Brasil o líder mundial do comércio de produtos florestais, antes da metade deste século, que é a proposta que estamos elaborando na Presidência, prevendo o plantio de 40 milhões de hectares de florestas, até 2050.

UltraClean Diesel
Décio Luiz Gazzoni

A LS9 (www.ls9.com) é uma empresa de base tecnológica, com sede em São Francisco, Califórnia. Utilizando técnicas de Biologia Sintética (a biotecnologia está entrando para a pré-história da Ciência!), a empresa aperfeiçoou um processo de fermentação para converter eficientemente matérias-primas renováveis em uma futurística geração de biocombustíveis e outras especiarias químicas. O Ultraclean Clean Diesel é marca registrada da LS9 e se trata de um biocombustível com propriedades físicas e químicas similares ao petrodiesel, permitindo operar os atuais motores de ciclo diesel sem alterações. A diferença fundamental é que, ao invés de extrair o diesel do petróleo, ele sai do caldo de cana. A empresa não parou aí e os seus cientistas já engenheiraram novas bactérias, que produzem diesel de celulose, presente no bagaço da cana ou na madeira. Entretanto, só desenvolver a tecnologia não é suficiente, é preciso passar por todas as barreiras de registro ambiental, que, nos Estados Unidos é efetuado pela Environmental Protection Agency (EPA), após uma série de rigorosos testes.   Em 13 de abril passado o Ultraclean Diesel foi registrado pela EPA, o que significa que já pode ser vendido comercialmente nos Estados Unidos. Mais que uma etapa de um plano de negócios da LS9, significa um passo a mais rumo ao futuro energético da sociedade global, trazendo para o mercado biocombustíveis avançados de baixa pegada de carbono. Depois de um século de dependência de energia fóssil, suja, as inovações da Ciência começam a sair dos laboratórios para, efetivamente, impactar o dia a dia da população. A utilização do Ultraclean Diesel proporciona uma redução de 85% nas emissões de gases de efeito estufa quando comparado ao diesel de petróleo convencional.   Além disso, é livre de benzeno, uma substância cancerígena comum em combustíveis fósseis, e contém apenas vestígios de enxofre, um dos poluentes do petrodiesel, principal responsável pela chuva ácida. A LS9, que vinha atuando com protótipos préindustriais de baixa capacidade, adquiriu uma usina de processamento de cana-de-açúcar, na Flórida e vai iniciar a produção em média escala de seu diesel vegetal, para aprofundar os testes industriais. Como o Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, seguramente a LS9 acabará por trazer sua tecnologia para o país. Teremos, então, a oportunidade de não apenas substituir a gasolina mas também o óleo diesel por biocombustíveis limpos, derivados da cana.

 

Bioeletricidade
Décio Luiz Gazzoni

Uma revolução silenciosa está ocorrendo nos canaviais e nas usinas. Talvez o leitor não saiba, porém pode ser que a eletricidade que está chegando à sua casa saiu da cana-de-açúcar. Em 2009, foram gerados 5.872GWh provenientes dos canaviais, 33% superior a 2008. Esta energia foi gerada por 100 unidades conectadas ao Sistema Interligado Nacional - uma energia renovável e de alta qualidade. A bioeletricidade produzida de cana, em 2009, representou quase 7% da energia produzida pela usina de Itaipu ou duas vezes a produção anual da Usina Três Irmãos da Cesp. A capacidade instalada cresceu 1.112 MW em 2009, representando 31% da capacidade instalada nova no país em 2009. Ou seja, em apenas um ano, foi acrescentado o equivalente a 8% da potência total de Itaipu ou 10% da polêmica usina de Belo Monte, que deve ser responsável pela inundação de uma área prevista de 500 quilômetros quadrados.

  O Brasil sempre teve um ótimo currículo ambiental no setor energético. Mais de 70% da nossa geração elétrica vem da hidroeletricidade. Temos o maior programa de biocombustiveis do mundo e dispomos de potencial para criar o maior programa de bioeletricidade do planeta. A cana já representa a segunda fonte de energia do país, abaixo do petróleo e acima da hidroeletricidade. Apesar disto, nosso bom comportamento ambiental vem sendo maculado, ao longo desta década, pela implantação de dezenas de termoelétricas movidas a energia suja (petróleo, carvão mineral e gás). Não podemos permitir que isto continue, por dois grandes motivos: primeiro, o Brasil é dos poucos países do mundo que pode gerar energia limpa em grande volume e pode ser o exemplo para o restante do planeta; em segundo lugar, porque termoelétrica à energia fóssil representa pouquíssimos empregos por MWh gerado, e a sua renda é concentrada, ao contrário da biomassa - como a cana - que gera muitos empregos e distribui renda.  

Nesta linha, foi importante a decisão do MME de promover um leilão de energia de reserva para as fontes alternativas, ainda neste semestre, para contratar energia a partir de 2013. Apesar de problemas no processo licitatório, pois é fundamental que a contratação ocorra por fonte (devido às especificidades da biomassa, eólica e PCHs), a retomada de leilões de energia renovável é diretriz meritória para início da correção de percurso no planejamento energético. É preciso perseverar nesta linha, porque apenas a cana-de-açúcar pode prover quase 15% da eletricidade que o Brasil precisará em 2020.

 

Perspectivas do agronegócio
Décio Luiz Gazzoni

Em 4 de maio, a BMFBovespa e o MAPA promoveram um seminário sobre Perspectivas para o Agribusiness 2010/11. Impossível relatar tudo o que presenciei no evento, portanto vamos ao mais importante. Os EUA reduziram a área de cultivo de trigo, devido ao baixo preço do cereal, redistribuindo-a entre milho e soja. Juntando este fato com a produção recorde de Brasil e Argentina e com a expansão da nossa safrinha de milho, os preços de ambos os grãos devem oscilar em torno do patamar atual, neste ano. Fatos que podem mudar este quadro: quebra da safra americana, redução da estimativa de plantio brasileiro ou aumento da compra de grãos pela China. Há três anos eu havia alertado que, a partir de 2010, a China trocaria de sinal no mercado internacional, passando de exportadora para importadora de milho - o que está ocorrendo este ano. Para os próximos anos, a China deverá ser o principal sustentáculo do mercado de milho, como o etanol americano o foi há dois anos. Na área animal, prevê-se retomada do crescimento das vendas de carne bovina, caso a Rússia abra seu mercado para a nossa carne, e a continuidade do crescimento – destarte que lento – do mercado de carne de aves. Estima-se um crescimento sustentado do mercado de carne suína, impulsionado pelo seu consumo crescente na China. Por outro lado, alerta foi feito para a crise econômica da Europa, que pode diminuir o volume de importações – e o preço – das principais commodities.   A cana-de-açúcar continuará sendo a jóia da coroa. O mercado de açúcar, atualmente de volta aos preços históricos, pode apresentar recidiva se houver nova quebra de safra indiana, pois os estoques estão no limite mínimo. Prevê-se aumento do preço do petróleo, que deverá quebrar a barreira dos US$100/barril nos próximos 18 meses, caso elementos fortuitos não antecipem este prazo. O etanol deve apresentar crescimento exuberante, de 9% ao ano, sustentado exclusivamente pelo mercado doméstico. Para 2015, as estimativas pessimistas apontam para um mercado de 36 bilhões de litros e as otimistas acima de 45 bilhões, sem contar a exportação (3-5 bilhões de litros). Para os produtos da cana, porém especialmente para grãos, foi destacado que a péssima infraestrutura de escoamento da produção agrícola é o grande entrave para que a agropecuária brasileira atinja seu potencial. Para encerrar, a lição do ex-ministro Delfim Netto, lembrando que desenvolvimento é o resultado de investimentos em tecnologia conjuminado com oferta adequada de crédito.

 

Álcool e bode

Décio Luiz Gazzoni

Os caprinos (bodes e cabras) estão contribuindo com pesquisas de microrganismos para produzir o etanol de 2ª. geração. Os caprinos ingerem vegetação para se alimentar. No rúmen, os microorganismos degradam o alimento para moléculas menores, como a glicose. Esta pode ser fermentada e convertida em etanol. A pesquisa é desenvolvida na Embrapa Caprinos em Sobral (CE), com caprinos da raça moxotó. O processo inicia com uma cirurgia chamada fistularuminal, a qual dá acesso direto ao estômago do animal, mais precisamente ao bolo alimentar. Uma cânula permanente dá aceso ao estomago, para retirada do alimento em digestão. O bagaço da cana-de-açúcar é misturado na matéria-prima coletada para identificar os microrganismos do bolo que possuem potencial para degradar a celulose até açúcares simples. No entanto, não é qualquer raça de caprinos que faz parte do programa de pesquisa: a raça moxotó foi escolhida porque é nativa e se alimenta da vegetação do semi-árido nordestino. Esses animais são mais rústicos e resistentes, uma característica que influencia no rompimento da fibra (celulose). Os bodes e cabras são estabulados na Embrapa, e a matéria-prima resultante do processo digestivo é enviada a um laboratório da Universidade Católica de Brasília.   Depois da quebra das fibras, inicia-se outro trabalho específico. Qualquer planta que possua celulose na sua composição pode ser matéria prima para obter etanol, pois a celulose é um polímero de 200 ou mais moléculas de glicose. Os fermentos não possuem a capacidade de digerir a celulose (utilizam apenas a glicose) razão pela qual a Embrapa busca um microrganismo que decomponha a celulose até glicose. O enfoque da Embrapa é diferente de outros grupos de pesquisa, que estudam os microorganismos através do cultivo em laboratório. O projeto Metagenoma objetiva extrair o DNA desses microorganismos e, a partir do DNA, codificar toda informação necessária para caracterizar as enzimas. Até o momento foi possível decifrar o código genético de 4 enzimas, o que é muito pouco, tanto considerando a enorme biodiversidade que atua na degradação de fibras, quanto a diversidade de fibras existentes, pois existe grande especificidade entre o tipo de fibra e uma enzima eficiente para sua degradação. Solucionada esta questão, será possível desenvolver tecnologias para produzir etanol de qualquer resíduo orgânico celulósico, ou a partir de plantações de árvores ou gramíneas específicas.

Bolsa Família
Décio Luiz Gazzoni

Dois artigos chamaram minha atenção no domingo, 16/5. A Folha de São Paulo tratou da redução da atividade rural no NE, devido aos benefícios sociais. E a Folha de Londrina entrevistou o prof. Sidnei Nascimento, que concluiu pela dependência e cultura do não trabalho entre os beneficiários da bolsa família. Não quis escrever antes sobre o assunto, pois dispunha de informações esparsas, sem lastro científico, mas vejo que o tema chama a atenção dos especialistas. Há tempos ouço reiteradas reclamações, em todas as regiões do país, sobre a dificuldade ou impossibilidade de contratar trabalhadores rurais, similares ao relato da FSP, que fala do abandono de cultivos que exigem mão de obra, como cacau ou café, e a migração para lavouras mecanizadas, como soja ou milho. A disposição para trabalhar na lavoura escasseou rapidamente nos últimos anos, embora não tenha desaparecido.   Quando procura trabalho (ou quando são procurados para o trabalho), os indivíduos condicionam a aceitação à não formalização da relação empregatícia, a fim de não perder a bolsa família e outros benefícios sociais. E, normalmente, alguns trabalhadores aceitam tarefas - mesmo na condição de informais - somente na segunda quinzena do mês, quando acaba o recurso da bolsa família. Este comportamento está extinguindo empregos no país. Eu julgo justa a distribuição de recursos (bolsa família, cesta básica) aos brasileiros menos favorecidos. Mas entendia que deveria haver uma porta de saída, com o treinamento dos beneficiários para auferirem seu sustento fora dos programas governamentais.   Entretanto, chamou minha atenção a pergunta de um economista do IPEA, durante uma palestra do então Ministro Patrus Ananias, referindo que 500 mulheres que recebiam bolsa família haviam sido capacitadas em um curso de corte e costura, no Maranhão. Coincidentemente, ao final do curso instalou-se uma indústria têxtil no local. O empresário industrial ouviu das mulheres a mesma resposta que ouvem os proprietários rurais: só aceitavam trabalhar na condição de informais. Ocorre que a fiscalização do Ministério do Trabalho é rígida e nenhum bom empresário, rural ou urbano, aceita esta condição, preferindo mudar de ramo e investir em negócios que possam ser automatizados, trocando trabalhadores por máquinas. O que fazer? Vejo que a minha amiga Ministra Márcia Lopes terá um grande desafio para resolver esta questão, que parece tornar a bolsa família boa para quem recebe, mas não tão boa para o Brasil.

 

Biologia Sintética
Décio Luiz Gazzoni

Agora que nos acostumamos com as variedades transgênicas, na esteira da biotecnologia e da nanotecnologia surge um novo ramo da Ciência - a Biologia Sintética. Pode-se conceituar este novo ramo como: a) a concepção e construção de novas partes biológicas, dispositivos e sistemas e b) um redesenho de sistemas biológicos naturais existentes, para fins úteis. A Biologia Sintética envolve a síntese de novos sistemas biológicos, que não são encontrados na Natureza. Significa um novo paradigma que permitirá a produção em massa de medicamentos baratos, bactérias programadas para procurar e destruir tumores no corpo ou para produzir novos biocombustíveis.     O primeiro exemplo prático é o diesel vegetal, que esta semana começou a ser testado em uma frota de ônibus em São Paulo, e que é produzido a partir de cana-de-açúcar por um fermento "montado" usando técnicas de Biologia Sintética. Com as mesmas ferramentas podemos produzir biogasolina ou bioquerosene, antibióticos, vacinas, anticancerígenos e uma plêiade de utilidades. Inclusive bactérias que "comem" petróleo, para limpar a poluição causada por sua exploração.

 

Similaridades

Para entender a Biologia Sintética usemos a Química como exemplo. Até o início do século XIX, a Química praticamente se restringia ao estudo de substâncias já existentes. O salto ocorre quando os químicos decidem sintetizar novas substâncias, dando origem às milhares de utilidades do cotidiano. Igualmente, é oportuna a comparação da Biologia Sintética com microeletrônica. Uma placa de circuito impresso é necessária para a construção de circuitos, que são montados sobre a placa, utilizando resistores, transistores (chips, circuitos integrados) e condensadores. Os biologistas sintéticos usam um microrganismo base, desprovido de código genético (ou com código mínimo), e sobre esta "placa" montam um novo organismo, projetado em computador, que deve cumprir uma finalidade específica.  

 Só que, ao invés de transistores, usam o DNA. Obviamente a nova Ciência exige que se estude a sua biossegurança, que se reavalie o marco legal de acesso à biodiversidade e a legislação de patentes, assim como devem ser propostos os incentivos governamentais para que o Brasil dela se beneficie. Para tanto, a partir desta semana, passo a coordenar um estudo no âmbito da SAE/Presidência da República, que objetiva aprofundar o exame da questão e elaborar propostas de políticas públicas a serem examinadas pelo Governo Federal e pelo Congresso Nacional.

 

Bioterrorismo
Décio Luiz Gazzoni

  De 26 a 28 de maio realizou-se, em Belo Horizonte, a II Conferencia Nacional de Defesa Agropecuária, com uma pauta diversificada de assuntos, que congregou mais de 800 técnicos de todo o Brasil. Fui convidado para discorrer sobre Bioterrorismo e Defesa Agropecuária. Este tema, apesar de delicado, não consta da lista das principais prioridades dos sistemas de defesa agropecuária do mundo – exceção feita aos Estados Unidos. De fato, logo após o ataque terrorista usando aviões, em setembro de 2001, houve uma série de 22 ataques com antraz (uma toxina produzida pela bactéria Bacillus anthracis), que resultou em 5 mortes. Até hoje não há clareza se existia conexão entre os dois fatos, porém, no contexto da comoção nacional causada pelos atos terroristas, o Governo americano exarou a Lei do Bioterrorismo. Este ato legal determinou uma série de providências por parte dos órgãos de saúde, de controle de alimentos e de defesa agropecuária, que preparou o país para eventualidades futuras.  

 

Patógenos e toxinas

O maior perigo é a contaminação de alimentos destinados ao consumo, por isso a legislação se preocupa especialmente com este setor e com a saúde da população. Foi montado um sistema de vigilância, para detecção precoce de qualquer evento anormal; um sistema de notificação, que envolve diversos agentes das cadeias de alimentos e do sistema de saúde; um sistema de pronta reação, que inclui estoques de medicamentos, vacinas, laboratórios e similares; e um sistema de treinamento de pessoal, que inclui a simulação de eventos de bioterrorismo. A Lei de Bioterrorismo impõe uma pesada burocracia e exigências para a importação de produtos agropecuários, por conta de contaminantes de alimentos e de pragas agrícolas. Não considero o Brasil um alvo potencial de bioterrorismo, perpetrado por razões políticas ou religiosas.     Entretanto, ressalvei no evento que o Brasil deve tornar-se o protagonista da produção agropecuária e do comércio agrícola internacional, nos próximos 10 anos. Neste contexto, não se pode descartar ações bioterroristas, com motivação exclusivamente comercial. Aí está mais um desafio da Defesa Agropecuária do MAPA, a ser considerado em sua rotina de trabalho. Afinal, até hoje temos dúvidas como chegaram ao Brasil a broca do café, o bicudo do algodão ou a ferrugem da cana. O único caso comprovado foi a introdução bioterrorista da vassoura de bruxa, nos cacaueiros da Bahia, no âmbito de uma disputa política de poder no Estado (Revista Veja edição 1961, 21/6/06).

 

Novas tecnologias

Décio Luiz Gazzoni

 

Participo do Congresso Brasileiro de Mamona (João Pessoa-PB), convidado para expor um panorama global da agroenergia. Salientei que as próximas décadas serão permeadas por um misto de novas oportunidades de negócios, desde que sustentáveis, com elevada dinâmica tecnológica. Usei como exemplo o que está ocorrendo neste exato momento, para ilustrar o que se espera e o que não se espera do futuro. Nunca mais na História da Humanidade devem ocorrer desastres ecológicos como o vazamento de petróleo no Golfo do México, o que é insustentável. Ao contrário, o Brasil dá exemplos de sustentabilidade, novos negócios e novas tecnologias. No Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ) foi apresentado um ônibus propelido por eletricidade e hidrogênio; em São Paulo estão rodando ônibus propelidos por diesel vegetal, mantendo o mesmo motor diesel original de fábrica. O ônibus carioca não faz barulho, porque o motor diesel sumiu. Em vez de fumaça, o cano de descarga elimina vapor d´água. O ônibus é movido por um trio de fontes: hidrogênio (pilha de combustível de óxido sólido), baterias e ultracapacitores que captam a energia cinética, normalmente, é desperdiçada nos veículos, armazenando-a na forma de eletricidade. Importante: o biohidrogenio pode ser obtido a partir de biomassa, por micorganismos engenheirados, sem impacto ambiental. E a bioeletricidade também pode ser gerada de biomassa.

Diesel vegetal

Trata-se do farneseno, um hidrocarboneto linear, com 15 átomos de carbono (C15H24) que emula as propriedades químicas e físicas e atende as especificações do petrodiesel. O farneseno é obtido do caldo de cana, fermentado pelo mesmo Saccharomyces cerevisae que produz o etanol. Os cientistas introduziram 15 genes no fermento e, ao invés de etanol, ele produz diesel. No pipeline da mesma empresa estão a biogasolina e o bioquerosene.   Tem mais: cientistas americanos já engenheiraram uma bactéria que consegue degradar a celulose (por exemplo, o bagaço de cana) e produzir biodiesel. Outras bactérias engenheiradas coneguem produzir, a partir da cana ou outras formas de biomassa, uma série de produtos químicos, hoje produzidos pelas refinarias de petróleo. Portanto, o futuro que eu vejo já se iniciou hoje, usando matéria prima renovável (biomassa), com novas tecnologias (especialmente biotecnologia e nanotecnologia), gerando novos negócios, de alta sustentabilidade. No futuro o preto do petróleo será substituído pelo verde da biomassa e o amarelo do sol. Em tempos de Copa do Mundo, é um bom presságio!

Challenge Bibendum
Décio Luiz Gazzoni

No final de maio, o Challenge Bibendum, evento promovido pela fábrica de pneus Michelin, reuniu mais de dois mil profissionais para avaliar os desafios e soluções em prol da mobilidade sustentável. O evento é global, e este ano foi realizado no Rio de Janeiro. Seu objetivo foi o de conduzir testes científicos específicos, combinados com um Rali, que avaliaram, em condições reais, o desempenho de veículos equipados com novas tecnologias. Os testes mediram o nível das emissões (tóxicas, sonoras e de dióxido de carbono), o consumo de energia, as distâncias de frenagem de emergência, a capacidade de aceleração e de dirigibilidade. Todos os modelos inscritos pela Mercedes-Benz do Brasil venceram ao menos uma prova. A empresa apresentou novidades tecnológicas em favor da mobilidade rodoviária sustentável nas quatro categorias de veículos que comercializa no mercado brasileiro: caminhões (leve e pesado), ônibus (rodoviário e urbano), além de uma van Sprinter e de um automóvel Smart.  

 

E daí?

O paciente leitor que chegou até aqui deve estar se perguntando: O que isto tem a ver com agronegócio? Minha euforia vem do caminhão conceito Accelo BlueTec EEV e dos demais veículos MB, movidos a 100% de diesel de cana produzido pela Amyris. O sucesso demonstrou a competência da engenharia e a avançada tecnologia já disponível para criar produtos amigáveis ao meio ambiente. O diesel de cana reduz significativamente as emissões de gases e de material particulado e atende integralmente a rigorosa norma EEV – Enhanced Environmentally Friendly Vehicles (veículos excepcionalmente compatíveis com o meio ambiente).  

A tecnologia BlueTec, em combinação com o uso do diesel de cana, reduz em 90% as emissões de gases do efeito estufa e em 33% o material particulado, em comparação com os limites estabelecidos pela legislação Conama P7, equivalente ao Euro 5 e que entrará em vigor no Brasil em 2012. Em relação ao atual índice vigente no País, o Accelo BlueTec EEV apresenta a significativa redução de 88% na emissão de material particulado. A vocação ecológica desse caminhão conceito ganha evidência também pela utilização de materiais recicláveis, em especial na cabina, onde utiliza como matéria-prima um composto reciclado de garrafas pet no tecido dos bancos. Este marco significa que, já nesta década, estaremos substituindo não apenas a gasolina mas também o petrodiesel por biocombustíveis derivados de cana. É uma excelente notícia para o produtor rural, para a sociedade e para o meio ambiente.

Alimentos 2050
Décio Luiz Gazzoni

Há cerca de 20 anos a FAO tenta, sem sucesso, comprometer os países membros a erradicar a fome do mundo. Sabe-se que fome é quase integralmente falta de renda e muito marginalmente falta de oferta de alimentos. Entretanto, à margem da ação dos governos, acredito que os mecanismos de mercado promoverão um forte incremento na renda per cápita mundial, nos próximos 20 anos. Logo, além do crescimento populacional, a agricultura precisaria atender 1 bilhão de pessoas que hoje sofrem algum tipo de restrição alimentar. Até 2050, a população do mundo chegará a 9 bilhões de pessoas. A demanda global por produtos da agricultura dobrará, pois além de alimentos precisaremos prover fibras, flores, energia e outros produtos. As diversas culturas competirão por terra e água entre si e com a expansão das cidades, das estradas e das indústrias, além das restrições ambientais. A agricultura será conclamada a adaptar-se e contribuir para a mitigação das mudanças climáticas, ajudando a preservar os habitats naturais, protegendo espécies ameaçadas e mantendo um elevado nível de biodiversidade. Como se isso já não fosse difícil, menos pessoas estarão vivendo em áreas rurais e ainda menos serão os agricultores. A FAO criou um comitê de especialistas para iluminar melhor o caminho que a agricultura deverá trilhar até a metade do século. Até agora, os especialistas têm encontrado mais dúvidas que soluções.  

Como o espaço da coluna é restrito, apresento as perguntas dos especialistas hoje e as minhas respostas na próxima quinta

a) Seremos capazes de produzir alimentos em quantidade suficiente e a preços acessíveis ou os preços dos alimentos acompanharão o incremento da demanda, aumentando a pobreza e a fome? b) Qual a disponibilidade de terra e água possível de incorporar, de forma sustentável, à agricultura, até 2050? c) Quais são as novas tecnologias que podem nos ajudar a utilizar os escassos recursos de forma mais eficiente, aumentar e estabilizar os rendimentos das culturas e dos animais? d) Será que estamos investindo suficientemente em pesquisa e desenvolvimento de inovações para que estejam disponíveis a tempo de atender a necessidade de crescimento da agricultura? e) Estas novas tecnologias estarão disponíveis para as pessoas que vão precisar delas - a maioria agricultores pobres? f) Quanto precisamos investir para ajudar a agricultura a se adaptar às mudanças climáticas, e quanto a agricultura pode contribuir para mitigar os fenômenos meteorológicos extremos?

 

Alimentos 2050 – Parte II
Décio Luiz Gazzoni

Semana passada coloquei as dúvidas dos especialistas da FAO sobre a capacidade de a agricultura atender a demanda de alimentos em 2050. Entendo ser possível produzir alimentos a preços compatíveis e eliminar o espectro da fome no mundo. Para tanto, políticas públicas nos países produtores e acordos de comércio internacional precisarão ser firmados para permitir que os países efetivamente competitivos na produção agrícola possam realizar o seu potencial. Isto passa pela segunda questão colocada: a disponibilidade de solo e água. O Brasil e o sul da África são as últimas reservas de terra arável que podem ser exploradas com sustentabilidade. O mundo deve olhar para estas regiões com atenção e permitir que a agropecuária possa nelas florescer, com apoio internacional e não com restrições comerciais.

 

 

Tecnologia

Das 6 questões colocadas pelos especialistas, 4 diziam respeito à tecnologia. É difícil responder de forma simples quais as tecnologias que farão a diferença. Eu apostaria principalmente em otimização da fotossíntese, em tolerância ou resistência a estresses bióticos ou abióticos, em aumento da capacidade de extração de nutrientes do solo e melhor aproveitamento dos mesmos nas plantas e fixação biológica de nitrogênio. Na pecuária o manejo, a genética e a nutrição devem permitir o aumento da lotação e da taxa de desfrute e a redução do tempo de abate. A pergunta seguinte é: estamos investindo o suficiente? Eu diria: sim, nos países ricos; não, nos países pobres, Brasil no meio termo. Pela sua importância estratégica, o Brasil deveria quintuplicar, em valores reais, o investimento em pesquisa, nos próximos 40 anos. Até porque a outra pergunta é: todos terão acesso à tecnologia?   Aí entra a importância dos institutos públicos, pois a pesquisa privada sempre visará ao lucro. Logo, tem acesso quem pode pagar por ela. Os governos podem equilibrar este jogo, gerando e difundindo tecnologias apropriadas, de baixo custo, para agricultores mais pobres. E aí vem a última questão: agricultura e mudanças climáticas. Por um lado, precisamos gerar tecnologias de adaptação às mudanças, como sistemas de produção que permitam produzir sustentavelmente em climas mais quentes e mais secos. Por outro, precisamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como o metano da pecuária ou das terras de arroz, o gás carbônico da perda de matéria orgânica e os óxidos de nitrogênio dos adubos. Ou seja, é possível acabar com a fome até 2050, desde que todos nos ponhamos de acordo.

 

Agricultura e GPS
Décio Luiz Gazzoni

Um dos principais desafios da agricultura do futuro será conciliar ganho de produtividade, economia de recursos e baixas emissões de gases de efeito estufa. Todo o agricultor sabe que, geralmente, as áreas agrícolas são colchas de retalho, no que concerne à acidez e fertilidade do solo e à sementeira de plantas daninhas. No desenvolvimento da lavoura, o ataque de pragas não é homogêneo, em toda a área. Com o desenvolvimento da agricultura de precisão, novas técnicas permitem que cada área receba quantidades apropriadas de adubos e corretivos e tenha tratamento localizado de plantas invasoras, pragas e doenças. A aplicação correta e reduzida de insumos reduz o impacto ambiental. Uma das técnicas utilizadas é o gerenciamento da adubação com base na amostragem sistematizada de solo. Outra – que exige a geração de mapas de produtividade – leva em consideração a produtividade da cultura ou do ciclo anterior para se fazer a reposição dos nutrientes extraídos.    O traço comum é o sistema de orientação e de direção automática de veículos (tratores, colheitadeiras, pulverizadores) com o uso do GPS. Mas um dos desafios da agricultura com o sistema norte-americano de navegação por satélites é não se saber com exatidão o desempenho desses receptores para aplicações em movimento. Pesquisadores da ESALQ/USP desenvolveram um veículo instrumentado para testar uma metodologia de ensaio cinemático com o GPS. Na agricultura, existem demandas que vão dos GPS de navegação menos acurados aos mais sofisticados, que são os RTK (Real Time Kinematic), usados em tratores com piloto automático. Para os testes com GPS, os pesquisadores utilizaram um veículo que varia a velocidade e se mantém estável em uma mesma trajetória: um minitrator equipado com motor de 2,57 kW de potência, movido a gasolina, com rotação máxima de 3.500 rpm e transmissão de seis marchas.   A metodologia permitiu o cálculo de erros de trajeto e a caracterização do desempenho desse receptor. Mas, são necessárias melhorias, principalmente na robustez do coletor de dados. Na segunda fase, o grupo busca melhorar os sistemas desenvolvidos de modo que permitam a realização de ensaios com coletas de dados em períodos mais longos e vários receptores ao mesmo tempo, para permitir comparações entre receptores, configurações e sinais de correção. O objetivo é padronizar os ensaios, permitindo aos usuários a correta seleção de receptores de sistemas de navegação para diferentes demandas usuais da agricultura moderna.

Código Florestal
Décio Luiz Gazzoni

  Para os interessados no tema, é imperdível a entrevista do Deputado Aldo Rebelo (PCdoB), relator do Projeto de Lei do Código Florestal. Em linguagem lúcida, direta e analítica, o deputado apresenta a lógica de sua atuação como relator da matéria. Nesta condição ouviu mais de 378 pessoas em 64 audiências públicas e outras tantas privadas país afora, e espera continuar com o apoio dos partidos que o levaram à delicada e complexa relatoria. Os três candidatos a Presidente da República têm opiniões diferentes sobre o tema, mas Aldo Rebelo diz ter apoio para suas ideias de pelo menos dois deles: José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT). As áreas de reserva legal e de preservação permanente (APP) serão mantidas, mas com regras alteradas para permitir corredores ecológicos e exigências de mata ciliar segundo a largura dos rios. Haverá moratória de cinco anos ao desmatamento na Amazônia, Caatinga e Pantanal. Na Mata Atlântica, será proibido desmatar. O texto dará aos Estados o poder de legislar em questões ambientais, evitará punição a derrubadas feitas ao abrigo da legislação e consolidará áreas de produção em várzeas e topos de morros.

 

Rebelo lembra que "... a reserva legal e a APP são personalidades jurídicas únicas no direito ambiental internacional, com exceção do Paraguai, mas, para cumprir o nosso compromisso com o projeto civilizatório ambientalmente equilibrado, devemos manter as duas. E calcular a soma da reserva legal com a APP para exigência legal." O deputado também propõe um sistema de compensações: "A compensação pode ser na mesma bacia ou no mesmo bioma. Se for na bacia ou no bioma, pode ser fora do Estado. Porque os rios de primeira geração são interestaduais. Mas isso não está resolvido ainda. Há quem defenda não fazer a reserva legal por propriedade, mas tomar como referência a bacia ou o bioma. Fazendo por bacia a opção é ecologicamente mais eficaz.    Preservam-se os corredores ecológicos, a flora, a fauna e os mamíferos superiores. Se fizer por propriedade, a alternativa é isentar as pequenas, facilitar as médias e dar alternativa para as grandes." E critica a legislação atual "Essa gente acha que democracia é ter lei ambiental que não passou pelo Congresso. Das 16 mil normas ambientais, de decretos, leis, portarias, 90% não foram votadas por ninguém, não se discutiu ou decidiu – foram impostas. Eles acham isso democrático." Os interessados podem acessar a integra da entrevista em http://noticiasagricolas.com.br/noticias.php?id=67591

 

Europa renovável
Décio Luiz Gazzoni

Mais que qualquer outra região, a Europa tem sido a grande propulsora do que, em planejamento estratégico, chamamos de tendências portadoras de futuro. Historicamente, a Europa sempre cumpriu este papel nas Artes, na ciência e na tecnologia, na moda, nos mecanismos de mercado, nos sistemas políticos, etc. Na área do agronegócio, as atuais exigências de inocuidade química e biológica, rastreabilidade e certificação – fundamentos da Sanidade Agropecuária moderna – tiveram sua gênese na Europa. Portanto, nada mais natural que seja lá que a energia renovável ganhe o maior impulso, até porque foi na Europa que houve a maior expansão de geração de eletricidade a partir de fontes sujas (fósseis) ou perigosas (energia nuclear). Conforme a sociedade européia se conscientizou do preço a pagar pelas emissões de GEE de fontes fósseis - e as conseqüentes e indesejáveis Mudanças Climáticas - ou do enorme perigo do lixo tóxico nuclear, cresceu a geração de energia renovável.   Em 2009, 19,9% (608 TWh) da eletricidade consumida na UE proveio de fontes renováveis. A energia hidrelétrica capturou a maior parcela entre as fontes renováveis (11,6%), seguida por eólica (4,2%), biomassa (3,5%) e solar (0,4%). Da nova capacidade de geração instalada em 2009, as fontes renováveis ficaram com entusiasmantes 62%! A energia eólica ficou em primeiro (37,1%), seguida por fotovoltaica (21%), biomassa (2,1%), hidrelétrica (1,4%) e solar concentrada (0,4%). Entre as não renováveis, da nova capacidade instalada em 2009 o gás ficou em primeiro (24%), seguido pelo carvão (8,7%), óleo (2,1%), incineração de lixo (1,6%) e energia nuclear (1,6%). Estes números indicam o forte suporte social, das políticas públicas e dos empresários à energia renovável, o desestímulo às fontes fósseis e a ojeriza à energia nuclear.   Se forem mantidas as atuais taxas de crescimento até 2020, 1400 TWh de eletricidade serão gerados a partir de fontes renováveis, representando de 35% a 40% do consumo da UE. A eletricidade de biomassa poderá dobrar entre 2008 e 2020, saltando de 108 TWh para 200 TWh. Estes resultados foram obtidos no marco da política pública da UE, a qual estabelece que, em 2020, 20% da energia consumida no bloco provenha de fontes renováveis. Se para onde a Europa for o mundo vai atrás, esta tendência aponta para o crescimento do mercado internacional de biocombustíveis, do qual o Brasil será o grande global player, na década de 2020, impulsionando dramaticamente os negócios da agroenergia.

 

Amazônia e a Mudança do Clima
Décio Luiz Gazzoni

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Met Office Hadley Centre, do Reino Unido, conduzem o projeto Mudanças Climáticas Impactantes no Brasil. É uma parceria que beneficia a ambos, pois, enquanto o modelo climático global do Hadley Centre é usado para projetar mudanças do clima em todo o mundo, o modelo climático regional do Inpe fornece maiores detalhes sobre o Brasil, considerando diferentes níveis de aquecimento global. Os primeiros resultados a saírem dos computadores indicam que a conjunção tétrica entre aquecimento global e desmatamento podem causar grande impacto na floresta amazônica e também afetar o clima local e regional. Só o desmatamento, em grande escala, seria responsável por tornar o clima mais quente e seco. Em uma simulação, em que 40% da extensão original da floresta amazônica fosse desmatada, ocorreria diminuição drástica da chuva na Amazônia Oriental. Tanto este desmatamento quanto o aquecimento global entre 3°C e 4°C, faria com que parte da floresta entrasse em colapso.   O estudo desenvolvido a partir de modelos climáticos do Inpe e da sua contraparte britânica indicam um aquecimento maior nas regiões tropicais amazônicas, quando comparado ao aumento médio de temperatura que está sendo previsto para outras áreas continentais do planeta. Outro resultado importante é a tendência de tropicalização do clima em parte do Brasil, com duas estações ao ano, inverno e verão. Nesse cenário, a primavera pode se tornar tão ou mais quente que o verão em algumas regiões hoje de clima subtropical. O que não significa que o inverno seja frio. Tanto pode apresentar temperatura algo menor que o verão, ou simplesmente diferenciar-se dele por mais ou menos chuva. A redução da precipitação nas bacias redundarão em impactos econômicos, como a diminuição da geração de energia hidrelétrica.   Os modelos mostram que concentrações mais baixas de dióxido de carbono na atmosfera causam menor aquecimento e, portanto, menos impactos nas chuvas e nos regimes de temperatura e de extremos de clima. Talvez para o Brasil a melhor opção de mitigação dos efeitos do aquecimento global seja reduzir o desmatamento tanto quanto possível, para evitar o efeito conjunto dos dois, pois os impactos do desmatamento são maiores em condições de seca. Por conta disso, reduzir o desmatamento ajudaria a manter a floresta mais resistente num clima sob mudanças.

Plantio de cana
Décio Luiz Gazzoni

Durante séculos, só havia uma maneira de plantar cana: abrir uma vala (manualmente ou com trator), cortar um pedaço do colmo contendo 3-4 gemas, e enterrá-lo. Processo demorado, caro e impreciso. Até que "deu um estalo" em um pesquisador da empresa Syngenta: e por que não usar o mesmo processo de semeadura de grãos? A idéia estava mais para fantasia ou loucura do que para uma tecnologia factível. Mas Ciência é isso mesmo, o desafio é transformar utopia em realidade. Com alguns anos de pesquisa, com uma equipe multidisciplinar (fitotecnistas, fisiologistas, fitossanitaristas, engenheiros de máquinas e implementos) o que beirava fantasia transformou-se em uma tecnologia que tem todos os ingredientes para ser um sucesso, e transformar-se em processo dominante até os anos 20. Considerando que nos próximos 10 anos a área de cana-de-açúcar deve dobrar, não é difícil prever o impacto da tecnologia.   Imagine-se plantado soja ou milho. É quase a mesma coisa, só que o implemento é menor, com apenas duas linhas. Ao invés de grãos, são usadas gemas tratadas contra doenças e pragas, garantindo sanidade, pureza varietal, proteção e rastreabilidade. O sistema permite o plantio direto e a mecanização do cultivo, o que dará mais velocidade e eficiência ao processo. Plantar 1 ha de cana exigia 15-18 toneladas de cana. Como o tolete do novo processo tem uns 4cm, planta-se 1 ha com 1 ton de cana. Com isso é possível obter maior retorno no recurso investido no plantio.

 

Tecnologia

 

A empresa nem inaugurou a fábrica de mudas para cana-de-açúcar em Itápolis (SP), mas já estima contratos de venda no valor de US$ 200 milhões, para usinas do Centro-Sul, até dezembro deste ano.Para os próximos 5 anos, a expectativa da empresa é que cerca de 10% da área plantada no Centro Sul do país utilize a tecnologia. O otimismo se deve ao fato de que 70 usinas de 25 grupos, que já estão testando o novo sistema de mudas, devam adotar o novo processo, em virtude do sucesso dos testes experimentais. Trata-se de mais uma etapa no ciclo de modernização tecnológica da cana, que inclui a agricultura de precisão e a colheita mecânica, típica de um negócio em franca expansão e com enormes perspectivas de futuro.

Reserva Legal
Décio Luiz Gazzoni

A cumprir-se toda a legislação ambiental, indigenista e outras leis que regulam a posse e uso da terra, dos 851 milhões de hectares do território brasileiro 229 milhões são Unidades de conservação e áreas indígenas; 144 milhões são (ou deveriam ser) Áreas de Preservação Permanente; e 258 milhões são (ou deveriam ser) Reserva Legal. Sobram 209 milhões para a agricultura, cidades, indústrias, rodovias, etc. Como em 2009 usamos de 180 Mha para pastagens e 80 Mha para a agricultura, teríamos que abrir mão de 51 Mha. Poderíamos escolher as opções: a) eliminar as culturas anuais (soja, milho, trigo, arroz, feijão); b) eliminar metade da área de cultivos anuais e todas as culturas perenes (florestas plantadas, frutas); c) reduzir um terço da produção de carne do país, o maior item individual das exportações do Brasil. Não se trataria, apenas, de cortar a produção de alimentos. Juntos iriam para o ralo alguns milhões de empregos, forçando cidadãos brasileiros a abrigar-se na periferia das cidades, muitos derivando para a criminalidade, o tráfico, a prostituição...   Passei um mau bocado tentando explicar para agricultores americanos o que era reserva legal. Foi impossível. Nenhum agricultor presente na platéia aceitava a ideia de doar 20 a 80% de sua propriedade para beneficiar a sociedade como um todo, inclusive os estrangeiros. Durante a discussão ouvia sempre o mesmo argumento: este é um problema do Governo. Ele que preserve o ambiente, em benefício da sociedade, com o dinheiro dos impostos. Argumento irrefutável, porque nos EUA o Governo aluga, por prazos longos, áreas de agricultores para que estes não plantem e deixem o solo em pousio. Do outro lado do Atlântico, recomendo a quem for à Europa olhar com cuidado a margem dos rios. Praticamente não existe mata ciliar, é uma ou outra árvore esparsa, o oposto da dura legislação brasileira. Quero deixar claro que não sou contra preservar o ambiente, nem pugno pelo desmatamento – muito antes, pelo contrário. Entretanto, acho que não é justo que produtores rurais paguem, com o seu patrimônio e a sua renda, para que todos se beneficiem. Devemos manter o conceito, mas também devemos discutir quem deve pagar a conta.

Produtividade de soja

Décio Luiz Gazzoni

Em 2008, um sojicultor produziu 131 sacos de soja por hectare (7.868kg/ha) e ficou decepcionado. Qual a razão? Ocorre que, em 2007, o mesmo agricultor havia produzido 10.403 kg/ha. Estou falando de Kip Cullers, o recordista mundial de produção de soja. O segredo dele? Ele mesmo diz que não há um segredo em especial. Ele segue apenas duas regras. Primeira: procura utilizar as recomendações tecnológicas para produção de soja. Segunda regra: executa cada operação com extremo cuidado e zelo. E o leitor pode perguntar: quanto custou cada quilo de soja dos 10.403 kg/ha? Até pode ter sido caro, mas o detalhe não interessa ao Kip Cullers. Porque ele busca a máxima produtividade em um talhão menor, de alguns poucos hectares, que servem como um laboratório ao ar livre. As tecnologias que propiciam alta produtividade e, concomitantemente, aumentam a rentabilidade, são utilizadas no restante da lavoura de soja. Assim, o recordista mundial de produtividade de soja consegue também ser um recordista de rentabilidade.   Ontem, 18 de agosto, participei da cerimônia em que o CESB (Comitê Estratégico Soja Brasil) entregou as distinções aos produtores de soja que obtiveram as produtividades de soja mais elevadas no Brasil, na safra 2009/2010. Na safra anterior, a primeira edição do Desafio Nacional de Máxima Produtividade de Soja havia destacado produtores de soja, com médias de produtividade acima de 4.800 kg/ha. Estes números já eram entusiasmantes, afinal o recordista daquela edição (Guilherme Ohl, de Primavera do Leste) produziu 4.968 kg/ha, 89% acima da média brasileira daquela safra.   Em 2010 a média brasileira foi 11% superior a 2009. Mesmo assim, os vencedores do Desafio de Produtividade obtiveram índices ainda superiores aos verificados no ano anterior. O vencedor, Leandro Sartorelli Ricci, obteve a produtividade de 6.501 kg/ha, ou 123% acima da média brasileira desta safra. Dos 20 produtores premiados, nas quatro grandes regiões produtoras do Brasil, apenas três apresentaram produtividade entre 4.500 e 4.800 kg/ha. Os 17 restantes produziram acima de 4.800 kg/ha. É assim, com produtividades altas e sustentáveis, que o Brasil caminha para ser o maior produtor mundial de soja.

Clima e Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

Deu na revista Science desta semana: O aquecimento global não tem feito as plantas cultivadas produzirem mais. Ao contrário, a produtividade dos vegetais tem decaído nos últimos 10 anos. Os modelos matemáticos indicavam que as temperaturas constantemente mais elevadas estimulariam o crescimento das plantas.

Por exemplo, em 2003, um artigo publicado na Science, pelo Dr. Ramakrishna Nemani, do Centro de Pesquisa Ames (da Nasa), havia apontado um aumento de 6% na produtividade global de plantas terrestres entre 1982 e 1999. O aumento foi justificado por condições favoráveis na temperatura, radiação solar e disponibilidade de água, influenciados pelo aquecimento global, que seriam favoráveis ao crescimento vegetal. Estes números referendavam o que os modelos previam.

 

Lembremos que a produtividade é a expressão prática da taxa de fotossíntese, processo usado pelas plantas verdes para converter energia solar, dióxido de carbono e água em açúcar, oxigênio e no tecido vegetal, formando as reservas, que são usadas para produzir alimentos ou energia. Radiação, temperatura e água são fundamentais para a fotossíntese.

Agora, uma pesquisa recente, com dados do satélite Terra, lançado em 1999 pela Nasa, concluiu que, há uma década, a produtividade está em queda. De acordo com os Drs. Maosheng Zhao e Steven Running (Universidade de Montana) o principal motivo são as secas regionais, que se alastram pelo planeta. O declínio observado na última década foi de 1%. Este é um sinal alarmante devido ao impacto potencial na produção de alimentos e de biocombustíveis.

 

Os cientistas esperavam demonstrar a continuidade da tendência anterior, mas verificaram que o impacto negativo das secas regionais superou a influência positiva de uma estação de crescimento mais longa, o que levou ao declínio na produtividade. Segundo o estudo, embora as temperaturas mais elevadas continuem a aumentar a produtividade em algumas áreas e latitudes mais altas, nas florestas tropicais, responsáveis por grande parte da matéria vegetal terrestre, a elevação nas temperaturas tem diminuído a produtividade, devido ao estresse hídrico e à respiração vegetal, que retorna carbono à atmosfera. Ao que parece, essa história mal está começando e ainda terá muitos capítulos.

 

Leite
Décio Luiz Gazzoni

Um dos raros setores do agronegócio em que importamos mais que exportamos é o de lácteos.O déficit na balança comercial deste ano chegou a US$ 70,5 milhões, 38% maior que o saldo negativo de US$ 51 milhões do 1º. semestre de 2009. No período, o Brasil importou 4,31 milhões de litros de leite UHT, 60% mais que no 1º. semestre de 2009. Mais de 60% das importações provieram do Uruguai (2,65 milhões de litros). Somente em junho, o Brasil comprou 1,136 milhão de litros de leite UHT do Uruguai, 26,3% do total importado no ano. Os lotes foram destinados aos três Estados do Sul, onde a produção se eleva nesta época devido à produtividade obtida com as pastagens de inverno, típicas da região.   Os produtores gaúchos são os que mais sofrem, pois no Rio Grande do Sul está a segunda maior produção leiteira do País, de 3,3 bilhões de litros anuais (12% da oferta nacional). O leite uruguaio chega ao mercado gaúcho a preços mais baixos que o produto local, reduzindo os valores pagos aos criadores. Câmbio desfavorável, com a moeda nacional sobrevalorizada em relação ao dólar, e alta incidência de impostos, no Brasil, são os principais fatores que reduzem a competitividade da pecuária de leite brasileira, no entender dos especialistas.

 

Com elevada capacidade produtiva, o Rio Grande do Sul é tradicional fornecedor de produtos lácteos para as demais regiões do Brasil. O Estado produz, em média, 130 milhões de litros de leite UHT por mês, dos quais 55% são enviados para outros Estados. Mas, no último mês de junho, ingressaram em território gaúcho 669,3 mil litros de leite UHT uruguaio. Porque isto ocorre? Acontece que o leite uruguaio é importado a R$ 1,07 por litro, em valores FOB. Ao ingressar no Brasil, o leite uruguaio não paga qualquer imposto. Já o leite gaúcho, ao ser vendido para outros Estados, paga 12% de ICMS. No Brasil, os pecuaristas de leite pagam 9,25% de PIS e COFINS em insumos que chegam a representar 40% do custo operacional. A competição é absolutamente desleal e desigual. Pelos mesmos motivos acima, arrozeiros gaúchos bandearam-se para a Argentina e Uruguai, onde são menos tributados, e vendem o arroz ao Brasil com câmbio favorável. Vai acontecer a mesma coisa com o leite?  

 

Produtividade
Décio Luiz Gazzoni

A História da Humanidade confunde-se com o avanço da produtividade da agricultura. Atualmente, são necessários 0,22 ha para alimentar cada uma das 6,7 bilhões de pessoas, redundando em 1,5 milhões de ha de terras cultivadas. Nas áreas de mais alta tecnologia alimenta-se uma pessoa com 0,1 ha. Países da Europa, EUA e Japão detêm os maiores índices de produtividade agrícola do mundo, pela conjunção entre alta tecnologia e políticas públicas de suporte ao agricultor e ao agronegócio. Entre 1977 e 2010, a produtividade das culturas de grãos no Brasil cresceu a uma taxa geométrica de 3,3% a.a. Entretanto, houve dois momentos diferenciados, pois, entre 1977 e 1990, o crescimento foi de 1,1%, enquanto entre 1990 e 2007 a produtividade se expandiu a 4,1% a.a. Para as duas principais culturas de grãos, entre 1970 e 2007 a produtividade de soja cresceu 2,3% a.a. e a de milho 2,4% a.a. Assim mesmo, exceção feita à soja, a produtividade dos principais produtos da agropecuária brasileira situa-se bem abaixo dos líderes de cada produto.

  Projetando-se o longo prazo (2050), estima-se que haverá necessidade de expandir a produção mundial de alimentos em 60% porém, dificilmente, será possível incorporar, especificamente para produção de alimentos, mais de 20% da área atual (cerca de 300 Mha), pois também haverá pressão para aumento da produção de outros produtos agrícolas. Logo, haverá necessidade de ganhos de produtividade superiores a 33%, exigindo ações imediatas para evitar as conseqüências alternativas, que seriam a oferta de alimentos inferior à demanda ou os impactos ambientais indesejáveis do avanço da fronteira agrícola.   O Brasil, pelas suas vantagens comparativas e pela expectativa de que venha a ser o grande provedor de alimentos do mundo, deverá elevar sua produtividade muito acima de 33%, para compensar ganhos menores em áreas onde a produtividade já é muito alta ou onde esse incremento será menor. Pelo retrospecto recente, e pelo diferencial entre a produtividade atual da agropecuária brasileira, e aquela atingida pelos países líderes, é factível um incremento da produtividade de 3,4% ao ano, entre 2010 e 2022. Esta deve ser a meta comum do Estado e dos produtores: produção sustentável.

 

O mastodonte China
Décio Luiz Gazzoni

O comércio com a China é vista como boa notícia para os países latino-americanos. A China alimentou um boom nos setores de recursos naturais da América Latina, incluindo o agronegócio. Mas a globalização tem vencedores e perdedores, portanto ojo com a armadilha: os recursos naturais e matérias primas são exportadas para a China, enquanto importações baratas de artigos manufaturados inundam os mercados locais. Alguns países da América Latina aumentaram as exportações de commodities e viram suas exportações de manufaturados sendo erodidas pelos produtos chineses. Esta é parte da explicação para a atual deterioração da nossa balança comercial. O setor calçadista brasileiro é um exemplo didático, vez que ele foi literalmente destroçado pela competição chinesa. Alguns especialistas argumentam que as importações chinesas são boas para a América Latina, beneficiando os consumidores. Como os produtos chineses são muito mais acessíveis, existe uma sensação de que o rendimento familiar é maior. Mas uma coisa é certa: a China é um novo player na América Latina, e chegou para ficar.

 
  É no agronegócio e na mineração que os interesses de exportação brasileiros ficam evidentes. A China é, hoje, um dos principais parceiros comerciais do nosso agronegócio, com forte tendência de crescimento. Há 15 anos, a China era autossuficiente em soja e grande exportadora de milho. Progressivamente, tornou-se o maior importador de soja do mundo - em 2010, importará 50 milhões de toneladas, 8% mais que em 2009. Para a década entrante, estima-se que 80% do acréscimo da soja comercializada no mundo será adquirido pela China. Nos últimos dez anos, a demanda doméstica de milho da China registrou um crescimento de 35 milhões de toneladas. O país exportou 15 milhões de toneladas em 2003 e, este ano, importará 1 milhão de toneladas. A previsão é que o milho sofra uma ascensão de importação em tudo semelhante ao que ocorreu na soja. Bom para o Brasil? Poderia ser melhor se já exportássemos o frango cortado, temperado e pré-cozido. Ou, no mínimo, fizéssemos como los hermanos argentinos: exportar biodiesel e proteína (vegetal ou animal) e não o grão. Pergunta: a nossa precária infra-estrutura aguentará tamanha demanda?

 

Cana e MDL
Décio Luiz Gazzoni

Metade das usinas brasileiras de açúcar e álcool que fornece energia elétrica à rede interligada já está ganhando dinheiro (ou em vias de) com a venda de créditos de carbono. São 26 usinas que comercializam os créditos no mercado internacional, no valor anual de R$ 60 milhões. Outras 27 estão na fila de aprovação do Conselho Executivo da ONU, o órgão que regula esse mercado. A venda de créditos de carbono das usinas de cana é possível devido à cogeração, que produz bioeletricidade pela queima do bagaço da cana. A usina gera energia para consumo próprio e vende o excedente, contribuindo para tornar a matriz energética ainda menos poluente. É o excedente que permite às usinas receber e vender créditos de carbono.

Os créditos de carbono compõem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da ONU, pelo qual projetos limpos em países em desenvolvimento geram créditos, que podem ser vendidos às empresas de países ricos, que são obrigadas a reduzir suas emissões de gases-estufa no escopo do Protocolo de Kyoto. No mundo existem 80 projetos de cogeração de cana aptos a vender esses créditos. Por definição, cada tonelada de gás de efeito estufa que deixa de ser jogado na atmosfera equivale a um crédito de carbono.

 

Ao gerarem energia renovável, as 26 usinas brasileiras registradas na ONU deixarão de emitir 5 milhões de toneladas de carbono até 2012. Destas, 2,4 milhões de toneladas já tiveram autorização da ONU para serem comercializadas. A projeção da Unica, que representa as usinas do Centro-Sul no país, é que esse volume suba para 8,8 milhões de toneladas até 2020. Já os projetos que aguardam aprovação devem gerar 3,8 milhões de toneladas até 2012, com projeção de 13,3 milhões de toneladas até 2020. Em média, a receita gerada pela venda de energia das usinas é elevada entre 3% e 5% com a comercialização de créditos de carbono.

Porém tem mais: Só no Centro-Sul, são 337 usinas que geram energia com menor eficiência e para uso próprio. O gargalo, nesse caso, é que os preços pagos pela energia nos leilões do governo ainda não remuneram o investimento para substituição de caldeiras velhas por equipamentos de ponta. Quando estas usinas operarem com tecnologia moderna, os números serão ainda melhores.

Agronegócio e infraestrutura
Decio Luiz Gazzoni

A produção agropecuária brasileira cresce muito mais rápido que a infraestrutura de transportes e de armazenagem. O custo do transporte aumentou 147% entre 2003 e 2009, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). O Centro-Oeste produz um terço da safra nacional de grãos, a qual é escoada por Santos ou Paranaguá, porque o acesso aos portos da Região Norte é ainda mais difícil. O caminho é mais curto, porém a falta de infraestrutura acaba direcionando a produção agrícola para o sul. Para agravar, os caminhões respondem por 70% do transporte da soja de Mato Grosso, e o produtor paga R$ 230 por tonelada, mais de 40% do valor bruto da tonelada.    

No Sul e Sudeste os preços do frete variam entre R$ 55 e R$ 70/tonelada. Parece baixo? Então saiba que o produtor argentino paga R$ 34,64/tonelada e o americano R$ 31,18/tonelada. A eficiência na produção de soja brasileira nada deve a qualquer concorrente, mas perdemos a vantagem competitiva no transporte demorado, arriscado, caro, além das perdas de soja pelo caminho.

Pelas projeções do Ministério da Agricultura, a produção somada de arroz, feijão, milho, soja e trigo deverá crescer 37% entre 2009 e 2020. O aumento da produção resultará principalmente de ganhos de produtividade, atendendo aos quesitos de sustentabilidade econômica e ambiental. O MAPA estima que a expansão da área ficará em menos de 0,5% ao ano, enquanto a produção crescerá 2,67% ao ano, o que significa um ganho de produtividade de 2,2% ao ano.  

 

No entanto, apesar do esforço de gestão e de adoção de tecnologia moderna pelos agricultores - que permitiu triplicar a produção e reduzir em 80% o preço da cesta básica - ainda existe uma ineficiência estrutural que impede o Brasil de realizar seu efetivo potencial. Nos últimos anos, o consumidor nacional se beneficiou e o Brasil aumentou o seu market share no mercado internacional, apesar das más condições da infraestrutura e do restante do custo Brasil. Sem a produtividade em alta, o problema da logística teria sido muito mais grave nos últimos anos, porque as distâncias seriam maiores. Para o futuro precisamos continuar trilhando a senda da produtividade, porém, cada vez mais, adequar a infraestrutura fará a diferença.

 

Investir no Brasil
Décio Luiz Gazzoni

Na semana passada proferi a Conferencia Principal de um evento promovido pelo maior banco de investimentos do mundo. O objetivo era apresentar as potencialidades do agronegócio brasileiro para investidores institucionais, corporativos ou individuais. Pelo evento desfilaram mais de 75% do PIB agrícola brasileiro, apresentando seus planos de investimento, suas visões corporativas, seus planos de negócio, a capacidade de gestão, suas ações ambientais e sociais. Estes são valores muito caros para o outro lado do balcão – os investidores internacionais –permanentemente de olho em boas oportunidades de investimento.   Foi uma excelente oportunidade para atualizar meus conhecimentos sobre os bastidores do agronegócio brasileiro, à montante (empresas de sementes, insumos, fertilizantes, máquinas e implementos), à jusante (processadores, transformadores, sistema de logística e infraestrutura, portos, etc.), ou no hard core do sistema produtivo – a fazenda. Coube-me colocar um farol em 2025 e iluminar o caminho a ser percorrido pelo agronegócio (agropecuária, agroindústria, infra-estrutura, transportes, armazenamento, inovação tecnológica, crédito, etc.), para auxiliar na decisão dos investidores. No geral, o quadro é altamente otimista, o Brasil deverá ser o grande player do agribusiness global, na década de 20.

 

Lição de casa

  Entretanto, a perversidade do Custo Brasil ficou evidente no evento. Produtores nacionais e investidores internacionais reclamaram fortemente das deficiências estruturais que afetam a economia brasileira, entre elas o agronegócio. A maior queixa refere-se às más condições de transporte (estradas em péssimo estado ou com pedágio alto e falta de alternativas), que eleva o frete; a segunda queixa aponta para a alta carga tributária (em média 40%) que incide sobre insumos, produtos e serviços agrícolas; a terceira desnuda a insustentabilidade da sobrevalorização do real, que está solapando as exportações e degradando a nossa relação de troca com o exterior. São aspectos que foram relegados na última década e que necessitam tornar-se prioridade para a próxima, sob pena de perdermos enormes oportunidades de geração de renda, emprego e desenvolvimento.

 

Mais alimentos
Décio Luiz Gazzoni

Em Curitiba uma cesta básica custa R$219,28, de acordo com o Dieese. O valor médio da bolsa família pago no Brasil é de, aproximadamente, R$100. Logo, com o valor médio da bolsa família compra-se 45% de uma cesta básica. Ótimo, que bom que cada vez menos brasileiros passem pela agrura da fome, em um país com tamanho potencial de produção de alimentos. Como estamos em plena campanha eleitoral, o leitor muito ouve falar de bolsa família, que seu valor será aumentado, que serão mais beneficiários, etc. Mas alguém ouviu que, há 40 anos, o valor da cesta básica era 450% mais alto (em valores monetários deflacionados) que em 2010? Ou seja, com o mesmo valor médio da bolsa família seria possível comprar apenas 8% de uma cesta básica. Logo, a redução da pobreza e da fome não teria sido possível, se o valor da cesta básica não houvesse despencado.  

 

Como foi possível uma redução tão drástica no preço dos alimentos? Com a melhoria da produtividade agrícola, fruto direto dos avanços tecnológicos gerados na Embrapa, no Iapar e em outros institutos de pesquisa e transferidos aos agricultores pela Emater e outros órgãos de assistência técnica. Nos últimos 33 anos, a área cultivada no Brasil cresceu 23%, enquanto a produção aumentou 225%. O segredo da "mágica" está no trabalho de agrônomos, pesquisadores e extensionistas, que fizeram a produtividade agrícola crescer mais de 130%! E, com as novas tecnologias, especialmente as baseadas em biotecnologia, a produtividade continuará crescendo muito nos próximos anos. E, se fome ainda existe no Brasil, não é por falta de produção de alimentos – é só verificar as nossas estatísticas de exportação agrícola – mas por falta de dinheiro para comprar comida.   Portanto, se dependesse apenas dos agrônomos e dos produtores agrícolas, não haveria mais fome no Brasil, há muitos anos. No dia 12 de outubro comemoramos o Dia do Agrônomo. Nada li ou ouvi a respeito da enorme inclusão social e da diminuição da fome no Brasil, fruto deste trabalho silencioso dos agrônomos brasileiros. Não que a categoria precise disto, mas seria muito interessante que as lideranças e a sociedade reconhecessem esta enorme contribuição dos agrônomos ao povo do nosso país.

 

Cana energia
Décio Luiz Gazzoni

Entre os grandes consumidores de energia, o Brasil tem a maior participação de fontes renováveis (47%) na sua matriz energética. Não fora o erro da instalação excessiva de termoelétricas a energia fóssil nesta década, e o Brasil estaria utilizando mais energia renovável que fóssil. Entre as renováveis, a biomassa responde por 62% da energia ofertada e a hidroelétrica por 29%. Na geração de eletricidade, as hidroelétricas representam 77% da oferta. O Brasil possui um dos maiores potenciais hidroelétricos do mundo (260 GW), com 70GW em operação (só Itaipu opera com 14GW).   A demanda de energia elétrica, no Brasil, crescerá 4-5% ao ano, nos próximos 30 anos. Apesar do enorme potencial por aproveitar (190GW), mais de 50% dele se encontra na região amazônica, o que gera impactos ambientais de monta, cada vez menos palatáveis à sociedade. Como as termoelétricas nucleares ou de energia fóssil também estão sendo questionadas, por seus impactos ambientais e de saúde pública, resta a energia renovável. Os custos em R$/MWh são: gás natural 141; nuclear 139; carvão mineral 135; hidroelétrica 118; e biomassa 101. Portanto, é óbvia a vantagem ambiental, econômica e de saúde pública da opção por termoelétricas a biomassa, nos próximos anos.

 

  Biomassa é bagaço de cana, palha de cereais, restos de madeira, florestas plantadas ou pastagens. A cana produz e exporta cerca de 40 a 50 kWh por tonelada de bagaço, com caldeiras de alta pressão. Já o capim elefante pode produzir de 350 a 400 kWh por tonelada, mostrando-se alternativa a ser considerada com seriedade. Além do exposto acima, precisamos considerar também as seguintes vantagens das termoelétricas a biomassa sobre geração fóssil, hidroelétrica ou nuclear: cadeia desconcentrada, democratização de oportunidades de emprego e renda, interiorização do desenvolvimento, impulso às pequenas empresas. O tempo decorrido do projeto à operação de uma termoelétrica dificilmente chega a 3 anos, comparados aos 10 anos de construção de uma central nuclear ou usina hidroelétrica, sendo outra vantagem estratégica que não pode ser desconsiderada. Vemos, então, que a bioeletricidade será uma das melhores opções de investimento do agronegócio, nos próximos anos.

 

Anticancerígeno transgênico
Décio Luiz Gazzoni

Há anos observo que os opositores da biotecnologia questionam apenas os avanços científicos na agricultura, nunca na farmácia e na medicina. O leitor pode fazer o teste: verifique se, em algum momento, alguma ONG ou similar vai verberar contra a novidade a seguir. O paclitaxel (Taxol) é um quimioterápico para tratamento de tumores de ovário, mama e pulmão, obtido da casca do teixo-do-pacífico (Taxus brevifolia), uma das árvores que crescem mais lentamente no mundo. O tratamento de um paciente requer o corte de até 4 árvores, que levam dezenas de anos para crescer até atingir o tamanho ideal. Com os atuais processos, lentos e complexos, uma dose da droga custa US$ 10 mil. A revista Science desta semana publica um estudo em que os cientistas do Massachussetts Institute of Technology modificaram geneticamente a bactéria Escherichia coli de modo a produzir, em grandes quantidades, um composto chamado taxadieno, um precursor do paclitaxel.

  A E. coli não produz, naturalmente, o taxadieno, mas sintetiza um composto chamado IPP, que está a dois passos do taxadieno. Ocorre que esses dois passos são encontrados apenas em plantas. A inovação cientifica foi modificar geneticamente a bactéria para que ela produzisse o taxadieno. Para isso, adicionaram dois genes de plantas, também modificadas, para funcionar na bactéria. A proposta era ver se os genes codificariam as enzimas necessárias para fazer as reações químicas dos dois passos que faltavam. O resultado é que a produção do taxadieno foi multiplicada em mil vezes em relação aos melhores resultados já obtidos com a E. coli.

 

É empolgante a perspectiva de usar essa plataforma para descobrir outros compostos terapêuticos em um momento de declínio do surgimento de novos produtos farmacológicos tradicionais e de grande elevação nos custos para o desenvolvimento de medicamentos. Agora, fique atento se algum tecnoxenófobo invectivará contra o novo processo de obtenção do medicamento. Afinal, comida é abundante e só passa fome quem não possui renda para adquiri-la. Já um anticancerígeno pode salvar a vida do pai, da mãe, de um irmão ou do filho de um ativista antibiotecnologia bem alimentado, e isto faz uma enorme diferença!  

Etanol e emprego
Décio Luiz Gazzoni

Ao abastecer seu carro flex considere qual combustível é mais econômico por quilometro rodado. Se quiser levar em conta temas sociais e ambientais, reflita nas emissões de gases de efeito estufa ou quantos empregos são gerados por quilometro. A cadeia do petróleo é fortemente concentrada, gera poucos empregos e muito dinheiro em impostos, mal empregado pelos governos. As cadeias de biocombustíveis geram centenas de milhares de oportunidades de emprego e renda para brasileiros do interior, democratizando e distribuindo a riqueza.

 

O recente aumento da produção do etanol em 15% gerou 170 mil postos de trabalho em toda a cadeia produtiva, com qualificação mais elevada, logo o seu salário é maior. A estimativa é que estes novos empregos injetaram R$236 milhões mensais nas famílias dos trabalhadores. O estudo foi conduzido pela professora Márcia Moraes (Esalq-USP). A cana-de-açúcar é a cultura que mais emprega no Brasil, responsável por 629 mil postos de trabalho, 20% da mão de obra da agricultura.

 

O setor paga, em média, 51% a mais do que o salário mínimo nacional. Os empregados com maior tempo de estudo atuam em São Paulo e possuem em média 5,4 anos de estudo. Mesmo com a mecanização da lavoura de cana, o número de postos de trabalho aumentou nos últimos 30 anos, por conta da expansão do setor a fim de abastecer o mercado de combustíveis. Atualmente, cerca de metade da produção agrícola é mecanizada enquanto o restante permanece com técnicas manuais.

 

 

O estudo também comparou os impactos sociais com os da indústria do petróleo, que empregava 73 mil trabalhadores no ano de 2007, um número seis vezes menor do que os empregados da cana-de-açúcar, que eram 465 mil naquele ano. Mais empregos e mais bem distribuídos, pois a produção petrolífera se concentra em parte do litoral, enquanto a indústria da cana se espraia por vários Estados brasileiros, levando benefícios econômicos e sociais ao interior. Se o leitor se interessar pelo tema, o assunto foi exaustivamente discutido no artigo O Tesouro da Superfície (http://www.biodieselbr.com/colunistas/gazzoni/tesouro-superficie-22-09-09.htm). Aproveite e pense nisto durante os 3 minutos em que o seu carro está sendo abastecido.

 

Eleições e agronegócios
Décio Luiz Gazzoni

Em 5/10/06 escrevi nesta coluna "...Arrisco desenvolver uma linha de raciocínio que não ouvi de nenhum analista eleitoral. De forma estereotipada, o Presidente Lula ganhou onde a bolsa família pesa no orçamento e perdeu onde o agronegócio é forte. Mas não perdeu pelos votos dos produtores rurais, que se diluem na massa de eleitores. Perdeu porque o agronegócio, principal motor da economia do país, impulsionador dos empregos e da renda, está em mau momento. A pasmaceira geral que atinge o agronegócio brasileiro não afeta só os agropecuaristas, os empresários de processamento, os exportadores. Afeta o bóia fria, o empregado rural, o operário da agroindústria, o motorista de caminhão. As revendas de insumos vendem menos, o que significa menos emprego, menos comissões, menos renda."  

Escrevi mais" ...O efeito se esparrama pela economia. O motorista de táxi sofre junto com a empresa de transporte urbano ou interurbano; o dono da mercearia não recebe as vendas a fiado, como não recebe o dono do boteco. Diminui o emprego doméstico e até o informal. Os filhos dos pais com renda em queda saem da escola particular para a pública, a mesada diminui, o uso do carro da família passa a ser restringido. Teria chegado a hora de rever o real supervalorizado, os altos juros e os impostos escorchantes?".

 

O agronegócio não está em uma fase ruim (embora os juros continuem altos, o real supervalorizado, os impostos nos píncaros e a infraestrutura degradada). Como o mapa eleitoral dos estados é quase o mesmo de 2006, desta vez não tenho opinião formada, pois os argumentos acima não se aplicam. Talvez estejamos criando um Brasil cindido, como se costuma dizer que Londrina, eleitoralmente, é cindida pelo voto contra ou a favor de Belinati. Aliás, em Londrina, 75% dos eleitores votaram na oposição. No JL de terça, Hauly diz que "o PT virou a Arena, só tem votos nos grotões". Alex e Barbosa citam o desgaste do PT. Vargas fala da falta de reconhecimento do povo. Nada a ver com o agronegócio.

 

Plano de vôo
Décio Luiz Gazzoni

Em 2005, o então Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues nos convidou para coordenarmos a elaboração da proposta de Diretrizes do Governo Federal para a Agroenergia e de seu instrumento operacional, o I Plano Nacional de Agroenergia, vigente de 2006 a 2011 (http://www.scribd.com/doc/7069260/Plano-Nacional-de-Agroenergia-2006-2011). Em 8 de novembro iniciamos o processo de discussão para elaboração do II PNAE (2011-2016), com um seminário organizado pela SAE/Presidência da República, o qual coordenarmos. Convidamos 50 personalidades, lideranças, cientistas, formuladores de políticas públicas, empresários, analistas, consultores e demais stakeholders da Agroenergia de todo o Brasil, para discutirmos a evolução recente (I PNAE), os cenários futuros, as demandas do setor privado, as perspectivas de mercado, as inovações tecnológicas e as propostas de políticas públicas para a próxima década.  

O I PNAE teve como marcas registradas a inserção social, a inovação tecnológica, a preocupação com o ambiente e com a segurança alimentar. Ao final de sua vigência, as jóias da coroa são o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPUB), a criação da Embrapa Agroenergia e a Rede Nacional de Tecnologia de Biodiesel. A Embrapa Agroenergia inaugura, em dezembro próximo, sua sede futurística em Brasília, pronta para decolar rumo a avanços tecnológicos que rompam paradigmas. O PNUPB previa atingirmos a proporção de 5% de mistura (B5) de biodiesel ao diesel em 2013 e já atingimos esta meta em 2010, discutindo desde já o B10.

 

No seminário de Campinas pontificaram as discussões sobre as propostas de políticas públicas, em especial o incentivo à geração de bioeletricidade (co-geração, termoelétricas a biomassa e a biogás), os novos biocombustíveis derivados da biologia sintética, os veículos híbridos e elétricos. Ao Governo caberá a governança do processo, a implantação dos novos marcos regulatórios (Lei dos Biocombustíveis) e os incentivos para o Brasil disparar na liderança de produção e uso de agroenergia, em termos globais.

 

Biobutanol
Décio Luiz Gazzoni

No inicio de novembro foi apresentado ao mercado um novo biocombustivel derivado da cana-de-açúcar e que será produzido no Brasil. Trata-se do biobutanol, produzido com tecnologia desenvolvida pela Butamax Advanced Biofuels, uma joint-venture entre as empresas BP Alternative Energy e Dupont. Uma das principais vantagens do biobutanol (um álcool com quatro átomos de carbono) é que pode ser misturado à gasolina em maiores concentrações que o etanol (que possui dois átomos de carbono) para uso em motores convencionais, sem alterações. Os produtos bioetanol e biobutanol são complementares e concorrenciais, ao mesmo tempo, mas o importante é que abre-se uma nova opção de diversificação e agregação de valor na cadeia.

 

Na prática, a principal diferença entre os dois produtos está no fato de o biobutanol ter um conteúdo de energia mais próximo ao da gasolina (80%) do que o etanol (62%). Para o consumidor acrescenta conforto, pois um carro que rodasse 500 km com um tanque de gasolina pura (não existe no Brasil) teoricamente percorreria 464 km (gasolina com 25% de butanol); 446 km (gasolina com 25% de etanol); 363 km (butanol puro) ou 293 km (etanol hidratado).

 

Foram seis anos de pesquisas para obter um processo competitivo de produção de biobutanol, conduzidas no Brasil e nos EUA. O novo combustível usa as mesmas matérias primas usadas na elaboração do etanol e, desde 2004, cerca de 100 cientistas da Butamax estudam a sua eficiência a partir da cana-de-açúcar, milho, trigo e soja. Entretanto, será difícil encontrar uma matéria prima mais competitiva que a cana-de-açúcar. As pesquisas com cana-de-açúcar estão sendo conduzidas em um laboratório em Paulínia, SP.

 

  A estimativa da Butamax é de que o Brasil exporte 7,5 bilhões de litros entre 2013 (quando o biocombustível começará a ser produzido em escala comercial) e 2020. A empresa está negociando o licenciamento da nova tecnologia para usinas brasileiras, o que permitirá, no início, produzir etanol para o mercado interno e biobutanol para exportação. Entretanto, se o processo se mostrar comercialmente competitivo, será apenas questão de tempo para expandir o uso do biobutanol no mercado doméstico, pelas vantagens de densidade energética e menor custo de frete e estocagem.

 

Etanol sofisticado
Décio Luiz Gazzoni

Existe uma imensidão de energia estocada nas paredes celulares dos vegetais formadas por polímeros difíceis de serem quebrados, que são a celulose (hexoses) e a hemicelulose (pentoses). As pesquisas se concentram em enzimas encontradas em fungos ou no aparelho digestivo de cupins e de animais ruminantes, os quais possuem a capacidade de decompor os polímeros. A inovação futurística está em um trabalho do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE): aplicar cargas elétricas geradas por um plasma - gás ionizado considerado o quarto estado da matéria - para desconstruir os polímeros. As cargas elétricas atuam como as enzimas, que mudam cargas elétricas de lugar, saturando uma ligação química e provocando o seu rompimento. Uma vez quebrada a molécula, há uma reação com moléculas de água, formando os açúcares. Para dar certo, o bombardeio com eletricidade de plasma deve ser controlado e as quebras executadas com cuidado para manter os açúcares intactos. Afinal, a partir da sua fermentação é que são produzidos os biocombustíveis, como o etanol.

A inspiração veio de estudos que nada tinham a ver com energia. Foi constatado em terapias de tumores malignos que elétrons de baixa energia possuem grande capacidade para quebrar o DNA de células cancerosas. De forma muito estereotipada, uma cadeia de DNA lembra os polímeros celulósicos. Para o trabalho do CTBE está sendo utilizado um plasma frio que opera à pressão atmosférica, no lugar dos modelos de baixa pressão, os mais comuns em laboratório. A razão fundamental para esta opção é o menor custo, já pensando na viabilidade comercial do processo. Os resultados obtidos ajudarão a elucidar o processo de desconstrução do material lignocelulósico, abrindo caminho para a obtenção de outras substâncias químicas úteis, além dos biocombustíveis, dentro do conceito de biorefinarias. A biomassa utilizada pode ser qualquer material orgânico, de baixo custo e grande disponibilidade. Estes processos, que representam quebras de paradigmas permitirão que a biomassa substitua o petróleo não apenas no tanque dos carros, mas nas indústrias de química fina e farmacêutica, abrindo um novo horizonte para o agronegócio.

 

O futuro chegando
Décio Luiz Gazzoni

O Presidential Green Chemistry Challenge Award distingue tecnologias que contribuam significativamente para reduzir a poluição nos EUA. A Química Verde, ou sustentável, incentiva o design de produtos e processos que minimizem o uso e a geração de substâncias perigosas. O vencedor do prêmio deste ano é a LS9 Inc., uma empresa de base biotecnológica, com sede em San Francisco, CA. O prêmio destaca o conjunto de tecnologias desenvolvidas pela empresa, que permitem a obtenção de biocombustíveis e outros produtos químicos, com baixa emissão de carbono.

A LS9 foi fundada em 2005 e recebeu financiamentos de fundos de investimento de risco. Ela faz parte de uma nova tendência, que aproveita a biomassa como matéria prima e desenvolve processos baseados em Biologia Sintética, para obter substâncias úteis à sociedade, com menor impacto ambiental. A plataforma tecnológica da LS9, lastreada em técnicas futurísticas, utiliza processos fermentativos para transformar a biomassa em um amplo portfólio de produtos químicos, substituindo derivados da petroquímica, cuja principal característica é a baixa emissão de carbono.

 

 O portfólio inclui o "Ultraclean Diesel", um sucedâneo do petrodiesel, que pode ser produzido de cana. O Ultraclean Diesel reduz em 85% as emissões de gases de efeito estufa, quando comparado ao petrodiesel. Além disso, está livre de benzeno, uma substância cancerígena geralmente associada ao petrodiesel. Conforme os novos processos passam da fase de concepção laboratorial para as etapas de protótipo e pré-industrial, vão sendo delineados os contornos de uma nova fase de negócios.

A partir de biomassa, que pode ser produzida em larga escala, a baixo custo e com processos sustentáveis, podem ser obtidos biocombustíveis avançados e outros produtos da química fina. Assim abrem-se os portões do futuro, com a produção de sucedâneos para substituir os petroquímicos, no médio prazo. Esta visão de futuro é muito importante, porque deverá ser o paradigma dominante na década de 20. Os candidatos a protagonistas neste cenário futuro, devem se preparar desde já para trilhar esta senda. Em tempo: a LS9 estuda com carinho estabelecer-se no Brasil, aproveitando a fartura de biomassa de cana.

Desafio Soja
Décio Luiz Gazzoni

 

O Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB) lançou o Desafio Nacional de Máxima Produtividade, edição 2010/11. O objetivo é identificar os produtores de soja do Brasil que alcançarem a maior produtividade, atendendo aos quesitos de sustentabilidade econômica, ambiental e social. Estes critérios não são unilaterais do CESB: eles representam o fundamento da competitividade e a garantia de ocupação de espaço no mercado e de mais alta remuneração para o agricultor. No desafio anterior, o produtor Leandro Ricci, de Mamborê, colheu 6.501 kg/ha de soja, enquanto a média brasileira foi 2.941 kg/ha!

Serão considerados participantes oficiais do Desafio os sojicultores e os consultores técnicos. As inscrições serão aceitas até 15/12/10, mas muito cuidado: O limite de inscrição será de apenas 1.500 áreas. A área a ser inscrita no Desafio deverá ter no mínimo 5 e no máximo 10 hectares. Para efeito de comprovação da produtividade, no mínimo 2 hectares deverão ser colhidos, em um bloco contínuo. A área colhida deverá ser demarcada com a utilização de um aparelho GPS.  

Mais de uma pessoa da mesma família ou empresa poderá participar, mas cada participante deverá preencher um formulário de inscrição, desde que se referindo a áreas distintas para cada inscrição. Cada participante poderá inscrever até três áreas em propriedades diferentes, ou em talhões distintos na mesma propriedade, mas cada área deverá ter uma ficha própria e pagar uma taxa de inscrição independente. Os participantes poderão cultivar soja em áreas próprias ou arrendadas, mas essas áreas não poderão estar localizadas em APPs (Áreas de Preservação Permanentes) e deverão estar com as obrigações fiscais regularizadas. Os participantes deverão obedecer a legislação trabalhista e/ou contratos coletivos de trabalho firmados pelos sindicatos de sua região.

  Além de maior lucro na lavoura, os vencedores do Desafio 2011 serão premiados com uma viagem técnica aos EUA, para conhecerem a região produtora de soja americana e intercambiarem com os colegas norte americanos seus conhecimentos e experiência. Para inscrever-se acesse http://www.desafiosoja.com.br. Porém, lembre-se: Apenas até 15/12, ou quando as inscrições chegarem a 1.500.

 

Mais pragmatismo
Décio Luiz Gazzoni

Quem não tem cão caça com gato – ao menos até arrumar um cão. Nos últimos 8 anos, diversos países membros da OMC firmaram mais de cem acordos de livre-comércio. Os países asiáticos (mais Peru e Chile), além dos acordos de livre-comércio na região, negociam com os EUA a criação da parceria transpacífica, que acelerará a mudança do eixo do intercâmbio comercial global do Atlântico para o Pacífico. Já o Brasil fez uma aposta seca na conclusão da rodada Doha, de liberalização do comércio agrícola global, fato que não ocorreu e dificilmente ocorrerá, de forma ampla, geral e irrestrita. De acordo com a OMC, em 2009 o comércio internacional recuou 11%, a maior queda desde a II Guerra, sendo de 25% o recuo do Brasil. Menos comércio e mais desemprego no mundo é o caldo de cultura para protecionismo, hoje travestido de cláusulas sociais e ambientais. Exemplo: tramita no Congresso americano projeto de lei para substituição gradual do petróleo por fontes renováveis. O custo para os americanos será enorme, e os países que se beneficiarem de vantagem competitiva por não aplicarem medidas idênticas deverão pagar tarifas elevadas para equalizar os custos nas trocas comerciais com os EUA. De forma irônica, o Brasil, seguramente, sofrerá acusações de dumping, por já produzir e utilizar energia renovável a baixo custo, em larga escala.   Na rodada de Doha, os países desenvolvidos exigem maior proteção para sua agricultura e mais abertura dos mercados emergentes para seus produtos industriais. Os EUA listaram 3 mil produtos a serem privilegiados e pediram concessões adicionais do Brasil. Nos últimos anos, em virtude da prioridade que o Brasil conferiu a Doha, o único acordo de livre-comércio negociado pelo Mercosul foi com Israel (2007), ainda não ratificado pelo Congresso. Agora, anuncia-se a ideia de ampliação dos acordos de preferências comerciais com a Índia e com a África do Sul, sem nenhuma perspectiva de conclusão ainda neste governo, e a abertura do mercado importador brasileiro para produtos de 30 países mais pobres. Não seria a hora de, ao tempo em que se mantém a demanda política pela conclusão de Doha, negociar múltiplos acordos comerciais, para ampliar o mercado para nossos produtos agrícolas?

 

Agroindústria verde
Décio Luiz Gazzoni

O processo de transformação de produtos agrícolas pode resultar em resíduos tóxicos que, caso sejam lançados no meio ambiente, podem causar graves impactos ecológicos. Mas, em um futuro próximo, por meio de novas tecnologias geradas em áreas como a biotecnologia e genômica, será possível eliminar ou transformar, nas próprias agroindústrias, os poluentes emitidos. Esta preocupação consta do portfólio de pesqusia da Bio-base Ecologically Balanced Sustainable Industrial Chemistry (Be-Basic).   O Be-Basic é um consórcio público-privado formado pelas principais universidades, instituições de pesquisa e indústrias holandesas e voltado para o desenvolvimento de novas tecnologias para produção de bioquímicos, biomaterias e biocombustíveis. Uma das tecnologias que estão sendo estudadas no âmbito do Be-Basic é o desenvolvimento de biocatalisadores (aceleradores de reação biológicas), como microrganismos e enzimas. O consórcio tem um programa totalmente voltado para a identificação de enzimas como a dealogenase, com potencial de eliminar poluentes recaciltrantes orgânicos, que são compostos que não são degradáveis ou levam muito tempo para serem degradados.

 

Potencializando essas enzimas, será possível utilizá-las para eliminar os poluentes do solo e melhorar processos como o da biorremediação e recuperar áreas contaminadas. Outra linha de pesquisa do consórcio é o monitoramento dos impactos ambientais das substâncias químicas utilizadas por indústrias em seus processos industriais. Entre as mais de 100 mil substâncias químicas utilizadas hoje em processos industriais ou em produtos finais, 98% nunca passaram por uma avaliação de segurança, o que confere a dimensão do tamanho do desafio.   Por se tratar de uma linha de pesquisa embrionária, os resultados ainda demorarão alguns anos para causar impactos de monta no processo de agroindustrialização. Entretanto, em alguns setores de ponta, a exemplo das biorefinarias em que se transformarão as atuais usinas de álcool, o processo será mais rápido, uma vez que a própria lógica da biorefinaria estará baseada em processos químicos e biotecnológicos, e o reaproveitamento de resíduos tóxicos pode ser incorporado à economia do processo industrial.

 

 

Custo Brasil
Décio Luiz Gazzoni

Em 2003, o Chefe da Casa Civil José Dirceu da Silva afirmou que o novo Governo recebera uma "herança maldita" do anterior. Do ponto de vista das atividades econômicas, o mesmo pode ser afirmado em relação ao Governo que se inicia em 2011. Uma das heranças é o Custo Brasil, um conjunto de fatores que comprometem a competitividade da economia nacional e encarecem, em média, 36,27% o preço do produto brasileiro em relação aos da Alemanha e dos EUA. Este custo e o câmbio valorizado explicam a tendência cada vez maior de o Brasil exportar produtos primários e semimanufaturados, e de importar produtos de maior valor agregado e de tecnologia avançada.

  Se um alemão resolvesse trazer sua fábrica de porteira fechada para o Brasil, incluindo mão de obra e máquinas, o preço do mesmo produto que ele fabrica lá subiria 36,27% pelo simples fato de passar a produzir no Brasil, conforme um estudo da Abimaq. Se um chinês fizesse a mesma coisa, o número dobraria de tamanho (74%).

 

O estudo é preliminar, pois foram mensurados apenas 8 itens e o Custo Brasil tem ao menos outros 30 que não se consegue transformar em números. Entre os componentes do Custo Brasil medidos pela Abimaq estão os juros sobre o capital de giro - em média 7,95% superior ao dos concorrentes – e os preços de insumos básicos, 18,57% mais elevados que os pagos pelos americanos ou alemães. Outros fatores de custo adicional são: impostos não recuperáveis na cadeia produtiva (2,98%), encargos sociais e trabalhistas (2,84%), logística (1,90%), burocracia e custos de regulamentação (0,36%), custos de investimento (1,16%) e custos de energia (0,51%).

  Equacionar o Custo Brasil é uma inevitabilidade para o novo Governo. Como também o serão as reformas que foram adiadas: administrativa, fiscal, tributária, previdenciária e política, sem descurar da infra-estrutura que foi abandonada. Em algum momento o governante maior do nosso país necessitará ter a coragem de atacar de frente estes problemas; que comprometem o desenvolvimento do país e põem em risco o nosso potencial futuro de grande player internacional e a qualidade de vida dos nossos filhos e netos, já que a nossa foi inevitavelmente comprometida.

 

Algodão
Décio Luiz Gazzoni

O algodão abre 2011 com ótimas perspectivas, tanto no mercado doméstico quanto internacional. Para acompanhar esta tendência, que levou as cotações internacionais do algodão a recordes nunca vistos, acompanho esta semana a Beltwide Cotton Conference, que se realiza de 4 a 7 de janeiro, em Atlanta, na Georgia (EUA). No Brasil, a valorização recorde do algodão nas últimas semanas, aliada às ótimas perspectivas de preços internacionais para a commodity, havia levado produtores de Mato Grosso a expandir suas áreas nesta temporada. De norte a sul do Estado, as áreas tiveram ampliação e, em média, o incremento na área de cultivo foi de 50%. São produtores de grande, médio e até pequenos que se aventuraram a plantar mais, apostando em um novo momento para o algodão, como o que já está começando a ser vivido agora. O fenômeno se espalha pelos Estados de Goiás e da Bahia, sinalizando para uma das maiores safras de algodão que o Brasil já colheu.   A safra recorde brasileira é um dos assuntos badalados da Conferencia, mas longe de ser o único. A programação é variada, desde inovações agronômicas relativas a novas técnicas de cultivo, agrotóxicos desenvolvidos especificamente para a cultura, novas variedades, etc. De dentro para fora da fazenda, diversas conferencias analisam o ambiente econômico da cultura e as perspectivas dos próximos anos, na onda de um revival de produtos e fibras naturais, como o algodão. O aumento mundial da demanda deve significar uma mudança da geografia do cultivo. O algodão é produzido em 90 países, porém 85% da produção se concentra na China, Índia, EUA, Paquistão, Uzbequistão e Brasil. Nos primeiros 7 países a área de cultivo está se esgotando. Nosso país apresenta grandes vantagens comparativas: possui grande área de expansão, sistemas de produção avançados, produtores modernos e alta produtividade. Porém há uma grande desvantagem, que é o custo Brasil (pouco crédito, juros altos, impostos exorbitantes e falta de infra-estrutura). Na esteira da demanda internacional crescente precisamos fazer valer nossas vantagens e superar nossas desvantagens, para galgar degraus rumo à liderança internacional de produção e comércio de algodão.

 

Brasil, um país caro
Décio Luiz Gazzoni

A semana que passei nos EUA serviu para consolidar uma idéia que vinha se plasmando: o Brasil tornou-se um país muito mais caro que os EUA. A constatação se aplica a qualquer setor. Lá a alimentação é mais barata, pois um self service igual aos melhores de Londrina cobra R$22,00/kg; a churrascaria Fogo de Chão que cobra R$95,00 pelo Buffet no Brasil lá custa R$60,00. Detalhe: as carnes são importadas do Brasil!. A roupa é muito mais barata, chega a custar 25-30% do preço que pagamos aqui pela peça de mesma marca e modelo. A energia, incluindo combustíveis e as comunicações custam a metade do que pagamos no Brasil. Paga-se até 25% do preço da conexão à Internet ou pela TV a cabo. O transporte é mais barato, o estacionamento custa menos e até as moradias, casas e apartamentos, ficaram muito mais baratas que o Brasil. Exemplo: um conhecido meu comprou uma casa com 4 suítes, piscina e acessórios por US$160.000,00. Aqui em Brasília não se compra uma quitinete com este valor. Os eletrônicos e outros produtos de alta tecnologia continuam a ser muito mais baratos que aqui.   No passado era o oposto, o Brasil era o país barato. Analisando as razões das diferenças de preço, conclui: 1) A pressão tributária sobre o PIB, que é de 40% no Brasil, lá é de 16% - só os impostos já explicam 25% do diferencial de preços; 2) infraestrutura e logistica adequada nos EUA x degradada no Brasil; 3) real supervalorizado (em janeiro de 2003 US$1,00=R$3,80, hoje US$1,00=R$1,65); 4) melhor distribuição de renda gerando massa consumidora maior e mais homogênea. Quem está gostando disto é a elite brasileira, que pode viajar, fazer turismo e consumir aproveitando os menores custos. O reverso não é verdadeiro, o fluxo turístico para o Brasil diminui pois somos um país caro para os cidadãos dos países ricos!

 

E quem sofre com esta situação é a economia brasileira, em especial a exportação. O agronegócio, principal exportador do país, é quem mais sofre. Para continuar exportando os produtores brasileiros estão mostrando uma capacidade incomum, porque o ambiente de negócios é francamente desfavorável. De imediato deveríamos acertar a paridade real/dólar para promover os produtos brasileiros no exterior.

 

Energia: um cenário global
Décio Luiz Gazzoni

1. Introdução

Anualmente, a Agencia de Informações de Energia do Departamento de Energia dos Estados Unidos (EIA/DOE) autaliza seu cenários prospectivos de oferta e demanda global de energia. Considero muito importante o exame frequente dos cenários elaborados por agências conceituadas, como forma de balizar as tendências e os rumos do mercado. A partir de dados agregados é possível inferir comportamentos individuais do mercado. Por exemplo, o crescimento sustentado de energia renovável, embora em caráter global e conjunto, é um bom indicador de políticas públicas de sustentação de um nicho de mercado, como é o biodiesel.  

A última análise do EIA, liberada em 2010, utiliza como referencia o ano de 2007 e projeta diversos parâmetros de mercado e ambientais nos próximos 25 anos (até 2035). No período, é estimado que o consumo de energia aumente em 49 por cento. Em números absolutos, significa que o consumo total de energia no mundo cresce de 523 para 780 EJ (Figura 1). Porém esta demana não é linear entre os países, pois a demanda de energia em países não membros da OCDE aumenta em 84 %, enquanto nos países da OCDE o incremento será de 14%. Os países membros da OCDE são Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coréia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Republica Tcheca, Suécia, Suíça, Turquia e Reino Unido.

Figura 1. Consumo mundial de energia

 

2. Demanda agregada

    No cenário Referência da AIE, ocorre um aumento do consumo mundial de energia independente da fonte durante o período de projeção (Figura 2). Os combustíveis fósseis devem continuar a fornecer grande parte da energia utilizada no mundo. Embora permaneça como a principal fonte de energia, seu market share cai de 35% para 30%, entre 2007 e 2035 O principal fator apontado é a subida constate do preço do petróleo mundial. Entretanto, particularmente vislumbro perspectivas de pressão voluntária da sociedade e de políticas públicas de fomento à energia renovável, no mesmo período, em função das mudanças climáticas globais. No caso, a emissão de gases de efeito estufa, que tem no setor de energia a principal fonte emissora, sofrerá restrições cada vez mais severas, ao mesmo tempo em que os acordos internacinais de limitação de emissões instarão os governos a fomentarem a sua produção e uso.

 

Figura 2. Demanda mundial de energia por tipo de fonte

 

    O preço do petróleo é particularmente sensível à flutuação da oferta e da demanda. No curto prazo, de acordo com os analistas da EIA, após 2 anos de diminuição da procura (2008 e 2009), o consumo de mundial de derivados de petróleo deverá aumentar em 2010 e manter a trajetória nos próximos anos, em virtude da retomada do crescimento econômico mundial. As projeções da EIA são de um preço médio de US$ 79,00 / barril em 2010, aumentando para US$ 108,00 / barril em 2020 e US$ 133,00 / barril em 2035, em valores constantes de 2010. A Figura 3 mostra a participação percentual de cada grupo no mercado de energia.

 

Figura 3. Participação percentual da oferta por fontes de energia

    Apesar da importância dos números agregados, o seu desdobramento permite importantes inferências sobre os rumos do mercado. Os combustíveis líquidos, derivados de petróleo ou renováveis continuam a ser a fonte de energia mais importante em escala global, ao longo do período de projeção, dada a sua importância nos setores de transporte e industrial. A seguir, apresentamos uma análise compacta das projeções do cenário de referência da AIE, segmentada por tipo de fonte de energia e por grande setor consumidor de energia.

3. Combustíveis líquidos

    Embora não seja usual a categorização desta forma, a EIA usa a classificação de Combustíveis Líquidos considerando derivados do petróleo e outros combustíveis líquidos, como etanol e biodiesel, combustíveis líquidos produzidos a partir de carvão, os líquidos de gás natural e o hidrogênio líquido.

    O consumo mundial de combustíveis líquidos e cresce de 86,1 milhões de barris / dia (2007) para 92,1 milhões de barris / dia em 2020; 103,9 milhões de barris / dia em 2030 e 110,6 milhões de barris / dia em 2035. De acordo com as projeções, o consumo de combustíveis líquidos permanece estável no setor da construção, aumenta modestamente no setor industrial, mas declina no setor de geração de energia elétrica. No setor de transportes, apesar do aumento dos preços, a utilização de combustíveis líquidos se incremetará, em média, 1,3 % ao ano, ou 45 por cento entre 2007-2035.

Figura 4. Produção de combustíveis líquidos

 

Para atender ao aumento da demanda mundial tanto os suprimentos convencionais (derivados de petróleo e biocombustíveis) quanto os não convencionais (incluindo areias betuminosas, óleo extra-pesado, biocombustíveis, carvão para líquidos, gás-para-líquidos e óleo de xisto), a oferta total aumenta 25,8 milhões de barris / dia entre 2007-2035. Este número fornece uma boa estimativa do crescimento do mercado no período e a possibilidade de o acréscimo ser capturado pelos biocombustíveis.  

O cenário de referência pressupõe que os países da Opep investirão em capacidade de produção incremental de forma a manter uma quota de aproximadamente 40 % da produção total em 2035, coerente com as sua participação nos últimos 15 anos. Isto posto, estes países contribuirão com 11,5 milhões de barris / dia e os países não pertencentes à OPEP com 4,8 milhões de barris por dia incrementais para atender a demanda prevista em 2035.

 

Os combustíveis líquidos não convencionais devem crescer, em média, 4,9 % ao ano, até 2035. O motivo alegado para a diferença de crescimento entre combustíveis convencionais (de petróleo) e os não convencionais é o elevado preço do petróleo no período, permitindo que os recursos energéticos não convencionais se tornem economicamente competitivos. Adicionalmente, os analistas referem outros fatores que possam afetar o abastecimento, incluindo: políticas governamentais que limitem o acesso à energia fóssil; conflitos; atividades terrorista; a falta de avanços tecnológicos e acesso à tecnologia no setor de prospecção de petróleo; alto custo de produção; ações de proteção ambiental e outras considerações geopolíticas de curto ou longo prazo.

  A produção mundial de combustíveis líquidos não convencionais, que somou apenas 3,4 milhões de barris / dia em 2007, aumenta para 12,9 milhões de barris / dia e será responsável por 12 % do total mundial da oferta em 2035. As portentosas reservas de areias betuminosas do Canadá e os biocombustíveis, principalmente do Brasil e dos EUA, são considerados os principais componentes da produção de combustíveis líquidos não convencionais, representando 70% do incremento da oferta não convencional do período.

 

4. Gás natural

O gás natural - considerado o menos poluente dos combustíveis fósseis – aumentará aumento ponderávelmente a oferta nos próximos anos, e é o grande concorrente dos biocombustíveis no médio e longo prazo, devendo aliviar a pressão mundial por energia renovável. O consumo mundial de gás natural aumenta 44% no cenário de referência, passando de 108 trilhões de pés cúbicos em 2007 para 156 trilhões de pés cúbicos em 2035. O setor industrial consome mais gás natural do que qualquer outro setor na utilização e, na projeção, continua como o maior usuário até 2035, quando 39% da oferta mundial de gás natural será consumida para fins industriais. A geração de eletricidade é outro importante uso do gás natural, e sua participação na geração de eletricidade, em escala, mundial aumenta de 33% em 2007 para 36% em 2035.   O maior aumento previsto na produção de gás natural (Figura 5) provém de países não pertencentes à OCDE, com os maiores incrementos provenientes do Médio Oriente (aumento de 16 trilhões de pés cúbicos no período 2007-2035), África (7 trilhões de pés cúbicos), Rússia e os outros países da Europa e Eurásia não pertencentes à OCDE (6 trilhões de pés cúbicos).

 

Figura 5. Produção mundial de gás natural

 

Embora a potencialidade dos reservatórios de baixa permeabilidade, de gás de xisto e da produção de metano do carvão ainda não tenham sido integralmente avaliadas, a AIE prevê um aumento substancial nos fornecimentos, especialmente dos Estados Unidos, Canadá e China. Em 2035, estas fontes responderão por 63% da oferta no Canadá e 56% na China. O comércio mundial de gás natural, tanto por gasodutos quanto sob a forma de gás natural liquefeito (GNL), aumentarão sensivelmente no período.   A maior parte do aumento previsto da oferta de GNL vem do Oriente Médio e da Austrália, onde novos projetos de liquefacção devem entrar em funcionamento na próxima década. No cenário referência, a capacidade de liquefação mundial aumenta 2,4 vezes, passando de cerca de 8 trilhões de pés cúbicos em 2007 para 19 trilhões de pés cúbicos em 2035. Além disso, novos gasodutos em construção ou em projecto aumentarão as exportações de gás natural da África aos mercados europeus e da Eurásia para a China.

 

 

5. Carvão

Na ausência de políticas nacionais e / ou acordos internacionais vinculativos que possam limitar ou reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, projeta-se o consumo mundial de carvão aumentando de 140 EJ em 2007 para 218 EJ em 2035, a uma taxa média anual de 1,6 por cento. Grande parte do aumento projetado no uso do carvão ocorre em países asiáticos não pertencentes à OCDE, que representa 95 por cento do aumento total no uso mundial de carvão entre 2007 e 2035 (Figura 6).

 

Figura 6. Demanda de carvão mineral nas principais regiões consumidoras

 

    A crescente demanda por energia para geração de eletricidade e para a produção industrial na região deverá ser atendida, em grande parte, pelo carvão. A capacidade instalada de geração de eletricidade a paritr carvão mais do que dobra na China entre 2007 e 2035, enquanto o seu consumo de carvão no setor industrial cresce 55%.

 

6. Eletricidade

O aumento projetado na geração de eletricidade, em escala mundial, é de 87%. O consumo passa de 18 trilhões de kilowatthoras em 2007 para 25 trilhões de kilowatthoras em 2020 e 35 trilhões de kilowatthoras em 2035. Em geral, nos países da OCDE, onde os mercados de eletricidade estão bem estabelecidos e os padrões de consumo estão maduros, o crescimento é mais lento do que em países não membros da OCDE, onde existe uma grande demanda potencial reprimida. No cenário de referência, a geração em países não membros da OCDE aumenta 3,3% ao ano em média, em comparação com 1,1% ao ano nos países da OCDE.  

O rápido aumento dos preços da energia mundial de 2003-2008, combinada com preocupações sobre as conseqüências ambientais das emissões de gases com efeito de estufa, conduziu a um renovado interesse em alternativas aos combustíveis fósseis, particularmente, os recursos de energia nuclear e renovável. Como resultado, as perspectivas de longo prazo continuam a melhorar para a geração de ambos (nuclear e fontes renováveis), apoiadas por incentivos do governo e pela alta dos preços dos combustíveis fósseis (Figura 7).

 

Figura 7. Geração de eletricidade, por fonte.

 

    De 2007 a 2035, a utilização de energias renováveis para geração de eletricidade cresce a uma média de 3% ao ano (Figura 8), e a participação de energias renováveis na produção de eletricidade no mundo aumenta de 18% em 2007 para 23% em 2035. A participação do carvão aumenta em 2,3% ao ano, no cenário referência, tornando-o a segunda fonte em taxa de crescimento na geração de eletricidade, durante o período.

Figura 8. Geração de eletricidade por fontes renováveis

 

Entretanto, as perspectivas para o carvão podem ser alteradas substancialmente, se legislações futuras venham a reduzir ou limitar o crescimento das emissões de gases de efeito estufa, na ausência de tecnologias que sequestrem as emissões produzidas pela combustão do carvão. A geração a partir do gás natural e da energia nuclear, que produzem níveis mais baixos de emissões de gases de efeito estufa (gás natural) ou mesmo nenhuma emissão (nuclear), aumentam de e 2% ao ano.

  Grande parte do aumento mundial no fornecimento de electricidade renovável será provido por energia hidrelétrica e eólica. Dos 4,5 trilhões de kilowatthora de geração renovável aumentou durante o período de projeção, 54% será fornecido por energia hidrelétrica e 26% por eólico. De acordo com o estudo da EIA, com exceção de hidroelétrica e eólica, as tecnologias de geração mais renováveis não são economicamente competitivas com os combustíveis fósseis ao longo do período, a não ser em casos especiais. Entre estes casos inclue-se a cogeração com usinas de cana e as termoelétricas a biomassa, no Brasil. Nos demais casos, apenas com o suporte decidido de políticas públicas será possível incrementar a participação de energia renovável na geração de eletricidade.

 

A geração de eletricidade a partir de energia nuclear aumenta de cerca de 2,6 trilhões de kilowatthora em 2007 para 3,6 trilhões de kilowatthora em 2020, e para 4,5 trilhões de kilowatthora em 2035. O aumento dos preços futuros do petróleo tornará a energia nuclear economicamente competitiva com a geração a partir do carvão, gás natural e biomassa, apesar dos custos de capital relativamente altos na construição de usinas nucleares. Além disso, tem sido observado que as instalações nucleares possuem as maiores taxas de utilização da capacidade instalada e muitas das velhas centrais nucleares nos países da OCDE e da Eurásia não membros da OCDE terão prorrogada o seu ciclo de vida operacional.   Em todo o mundo, a geração nuclear está atraindo o interesse e os países que não dispõem de outra fonte para perseguir sua soberania energética buscam aumentar a diversidade de suas fontes de energia, melhorar a segurança energética, e proporcionar uma alternativa de baixo carbono para combustíveis fósseis.

 

Ainda assim, há uma considerável incerteza associado às projeções de energia nuclear. Questões que poderiam retardar a expansão da energia nuclear no futuro incluem a segurança da planta, a eliminação dos resíduos radioativos, os custos de construção, o umento do risco do investimento e a preocupação com a proliferação de material nuclear, esta associada não apenas à temática ambiental e de saúde pública, mas com ameaças terroristas.  

Essas questões continuam a suscitar preocupação pública em muitos países e podem prejudicar o desenvolvimento de novos reatores nucleares, onde houver alternativa de geração. No entanto, até que estas questões fiquem clarificadas, a EIA ainda incorpora a melhoria das perspectivas para a energia nuclear mundial, em seu cenário de referência. A projeção para a produção de eletricidade nuclear em 2030 é 9% por cento maior do que a projeção publicada no ano passado.

 

7. Indústria

O setor industrial consome, atualmente, cerca de 50% do total da energia produzida no mundo. A energia consumida pelo setor industrial inclui manufatura, agricultura, mineração e construção civil e para uma ampla gama de atividades, tais como o processamento e montagem, climatização e iluminação. Em escala global, o cenário da AIE projeta que o consumo de energia industrial cresce de 194 EJ em 2007 para -276 EJ em 2035.   A demanda industrial de energia varia entre regiões e países do mundo, com base nos níveis e combinações de atividade econômica e desenvolvimento tecnológico, entre outros fatores. Os países não membros da OCDE representam cerca de 100% do aumento mundial projetado para o consumo industrial de energia, com média de 1,8% ao ano (Figura 9).

 

Figura 9. Demanda de energia no setor industrial.

 

Os países da OCDE serão submetidos a uma transição de economias de fabricação para uma economia de serviços, nas próximas décadas, seguindo uma tendência já observada no passado recente, o que significa menor intensidade energética por unidade de PIB. Ao mesmo tempo, prevê-se um crescimento econômico relativamente lento, comparado aos países não membros. O consumo de energia industrial na região da OCDE como um todo cresce a uma média de apenas 0,2% ao ano a partir de 2007 até 2035, o que é considerado baixo em comparação com um aumento médio de 0,9% ao ano de uso de energia pelo setor comercial.   Em 2007, o setor industrial consumiu 13,7 EJ de energia proveniente de fontes renováveis, ou cerca de 7% do total. De 2007 a 2035, uso de energias renováveis no setor industrial aumenta em todo o mundo a uma taxa média de 1,8% ao ano. Mesmo assim, o market share das energias renováveis no setor industrial aumenta apenas para 8 por cento em 2035, o que significa que praticamente se apropriará apenas da energia incremental produzida, mantendo inalterada a base atual.

 

8. Transporte

O setor de transportes é o segundo maior consumidor de energia, após o setor industrial, e inclui a energia consumida no deslocamento de pessoas e mercadorias por via rodoviária, ferroviária, aérea, fluvial e marítima e por dutos. Quase 30% do total de energia do mundo entregue é utilizado para o transporte, a maior parte na forma de combustíveis líquidos. O setor de transportes aumenta a participação no consumo mundial de combustíveis líquidos de 53% em 2007 para 61% em 2035, respondendo por 87% do aumento total do consumo no período. Assim, a compreensão da evolução do uso da energia para transporte é o fator mais importante na avaliação das tendências futuras do mercado de combustíveis líquidos.   Os preços internacionais do petróleo atingiram níveis historicamente elevados em 2008, em parte devido a um forte aumento na demanda por combustíveis de transporte, especialmente nos países emergentes, ou seja, economias fora da OCDE (Figura 10). Neste países o consumo de energia aumentou 4,5% em 2007 e 7,3% em 2008, antes do impacto da recessão econômica mundial de 2008-2009, a qual redundou em uma desaceleração na atividade do setor de transportes. Mesmo em 2009, os países não membros da OCDE aumentaram em 3,2% o uso de energia para transporte.   Com a recuperação econômica robusta prevista para a China, Índia e outros países não membros da OCDE, a demanda crescente por matérias-primas, produtos manufaturados, negócios e viagens pessoais provocará o crescimento acelerado do consumo de energia para o transporte, tanto no curto quanto no longo prazo. No cenário de referência, os países não pertencentes à OCDE incrementam o uso de energia para transporte em 2,6% ao ano, entre 2007 e 2035.

 

Figura 10. Demanda de energia no setor de transportes

 

Os preços elevados do petróleo e as consequências da recessão econômica tiveram impactos mais profundos sobre as economias da OCDE, onde o consumo de energia caiu 1,3% em 2008 e 2% em 2009. A recuperação iniciada em 2010 tem sido lenta e será fortemente impactada no futuro, pois os EUA e outros países da OCDE estão implementando uma série de novas medidas para aumentar a eficiência do uso de combustível por suas frotas de veículos, além de alterar os regimes de tributação para encorajar a poupança e o melhor uso do combustível. Assim, o cenário prevê que o uso de energia pelo setor de transporte nos países da OCDE cresça apenas 0,3% ao ano durante o período de projeção, com a particularidade de que os níveis de consumo de 2007 seriam atingidos apenas após 2020.  

No longo prazo, tanto para países membros quanto não membros da OCDE, o aumento da procura de viagens pessoais é um fator primário fortemente impulsionador do aumento projetado na demanda de energia para o transporte. A forte taxa de urbanização e o aumentado sustentado dos rendimentos pessoais têm contribuído para maior demanda de transporte aéreo e de motorização (mais veículos mais per capita) nas economias em crescimento.

  Aumentos na demanda de transporte de mercadorias são esperados como resultado do crescimento econômico global contínuo e sustentado, sendo inferior à taxa mundial para os países da OCDE. Neste contexto, o transporte por caminhão (mais importante para países fora da OCDE) deverá liderar o crescimento na demanda por combustíveis de transporte. Além disso, como o comércio entre países aumenta, o volume de mercadorias transportadas por via aérea e navios mercantes também deverá aumentar rapidamente.

 

9. Emissões de dióxido de carbono

As emissões mundiais de dióxido de relacionados com a energia aumentará de 29,7 bilhões de toneladas em 2007 para 33,8 bilhões de toneladas em 2020 e 42,4 bilhões de toneladas em 2035 - um aumento de 43% durante o período de projeção. Ou seja, em condições ceteris paribus do cenário de referência, mesmo metas sem ambição, como a do Tratado de Kyoto, serão olimpicamente descumpridas. Este é um aspecto a considerar fortemente nas tratativas internacionais pós Copenhagen, pois a sociedade global, representada pelos Governos nacionais, está fatalmente condenada a conseguir um grande acordo para redução das emissões de gases de efeito estufa e não há como não considerar fortes reduções de emissões no setor de energia. Aí está a grande oportunidade do segmento de geração de energia renovável.   Com o forte crescimento econômico e o uso intensivo de combustíveis fósseis para a maioria das economias não membros da OCDE, e considerando apenas as políticas atuais, a maior parte do aumento projetado das emissões de dióxido de carbono ocorre entre as nações em desenvolvimento não pertencentes à OCDE. Em 2007, as emissões não OCDE ultrapassaram as emissões da OCDE em 17% por cento. Em 2035, a projeção é que apenas um terço das emissões gloabais de GEE do setor de energia ocorram em países da OCDE (Figura 11).

Figura 11. Emissões globais de dióxido de carbono pelo setor de energia.

Um grau significativo de incerteza envolve qualquer projeção a longo prazo das emissões de dióxido de carbono relacionadas à energia. As principais fontes de incertezas incluem estimativas de consumo de energia no total e por fonte de combustível. A Identidade Kaya, desenvolvida a partir de um algoritmo formulado pelo engenheiro japonês Yoichi Kaya, fornece uma abordagem intuitiva para a interpretação das tendências históricas e projeções de emissões de dióxido de carbono.  

Kaya demonstrou uma relação fixa entre a produção econômica e a meta de redução de carbono. A relação entre quatro fatores importantes (as emissões de carbono, a intensidade de carbono do sistema energético, a intensidade energética da economia e a produção econômica) foi colocada na fórmula abaixo:

IK= (C/E) x (E/Y) x (Y/P) x P

Onde IK é a identidade Kaya, C= carbono emitido em determinado período; E= energia consumida no período; Y= produção econômica; e P= população. A simulação do período do cenário é apresentada na Figura 12.

Figura 12. Impacto do fator Kaya no setor de energia

Dos quatro componentes Kaya, os políticos estão mais ativamente preocupado com a intensidade energética da economia e a intensidade de carbono da energia, que são mais facilmente atingidas pelas políticas públicas ao seu dispor para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. É neste setor que devem se concentrar os esforços para um grande acordo internacional para descarbonização da economia, em especial no setor de Energia.

10. Conclusão

O cenário de Referencia (business-as-usual) é um dos três cenários trabalhados pela Agencia de Informações de Energia do USDOE. Os outros dois são Alto Crescimento Econômico e Baixo Crescimento Econômico, selecionados pela alta correlação entre aquecimento econômico e demanda de energia. Neste cenário são consideradas apenas as legislações e políticas públicas vigentes no momento de sua elaboração, sem considerar quaisquer propostas em discussão ou em andamento, tanto domesticamente para cada país ou bloco, como para acordos internacionais. Igualmente, o cenário considera apenas a energia comercialisável, não levando em conta, por exemplo, a energia originária de extrativismo ou coleta de biomassa.   Os números apresentados são altamente coerentes com a situação atual, porém os autores ressaltam o grau de incerteza do dimensionamento do mercado quando associado com diversos fatores diretrizes, como as variáveis econômicas (crescimento do PIB, inclusão social, inflação), demográficas (crescimento populacional, taxa de urbanização), ambientais (emissões de GEE), sociais (conflitos entre produção de alimentos e de energia), geopolíticas (terrorismo, lideranças emergentes, desequilíbrios entre blocos), entre outras. Assim mesmo, o documento é extremamente útil para iluminar a trajetória do longo prazo, restringindo os espaços de prospecção e permitindo balizar com um grau menor de variabilidade os investimentos privados e as políticas públicas.

 

Produtividade e sustentabilidade na agropecuária
Décio Luiz Gazzoni

 

O termo "sustentável" provém do latim sustentare (sustentar; defender; favorecer, apoiar; conservar, cuidar). O conceito moderno de sustentabilidade começou a ser delineado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972. Foi a primeira oportunidade em que as ONU patrocinou uma reunião para discutir o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente.

 

 

Embora a expressão "desenvolvimento sustentável" ainda não fosse usada na época, a declaração já abordava a necessidade de defender e melhorar o ambiente humano para as atuais e futuras gerações, um objetivo a ser alcançado juntamente com a paz e o desenvolvimento econômico e social. Verifica-se que, desde a sua gênese, o conceito de sustentabilidade envolve um tripé fundindo indissoluvelmente aspectos ambientais, sociais e econômicos. Nada será sustentável se deixar de atender a um dos quesitos, perfeitamente harmonizado com os demais. Uma elaboração complexa, inteligente e integradora.   A definição correntemente aceita de sustentabilidade na agropecuária deriva do "Relatório Brundtland" preparado a pedido da ONU e publicado em 1987 com o título Our Common Future, e reza que "o uso sustentável dos recursos naturais deve suprir as necessidades da geração presente sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas". A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (RIO-92 ou ECO-92), consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, plasmando em definitivo meio ambiente e desenvolvimento quando se trata de sustentabilidade, consolidando a iniciativa esboçada na Conferência de Estocolmo. A RIO-92 adotou, oficialmente, o conceito de desenvolvimento sustentável, elaborado pela Comissão Brundtland. Na ECO-92 também foi elaborada a Agenda 21, um amplo e abrangente programa de ação, visando a sustentabilidade global no século XXI.

 

 

A Cúpula da Terra sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 em Joanesburgo, reafirmou os compromissos da Agenda 21, propondo a maior integração das três dimensões do desenvolvimento sustentável (econômica, social e ambiental). Avançou além do proposto na ECO-92 ao propor programas e políticas centrados nas questões sociais e nos sistemas de proteção social.

 

 

Sustentabilidade e agropecuária

Integrando os aspectos sociais e ambientais derivados da definição acima, entendo que a agricultura sustentável provê as necessidades de produtos agrícolas da sociedade, com respeito ao meio ambiente e remunerando as cadeias produtivas de forma a mantê-las em atividade.  

Circunscrito a este intróito, passemos a discutir o conceito de sustentabilidade aplicado à agropecuária. O crescimento populacional - com taxas em progressiva desaceleração - e a inserção social - com taxas em progressiva aceleração - serão os principais vetores da demanda de produtos agrícolas, nas próximas décadas. Estas premissas constituem o fulcro da questão social da sustentabilidade na agropecuária, ou seja, o mercado de produtos agrícolas cresce essencialmente por inserção social, rumo à eliminação da fome estrutural no mundo. Para tanto, é necessário aumentar significativamente a produção agrícola.

 

Entretanto, destarte o aumento da demanda de alimentos e de outros produtos agrícolas, em especial pela inserção social, no médio e longo prazos acentuam-se as restrições físicas e ambientais à incorporação de novas áreas – as áreas agricultáveis estão atingindo sua fronteira e as que sobraram são ambientalmente sensíveis. Ao mesmo tempo, aumenta a insegurança da produção, por força das mudanças climáticas globais. Este é o resumo das questões ambientais envolvidas na produção agropecuária.

 

A grande saída que o mundo dispõe para aumentar a produção - diminuindo o custo dos alimentos e mantendo a renda dos agricultores - é a tecnologia adequada e seu corolário prático, a produtividade agrícola. Este é o desafio econômico. Felizmente, a produtividade agrícola pode atender adequadamente aos três pilares da sustentabilidade, desde que os sistemas de produção sejam intrinsecamente sustentáveis.   O progresso da agricultura pode ocorrer devido ao aumento real de preços da produção (ou efeito "relações de troca"); por incorporação de novas áreas agrícolas; e por aumento da produtividade. O aumento dos preços reais (ou melhoria das relações de troca) aumenta o valor da mesma quantidade da produção, enquanto a expansão da área e o aumento da produtividade implicam em aumento da produção física. Esta elaboração atende a apenas um quesito da sustentabilidade, ou seja, a sua face econômica. Portanto não é possível tornar a produtividade um fim em si mesmo, esquecendo as consequências ambientais.

Teconologia e produtividade

A tecnologia pode fazer a interação perfeita entre as três pilastras, pois a produtividade guarda estreita relação com tecnologia. Rendimentos mais altos podem ocorrer a partir de intensificação do uso das tecnologias existentes (mais fertilizantes por hectare) ou de uma maior eficiência no uso de insumos em geral (mais produção com o mesmo nível de insumos). Maior eficiência no uso de insumos significa crescimento da produtividade total. Esta é a porta de entrada do conceito de sustentabilidade na agricultura.

 

Existem diferentes abordagens para analisar a produtividade agrícola. Uma das fórmulas mais adequadas é a medida da produtividade total dos fatores (PTF). Por esta metodologia, a produção obtida é contrastada com os fatores ou insumos utilizados para obtê-la, proporcionando uma visão mais abrangente das necessidades de recursos para produzir os resultados. Por exemplo, o aumento de 1% na PTF significa que se necessita 1% menos recursos ou insumos para obter determinada produção. Por outro ângulo, se os preços dos insumos permanecem inalterados, então o custo médio de produção reduz-se em 1%.

Esta não é mera digressão teórica, pois cada vez mais temos que pensar o agronegócio brasileiro sobre o pano de fundo do comércio agrícola internacional, porque a vocação do nosso país é ser protagonista neste mercado. E, no mercado internacional, cada vez mais a sustentabilidade passa a ser uma exigência para a ocupação dos espaços negociais mais importantes.   Por este motivo, interessou-me um estudo realizado pelo Dr. Keith O. Fuglie, do ERS/USDA, publicado em setembro de 2010. O pesquisador calculou a PTF de 15 países, com estudos específicos para algumas regiões, permitindo extrapolar os valores para o restante dos países. O modelo fornece uma medida do crescimento da PTF agrícola ao longo do tempo para cada país, região e para o mundo.

 Resultados

Os resultados sugerem que a PTF global tem se acelerado e é responsável por uma parcela cada vez maior do crescimento na produção agrícola mundial. De acordo com o Dr. Fuglie, a produção agrícola mundial cresceu cerca de 2,2% a.a. entre 1961 e 2007, com uma taxa de crescimento mais alta, de 2,8% a.a., na década de 1960, e crescimento médio anual entre 2,0 a 2,3% nas décadas seguintes.   O aumento no uso de fertilizantes foi o principal fator de crescimento da produção agrícola nas décadas de 1960 e 1970, devido ao uso de variedades de cereais altamente responsivas à adubação, nos países em desenvolvimento (Revolução Verde). O uso de fertilizantes também aumentou consideravelmente na União Soviética durante estas décadas, quando o adubo foi fortemente subsidiado.

 

Mesmo assim, o uso de insumos agrícolas desacelerou-se gradualmente entre 1960 e 2007, enquanto a taxa de crescimento da PTF foi se acelerando, mantendo o crescimento do produto real em pouco mais de 2% a.a. O modelo demonstrou que o uso de insumos na agricultura mundial foi excepcionalmente baixo durante a década de 1990, devido à rápida retirada dos subsídios à agricultura nos países do antigo bloco soviético.  

Ocorre que os insumos usados nesses países aparentemente não eram aplicadas de maneira eficiente, logo a diminuição de seu uso aumentou significativamente a produtividade média dos demais recursos na agricultura, evidenciada pela alta taxa de crescimento da PTF na década de 1990.

 

O estudo do Dr. Fuglie revelou três padrões gerais do crescimento da produtividade global:

1. Nos países industrializados, o crescimento da PTF ajudou a compensar um declínio nos recursos empregados na agricultura, pela retirada dos subsídios ou aumento de seus preços. No entanto, o crescimento da PTF, de apenas 0,9% a.a durante 2000-07, foi o menor de qualquer década desde 1960, o que pode indicar a necessidade de novos breakthroughs tecnológicos;
 
2. A dissolução da URSS em 1991 representou um grande choque para a agricultura nos países do antigo bloco soviético. Na década de 1990, os recursos destinados à agricultura contraíram-se fortemente, com queda significativa na produção destes países. No entanto, nesta década, já sob um regime capitalista, o uso de recursos agrícolas se estabilizou e o crescimento da produção foi retomado exclusivamente por ganhos de produtividade;
 
3. Nos países em desenvolvimento a produtividade acelerou-se a partir da década de 1980. A China e o Brasil têm registrado robusto crescimento da PTF nas últimas três décadas, fruto do desenvolvimento tecnológico, no caso do Brasil capitaneado pelas tecnologias geradas pela Embrapa e outras instituições de pesquisa agrícola. Já em outras regiões como a África Subsaariana, Ásia Ocidental e Caribe, a baixa produtividade agrícola está ligada à pobreza generalizada e ao baixo uso de tecnologia adequada, o que conduz à insegurança alimentar.

 

A redução do uso de insumos e o aumento da PTF têm implicações importantes para a oferta adequada de alimentos (vertente social), para reduzir os impactos ambientais e para diminuir a expansão da fronteira agrícola (vertente ambiental) e para remunerar adequamente a cadeia produtiva (vertente econômica). A principal alavanca para aumentar o crescimento da PTF é incrementar os investimentos em pesquisa agrícola e transferência de tecnologia sustentável.  

Lembrando que o período de maturação tecnológica é sempre longo, e que os impactos de novas tecnologias ocorrem no médio e longo prazos. Portanto, investir agora, e manter este investimento em níveis crescentes nos próximos anos, é a única forma de garantir a segurança alimentar do futuro.

 

Oportunidade para a América Latina
Décio Luiz Gazzoni

Em 2008 coordenei um grupo de trabalho da Academia Internacional de Ciências que descreveu o estado da arte da Energia Renovável na América Latina e no Caribe (LAC) e propôs diretrizes e prioridades de desenvolvimento científico e tecnológico regional. O documento foi encaminhado aos governos dos países da região e serviu para realinhar programas e o financiamento da pesquisa pública, além de sinalizar os avanços para o setor privado. Sua íntegra está em www.icsu-lac.org/rc_lac/rclac6/Relatorio%20Sustainable%20Energy_final_completa_baixa.pdf.   Este estudo despertou a atenção do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para a questão e, após meses de tratativas, foi firmado em dezembro de 2010 um contrato entre a Academia e o BID para financiar um estudo complementar, que objetiva: (a) propor um modelo de redes de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) em Energia Renovável e Eficiência Energética na América Latina e Caribe; (b) propor um modelo de fundo de financiamento da PD&I regional, gerido pelo Banco.

Convidado pela Academia, aceitei o desafio de levar avante mais esta empreitada porque a considero uma oportunidade única para criar diferenciais da LAC em relação ao resto do mundo, pelas nossas vantagens comparativas, que necessitam ser transformadas em competitivas. E, também, pela oportunidade de criar um ambiente de cooperação científica e tecnológica para desenvolvimento equilibrado da região, evitando os descompassos que geram inconvenientes, em especial os negócios escusos e os fluxos migratórios.   O desafio será posto para os Governos, que deverão cumprir a sua contraparte de fornecer o instrumental básico (pesquisadores, pessoal de apoio, construções), enquanto o fundo deverá arcar com despesas correntes dos projetos de pesquisa e de treinamento. É uma grande oportunidade para a comunidade científica e tecnológica. E, também, uma oportunidade para gerar emprego e renda na região, diversificando e ampliando a pauta de exportações, garantindo a oferta de energia e o seu acesso universal, bem como para evitar e mitigar os efeitos das Mudanças Climáticas Globais, derivadas das emissões de gases de efeito estufa pelos combustíveis fósseis.

 

Soja Plus
Décio Luiz Gazzoni

A cultura da soja representa 11% das exportações, conta com 250 mil produtores rurais em 17 estados e gera 1,5 milhão de empregos diretos e indiretos. Se à mulher de César não bastava ser honesta (tinha que parecer honesta), à soja brasileira não basta ser sustentável, precisa demonstrá-lo. Este é o sentido do Soja Plus, o programa de gestão ambiental e social da soja brasileira, que objetiva gerar um processo de melhoria contínua da produção de soja, desenvolvendo valores e atitudes sustentáveis. O programa compreenderá quatro etapas: a) coleta de dados de campo (elaboração de diagnósticos regionais); b) capacitação do produtor (assistência técnica e educação ambiental); c) implementação e monitoramento de melhores práticas agrícolas; e d) verificação para a obtenção da certificação Soja Plus. Este processo está adequado à realidade da propriedade rural brasileira e atende aos anseios do consumidor nacional e internacional. Será simples, voluntário, participativo, transparente e verificável.

Detalhes

Os participantes do Soja Plus serão incentivados a participar dos Programas Estaduais e Federais de Cadastramento e Regularização Ambiental. Todos os produtores rurais participantes serão cadastrados e receberão um prazo adequado para a recomposição da RL e da APP. Após adequação ambiental e implantação das práticas sustentáveis, serão realizadas auditorias para a certificação Soja Plus aos produtores que atenderem os requisitos. Estes produtores receberão um prêmio de mercado por um produto diferenciado. Também receberão um incentivo verde com uma possibilidade de redução nos percentuais do juro de custeio das empresas e agentes financeiros. O resultado geral esperado com a implantação do Programa Soja Plus é o de contribuir para a conservação dos recursos naturais, a governança das atividades produtivas e o bem estar social de trabalhadores, produtores rurais e comunidades locais. O Soja Plus foi concebido para estimular a produção sustentável segundo requisitos de desempenho ambientalmente corretos, socialmente justos e economicamente viáveis. O Soja Plus também aumentará as oportunidades econômicas e promoverá uma maior eficiência da produção da soja brasileira.

 

Agroindústria verde
Décio Luiz Gazzoni

O processo de transformação de produtos agrícolas eventualmente resulta em resíduos tóxicos que, caso sejam lançados no meio ambiente, podem causar graves impactos ecológicos. Mas, em um futuro próximo, por meio de novas tecnologias geradas em áreas como a biotecnologia e genômica, será possível eliminar ou transformar, nas próprias agroindústrias, os poluentes emitidos. Esta preocupação consta do portfólio de pesqusia da Bio-base Ecologically Balanced Sustainable Industrial Chemistry (Be-Basic).  

O Be-Basic é um consórcio público-privado formado pelas principais universidades, instituições de pesquisa e indústrias holandesas e voltado para o desenvolvimento de novas tecnologias para produção de bioquímicos, biomaterias e biocombustíveis. Uma das tecnologias que estão sendo estudadas no âmbito do Be-Basic é o desenvolvimento de biocatalisadores (aceleradores de reação biológicas), como microrganismos e enzimas. O consórcio tem um programa totalmente voltado para a identificação de enzimas como a dealogenase, com potencial de eliminar poluentes recaciltrantes orgânicos, que são compostos que não são degradáveis ou levam muito tempo para serem degradados.

 

Potencializando essas enzimas, será possível utilizá-las para eliminar os poluentes do solo e melhorar processos como o da biorremediação e recuperar áreas contaminadas.   Outra linha de pesquisa do consórcio é o monitoramento dos impactos ambientais das substâncias químicas utilizadas por processos industriais. Entre as mais de 100 mil substâncias químicas utilizadas hoje em processos industriais ou em produtos finais, 98% nunca passaram por uma avaliação de segurança, o que confere a dimensão do tamanho do desafio.   Por se tratar de uma linha de pesquisa embrionária, os resultados ainda demorarão para causar impactos de monta no processo de agroindustrialização. Entretanto, em alguns setores de ponta, a exemplo das biorefinarias em que se transformarão as atuais usinas de álcool, o processo será mais rápido, uma vez que a própria lógica da biorefinaria estará baseada em processos químicos e biotecnológicos, e o reaproveitamento de resíduos tóxicos pode ser incorporado à economia do processo industrial.

 

Chuva artificial
Décio Luiz Gazzoni

Cada vez que surge El Niño, volta a ideia de bombardear as nuvens para provocar chuva, que esteve muito em voga no Nordeste, nos anos 70 e 80. Em muitas áreas do mundo, como o sertão nordestino, a chuva é um recurso raro e precioso. Para estimular a precipitação, há décadas são feitas tentativas de semear as nuvens com produtos químicos, como iodeto de prata ou dióxido de carbono congelado (gelo seco). Um estudo conduzido por cientistas do Departamento de Geofísica da Universidade de Tel Aviv, em Israel, demonstraou que o mecanismo não é eficiente e que a pulverização de nuvens para a produção forçada de chuva não funciona tão bem como se imaginava. Os resultados foram publicados na revista Atmospheric Research.

O estudo analisou dados sobre pulverização de nuvens nos últimos 50 anos, detendo-se particularmente nos efeitos da atividade em uma área no norte de Israel. O grupo comparou estatísticas de períodos sem pulverização e com pulverização, bem como a precipitação em áreas adjacentes, nas quais não houve tentativas de produção de chuvas. Ao comparar as estatísticas de chuva com períodos de pulverização, os cientistas verificaram que os aumentos na precipitação ocorreram ao acaso, estando mais associados a mudanças de padrões climáticos que à semeadura de nuvens.   Havia esperanças em demonstrar que um período de seis anos de aumento na precipitação, pudesse ser creditado ao sucesso da chuva artificial. Porém, a análise dos resultados demonstrou que a elevação correspondeu à manifestação de um tipo específico de ciclone, consistente com o aumento de chuvas sobre as regiões montanhosas em Israel que foram pulverizadas. Os pesquisadores observaram que no período também houve um aumento nas chuvas em áreas nas quais não foi feita a semeadura de nuvens. A exceção observada no estudo refere-se à semeadura em nuvens orográficas, que são formadas sobre montanhas e duram pouco.   Apesar de ser um método caro, há atualmente mais de 80 projetos de pulverização de nuvens em andamento no mundo, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial. Breve um estudo mais abrangente irá analisar a efetividade deste processo, em escala global, usando a metodologia desenvolvida em Israel.

 

Energia renovável
Décio Luiz Gazzoni

  Em janeiro comentei a iniciativa conjunta da Academia Internacional de Ciências e do Banco Interamericano para a implementação de um conjunto de redes de pesquisa, desenvolvimento e inovação em energia renovável na América Latina e no Caribe. A nossa proposta inicial foi aprovada pelo Banco. Esta semana estamos reunidos na Cidade do México para iniciar a segunda etapa, que é a conformação de cada uma das seis grandes redes de pesquisa. Inicialmente vamos trabalhar com três grandes redes em energia de biomassa (biocombustíveis, bioeletricidade e biogás). O Brasil é o país mais avançado na área e grande candidato a liderar a rede, através da Embrapa Agroenergia, em conjunto com outras unidades. As tecnologias desenvolvidas pela rede devem significar um impulso enorme em algumas culturas, como cana, oleaginosas e essências florestais. Também vai alavancar o aproveitamento de resíduos agrícolas e da agroindústria, incluindo dejetos animais, a produção de biofertilizantes e a indústria de bioprodutos.  

 

O aproveitamento de energia solar deve resultar em duas grandes redes: energia fotovoltaica e aquecimento solar. A maioria dos países da América Latina e Caribe situa-se entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio (que corta o sul de Londrina), portanto com alta incidência de radiação solar, e grande potencial para geração de energia.   O aproveitamento de energia solar deve resultar em duas grandes redes: energia fotovoltaica e aquecimento solar. A maioria dos países da América Latina e Caribe situa-se entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio (que corta o sul de Londrina), portanto com alta incidência de radiação solar, e grande potencial para geração de energia.   Uma terceira rede será composta pelas instituições que investigam o aproveitamento da energia eólica. Em especial no litoral dos países há ventos fortes e constantes, que permitem a geração de eletricidade.  

Os países andinos, pela sua natureza geológica, possuem grande potencial de geração de eletricidade a partir de energia geotérmica. Os países da América Central estão mais avançados em seu aproveitamento e devem sediar a coordenação da rede.

 

 

Uma rede se ocupará de temas transversais e outra da pesquisa em Eficiência Energética, cujo objetivo é reduzir o desperdício e maximizar o aproveitamento da energia, da geração ao consumo final. Como resultado, a América Latina poderá ser um exemplo para o mundo, de como gerar energia limpa e reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o paradigma da sociedade do futuro.

 

 

 

Resíduos valiosos
Décio Luiz Gazzoni

Aproveitar integralmente a produção agrícola é um dos segredos para aumentar a rentabilidade. A USP desenvolveu um método de obtenção de fibras a partir das sobras não utilizadas da planta do sisal. Os processos convencionais usam o método kraft, um processo químico agressivo e viável somente em larga escala. A inovação da USP recebeu o nome de polpação organossolve, e consiste em dissolver a massa do sisal aplicando pressão, alta temperatura e etanol. O objetivo é quebrar a lignina que mantém as fibras unidas. O aspecto central, que acentua a função social da nova técnica, é o aproveitamento de um rejeito da indústria do sisal. Desse modo, a fibra não será retirada da indústria da cordoaria, ramo que mais utiliza o sisal como matéria-prima. As sobras da bucha de sisal também podem fornecer matéria-prima para a indústria de materiais de construção, como telhas, divisórias, suportes de ar-condicionado, caixas d’água e demais estruturas que atualmente utilizam outros tipos de fibras. Estima-se que mais de 700 mil pessoas estejam envolvidas em atividades diretas e indiretas na cadeia, em todo o Brasil, e que podem ser beneficiadas por este processo.

 

Cimento reforçado

O fibrocimento poderá ser mais um braço da cadeia produtiva do sisal, planta que tem o Brasil como maior produtor mundial. Um dos desafios para otimização da nova tecnologia é reduzir a degradação que o sisal sofre em um produto de construção a base de cimento, permitindo aumentar o seu teor no fibrocimento. Como toda fibra natural, ela sofre os efeitos da alcalinidade do cimento, decompondo-se com o passar do tempo. Por esta razão as peças de fibrocimento desenvolvidas até o momento contêm um porcentual de fibras sintéticas, como PVA (polivinil álcool) e PP (polipropileno). Uma vez desenvolvido o processo para o sisal, pode-se trabalhar com outras fibras, como o bambu, o que já está sendo estudado. Neste caso, além de fornecer fibras para reforço de cimento, o bambu também poderá servir de matéria-prima para celulose e papel, permitindo o aproveitamento integral do produto. No futuro, seguramente poderemos usar outros resíduos celulósicos para a mesma finalidade, permitindo uma agregação de valor em diversas cadeias produtivas.

 

Fim de missão
Décio Luiz Gazzoni

Após permanecer pouco mais de dois anos trabalhando na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em Brasília, retorno a Londrina. A missão que me foi solicitada neste período foi elaborar a Agenda Agrícola do Futuro, que compõe o Plano Brasil 2022, por sua vez o Plano de Metas do Governo Federal para o período 2011-2002. Por que 2022? Por ser o bicentenário da Independência do Brasil. O Plano abrange todos os setores da vida nacional, em especial as áreas típicas de Governo, como educação, saúde, segurança, habitação, infra-estrutura, etc.

Metas

Foram estabelecidas oito metas síntese para a agropecuária, a serem cumpridas até 2022, que são: a) Duplicar a produção agropecuária; b) Duplicar as exportações agropecuárias; c) Aumentar a produtividade agropecuária em 50%; d) Aumentar os níveis de controle de sanidade agropecuária e de inocuidade de alimentos; e) Triplicar os investimentos destinados à pesquisa agropecuária; f) Ampliar a área de florestas econômicas em 50%; g) Alcançar autonomia na produção e abastecimento de fertilizantes; h) Ampliar a oferta de informação meteorológica; e i) Concluir o zoneamento econômico-ecológico de todo o país. Cada meta destas se desdobra em metas específicas. Exemplo: a meta (c), que prevê aumentar em 50% a produtividade agropecuária do Brasil, decompõe-se em metas por grande cultura (grãos, frutas, cana, etc), florestas cultivadas e pecuária (taxa de lotação, desfrute, precocidade e taxa de ganho de peso).

 

Programas

De nada valeria estabelecer metas, se não houvesse programas de suporte, com políticas públicas adequadas, para viabilizar o seu atingimento. No total, elaboramos 20 propostas de programas e políticas públicas para focalizar a ação do Governo Federal nas metas e, nas próximas colunas, comentaremos os mais importantes. Obviamente que um Plano de Metas não é uma proposta auto-realizável. O trabalho técnico está completo, foi produzido um documento consolidado sólido, lógico, coordenado e devidamente enlaçado com outras áreas governamentais. A partir de agora nos resta acompanhar e cobrar do Governo Federal a efetiva implantação das ações propostas para atingir as metas fixadas.

 

Termoelétricas a biomassa
Décio Luiz Gazzoni

Itaipu é um orgulho dos brasileiros – paranaenses em especial – e dos paraguaios, uma obra de engenharia monumental, que gera cerca de 1.846.517 GWh anuais, operando 11.000 MW médios. Esta parte da historia todos conhecemos. O que poucos sabem é que nos 8 milhões de hectares de canaviais do Brasil existe uma energia potencial equivalente a 16 usinas de Itaipu. Isto mesmo, o Brasil tem um potencial de produzir energia (biocombustiveis e bioeletricidade) de cana equivalente a 16 vezes a capacidade da maior hidroelétrica do mundo!  

Tem mais: se houve deslumbramentos com os possíveis 90 bilhões de barris de petróleo enterrados a 7.000 m de profundidade sob o oceano, poucos se deram ao trabalho de verificar que, com cerca de 12 milhões de hectares de cana de açúcar, poderemos produzir a mesma quantidade de energia que seria extraída do pré-sal. Com menos poluição, porém mais trabalho e renda e interiorizando o desenvolvimento.

 

  Hoje a cana-de-açúcar responde por 16% da energia consumida no Brasil, sendo superada apenas pelo petróleo. E pode conquistar fatias cada vez maiores se tiver o apoio de políticas públicas.  

 

Este potencial inspirou uma das propostas que elaborei como suporte às metas do Plano Brasil 2022. De acordo com a proposta, na próxima década, não seria autorizada a construção e operação de usinas geradoras de qualquer forma de energia, como elétrica, mecânica, produção de vapor, etc., de qualquer porte, conectada ao sistema interligado ou para geração local, de uso público ou privado, que utilize energia fóssil como derivados de petróleo, carvão e gás natural.   Para fechar o ciclo da sustentabilidade da energia, as usinas ou plantas geradoras de energia que utilizarem energia fóssil, deverão efetuar a conversão para operação exclusiva com biomassa, até 31 de dezembro de 2025.   De onde sairia a eletricidade, já que o ciclo das hidroelétricas caminha para seu ocaso? Das termoelétricas a biomassa, seja por cogeração (bagaço de cana), de resíduos agrícolas ou de florestas energéticas cultivadas. Com a proposta pretende-se conferir sustentabilidade à geração de energia no Brasil, com os ganhos sociais de geração de emprego e renda no interior, e com menor emissão de poluentes.

 

Bolsa extensionista
Décio Luiz Gazzoni

A fim de contribuir para o atingimento das metas propostas no Plano Brasil 2022, desenvolvemos o REATER (Programa de Residência em Assistência Técnica e Extensão Rural ou Bolsa Extensionista), que seria uma ação conjunta do MAPA e do MDA, em sintonia com o MCT, Universidades e Instituições de Assistência Técnica. Os profissionais recém formados em ciências agrícolas e afins seriam qualificados profissionalmente durante dois anos, por inserção pedagogicamente monitorada em instituições públicas e privadas de assistência técnica e extensão rural. Os recursos para o programa proviriam do Orçamento Nacional, alocados no MAPA. A administração financeira das bolsas de estudo seria efetuada pelo CNPq, que dispõe de larga experiência no assunto.   Pela proposta, o MAPA lançaria edital para selecionar as Universidades interessadas em participar do REATER, com as quais estabeleceria um contrato de gestão para acompanhamento do profissional participante, incluindo a orientação técnica do mesmo, que seria complementada pela EMBRAPA e pelas OEPAS. Os participantes seriam admitidos por meio de seleção pública realizada pelas instituições federais de ensino integrantes do programa. Como extensão do REATER, propõe-se que estas instituições de ensino poderiam criar incubadoras de empresas de assistência técnica e extensão rural.

Ao participante do REATER seria assegurada bolsa no valor correspondente a de um estudante de mestrado, em regime especial de treinamento em serviço de 40 horas semanais, prevendo-se que o residente seja filiado ao Sistema Previdenciário como segurado autônomo. As instituições de assistência técnica deveriam prover todo o suporte local para o exercício das atividades do treinando, incluindo a supervisão de um extensionista sênior.   Ao final do período, o participante apresentaria uma monografia, desenvolvida durante o treinamento, julgada e aprovada por uma banca equivalente à dos cursos de pós graduação. Com o programa, além da qualificação, espera-se duplicar a capacidade de assistência técnica no país. Cumprido o programa de treinamento, o produto esperado é um profissional melhor preparado para as lides de assistência técnica ao produtor rural.

 

Algas
Décio Luiz Gazzoni

Esta semana estou visitando o principal Centro de Pesquisa em Energia Renovável do Mundo, o NREL, em Denver, EUA. O futuro da tecnologia de energia passa por aqui, mas não há como contar tudo. Um dos estudos que está me impressionando é o avanço no cultivo de algas para gerar energia. Entre 1978 e 1996, o NREL estudou 3.000 cepas de algas e 50 delas atraíram a atenção dos cientistas pelo potencial de produção de biocombustíveis. Em 1996, o preço do petróleo chegou ao fundo do poço (US$ 20/barril) e o custo estimado de óleo de algas na época era cerca de US$ 80/barril. Como a falta de visão de futuro não é prerrogativa brasileira, o Governo americano parou de financiar o programa!   Saltemos 20 anos no tempo. Em 2007 foi aprovada a Lei de Independência e Segurança Energética (EISA), exigindo que os EUA consumam quase 140 bilhões de litros de biocombustíveis anuais, até 2022. Devido à sua pesquisa passada, em pouco tempo a equipe do NREL garantiu US$ 8 milhões em financiamento para retomar o estudo com algas. Atualmente, já são 400 diferentes cepas de algas sendo cultivadas em ambientes diferentes - de água doce a salobra - com o objetivo de produzir substitutos do diesel e da gasolina. A prioridade máxima, no momento, é compreender a biologia dos organismos, para poder desenvolver sistemas de produção na escala de milhões de toneladas.   Os cientistas escolheram uma espécie de alga, Chlorella vulgaris, como organismo modelo porque ela cresce rapidamente e produz alta quantidade de óleo. Um dos estudos mais árduos é o desenvolvimento de um processo para extrair o óleo das células de algas. A tecnologia convencional usa um solvente que, no entanto, é pouco eficiente. Os cientistas estão buscando enzimas que tenham a capacidade de degradar a parede celular, permitindo o acesso de solventes para extrair o óleo de forma mais eficiente. Se uma enzima capaz de quebrar a parede celular for identificada, será possível isolar o gene e introduzi-lo no DNA de algas para a produção de enzimas que seriam ativadas pouco antes da colheita.

 

Hidrogênio
Décio Luiz Gazzoni

Muito se fala do hidrogênio como combustível. O desafio é produzí-lo em escala e a baixo custo. Uma das pesquisas futuristicas que acompanho aqui no NREL é uma tecnlogia que envolve conjuntos híbridos, compostos de enzimas hidrogenases e pontos quânticos. Os pontos quânticos são nanopartículas esféricas que possuem propriedades fotofísicas, como a seletividade do substrato e a capacidade de rápida indução de enzimas hidrogenase para aproveitar a luz na produção de hidrogênio (H2), permitindo transformar água em biocombustível.   Os cientistas do NREL descobriram que os pontos quânticos de telureto de cádmio, revestidos por ácidos carboxílicos, facilmente formam complexos altamente estáveis com a hidrogenase. Estes conjuntos catalisam com sucesso a produção de H2, utilizando a energia da luz solar. O processo mimica a fotossíntese, onde a proteína ferredoxina media a transferência de elétrons fotoexcitados para a hidrogenase, aproveitando a radiação solar para produzir H2.

 

No BioHybrid – nome da tecnologia desenvolvida pelo NREL - a carga negativa do ponto quântico, revestido com ácido carboxílico, interage com a hidrogenase carregada positivamente, substituindo a ferredoxina como fonte de elétrons para a hidrogenase. Medições ópticas mostraram que a eficiência fotocatalítica varia com a relação ponto quântico / hidrogenase, que atingiu o ponto ótimo na relação 1:1.   Em resumo, pontos quânticos revestidos de ácidos carboxílicos e enzimas hidrogenase conjugam-se, espontaneamente, em complexos fotosensíveis, possibilitando a transferência de elétrons foto-gerados nos pontos quânticos para a hidrogenase, resultando na produção de H2 a partir de água. O desafio agora é demonstrar a sua produção em larga escala e deflagrar o processo de aprendizado para que seus custos se equiparem aos dos combustíveis fósseis.   Há uma derivada nesta tecnologia pois, de certa maneira, este é o ponto de partida para desenvolver processos de fotossíntese artificial, o que conduziria a um futuro em que as plantas seriam dispensáveis para a produção de alimentos, energia e bioprodutos. A conferir nos próximos anos.

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