Farm Bill

Décio Luiz Gazzoni

 

 

Cada vez que o Congresso dos EUA começa a discutir uma nova edição da Lei Agricola (Farm Bill), os agricultores dos países agrícolas, como o Brasil ou a Argentina, sentem uma forte tungada nos bolsos. Esta tungada é acompanhada por um misto de raiva e inveja. Inveja porque os agricultores americanos estão completamente protegidos dos riscos da atividade agrícola, com subsídios,  garantias de compra e preços mínimos, além de outras mordomias. Raiva porque, por aqui, os agricultores lutam contra o clima, os altíssimos tributos e não menos altos juros, falta de crédito, alto custo de produção, endividamento, logística incompatível com a produção, entre outras mazelas. Os hermanos argentinos sofrem, adicionalmente, com a tungada governamental do imposto de exportação (retención) que, na prática, revoga o capitalismo, a lei da oferta e da procura e outros dogmas naturais do mundo dos negócios, em nome da necessidade de recursos para manter a política populista da Casa Rosada.

 

 

 

Trapalhadas

Em um contexto em que o mundo se dá conta que os fortíssimos subsídios agrícolas dos países ricos estão na base da inflação e da crise dos alimentos, esta não é a única trapalhada da Farm Bill. Por incrível que possa parecer, o Presidente Bush recebeu uma versão da Lei diferente daquela que foi aprovada no Congresso. Ele vetou a “lei” que não era Lei e agora a ciranda recomeça no Congresso, para terminar exatamente como o episódio anterior. A parte da Lei que não foi enviada à Casa Branca trata do comércio agrícola. Como a outra parte, será aprovada por dois terços, Bush vai vetar, o Congresso vai derrubar o veto. Tudo de olho na re-eleição dos deputados e senadores!   A Farm Bill aumenta ainda mais os subsídios do Governo à agricultura. No entender de Bush a Lei destina muito dinheiro público para os bolsos de ricos fazendeiros americanos, viciados em mamar nas tetas da mãe Tesouro, e incapazes de ter sucesso em um ambiente de negócios sem protecionismo. No total serão US$289 bilhões ao longo dos próximos 5 anos, dos quais US$43 bi vão para subsídios. Para adoçar (e calar) a boca da patuléia, lá como cá é dada uma esmola aos pobres, em forma de aumento do valor dos cupons de alimentação (a velha bolsa família dos americanos), no valor de US$10 bilhões (3,5% dos recursos).

 

 

Biocombustíveis

No setor de alimentos, praticamente não há mudanças em relação à Farm Bill atualmente em vigência. São mantidos os incentivos ao setor de grãos, como amendoim, soja, milho, lentilhas, trigo, açúcar, etc. O que mais chamou a atenção das autoridades e empresários brasileiros foi a manutenção do protecionismo ao etanol de milho, sabidamente ineficiente em termos ambientais, energéticos ou econômicos. Como americano não é idiota, já percebeu que, com etanol de milho, eles não vão muito longe, a Lei baixa o subsídio direto de US$0,51 para US$0,45 / galão. No entanto, injeta a diferença na alavancagem da produção de etanol de celulose - este sim a grande ponte para os biocombustiveis de segunda geração.    A Lei mantém a tarifa de US$0,54 / galão do etanol importado. Considerando que, no Brasil, o custo de produção do etanol de cana gira em torno de US$0,80 / galão, a taxação americana equivale a 70% de imposto de importação (além dos impostos brasileiros). Mesmo assim o produto brasileiro seria competitivo nos EUA, razão pela qual eles nos fecham a segunda porteira, através do estabelecimento de cotas de importação.

  

Reação

O Itamaraty reagiu de imediato, após a aprovação da Farm Bill no Congresso americano, argumentando que a taxação aplicada viola os princípios do Livre Comércio em que se baseia a Organização Mundial do Comércio, cuja convenção foi aprovada tanto pelos EUA, quanto pelo Brasil. Ocorre que o Brasil tem cumprido sua parte, ao contrário dos americanos, que acabaram de perder, em última instancia, uma questão levantada pelo Brasil na OMC, a respeito dos subsídios agrícolas ao algodão – e a nova Lei mantém os subsídios ao algodão. Como se trata de caso similar, há grande chance de o Brasil vencer também esta parada, se for levada ao foro arbitral da OMC. Mas o Brasil não é o único país prejudicado. A manutenção de elevados subsídios agrícolas é um tsunami de água fria na Rodada Doha da OMC, que busca, justamente, negociar uma redução e eventual futura eliminação dos subsídios agrícolas.

  Quero crer que os americanos perderam uma excelente oportunidade de reverter o eixo conceitual da Lei Agrícola, que poderia haver embricado no rumo de um comércio mais justo e liberal, uma vez que estamos em uma quadra de preços agrícolas altos, e que vão se manter altos durante toda a vigencia da Lei. Logo, a leitura que faço é que nós, países da periferia, que dependemos do agronegócio para o nosso desenvolvimento, podermos tirar o cavalinho da chuva, porque país rico algum vai abrir o seu mercado doméstico ou deixar de proteger a sua produção (ineficiente) e subsidiar o seu comércio internacional (pouco competitivo).

 

 

Petroquímica ou bioprodutos?

Décio Luiz Gazzoni

Será possível produzir óleos vegetais que rivalizem com o petróleo, para usos industriais, para melhorar a saúde humana - se forem utilizados na farmacologia - ou ainda para substituir o óleo diesel nos motores? Cientistas estão buscando respostas para esta pergunta. Um dos grupos que estuda o assunto pertence ao Departamento de Agricultura americano. Um desafio exemplar é entender por que determinadas plantas, como o tungue, produzem óleos que não são encontrados em outras plantas. Decifrar este mistério, encriptado no código genético, permite introduzir nas plantas características agronômicas interessantes, para produzir os tipos de óleo que a sociedade necessita.

 

As oleaginosas estão entre as principais commodities agrícolas transacionadas no comércio internacional. Em 2006, mais de 400 milhões de toneladas de oleaginosas foram produzidas no mundo. A maioria dos óleos, extraídos da soja, algodão, amendoim ou dendê, são produzidos para fins nutricionais. Mas, não podemos esquecer que a indústria química é baseada no petróleo, o que significa impacto ambiental, preços em ascensão e esgotamento das reservas. Logo, há um grande potencial a explorar, se pudermos manipular o teor e a composição dos ácidos graxos das oleaginosas, para melhorar suas propriedades químicas e industriais, a fim de substituir o petróleo. Potencialmente, os óleos vegetais constituem matéria prima para tintas, revestimentos, plásticos, fármacos ou combustíveis. Mas será necessário muito investimento em Ciência para transformar este potencial em realidade.

 

 

Na área nutricional, as plantas poderiam ser engenheiradas para aumentar o seu teor de ácidos graxos importantes para a saúde humana, como aqueles presentes nos peixes (ômega 3), que são bons para o coração, o cérebro, e os olhos. Alguns óleos importantes do ponto de vista industrial são produzidos em pequenas quantidades pelas plantas, ou então as plantas que os produzem são de cultivo muito difícil e de baixa produtividade. Tomemos o caso da planta de tungue, que produz o ácido eleosteárico, um tipo de óleo muito raro, que é um isômero do ácido linolênico, presente no girassol e na soja.   Este ácido possui propriedades industriais interessantes, em especial auxiliando no secamento rápido das tintas a óleo, devido à sua rápida polimerização quando exposto ao oxigênio do ar. Ele confere à pintura durabilidade e resistência à umidade, tanto em superfícies de madeira ou plásticos. Se fossem usados óleos comuns para esta finalidade, a tinta não seria absorvida pela madeira, nem secaria a contento, redundando em pintura de baixa qualidade. Ocorre que é muito difícil produzir tungue, que é um arbusto sobre o qual pouco se conhece. Então, por que não produzir o mesmo ácido graxo em plantas que os agrônomos conhecem bem e os agricultores estão acostumados a cultivar?   Para enfrentar este desafio, os cientistas introduziram na planta modelo Arabidopsis os genes que determinam a produção do ácido eleosteárico e estão estudando os caminhos bioquímicos que fazem com que a planta produza este óleo. O que os cientistas já sabem é que os genes são responsáveis por ordenar à planta que produza determinadas enzimas, as quais fazem funcionar o mecanismo de produção e estocagem de óleo, nas células das plantas. Uma vez entendidos os pormenores do mecanismo, será fácil não apenas produzir o ácido eleosteárico em plantas de fácil cultivo – como a soja – bem como usar a mesma técnica para aumentar a produção de outros óleos, igualmente demandados pela sociedade, e que sejam de difícil produção.

 

 

Durante os estudos, os cientistas identificaram a seqüência de genes e enzimas envolvidos na produção do ácido graxo. Existe uma família de enzimas DGAT, sendo que o tipo DGAT1 é uma enzima do tipo genérico ou “faz tudo”, um coringa adaptado para produzir os ácidos graxos mais simples. Por sua vez, outras enzimas da mesma família são produzidas para direcionar a síntese dos óleos para um tipo específico de ácido graxo. Este parece ser o caso da enzima DGAT2 no tungue, que é responsável pelo elevado teor de ácido eleosteárico nas sementes da planta.   A informação pode parecer trivial, mas ela é extremamente importante. Agora os pesquisadores sabem que precisam identificar exatamente o que faz cada tipo de enzima da família das DGAT, para associá-las com o tipo de ácido graxo que se pretende produzir. Elucidando a atividade da enzima, é preciso associá-la com o gene que a produz. A partir daí os cientistas podem transferir os genes para outras plantas, de fácil cultivo, que atuam como verdadeiras usinas para produzir, de forma sustentável, barata e com alta qualidade, os ácidos graxos que a sociedade demandar.   Se este caminho for trilhado até o final, os cientistas terão descoberto uma fórmula para tornar o século XXI progressivamente independente do petróleo (e de seus impactos ambientais e toxicológicos negativos), rumo a  uma nova economia, baseada em produtos naturais, renováveis, lastreada em bioprodutos ao invés de petroquímicos.

 

 

Biocombustíveis nos países ricos

Décio Luiz Gazzoni

         A OCDE elaborou um documento intitulado “Análise Econômica das Políticas Globais de Suporte aos Biocombustíveis”, que deve causar uma reviravolta nas políticas de produção e uso de biocombustíveis nos países ricos, em conseqüência no agronegócio global. A produção e a utilização de biocombustíveis - principalmente etanol de cereais e de cana-de-açúcar, e de biodiesel de óleos vegetais, tem crescido rapidamente ao longo dos últimos anos. Uma mera projeção linear, se nada for modificado, indica que estes números mais que duplicariam na próxima década.

        Os Estados Unidos e o Brasil são os maiores produtores de etanol com 48% e 31% da produção mundial de etanol combustível em 2007, respectivamente. A União Européia representa cerca de 60% da produção mundial de biodiesel.

 

Governos de outros países já implementaram ou estão considerando a promoção da produção e utilização dos biocombustíveis, porque, na maioria dos países, os biocombustíveis continuam altamente dependentes da política de apoio público.

 

O relatório da OCDE estima que os EUA, a UE e o Canadá aplicam 11 bilhões de dólares por ano, no apoio aos biocombustíveis. Os autores prevêem que o valor aumente para 25 bilhões de dólares, até 2017. As principais políticas públicas atualmente em uso são: a) Medidas financeiras, quer como benefícios fiscais para produtores, revendedores ou consumidores de biocombustíveis, ou como transferências diretas aos produtores; b) Mandatos de mistura compulsória; c) Restrições comerciais, principalmente sob a forma de direitos de importação.

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Efetividade ambiental

A crescente preocupação com as mudanças climáticas e a necessidade de redução dos gases de efeito estufa (GEE), além da poupança de energia fóssil são os principais motivos para apoiar a produção e utilização dos biocombustíveis.

O relatório aponta que o etanol de cana-de-açúcar reduz as emissões de GEE em, no mínimo, 80% ao longo de todo o ciclo de produção e utilização, comparado às emissões de combustíveis fósseis. As atuais políticas de apoio dos EUA, da UE e do Canadá estão voltadas para matérias primas muito menos eficientes na redução de GEE que o etanol de cana. Os biocombustíveis produzidos a partir de trigo, açúcar de beterraba ou de óleos vegetais reduzem as emissões de GEE entre 30% e 60%, enquanto o etanol de milho permite uma redução inferior a 30%. No total, menos de 1% do total das emissões provenientes dos transportes é reduzido, nestes países.

 

Efetividade econômica

O uso de combustíveis fósseis é reduzido em menos de 1% com bicombustíveis nos países ricos, e em 2-3% especificamente para o diesel na EU, sendo de 23% no Brasil (55% apenas para a gasolina). Isto indica um custo equivalente à US$960-US$1.700 /t de CO2-equivalente, ou cerca de US$0,80 a US$7,00 por litro de combustível fóssil não utilizado, nos países ricos.

As cadeias dos biocombustíveis dos países ricos têm custos por unidade de energia significativamente superiores aos dos combustíveis fósseis. Apesar do rápido e substancial aumento de preços do petróleo bruto, a desvantagem de custo dos biocombustíveis se acentuou nos últimos dois anos, porque os preços dos produtos agrícolas subiram e, assim, os custos da matéria prima aumentaram em proporção igual ou superior. Logo, o relatório conclui, não foi demonstrada viabilidade econômica ou ambiental pelo uso de biocombustíveis nestes países.

 

 

Energia x alimentos

No médio prazo, os impactos das atuais políticas de biocombustíveis sobre os preços dos produtos agrícolas são considerados importantes, mas o seu papel não deve ser superestimado. Os impactos nos preços dos alimentos, atribuíveis às políticas de apoio aos biocombustíveis, derivam da conjunção com o aumento da procura de cereais e óleos vegetais. Mantidas as atuais políticas, o relatório afirma que cerca de 12% da produção mundial de cereais e 14% da produção mundial de óleos vegetais seriam utilizados para produzir biocombustíveis, a médio prazo, acima dos 8% e 9% observados em 2007, respectivamente.

As atuais políticas públicas de suporte aos biocombustíveis poderiam ser responsáveis por um aumento médio nos preços do trigo, milho e óleos vegetais de 5%, 7% e 19%, respectivamente, no médio prazo. O relatório estima que os preços do açúcar e dos farelos de oleaginosas seriam reduzidos por essas políticas. No entanto, com a entrada em vigor da nova legislação de independência energética dos EUA e da diretiva de energia renovável da EU, poderia aumentar ainda mais os preços dos produtos agrícolas.

 

Conclusão

 

Como diz o matuto mineiro, cada macaco no seu galho. As conclusões do relatório da OCDE não trazem nada de novo ou original, ou seja, as vantagens competitivas para produção sustentável de alimentos ou energia, em grande escala, estão ao lado de países com vocação agrícola, como o Brasil. Ao menos até que a segunda geração de biocombustíveis ganhe escala comercial, na década de 20.

 

 

 

 

O MST era o que havia de pior?

Décio Luiz Gazzoni

 

Diz a sabedoria popular que, quando se chega ao fundo do poço, pode cair muita terra sobre nossa cabeça. Há décadas não se via algo parecido com as atitudes do ex-cocaleiro, hoje presidente da Bolívia que, seguramente, vai custar muito caro a ele – pessoalmente – e ao povo boliviano. Por alguns anos, investidores sérios não vão querer absolutamente nada com a Bolívia. E assim irão para o ralo as divisas, os empregos, o progresso. Morales não foi nada original, pois estava tudo escrito no “Manual do Perfeito Idiota Latino Americano” (Plinio A. Mendoza, Carlos A. Montaner e Alvaro Vargas Llosa - Editora Bertrand Brasil, 1997).

 

Política Externa

Pode ser que não se aplique o bordão da moda (“Nunca antes na História deste país...”), mas dá para dizer que foram poucos os momentos em que a nossa política externa foi uma sucessão tão grande de fiascos como agora. Perdemos as eleições na OEA, no BID, na OMC, dilaceramos o Mercosul, deixamos de apoiar a Argentina quando esta precisou, mas cedemos em tudo quando Kirchner exigiu privilégios comerciais. A cúpula de Viena foi um fracasso total. Perdoamos dívidas externas (inclusive da Bolívia), mas pagamos com o sangue do cidadão brasileiro a nossa dívida. Cedemos nossa liderança ponderada na América Latina, para o histrionismo do companheiro Chavez, que pinta e borda de Norte a Sul. Recentemente, ele ofendeu com palavras de baixo calão um dos candidatos à presidência do Peru. Soberanamente, o presidente peruano chamou de volta seu embaixador em Caracas. Agora Morales segue o mesmo script, porém sem reação à altura do governo brasileiro.

 

Cucarachadas

Temo pelo pior. Acho que, mais uma vez, a Bolívia fará jus ao seu passado e vislumbro um cenário em que Morales não completará seu mandato. Infelizmente para a democracia e para a América Latina, vista lá de fora como um amontoado de republiquetas de bananas. Quem semeia ventos, colhe tempestades. Para se eleger, Morales prometeu mundos e fundos a todos os grupos de reivindicação, muitos conflitantes entre si. Uniu-os, precariamente, para eleger-se, mas não conseguirá cumprir todas as promessas. Com isto já havia perdido 20% de sua popularidade entre março e abril. No desespero Morales confiscou os bens das companhias petrolíferas, para atender uma parte das reivindicações, de olhos postos nas eleições de julho. Já havia feito algo semelhante com a EBX (sem reação do nosso governo), agradando a alguns companheiros radicais, mas desagradando quem perdeu emprego e renda.

 

 

Chavez

Morales não nega que seu conselheiro e inspirador é o companheiro Chavez. Talvez por esta razão o governo brasileiro, na prática, não reagiu à expropriação sofrida pela Petrobrás. Deveria ter reagido, pois o governo deve proteger os interesses, a dignidade e o patrimônio nacionais. E deveria ficar mais preocupado ainda com os boatos que correm o mundo de que, passada a eleição boliviana, reverter-se-ia, parcialmente, a legislação expropriatória. Parcialmente, porque, ao que consta, o patrimônio seria entregue para gestão da PDVSA. Você não sabe o que é PDVSA? Bingo: Petróleos de Venezuela! Caso Chavez transfira a Morales todo o seu know-how, lembre-se que os índices de pobreza da população cresceram acima 50% e a criminalidade aumentou mais de 400%, desde que Chavez assumiu o poder.

 

Novidades

De parte de Morales, a novidade (?) será uma nova expropriação. Para garantir mais alguns votos, promete desapropriar cerca de 10 milhões de hectares de terras que, atualmente, produzem soja e milho. Parte desta terra foi adquirida por brasileiros, que venderam o patrimônio que possuíam no Brasil, para investir na Bolívia. Agora arriscam ser escorraçados de volta ao Brasil, sem qualquer apoio do nosso governo, restando-lhe engrossar o MST. Cujo negócio agora é atuar na área urbana, de acordo com análise de seus lideres, que entendem que ações apenas na área rural não têm mais impacto na opinião pública. Vem aí o MSS (sem supermercados), MAS (sem apartamentos), MSR (sem revistas), MSJ (sem jornal), MSB (sem bancos), MSI (sem igreja). Acho que vou aderir ao movimento, pois eu me enquadro em todos os itens, desde sem terra até sem igreja!

 

Agronegócio

O alinhavo anterior serviu para evidenciar as ameaças e oportunidades contidas no ato retrógrado de Morales. Uma das ameaças recai, diretamente, sobre os brasileiros que plantam na Bolívia, ou nos empresários que venderam para estes agricultores. Outra ameaça é a elevação do custo do gás, logo do custo de produção de agrotóxicos e fertilizantes e de processamento de produtos agrícolas. Os empresários ficarão altamente inseguros em investir em ampliação de fábricas, devido à instabilidade energética. Você confiaria no abastecimento e no preço do gás boliviano? A maior ameaça é que, para os investidores estrangeiros, Bolívia, Venezuela ou Brasil “é tudo farinha da mesma América Latina”, afastando investimentos do continente a cada cucarachada. A oportunidade: cada vez fica mais claro que não podemos continuar dependentes de combustíveis fósseis, em especial do exterior. Precisamos cumprir nosso destino de ser o líder mundial da produção de agroenergia. Além dos excelentes negócios que propicia, a independência energética nos livraria de ver o país chantageado, e sem reação à altura.

 

 

A evolução da energia

Décio Luiz Gazzoni

 

Em 2007 recebemos um honroso convite do International Council for Science, que congrega as Academias de Ciências dos diferentes países, para coordenar a elaboração do Plano Estratégico em Energia Renovável para a América Latina e Caribe. Formamos um grupo de cientistas internacionais, que se debruçou sobre o tema, para elaborar o cenário das mudanças na matriz energética do sub-continente, e as demandas de ciência e tecnologia a elas associadas. Nossa conclusão final apontou para a inversão total na composição da matriz energética, hoje dominada por combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão).

 

 

                   

 

A demanda de energia

                    Ao longo de um milhão de anos, a Humanidade atingiu uma demanda global de energia de 10 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (Gtoe). De acordo com a Agência Internacional de Energia, até 2050 superaremos 18 bilhões de Gtoe. O aumento da demanda se deverá ao crescimento populacional e da esperança de vida, ao crescimento econômico global e da renda disponível para as famílias. Mais cidadãos, com melhor condição econômica, buscarão melhorar sua qualidade de vida. Isto significa pressionar a demanda de alimentos e de energia. Os cidadãos serão mais bem informados, mais conscientes, e sofrerão o impacto das Mudanças Climáticas Globais, em grande parte devidas à queima de combustíveis fósseis. Juntamente com o esgotamento e à distribuição irregular das últimas reservas de energia fóssil, constituirão fatores decisivos para a mudança da matriz energética global, hoje dominada em 80% por energia fóssil e que, no final do século, terá um predomínio absoluto de energia renovável.

 

 Vislumbramos quatro macro-estágios nesta evolução:

 

a.     Contemporâneo (2000-2025): Domínio da agroenergia, seguida por eólica e solar;

b.     Transição (2026-2040): Domínio da agroenergia, seguida por solar e eólica;

c.     Intermediária (2041-2070): Compartilhada entre biomassa e solar, seguida por eólica e outras renováveis;

d.     Consolidada (2071-2100): Dominada por solar, seguida por eólica, com menor participação de biomassa e de outras renováveis.

 

 

Evolução da agroenergia

O cenário será concretizado com pesados investimentos em PD&I de matérias-primas, processos de obtenção de produtos energéticos e motores. Os atuais motores de ciclo Otto ou Diesel se caracterizam pela ineficiência, pois conseguem transformar apenas 20% da energia do combustível em energia mecânica. Em motores que usam gasolina C (24% de álcool anidro) a eficiência máxima atinge 32%, sendo de 38% para os que usam o álcool hidratado exclusivo. A eficiência teórica máxima é de 53% para o ciclo Otto e de 59% para o ciclo Diesel. Novos materiais, com maior eficiência térmica, serão os protagonistas da melhora, secundados pela redução do peso dos veículos, em função de novos materiais mais leves e mais resistentes.  

Há duas revoluções em curso nos laboratórios científicos: a) adaptação de motores de ciclo Diesel para operar com combustíveis da família do etanol, derivados de carboidratos; b) a utilização de células de combustível, em substituição aos atuais motores, com ganhos de eficiência, versatilidade, custo e redução de impacto ambiental. As células de combustível de primeira geração têm eficiência térmica de 50% e, com sua evolução tecnológica, superarão os 80%.

                    Os processos fermentativos deverão se aproximar do máximo de eficiência teórica, com utilização da biotecnologia. Porém outros processos, em especial baseados em gaseificação e em geração de gás de síntese (Fischer Tropsch) serão dominantes no futuro.

 

A biomassa dependerá da especificação dos combustíveis para atender os novos motores ou células de combustível e os requerimentos para otimização dos processos de transformação. Três parâmetros serão fundamentais para determinada matéria prima ocupar espaço importante no mercado de biomassa energética:

a)    Possuir elevada densidade energética;

b)    Apresentar balanço de energia altamente positivo;

c)     Dispor de condições de produção na macro-escala a custos competitivos.

 

 

Cana-de-açúcar

 

De acordo com a CONAB, a produtividade de cana-de-açúcar em 2008 será de 79 t/ha, o que significa densidade energética de 135 Gcal/ha. Seu balanço de energia se aproxima de 12:1 (saída:entrada de energia no sistema) e o custo de 1Gcal é de R$20,58. O etanol tem um custo estimado de R$43,86/Gcal, enquanto, o petróleo, na cotação de meados de setembro, tem um custo de R$143,00/Gcal. Trata-se de uma planta com alto conteúdo energético, com potencial teórico de 598 Gcal/ha – o maior entre as plantas cultivadas - com uma cadeia altamente estruturada e organizada.   O grande desafio é como fazer a ponte entre o presente e o futuro da energia da cana. Buscando esta resposta, organizamos um workshop em setembro passado, reunindo os mais eminentes cientistas e técnicos da área. Para tanto, foi fundamental o apoio da Syngenta Proteção de Cultivos, empresa privada que foi sensível aos estudos iniciais do Plano Estratégico e entendeu o enorme potencial futuro da cana. Os cientistas que participaram do workshop elaboraram uma agenda preliminar de PD&I, que será discutida e validada em próximos encontros, que continuarão a contar com o apoio da Syngenta.

                   

 

           

Intercâmbio ou patentes?

Décio Luiz Gazzoni

 

A dualidade entre proteger as espécies vegetais de importância econômica (incluindo seu genoma), ou liberar totalmente o intercâmbio de material genético, é uma dúvida crucial que assalta os estudiosos do tema, os melhoristas e os formuladores de políticas públicas. A liberdade de troca de material genético foi fundamental no passado, modelando a agricultura do presente. Isto não impediu que, em alguns momentos, houvesse severa proibição de exportar material reprodutivo de produtos que constituíam a base de alguma economia local. O café é sempre lembrado como um exemplo deste particular.   Para ilustrar esta questão, vamos examinar a mesa do café da manhã. Por acaso existe bebida como suco de laranja ou café; frutas como banana ou mamão; pão e geléia de morango? Afinal, qual a origem desses alimentos? Surpresa, a laranja, a banana e o trigo têm origem na Ásia, o mamão no norte do continente americano; o café vem da África, a cana-de-açúcar da Índia e o morango é europeu. Para não macular o orgulho nacional, registre-se que a seringueira, o guaraná, o cacau, o caju, o abacaxi, a mandioca, a castanha-do-Brasil, além de espécies próximas do amendoim, algodão e pimentas são nativas do Brasil.

 

 

Riqueza genética

 

Alguns destes produtos já constam da pauta de exportação brasileira, que granjeou as divisas que sustentaram o crescimento da nossa economia nos últimos 10 anos. Mas, para aprofundar a questão, é importante lembrar que apenas quatro espécies – trigo, milho, arroz e batata – representam quase dois terços dos alimentos consumidos no mundo. Outras 11 espécies vegetais são responsáveis por mais 30% do consumo alimentar mundial (banana, batata doce, beterraba açucareira, cana-de-açúcar, centeio, cevada, feijão, coco, mandioca, soja e tomate). Que seria do mundo se estes alimentos houvessem sido confinados em seus centros de origem? A fome seria ainda maior que é hoje? A população mundial seria menor que é hoje? Teríamos desenvolvido outras espécies para servir como alimentos?

 

Ocorre que o paradigma de desenvolvimento da agricultura mundial foi o intercâmbio. Atualmente, os recursos genéticos têm valor atual ou potencial e nenhum país do mundo é auto-suficiente em tais recursos. Estabelecido o intercâmbio, vivemos agora a fase da evolução genética, seja por aumento da produtividade, melhoria da qualidade ou tolerância a estresses bióticos ou abióticos. É lícito esperar que esta dependência será relativa no futuro, pois embora a diversidade genética de determinada espécie seja importantíssima para o melhoramento genético, as ferramentas da biotecnologia permitirão romper os grilhões da incompatibilidade da reprodução sexuada.

 

 

Proteção

Entretanto, a dependência da diversidade genética continuará, embora interespecífica, o que fecha o círculo sobre a discussão do acesso aos recursos genéticos. Ou seja, a prospecção de material genético de importância potencial para o agronegócio, a sua catalogação, descrição e armazenamento em bancos de germoplasma continuarão sendo vitais para os avanços tecnológicos do agronegócio. Só que, agora, a garantia de retorno do investimento privado, é a proteção do conhecimento.  

Porém, mesmo em plena época de patentes e similares, o intercâmbio ainda é fundamental para conferir suporte à pesquisa genética. A Embrapa, empresa líder em pesquisa agropecuária, historicamente coordena o intercâmbio de material genético vegetal, através do Cenargen. Estima-se que, desde sua criação, a Embrapa tenha intercambiado mais de meio milhão de amostras de espécies vegetais. Para tanto, existem cerca de 150 bancos de germoplasma, contendo, em média, quase 2.000 acessos em cada banco. Informações do Cenargen dão conta que, no ano passado, a Embrapa tornou-se o 7º. operador global de bancos de germoplasma, em termos de volume de amostras intercambiadas, que envolveram 200 gêneros e 660 espécies vegetais.

 

  

Intercâmbio

Para operar este sistema complexo, a Embrapa possui acordos de intercâmbios com diferentes países e instituições de pesquisa. No caso dos EUA, recebemos dos americanos as coleções completas de arroz (17 mil amostras) e soja (23 mil). Apenas neste ano, a Embrapa deve receber de sua congênere americana, a ARS, cerca de 10 mil amostras de material genético de interesse para a agricultura brasileira. Com este aporte, o Brasil passará a dispor do quarto maior acervo de material genético do mundo, após os EUA (500 mil), China (390 mil) e Alemanha (160 mil).   Porém, isto é apenas o começo de uma nova história. O Brasil está condenado a ser o país líder do agronegócio mundial, incluindo alimentos, fibras, ornamentais e agroenergia. Para tanto, a base tecnológica deverá ser construída através do melhoramento genético. Com o acirramento das mudanças climáticas em curso, com o esgotamento das fronteiras agrícolas e o encarecimento dos insumos agrícolas, o papel do melhoramento e do intercâmbio de material genético ingressa em uma avenida de novos desafios, não menos importante que a trilha que nos trouxe até o presente.

 

E agora, José?

Décio Luiz Gazzoni

 

Em fevereiro de 2008, iniciei minha coluna na Cultivar escrevendo: “...Quer me parecer que desejar Feliz Ano Novo aos produtores agrícolas e outros players do agronegócio parece pouco. Melhor já adiantar um Feliz próximos 5 anos, uma vez que, do meu ponto de observação, parece-me que, como nunca antes na História da Humanidade o agronegócio viverá um ciclo de exuberância e de expansão como o que vamos vivenciar”. Mas encerrei alertando: “Existe apenas um risco para esta previsão: uma brutal recessão em escala planetária, que enxugue a liquidez do mercado, reduza a renda das famílias (em especial a previsão de renda futura) e torne os mercados mais fechados e protecionistas.”   Diz o ditado que o diabo não é diabo porque é diabo mas sim porque é velho. Foram os meus (quase) 60 anos que fizeram com que eu antevisse, em janeiro, algo que àquele momento, ninguém imaginava como provável, que é a tremenda crise financeira que estamos atravessando, a qual emprobreceu o mundo em estimados US$ 30 trilhões (redução de liquidez), ameaçando o emprego, logo a previsão de renda futura das famílias, diminuindo o consumo e arriscando tornar os mercados mais fechados e protecionistas.

 

 

       

 

Na Cultivar de maio, analisei as principais causas que provocaram a alta dos preços dos alimentos. Agora, para fechar 2008, julgo importante rever o impacto destas causas, face ao novo ambiente econômico mundial - durante e pós crise - sobre os preços agrícolas. O índice de preços da FAO já capturou a queda dos preços no mercado internacional. Este primeiro efeito é devido, exclusivamente, ao estouro da bolha da especulação financeira. Quando os grandes investidores internacionais perceberam (no final de 2006) que o período de bonança do sub-prime americano acabara, moveram seus portfólios para comodities, agrícolas ou minerais, incluindo petróleo. Com o inicio da crise financeira, em setembro passado, os preços despencaram quase 50%. Este era o inchaço artificial dos preços que os analistas mal informados ou de má fé (como antecipei na Cultivar de maio) atribuíram aos biocombustíveis. Por oportuno, a produção de etanol e biodiesel continuará crescendo, com efeito marginal sobre o preço dos alimentos.  

O processo de inserção social atingiu um patamar elevado. Os números do Banco Mundial mostram queda contínua na pobreza mundial (concentrada na África e na Ásia), que trouxe ao mercado de alimentos famélicos de diversas etnias. Há um grande ponto de interrogação sobre o que ocorrerá com os recém-chegados ao mercado de alimentos. Se a recessão for muito forte, parte do contingente retornará às estatísticas dos famélicos.

Por outro lado, os estoques mundiais de alimentos continuam baixos, o que pode ser um freio na queda dos preços. Igualmente, os preços dos fertilizantes e dos fretes internacionais continuarão altos em 2009, o que freará a queda dos preços, devido ao alto custo de produção e de transporte. Só que este fato em nada ajuda o agricultor, pois significará apenas o equilíbrio entre custo e preço.

       

 

Outro fator de pressão altista era a queda geral da cotação do dólar. Em apenas 30 dias de crise financeira, a cotação do dólar frente ao real subiu 50%, o que contrabalança a menor cotação das comodities.

Por sua vez, o preço do petróleo despencou no mercado internacional, pois desapareceu o fator de especulação financeira. No médio prazo, o preço do petróleo deve incrementar-se novamente, porém, no curto prazo, pode-se esperar que o petróleo mantenha a cotação atual, inferior ao da última safra.

 

Não há indicações de que a China vá reduzir suas importações de soja ou milho, ou a Índia de óleo de soja, assim como os Estados Unidos continuarão sua retração no mercado internacional de ambos os grãos. Desta forma, o mercado específico de milho e soja deve sofrer menos volatilidade, devendo ter encontrado seu novo piso de cotação, acima do nível observado até 2005.

 

O clima adverso costuma provocar elevação das cotações dos preços agrícolas. Obviamente, não há como prever o comportamento do clima durante o próximo ano, mesmo de forma macro. O que é possível antecipar é que, com os estoques no limite de baixa, uma seca prolongada nos grandes países produtores provocará uma reação de preços.

 

Finalmente, o comportamento dos países ricos, com respeito aos subsídios agrícolas, pode afetar a cotação dos produtos agrícolas. Caso haja um aumento do protecionismo dos países ricos, aumentando subsídios e fechando seus mercados, haverá uma redução dos preços dos produtos e da produção agrícola nos países emergentes.

 

Em resumo, o fator especulação desaparece do cenário. Os fatores baixistas mais importantes passam a ser a recessão, o desemprego e o protecionismo dos países ricos. Os fatores altistas são os baixos estoques, a valorização do dólar e a queda do preço do petróleo. E os fatores de estabilização são os altos custos de produção, os fretes elevados, e as importações da China. E o fator imponderável será o comportamento do clima.

 

 

Mercado mundial de biotecnologia agrícola

Décio Luiz Gazzoni

 

Em 2007, o valor de mercado global das culturas biotecnológicas foi US$6,9 bilhões, conforme avaliação da empresa de análise de mercado Cropnosis, baseado no preço de venda da semente biotecnológica. Comparativamente, este valor representa 16% dos US$42,2 bilhões do mercado global de proteção das culturas e 20% dos US$34 bilhões no mercado global de sementes, também em 2007. O mercado da biotecnologia agrícola se subdivide em US$3,2 bilhões para o milho, US$2,6 bilhões para a soja, US$0,9 bilhões para o algodão e US$ 0,2 bilhões para a canola. Do total, 76% do mercado está nos países industrializados e 24% nos países em desenvolvimento. O valor global acumulado entre 1996 e 2007 é estimado em US$42,4 bilhões. Para 2008, o valor global do mercado das culturas biotecnológicas, é projetado em, aproximadamente, US$7,5 bilhões e as divisões do mercado (por cultura ou por tipo de país) deve ser similares a 2007.

 

O mercado de biotecnologia tem crescido, consistentemente, desde 1996, seguramente porque os agricultores percebem vantagens econômicas ou de outra ordem, no uso de variedades transgênicas. Em 2007, pelo 12º. ano consecutivo, a área global de culturas biotecnológicas continuou a apresentar taxa de crescimento de dois dígitos (12%), um acréscimo de 12,3 milhões de hectares, significando que a área total plantada atingiu 114,3 milhões de hectares. Se o crescimento do mercado for medido por característica transgênica, o valor deve ser considerado quase em dobro, posto que grande parte das variedades possui duas características transgênicas incorporadas. Examinando por outro ângulo, a área acumulada plantada com material transgênico entre 1996 e 2007 ascende a 690 milhões de hectares. Considerando uma produtividade média de 5 ton/ha, estima-se que, neste período, foram produzidas quase 3,5 bilhões de ton de grãos transgênicos.

 

Adoção

Em 2007, o número de países cultivando variedades biotecnológicas aumentou para 24, dos quais 13 são países em desenvolvimento e 11 países industrializados. Por ordem de área total plantada, os países são EUA, Argentina, Brasil, Canadá, Índia, China, Paraguai, África do Sul, Uruguai, Filipinas, Austrália, Espanha, México, Colômbia, Chile, França, Honduras, República Checa, Portugal, Alemanha, Eslováquia, Romênia, Chile e Polônia. Em cada um dos primeiros oito países, a área plantada cresceu mais de 1 milhão de hectares em 2007. Dois países iniciaram o cultivo de variedades biotecnológicas em 2007, sendo que o Chile produziu mais de 25.000 hectares de sementes para exportação, e a Polônia cultivou milho Bt pela primeira vez naquele ano. No total, estima-se que o número de agricultores adotantes ultrapassou a 55 milhões. Destes, cerca de 12 milhões (22%) são pequenos produtores rurais, 90% dos quais são agricultores familiares, de países em desenvolvimento. Do total de pequenos agricultores, 7,1 milhões de chineses e 3,8 milhões de indianos cultivam algodão Bt, além de 100.000 que cultivam milho transgênico nas Filipinas ou na África do Sul, onde também se cultiva soja e algodão transgênico, muitas vezes em lavouras de subsistência conduzidas por mulheres agricultoras.   Em 2007, os EUA, seguidos pela Argentina, Brasil, Canadá, Índia e China continuaram sendo os principais adotantes da biotecnologia a nível mundial. Os EUA se mantêm no topo do ranking mundial, com 57,7 milhões de hectares (50% da área mundial). Esta posição foi impulsionada pelo mercado crescente de etanol, com a área de milho biotecnológico aumentando 40%. Considerando apenas o material genético transgênico, cerca de 63% do milho, 78% do algodão, ou 37% de todas as culturas biotecnológicas cultivadas nos EUA, em 2007, foram representadas por variedades ou cultivares contendo 2 ou 3 características transgênicas. Este fenômeno também é observado em outros países, como Canadá, Filipinas, Austrália, México, África do Sul, Honduras, Chile, Colômbia e Argentina, sendo esta a tendência dominante a esperar, no futuro próximo, em outros países.

 

 

Brasil

Em 2007, o Brasil manteve a sua posição como o terceiro maior adotante de culturas biotecnológicas em todo o mundo, cultivando 15 milhões de hectares, dos quais 14,5 milhões de hectares foram plantados com soja RR e 500.000 hectares plantados com algodão Bt, cujo cultivo iniciou em 2006. Entre 2006 (11,5 M ha) e 2007 (15,0 M ha), o crescimento de 30% foi o segundo mais alto do mundo depois da Índia. Um estudo realizado em2007 pelo Dr. Anderson Galvão Gomes, estimou os benefícios perdidos pelos agricultores brasileiros pelo atraso na aprovação de variedades transgênicas.   Utilizando os números da Argentina, o estudo concluiu que somente o atraso na aprovação de soja RR no Brasil, para o período de 1998 a 2006, significou para os agricultores um custo de US$3,10 bilhões e um custo adicional para os desenvolvedores de tecnologia de US$1,41 bilhões, ou seja, um custo total de US$4,51 bilhões. Para este período, os benefícios totais se a tecnologia fosse integralmente adotada seriam de US$6,6 bilhões, o que mostra o quanto perdemos de competitividade neste período.

       

Cana, a discussão necessária

Décio Luiz Gazzoni

 

Em dezembro de 2007 realizou-se em Poznan (Polônia), a Conferencia do Clima, promovida pela ONU. Obviamente, a peça de resistência da Conferencia foram as Mudanças Climáticas Globais, em curso no planeta. Dois aspectos dominaram as discussões: como reduzir a intensidade das mudanças e como conviver com elas. Para reduzir a intensidade, a conclusão óbvia é a redução das emissões de gases de efeito estufa, onde pontifica o uso de energia renovável, em substituição às fontes fósseis. Para conviver com as mudanças, serão necessários avanços tecnológicos de porte. No caso da agricultura, as principais prioridades apontam para o desenvolvimento de material genético tolerante à seca e a temperaturas mais altas.

 

Durante a Conferencia, um evento paralelo reuniu pesquisadores e cientistas de diferentes países, para discutir, especificamente, os benefícios do etanol de cana-de-açúcar para a mitigação do aquecimento global. As apresentações foram efetuadas por especialistas do Brasil, dos Estados Unidos e da União Européia  e constam do livro Sugarcane ethanol: contributions to climate change mitigation and the environment publicado pela Wageningen University, da Holanda, e está disponível para download, para os interessados. O pesquisador da Nipe/Unicamp Dr. Isaias Macedo, é um dos autores do livro.

 

Emissões

Nós brasileiros já estamos, de alguma maneira, informados sobre a contribuição do etanol de cana para a redução da emissão dos gases de efeito estufa, ao contrário do que ocorre com cidadãos de outros países, onde o etanol não é de uso corrente, como no Brasil. De qualquer maneira, é sempre interessante repassar o assunto, que estará em voga nos próximos anos. Por exemplo, durante o evento, o Dr Macedo apresentou suas mais recentes contribuições, como a atualização dos dados sobre as emissões do etanol brasileiro e as projeções para o ano 2020. O primeiro estudo sobre o impacto do etanol de cana na redução do efeito estufa data de 15 anos atrás, o que mostra não apenas a preocupação do Brasil com a sustentabilidade na produção de biocombustíveis, como ressalta a experiência que acumulamos neste tipo de estudos.

 

Uma das vantagens da cana para a redução dos gases de efeito estufa é a possibilidade de co-geração de eletricidade, que atende tanto as necessidades das usinas como serve para exportação de excedentes à rede elétrica brasileira. A diretiva européia que promove o uso de energias renováveis exclui a a bioeletricidade destinada ao uso externo às usinas, o que distorce sensivelmente a contribuição do etanol de cana para reduzir as emissões. Colocando a bioeletricidade no cálculo, como um todo, o etanol de cana atinge 92% de redução na emissão de gases de efeito estufa, em comparação com a gasolina, o que é um caso único, em escala global, de benefício ambiental pela geração de energia de biomassa.

 

 

Uso da terra

Pessoas mal informadas – ou mal intencionadas – por vezes atribuem o desmatamento na Amazônia ao avanço da produção de cana no Brasil. Um estudo recente do International Institute for Applied Systems Analysis, baseado em Viena, analisou as mudanças no uso da terra no Brasil, em decorrência da expansão canavieira. Imagens de sensoriamento remoto por satélite demonstraram que, em 2007 e 2008, pastagens (45%) e áreas já ocupadas pela agricultura anual (50%) foram responsáveis por 95% da área incorporada ao cultivo de cana (mais de 2 milhões de hectares). Outros 2% foram deslocados da produção de citrus e de áreas de reflorestamento. Mesmo na condição futura, em que o Brasil seja compelido a expandir a produção de etanol, para atender o mercado interno ou o comércio internacional, não se espera conseqüências ambientais negativas, considerando que o país dispõe de um enorme estoque de de terras disponível – mesmo considerando as limitações impostas pelo zoneamento agroecológico - e porque, para iniciar qualquer projeto de produção, são necessários pelo menos três anos de estudos de impacto sócio-ambiental para obter o licenciamento.

 

Importância

É importante discutir estas questões, como é vital a continuidade de estudos e levantamentos que comprovem à exaustão os benefícios ambientais do etanol, para evitar que uma grande oportunidade de que dispõe a sociedade global – substituir combustíveis fósseis por biocombustíveis – venha a ser comprometida por enviesamentos na discussão, motivados por interesses meramente comerciais de negócios já estabelecidos ou de concorrentes com receio de serem deslocados do mercado pelas vantagens competitivas do etanol.

 

 

       

Boas novas

Décio Luiz Gazzoni

 

 

O leitor deve estar com o saco cheio de más notícias, seja da crise financeira ou da seca que atormentou grande parte da área agrícola. Vamos saltar por cima dos problemas conjunturais e focar na safra de boas notícias sobre tecnologias que estarão disponíveis para as próximas safras agrícolas. São diversas boas novas e eu separei seis delas para comentar neste espaço, mostrando que há luz forte no fim do túnel.   Fiquei contente em verificar que o sonho do arroz dourado continua vivo. Tão vivo, que pesquisadores do Instituto de Pesquisa do Arroz das Filipinas já estão testando no campo uma variedade de arroz geneticamente modificado que contém altas concentrações de provitamina A (o arroz dourado), e que também possui resistência a duas doenças economicamente importante em áreas tropicais, o tungro, causado por um vírus, e a murcha bacteriana, causada por Xanthomonas oryzae.  O estudo está sendo parcialmente financiado pela Fundação Bill e Mellinda Gates. Lembrando que o arroz dourado apresenta altas concentrações de pró-vitamina A, favorecendo o aumento dos níveis dessa vitamina no organismo humano. Lembrando que a ausência de provitamina A pode ter conseqüências graves sobre a saúde, provocando deficiência no sistema imunológico e no crescimento corporal, e, em casos graves, a cegueira.

 

O segundo estudo que me chamou a atenção foi o trabalho da Dra. Nenita Desamero, do mesmo Instituto. Ela explorou a variação somaclonal do arroz para desenvolver novas linhas de arroz, tolerantes à seca. A variação somaclonal é um termo que se usa para as diferenças observadas em plantas obtidas a partir de cultura de tecidos. Modificações genéticas foram introduzidas nas culturas in vitro, buscando resistência à seca, o que conduziu à obtenção de 9 linhas elite, com diferentes graus de tolerância à seca. Nos ensaios realizados, elas produziram entre 4.428 e 5.767 kg/ha, um aumento entre 13 e 48% sobre a testemunha, que produziu 3.906 kg/ha. Detalhe importante: com o uso da biotecnologia, foi possível reduzir de 12 para 6 safras agrícolas o tempo necessário para o desenvolvimento das novas variedades.   A boa notícia não é só para os arrozeiros, mas para qualquer produtor de grãos, vez que, na minha visão, a prioridade primeira em termos de desenvolvimento de tecnologia para os próximos anos, é a tolerância à seca, pois as mudanças climáticas globais conduzirão a veranicos cada vez mais intensas e mais freqüentes, nas principais regiões agrícolas.

 

 

Do arroz para o milho

 

Nos EUA, o órgão encarregado de atestar a segurança dos alimentos (FDA) está analisando um novo híbrido de milho tolerante à seca. O material genético foi desenvolvido pela Monsanto, e os testes de campo conduzidos em diversas regiões dos EUA comprovaram que o novo produto permite um acréscimo de 6% a 10% de produtividade, sob diferentes intensidades de veranicos. O híbrido deverá ser comercializado nos EUA com a denominação SmartStax, a partir de 2010, ainda sem previsão de sua chegada ao Brasil. Além da tolerância à seca, este híbrido também apresenta uma complexa combinação de genes, para resistência a diversos insetos pragas.   Em outra linha de investigação, pesquisadores das Universidades de Delaware, Dakota do Sul e Arizona identificaram um novo mecanismo que ajuda a proteger a cultura contra vírus causadores de mutações e contra os “genes saltadores” (transposons). Na Universidade de Delaware, os cientistas descobriram um gene, presente na planta modelo Arabidopsis, que produz uma enzima com a habilidade de proteger a integridade do código genético. Na Universidade do Arizona os cientistas se debruçaram sobre o genoma do milho e encontraram um gene similar, com o mesmo efeito. Ao final do estudo, foi possível identificar o gene que permite evitar mutações não desejadas no milho. Caso ele não esteja presente em determinados germoplasmas comerciais, pode ser introduzido por técnicas biotecnológicas.

 

Bananas

 

Pragas de frutíferas, além de causarem prejuízos econômicos, estão entre as principais pragas quarentenárias dos diferentes países importadores. A presença de determinada praga em um país, pode fechar o seu mercado exportador. Por exemplo, a sigatoka negra é uma das mais sérias ameaças à produção de banana no Brasil e em outros países. Até o momento não existe um método de controle eficaz para a doença, que exige erradicação das plantas afetadas.   Em Uganda estão sendo testadas variedades OGMs resistentes à sigatoka (Mycosphaerella fijiensis) e murcha bacteriana (Xanthomonas campestris). Na Austrália, o Prof. James Dale, da Universidade de Queensland, produziu germoplasma modificado que resiste ao Mal do Panamá, uma enfermidade devastadora para o cultivo da banana. No futuro, o uso destes materiais genéticos não apenas aumentará a rentabilidade dos cultivos, como servirá de apoio à ampliação do mercado internacional, pela redução das barreiras sanitárias.

 

 

Produtividade agrícola

Décio Luiz Gazzoni

 

O crescimento da população mundial, que aumentará mais de 3 bilhões de pessoas, nos próximos 40 anos – além da inclusão social de quase 1 milhão de famintos - exige uma ampliação dramática da produção de alimentos. A pressão pela proteção ambiental, associada aos efeitos negativos das Mudanças Climáticas Globais, impõem um aumento acelerado da produtividade, em contraposição à expansão de área.   Considere-se o agravante de que a agricultura será cada vez mais pressionada para produzir - além de alimentos - energia, plantas ornamentais, plantas medicinais, insumos para a indústria química, madeira, entre outros. A celeridade e a intensidade exigidas do processo não permitem uma atitude de laissez faire, deixando ao sabor das pressões de mercado as mudanças necessárias, tornando-se imperiosas políticas públicas que impulsionem o agronegócio no rumo correto.

 

 

Pano de fundo

 

A população mundial é estimada em 6.864.607.631 de pessoas (5/5/09). As projeções do U.S. Census Bureau - que coincidem com as da FAO e do Banco Mundial – indicam que, em 2030, a população deverá atingir 8,7 bilhões de pessoas e próximo a 10 bilhões em 2050. A taxa atual de crescimento da população mundial é de 1,19% a.a. Entretanto, o maior crescimento populacional está ocorrendo nos países pobres e mais afetados pela fome, pois nos países ricos a população se encontra estabilizada ou com crescimento negativo.   A ONU estima que, em 2008, cerca de 963 milhões de pessoas (11% da população do planeta) sofrem sérias restrições alimentares, estando esta população especialmente concentrada em países pobres. A sociedade global não mais aceita esta iniqüidade e exige soluções já no médio prazo. Postos estes elementos, deve-se pensar em formas de oferta de produtos agrícolas para atender as duas principais vertentes da demanda alimentar (crescimento populacional e inserção social), que devem ser consentâneas com os requisitos de qualidade e inocuidade, sobre uma base dinâmica de mudança de hábitos alimentares, rumo à maior demanda de proteínas animais, frutas e hortaliças, e também de outros produtos da agropecuária.

 

 

 

De acordo com a FAO a agropecuária ocupa 1,5 bilhão de hectares, 70% dos quais devotados à pecuária. Embora os estudos da FAO indiquem haver disponibilidade de área de terra arável para expansão equivalente à que está sendo cultivada, diversas restrições devem ser colocadas, como: a) as terras mais férteis, de topografia mais adequada e melhor localizadas, já foram ocupadas; b) porção considerável da área de expansão é considerada arável apenas mediante irrigação; c) grande parte da área de expansão encontra-se na África, com severas restrições para sua incorporação em larga escala ao sistema produtivo, nos próximos 30 anos; d) a sociedade mundial pressiona por políticas ambientalistas cada vez mais rígidas, o que deve se intensificar em função dos impactos das Mudanças Climáticas Globais.

 

Na sociedade primitiva, extrativista, baseada na caça e coleta, eram necessários 20-100 ha para alimentar uma pessoa, enquanto nos primórdios da agricultura (corte e queima) esta demanda foi reduzida em 90%. Os primeiros agricultores que utilizaram várzeas necessitavam entre 0,5-1,5 ha para alimentar um indivíduo. Atualmente, são necessários 0,22 ha para alimentar cada uma das 6,7 bilhões de pessoas, e, nas áreas de mais alta tecnologia é possível alimentar uma pessoa com apenas 0,1 ha.

 

  

O futuro

Projetando-se o longo prazo (2050), estima-se que haverá necessidade de expandir a produção mundial de alimentos em mais de 60% porém, dificilmente, será possível incorporar, especificamente para produção de alimentos, mais de 20% da área atual (cerca de 300 milhões de hectares), considerando que, paralelamente, também haverá pressão para aumento da área para outros produtos agrícolas. Neste caso, haverá necessidade de ganhos de produtividade superiores a 33%, o que exige ações imediatas para evitar as conseqüências alternativas, que seriam a oferta de alimentos inferior à demanda ou os impactos ambientais indesejáveis do avanço da fronteira agrícola. O Brasil, pelas suas vantagens comparativas e pela expectativa de que venha a ser o grande provedor de alimentos do mundo, deverá elevar sua produtividade muito acima da estimativa de 33%, para compensar ganhos menores em áreas onde a produtividade já é muito alta ou onde esse incremento será menor.   É com este pano de fundo que o CESB, Comitê Estratégico Soja Brasil, composto por profissionais de diferentes áreas, enlaçados pelo objetivo comum de incentivar a expansão da produtividade da soja no Brasil, lança o seu programa no dia 20 de maio, em Goiânia, durante o Congresso Brasileiro de Soja, que tem como meta final auxiliar o sojicultor brasileiro a atingir a produtividade média de 4.000 kg/ha. As ações que compõem o programa estão disponíveis no site do CESB para consulta e para adesão de todos os produtores interessado

 

Brasil, uma potência energética

Décio Luiz Gazzoni

 

Do ponto de vista da disponibilidade de recursos naturais, o Brasil é um cheque que Deus deixou em branco, ficando a nosso cargo preenchê-lo e datá-lo. Ou, traduzindo para o economês, cabe a nós transformar as vantagens comparativas em oportunidades aproveitadas, de forma sustentável e competitiva. Vou discorrer sobre as nossas oportunidades energéticas, aproveitando o momento em que a Petrobras inicia os trabalhos do projeto piloto de exploração do campo de Tupi, parte da grande reserva do pré-sal. A Agência Nacional de Petróleo calcula que as reservas em áreas do pré-sal podem alcançar 100 bilhões de barris de petróleo, sete vezes mais do que as nossas reservas atuais. Considerando a cotação presente de US$50,00/barril, elas valeriam US$ 5 trilhões. Estima-se que Tupi possua 9 bilhões de barris, suficientes para atender toda a demanda de petróleo brasileira por 14 anos.   Mas Deus estava de muito bom humor quando criou o Brasil e, além do petróleo escondido a 5 km sob o mar, nos deu sol, terra, água e um povo que gerou tecnologias de última geração e aprendeu a gerir o agronegócio como poucos outros. Resultado: além do petróleo podemos gerar energia elétrica a partir de água, biomassa, vento ou sol. E podemos produzir biocombustíveis como etanol ou biodiesel, e outros produtos energéticos das gerações seguintes, como gasolina ou diesel vegetal, até chegar ao hidrogênio.

 

 

Eletricidade

Se as grandes hidroelétricas estão escasseando - Belo Monte no Xingu e Santo Antonio e Jirau no Madeira parecem ser as últimas mega-usinas - dispomos de um potencial ainda maior para gerar energia elétrica de biomassa (florestas cultivadas, resíduos agrícolas, resíduos sólidos urbanos), eólica, fotovoltaica, sem falar nas pequenas centrais hidroelétricas. O Brasil é o único país grande consumidor de energia que pode conferir-se o luxo de planejar o futuro a partir de uma série de opções. E o único que pode, por vontade própria, eliminar o uso de combustíveis fósseis na geração de energia, no médio prazo.

 

Biocombustíveis

        Em 2008, abastecemos veículos leves com 48% de gasolina e 52% de etanol. Por necessidade profissional, elaborei um cenário prospectivo, considerando que a sociedade brasileira perseguiria, em um horizonte de 25 anos, a redução do consumo de gasolina para 2%, e que, em 2035, os veículos de ciclo Diesel seriam abastecidos com 5% de diesel, 12% de biodiesel e 76% de etanol. Obviamente, biodiesel e etanol devem ser entendidos como biocombustíveis derivados de oleaginosas ou de plantas intensivas em carboidratos, não importando exatamente qual biocombustível estará no mercado no médio e longo prazos.

 

 

        Esta simulação permitiu vislumbrar números muito alvissareiros:

Ao final do período, a emissão de gases de efeito estufa se reduzirá em mais de  90%. Enquanto 1.000 litros de etanol emitem 309 kg de CO2, o mesmo volume de gasolina emite 3.368kg. A relação é muito semelhante para o biodiesel ou óleo vegetal e o óleo diesel.

A área necessária para produzir estimados 200 bilhões de litros de etanol (incluindo exportação) e 11 bilhões de litros de biodiesel é de 22 milhões de hectares, aproximadamente a área atual de soja. Lembre o leitor que o Brasil dispõe de 45 milhões de hectares de pastagens degradadas, que podem ser utilizadas, sem derrubar uma única árvore.

 

A geração de empregos diretos será considerável, atingindo estimados 1,9 milhão de postos, no final do período.

A renda gerada no eixo lavoura – indústria de transformação (sem impostos) alcançaria US$875 bilhões, no somatório dos 25 anos. A renda indireta e os impostos superaria 1 trilhão de dólares.

A substituição de petróleo permitiria exportar 32 bilhões de barris, com um ingresso de divisas de US$ 1,6 trilhão.

 

O melhor dos mundos       

 

O incentivo ao uso de biocombustíveis permite gerar emprego e renda laboral muito superior à cadeia do petróleo, além de interiorizar o desenvolvimento e sinergizar outras cadeias, do agronegócio ou fora dele, multiplicando as oportunidades. Além das divisas com exportação de petróleo, o Brasil foge das barreiras impostas aos nossos biocombustíveis, pelos países ricos. Já o petróleo é um mercado maduro, aberto, que opera sem restrições. E, finalmente, o Brasil se apresentará ao mundo como o grande país verde, com força moral para cobrar dos demais medidas severas de proteção ambiental, em especial de redução de emissão de gases de efeito estufa. Inclusive daqueles derivados do petróleo que exportaremos!

 

 

 

Diário de Viagem

Décio Luiz Gazzoni

 

Uma equipe do Comitê Estratégico Soja Brasil (CESB) visitou agricultores dos EUA e suas associações, em junho passado. Nossa missão era entender como o sojicultor norte-americano está percebendo o futuro da soja e como está se preparando tecnologicamente e comercialmente para o desafio da próxima década. A primeira sensação que me ficou foi de que, nem os agricultores nem suas associações, estão muito preocupadas com o futuro do mercado. O que existe é a mesma sensação que escrevi recentemente, afirmando que o mercado futuro de soja é francamente comprador, lastreado pela forte demanda da Ásia. Em trabalho recente, demonstrei que Brasil e Argentina serão os principais responsáveis por atender a demanda futura (veja Quadro). Nos últimos 50 anos, a taxa de crescimento da demanda global de soja foi, em média, de 4,6% a.a. Mantida esta taxa nos próximos 25 anos, Brasil e Argentina precisarão aumentar sua oferta em ´chineses´ 8% a.a. Mesmo que o impacto de preços e o amadurecimento dos mercados reduza a demanda para 3% a.a., ainda precisaríamos crescer 6% a.a.

 

Taxas de crescimento anual da demanda global de soja e da necessidade de crescimento da oferta de Brasil e Argentina

Demanda Global (%)

Oferta BR + AR (%)

3,0

6,0

4,0

7,0

4,5

8,0

 

  Por que os americanos seguem o conselho da Marta de relaxar e gozar: porque esgotou-se a sua área de expansão. O CEO da American Soybean Association nos asseverou que, na hipótese mais otimista, os EUA conseguirão expandir 6 Mha de soja na próxima década – exatamente a minha previsão anterior. A produção aumentará pela expansão da produtividade acima dos 1,6% a.a., verificados nos últimos 50 anos. Com demanda e produtividade em alta, existe ambiente favorável para garantir a rentabilidade do agricultor.

       

 Rentabilidade

A agricultura americana passa por profundas mudanças, devido à insuficiente rentabilidade para assegurar ao proprietário o padrão de classe média. Logo, há uma fuga em massa dos jovens do campo. Sobraram dois tipos de agricultores: aqueles que têm fonte de renda fixa no meio urbano, sendo agricultor de noites e finais de semana; e os que arrendam a terra de proprietários que não podem ou não se dispõem a permanecer no campo.  

Embora o valor real da terra agrícola do meio oeste americano se aproxime dos valores das melhores terras do Paraná e São Paulo, o custo do arrendamento é exorbitante – de R$1.300,00 (MN, MO e IA) a R$2.000,00 (IL, IN, IO), por hectare! Portanto, o custo de produção vai às alturas, deixando uma margem muita estreita para o produtor – em média entre R$100,00 e R$150,00/ha, para uma produtividade de 3.300kg/ha. A rentabilidade é assegurada pela produtividade (recorde de 10,5 t/ha, do sojicultor Kip Cullers, de MO!), pelo menor custo de transporte e pelos subsídios governamentais, em especial para o milho, pois os agricultores dividem sua área meio a meio entre soja e milho. Portanto, está ocorrendo uma reforma agrária às avessas, pois desapareceram os agricultores de pequenas e médias propriedades dedicados à agricultura de grãos (sobrevivem os horticultores, fruticultores e floricultores).

 

 

Emprego, tecnologia e ambiente

Outros aspectos chamaram minha atenção: a) praticamente não há emprego na área rural. Propriedades abaixo de 1.000 ha são conduzidas pela família, com extenuantes jornadas de trabalho no plantio e na colheita; b) os agricultores são tão conservadores lá quanto aqui, há muita resiliência em adotar novas tecnologias, antes que o benefício esteja claramente estabelecido; c) há deficiência de canais abrangentes de transferência de tecnologia; d) o produtor desconhece as ferramentas de bolsa, perdendo boas oportunidades de otimizar sua comercialização; e) os agricultores reconhecem a importância do check off – taxa compulsória paga pelos agricultores para custear pesquisa e desenvolvimento – para garantir sua competitividade; e, f) não há obrigatoriedade de reserva legal.   Os americanos ficaram incrédulos ao relatarmos que, no Brasil, os produtores devem destinar à proteção ambiental de 20-30% da propriedade (no Sul e Sudeste) a mais de 80% (na Amazônia). Interessante observar que praticamente todas as ONGs ambientais que atuam no Brasil são financiadas pelos Governos e sociedade dos países ricos, exigindo o cumprimento da nossa legislação, quando eles são omissos em seus países.

 

 

O saldo da viagem mostra que, para o futuro próximo, os agricultores norte-americanos, produtores de milho e soja, serão mais parceiros que competidores dos sul-americanos, em virtude de um mercado francamente comprador e pela impossibilidade de crescimento de área nos EUA. Abrir novos mercados e fomentar novos usos significará manter a rentabilidade dos agricultores, em qualquer latitude. E, para nós, brasileiros, um alerta importantíssimo: impossível aumentar a oferta de soja em 8% a.a. sem que a produtividade cresça acima de 2% a.a. Isto representaria um desastre ambiental e inúmeras barreiras comerciais. Precisamos implementar, imediatamente, políticas públicas e atitudes claras e agressivas para aumentar a produtividade de milho e soja, e garantir um seguro renda – através do uso intensivo das ferramentas de comercialização em bolsa - a fim de capturarmos o enorme potencial que o mercado internacional destes grãos nos oferece.

 

Pagamento por serviços ambientais

Décio Luiz Gazzoni

 

Para iniciar a conversa, vamos expor duas premissas conceituais:

a.  Entende-se por serviços ambientais aqueles prestados gratuitamente pela Natureza, normalmente envolvendo organismos vivos, e que, via de regra, são fundamentais para a existência da vida no planeta;

b.        Quando o resultado ou benefício de um serviço é difusamente apropriado pela sociedade em geral, ou parte significativa da mesma, não sendo de fruição exclusiva do gerador do serviço, o seu custo não pode recair exclusivamente sobre o detentor do patrimônio que dá origem ao serviço.

 
     
  Os produtos (recursos) naturais são concretos e possuem grande visibilidade - como madeira, ouro, prata, ferro – portanto fáceis de precificar e transacionar. Os serviços são mais sutis, apesar de incluir também atividades, produtos e processos providos pela natureza, sem maiores custos para a humanidade, e que possibilitam que a vida como conhecemos possa ocorrer, com o nível de qualidade adequado. Podemos classificar os serviços ambientais nas seguintes categorias:  
     

 

a.        Regulação gasosa, ou seja a regulação da composição da atmosfera, o balanço CO2/O2, o ozônio e a proteção da radiação ultravioleta;

b.        Regulação do clima, como temperatura, pluviosidade, tempestades, proteção contra secas e enchentes, etc.

c.        Regulação dos recursos hídricos, como aprovisionamento de água para irrigação, produção de energia e outros processos industriais;

d.        Suprimento de água potável, para consumo humano ou animal, fluxo e estocagem em aqüíferos;

e.        Controle de erosão, prevenindo perda de solo por erosão eólica ou por pluviosidade;

f.          Formação do solo, intemperização de rochas e formação e acúmulo de matéria orgânica;

g.        Reciclagem de nutrientes, fixação de Nitrogênio e disponibilização de outros elementos;

h.        Tratamento de dejetos, metabolização de compostos tóxicos ou não tóxicos;

 

i.          Polinização, permitindo o intercâmbio de material genético e a preservação de espécies botânicas;

j.           Refúgio, garantindo habitat para organismos transitórios ou permanentes, como os animais migratórios e preservando a biodiversidade;

k.        Controle biológico; propiciando a regulação natural de populações em uma comunidade, permitindo a convivência de espécies competidoras;

l.           Produção de alimentos, como raízes, folhas, frutos, peixes, animais silvestres;

m.      Matérias primas, como energéticos, minerais e madeiras;

n.        Recursos genéticos, a fonte da biodiversidade, alicerce do ecossistema;

o.        Lazer, ou seja, eco-turismo, alpinismo, pescaria

p.        Cultural, envolvendo aspectos turísticos, artísticos, estéticos, e espirituais.

 

As mudanças climáticas globais, decorrentes da ação antropogênica sobre o ambiente, em consequência do crescimento geométrico das atividades humanas, elevou a prioridade conferida pela sociedade em geral e pelos agentes econômicos em particular à importância da integração entre atividades agrícolas e industriais e à preservação do capital Natureza. Em um primeiro estágio, observou-se a reversão das expectativas e a limitação das atividades que exerciam forte impacto no ambiente.   Na sequência, a sociedade passou a exigir investimentos para a recuperação de ambientes degradados e a adaptação dos processos para a inclusão de tecnologias mais brandas, menos agressivas ao meio ambiente. Em decorrência, os próprios agentes econômicos, em especial os financiadores de investimentos agrícolas ou industriais passaram a exigir avaliação ex-ante do impacto ambiental de novos investimentos, como condição para a concessão do financiamento.

Monetização

Atingimos agora um novo patamar: a rationale econômica que calcula o quanto deveria ser despendido pela Humanidade caso tivesse que pagar pelos serviços que são prestados, gratuitamente, por um sistema que levou bilhões de anos para organizar-se harmonicamente. Um estudo do Dr. Robert Constanza (University of Maryland) estima o valor da totalidade dos serviços naturais em US$ 54 trilhões. Se considerados exclusivamente os serviços absolutamente essenciais à sobrevivência da vida na Terra, este valor se reduz a US$10 trilhões.   Foi necessário monetizar os serviços ambientais, para que a política ambiental ganhasse um novo patamar. Por exemplo, a União Européia (UE) está disposta a reduzir os subsídios às exportações agrícolas e aos seus agricultores. Porém, exige a garantia de que poderá manter a ajuda aos serviços de produção não-alimentar da agricultura, como a proteção ambiental e a manutenção do espaço rural. Ou seja, muda-se tudo para não mudar nada, o agricultor continuará a receber o mesmo valor monetário dos subsídios, porém agora travestido de pagamento por serviços ambientais – o que evita a sua contestação na OMC.   Entretanto, a idéia é boa e portadora de uma tendência de futuro. Porque o Brasil deveria preservar a floresta amazônica às suas custas, para beneficiar o mundo? Porque os agricultores deveriam ceder graciosamente o seu patrimônio, para beneficiar toda a sociedade? Neste último caso, o Governo brasileiro enviou ao Congresso um Projeto de Lei propondo o pagamento por serviços ambientais, o que pode significar uma verdadeira revolução na relação entre a agricultura e a sociedade.

       

O preço dos Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

Há meros 12 meses, o tema monocórdico era o alto preço dos alimentos no mundo. Analistas desdobravam-se para explicar o que estava ocorrendo, enquanto lideranças comprometidas com interesses diversos apontavam o dedo sujo de petróleo para a agricultura e fulminavam a ascensão dos biocombustíveis como o gerador do monstro da fome em escala mundial. De minha parte, enxerguei um cenário multifacetado, onde pontificavam a especulação com commodities, fruto do deslocamento dos blocos de liquidez (que, posteriormente, descambou na crise financeira global), o aumento da demanda de alimentos (inserção social) e o aumento dos custos de produção como principais responsáveis pela escalada de preços. Veja a íntegra de minha análise em http://dlgazzoni.sites.uol.com.br/jl.pdf.

  Passado um ano, é interessante revisitar o tema. A crise financeira enxugou a liquidez do mercado, portanto eliminou a especulação excessiva. Premidos por custos, os produtores de fertilizantes e agrotóxicos desovaram estoques e os preços de insumos voltaram a patamares pré-crise. E a redução dos empregos e da renda fizeram refluir a demanda de alimentos. Tem mais, impulsionados pelos altos preços das commodities agrícolas, agricultores plantaram mais na safra passada, elevando a oferta e os estoques. E o que aconteceu com os preços?

 

FAO Food Index Price

Para quem se interessa pelo tema, o índice elaborado mensalmente pela FAO é um precioso indicador do comportamento dos preços no mercado global. Na Figura, observa-se a variação do índice desde 1990, detalhando mensalmente sua flutuação nos últimos 3 anos.

O índice consiste de uma média dos índices de preços do mercado internacional de 5 grupos de commodities agrícolas, totalizando 55 produtos, sendo o valor 100 a média do período 2002-2004.

  O índice se manteve relativamente estável entre 1990 e meados de 2006 (média de 106 pontos), quando iniciou a ascensão que descambou no pico de junho de 2008 (213 pontos). Nos últimos 32 meses, a média do índice é de 164 pontos e, nos últimos 12 meses, de 158 pontos, após um pico de baixa em fevereiro, de 139 pontos. Em julho, o índice ficou em 147 pontos. Ou seja, os preços agrícolas atuais estão 39% mais altos que antes do ínicio da crise. Entretanto, este número não é absoluto pois, neste mesmo período, o dólar perdeu valor contra todas as principais moedas do mundo, embora permaneça como referencia no mercado agrícola mundial. Logo, estes preços, ao serem internalizados nas moedas locais, não terão o mesmo impacto que teriam antes da crise.
 

FAO Food Index Price (19990 - 2009)

 

 

Os  componentes do índice

O Índice Carnes consiste de 3 produtos de carne de frango, 4 de bovinos, 2 de suínos e um de ovinos, ponderados por seu peso no mercado internacional. Observa-se na figura que o grupo carnes é o mais estável e, mesmo no pico da crise, seus preços não explodiram. No momento, o índice retornou próximo ao valor pré-crise.

O índice de Lácteos é obtido a partir dos preços de leite (sob diferentes apresentações), manteiga, queijo e caseína. Foi o grupo que apresentou a subida de preços mais rápida, atingindo seu pico ainda em 2007 e, atualmente, retornou aos preços anteriores à crise. A explicação para a subida antecipada é o menor custo da proteína do leite e a facilidade de consumo, incidindo especialmente sobre os consumidores mais pobres, recém chegados ao mercado.

  O índice de preços de cereais consiste dos preços ponderados de trigo, milho e arroz. Os cereais foram os principais responsáveis pela abrupta subida de preços de alimentos em 2008, atingindo o índice de 274 pontos, em abril de 2008. Com o fim da especulação e aumento dos estoques, os preços despencaram, porém ainda situam-se cerca de 50% acima dos níveis pré-crise.  

O índice de óleos e gorduras compõe-se de 11 diferentes produtos, como gorduras animais, óleo de peixe e óleos vegetais. Sua flutuação acompanha muito de perto o que ocorre com cereais, tendo atingido o pico de preços em junho de 2008 (283 pontos). Os preços se reduziram em 44% ainda em 2008, porém sofreram um repique em maio de 2009. A expectativa é que este patamar de preços seja mantido, no curto prazo.

O índice de açúcar baseia-se apenas nesta commoditie. Embora tenha sido o segundo produto menos afetado pela crise, experimenta uma acelerada elevação de preços a partir de fevereiro de 2009 e, em julho passado, atingiu a maior cotação da série histórica do índice (259 pontos).

Prospecção

 

Ainda é cedo para afirmar que o impacto da crise financeira sobre as commodities agrícolas se estabilizou e que novas tendências, derivadas de outras causas, estejam se impondo. Mesmo assim, dois fatores importantes devem ser considerados, na análise prospectiva. O primeiro deles aponta para uma inexorável redução do crescimento populacional, associada ao aumento da renda per cápita, no médio prazo. Com isto, mais de 1 bilhão de pessoas deve ingressar no mercado de alimentos, nas próximas duas décadas. Por outro lado, dificilmente o dólar tornará a recuperar sua paridade, devendo provocar um realinhamento de preços e custos. Com isto, haverá uma certa insegurança em traduzir os sinais de mercado, que fazem a correia de transmissão entre a demanda e a oferta, representada pelo acréscimo de produção agrícola. Mas, no médio e longo prazos, não há dúvidas: o mercado de alimentos é francamente comprador, logo os preços reais estarão em alta.

 

 

Dez anos de Cultivar

Décio Luiz Gazzoni

  Eu me considero uma pessoa leal aos meus parceiros: este mês completo 10 anos de aliança com a Cultivar, onde tenho a honra de ocupar uma coluna fixa desde o número 1, e 35 anos de conúbio com a Embrapa. Este ano também festejo 35 anos de feliz casamento com minha esposa, uma gaucha guapa que encontrei lá no Norte do Rio Grande amado. Cada parceria tem sua história. Poupo o leitor da história privada, mas arrisco revisitar o que escrevi na Cultivar nestes dez anos que, de alguma maneira, reflete a evolução dos temas mais candentes do agronegócio, neste período.  

 

O primeiro artigo que escrevi para a revista foi para responder à pergunta "Mas o que é mesmo esta tal de óemecê, tchê?". Nada mais emblemático, pois foi com a criação da OMC que o comércio internacional deslanchou, em particular na área agrícola. Em 1993, antes da criação da OMC, o comércio internacional representava 18% do PIB mundial. Em 2008, ascendeu a 29%. Estes 11% de acréscimo representam US$6 trilhões a mais, gerados na economia mundial, ou US$896 anuais adicionados à renda per cápita, sustentando o forte crescimento econômico global que perdurou até junho de 2008, e que ajudou a diminuir a pobreza no mundo e se constituiu na razão principal da forte inserção social observada nesta década.   Dos idos de 1999, destaco um artigo sobre biotecnologia. Nele, eu suscitava dúvidas, apontava vantagens e riscos. Era o início de uma era, que se encaminha para ser dominante na produção agrícola e pecuária global. Referia que estávamos deixando a primeira onda de OGMs para ingressar em outra, com maior diversidade de características. Do meu ponto de vista, cultivares ou variedades tolerantes à seca serão dominantes, entre os cultivos anuais, até 2020 - e todas serão derivadas de biotecnologia.   O ano de 2000 foi particularmente agitado, mas eu escolho como o principal artigo aquele em que discutia a Política Agrícola Comum da União Européia. Depois de 50 anos de subsídios à ineficiente agricultura do Primeiro Mundo, o rumor outrora contido passa a ser grita e reclamos oficiais, para que a Europa e os EUA se alinhassem à política de liberação comercial contida nos documentos de criação da OMC. Foi o princípio de um declínio, ainda insuficiente, no forte suporte da União Européia à produção e exportação de produtos agrícolas, abrindo espaço para que países mais competitivos pudessem ingressar no mercado agrícola internacional.

Em janeiro de 2001 ousei elaborar um cenário para o ano que começava. Os temas em pauta eram os subsídios agrícolas, a discussão sobre a natimorta ALCA e o seu contraponto, o Mercosul, que já capengava à época. Tracei um cenário da agricultura mundial, ainda sob o efeito dos ataques especulativos aos mercados financeiros do Sudeste Asiático, à reticência americana e européia em iniciar a Rodada do Milênio da OMC, por não abrir mão dos seus subsídios. A grande notícia para o Brasil "...A safra 1999/2000 ultrapassará 85 milhões de toneladas, com 93 projetados para 2000/2001". Produção ridícula comparada à de 2007, que será ridícula quando analisada em 2020. Porém meu maior orgulho é haver previsto com 5 anos de antecedência a subida do preço dos alimentos: "...A melhoria da renda nas classes C, D e E, e das contas governamentais, terá reflexo imediato no mercado de alimentos, pressionando o complexo agro-industrial com maior demanda interna." O Brasil absorveu adequadamente esta pressão, ao contrário do mundo, o que fez disparar o preço das commodities agrícolas em fins de 2006.   Saltemos de janeiro de 2001 para dezembro de 2002. A coluna agronegócios era uma carta aberta ao Presidente da República recém eleito. O primeiro parágrafo da carta diz tudo "Enquanto a Nação, respiração suspensa, aguarda ansiosa sua investidura como autoridade máxima do País, permitimo-nos submeter à vossa consideração um tema que concilia inúmeras oportunidades para o nosso Brasil. Referimo-nos à Agricultura de Energia, um segmento embrionário dos agronegócios, que crescerá a altas taxas durante seu mandato, ganhará importância transcendental no Governo de seu sucessor e será o componente hegemônico do agronegócio, quando nossos netos assumirem o leme do Brasil." Se tivesse que re-escrever o parágrafo, apenas salientaria que nossos netos assumirão o leme do Brasil já na década de 20!

Para o ano de 2003 seleciono o artigo em que descarreguei toda a minha indignação sobre a forma proselitista com a qual os países ricos vinham tentando, hipocritamente, acabar com a fome no Mundo, ao longo dos 20 anos anteriores. O auge da revolta estava no parágrafo "Estudiosos já demonstraram que bastaria alguns dias do orçamento militar das principais nações em poderio bélico, para acabar com toda a pobreza do mundo. Usemos a estatística da FAO (800 milhões de famintos) e sua estimativa financeira (US$ 2,00/pessoa/dia) para acabar com a fome. De acordo com esses números, seriam necessários US$ 1,6 bilhões/dia ou US$ 584 bilhões/ano para debelar a fome no mundo, através do condenado sistema paternalista de distribuição de alimentos. Portanto, apenas o dinheiro que os EUA jogarão no esgoto da História, para defenestrar Saddam Hussein, seria suficiente para aplacar a fome mundial por 312 dias." Se recebesse a mesma pauta em data de hoje, pouco mudaria no que escrevi, porque pouco mudou nas ações práticas para mitigar a fome no mundo.

  Já em 2004, as preocupações tinham caráter mais técnico, centradas especialmente na biotecnologia. Os atores do agronegócio discutiam o avanço da soja RR e a primeira geração de cultivares transgênicos. Para mim esta já era uma discussão encerrada, havíamos apenas conseguido atrasar a chegada do futuro. Estava mais preocupado em discutir o futuro dos OGMs. O texto que melhor reflete o tema denominou-se Agrofarmácia. O parágrafo introdutório sintetiza a visão que tenho do tema: "Dos campos sempre saíram alimentos. Com o tempo descobriu-se que, além de saciar a fome, prover energia e matéria prima para o sôfrego parque de obras que é o organismo humano, os alimentos também dispõem de princípios terapêuticos, dando início à era dos alimentos funcionais. Como desdobramento, outro conceito está sendo moldado na cornucópia dos cientistas. Dos campos obteremos, em futuro que se avizinha, fármacos como enzimas, hormônios, antibióticos, vacinas e uma plêiade de medicamentos importantes para a preservação, manutenção ou recuperação da saúde." O conceito respalda-se nas possibilidades de enriquecimento nutricional de alimentos para melhorar suas propriedades funcionais, através da biotecnologia.

Em 2005 chamei a atenção que a biotecnologia não apenas melhoraria o conteúdo nutricional dos alimentos, como permitira à agricultura substituir o petróleo. Visão futurística expressa no parágrafo "Na minha visão de futuro, sai o petróleo e entra a biomassa, como matéria prima para a indústria química. A associação entre biotecnologia e biomassa está se mostrando um caminho natural para inovações na área industrial, pela melhoria dos processos fermentativos, ou pela criação de OGMs, com propriedades industriais desejáveis. Um exemplo é a celulose produzida pela Acetobacter xylinum, uma bactéria encontrada em frutas em decomposição." Usei o exemplo da bactéria para mostrar como será possível obter substâncias e materiais que hoje dependem do petróleo, utilizando biomassa produzida nas fazendas.  

Chegamos a 2006, quando ficava claro que o Custo Brasil era uma âncora a impedir o agronegócio a realizar o seu potencial. No artigo " Desvantagens competitivas", transcrevi uma conversa com o então Ministro Roberto Rodrigues. O mote da conversa foi " ... pode parecer paradoxal, pois estamos acostumados a ouvir loas sobre as vantagens comparativas do Brasil (terra, clima, tecnologia, mão de obra, capacidade de gestão privada, empreendedorismo, etc.). Porém, na ante-sala da mãe das crises do agronegócio é bom atentar para as nossas desvantagens competitivas, que, no frigir dos ovos, passam a ser as vantagens de nossos competidores. Quais são as desvantagens? Tributação excessiva, real supervalorizado, juros estratosféricos, crédito insuficiente, insegurança patrimonial, endividamento dos agricultores, estradas esburacadas, logística deficiente, portos ultrapassados, entre outros". Conseguimos obnubilar as tremendas vantagens naturais que Deus nos concedeu com a miopia de visão estratégica e de gestão de nossos governantes.

O ano de 2007 foi marcado pelo crescente interesse dos atores do agronegócio por agroenergia, com o crescimento da lavoura de cana, já consolidada, e os primeiros passos da produção de biodiesel. Mas, revendo os alfarrábios, a coluna que mais gostei foi " Produção ou assistência social", rebatendo estatísticas equivocadas do MDA, o qual afirmara que a área de assentamentos de reforma agrária no Brasil atingia 64 milhões de hectares. Depois de fazer uma série de cálculos, eu raciocinava "...Imaginemos que todo o acréscimo de área cultivada dos últimos 30 anos veio de assentamentos (o que não é verdade). Ainda faltariam 54 M ha. Na área faltante, pela produtividade média do Brasil, deveriam ser produzidos mais 193 M t de produtos agrícolas. Cadê a produção?" Ao final do artigo concluía " ...O presidente Lula, que tanto admira o Primeiro Mundo, poderia determinar um estudo sério, isento, preferencialmente de uma universidade estrangeira de prestígio, para analisar o custo-benefício da reforma agrária brasileira (passada e futura). Provocação: não sairia mais barato para o contribuinte - e mais justo para o sem terra - perceber, eternamente, um salário mínimo, a receber um lote de terra e nada produzir, perenizando a miséria?"   Finalmente, 2008. Um ano marcado pela polêmica sobre a capacidade de a agricultura atender as diferentes demandas sociais, como alimento, energia, plantas ornamentais, fibras, produtos florestais, matéria prima para biorefinarias, etc. No artigo " A agricultura conseguirá atender a demanda?" eu concluía " ... O mundo poderá desincumbir-se com galhardia do desafio, desde que novas áreas sejam incorporadas à agricultura, a produtividade cresça de forma similar à demanda mundial, novas tecnologias de ponta sejam definitivamente incorporadas ao sistema produtivo, em especial cultivares derivadas da biotecnologia, com maior produtividade, menor custo de produção, tolerantes ou resistentes a estresses e com melhor qualidade nutricional ou industrial. O que significa que muitos bilhões de dólares deverão ser alocados nos institutos de pesquisa, para garantir tecnologia de ponta, não apenas para aumentar a produtividade, mas para garantir a produção em um ambiente de mudanças climáticas, com perspectivas deletérias para a agricultura."

 

  Como síntese destes 10 anos de parceria, tenho que agradecer à Cultivar pelo espaço nobre para expor minhas idéias e aos leitores pela atenção e pelo retorno, que sempre chega ao meu e-mail, ajudando-me a crescer profissionalmente. E, se o leitor desejar um flash back mais extensivo, todos as colunas de minha lavra estão disponíveis em http://dlgazzoni.sites.uol.com.br.  

 

Rompendo os limites da produtividade

Décio Luiz Gazzoni

Evidencia-se, de forma cada vez mais cristalina, a importância de alta produtividade agrícola, obtida de forma sustentável, para garantir a oferta de produtos agrícolas, ao longo do presente século. Embora ainda exista área agricultável para incorporar - ao menos até meados deste século - as restrições ambientais e o crescimento exponencial da demanda de produtos agrícolas impõe que as taxas de incremento da produtividade sejam cada vez mais altas.   A produtividade é determinada geneticamente, estabelecendo um teto potencial máximo para cada indivíduo. As restrições ambientais (bióticas ou abióticas) são limitantes para esta expressão. Para se aproximar do potencial teórico, é necessário maximizar as condições do ambiente e do sistema produtivo. Entretanto, conforme se aproxima o máximo teórico, é necessário romper as barreiras genéticas, para aumentar o potencial. O advento da biotecnologia permitiu ampliar os horizontes e diminuir o tempo necessário para expandir o teto de produção.   Para ampliar o ferramental disponível, cientistas investem na compreensão das complexas rotas bioquímicas associadas à fotossíntese, como forma de romper estes tetos. O foco é aumentar a eficiência das plantas, tanto na produção de fotossintatos com menor custo energético e nutricional, como na estocagem de reservas, que se constituem na porção alimentar ou energética das plantas.

Desafio

Por exemplo, as estimativas da FAO apontam para uma demanda de 771 milhões de toneladas de arroz em 2030, necessárias para alimentar 8,3 bilhões de pessoas, que é a população estimada para aquele ano. A produção de arroz, em 2007, atingiu 659 milhões de toneladas, com o cultivo de 155 milhões de hectares. Por hipótese, se fosse mantida a mesma produtividade, seriam necessários 27 milhões de hectares adicionais, algo como o estoque de terra disponível para expansão da agricultura na América do Sul, não considerando o Brasil.

  Do meu ponto de vista, elevar a eficiência fotossintética das plantas pode ser o caminho mais curto para atender a crescente demanda mundial por produtos agrícolas, já no médio prazo. O entrosamento de três disciplinas é fundamental para gerar este avanço: genética, bioquímica e fisiologia. Nos centros de pesquisas, o desafio é fazer com que as plantas geneticamente modificadas consigam, com a mesma intensidade de luz, produzir mais energia química para serem transformados em proteínas, carboidratos ou lipídios.

Conversão

Ao longo da História, a Natureza, em seu processo evolutivo, elevou a produtividade das plantas. A partir do século XIX, com a descoberta das leis básicas da genética, os cientistas aceleraram este processo natural. Entretanto, os ganhos de produtividade foram devidos à incorporação ou à otimização da combinação de genes de produtividade, deixando intocada a sua base fisiológica. Ou seja, a eficiência fotossintética das plantas é, praticamente, a mesma ao longo dos últimos séculos.

 

Dependendo da sua rota metabólica, as plantas conseguem hoje transformar em alimento apenas 1% a 1,5% da radiação solar que interceptam. Plantas com a rota C4, mais eficientes, apresentam os valores mais elevados. Um pequeno ganho, passando os limites para 1,5 a 2%, significariam algo como elevar em um terço a produtividade agrícola, poupando mais de 100 milhões de hectares, que seriam demandados nos próximos anos.

  Explicando o conceito, as plantas C3 são menos eficientes em fixação de carbono, e o que as caracteriza é que a primeira substância química formada, durante a fotossíntese, possui 3 átomos de carbono. As plantas C4 são mais eficientes, como resultado da evolução natural e, neste grupo, a primeira substância química formada, durante a fotossíntese, possui 4 átomos de carbono. O problema é que a maior parte das plantas cultivadas pertence ao grupo C3 (arroz, feijão, soja, trigo, batata, leguminosas, hortaliças). Já as plantas C4 são poucas (milho, sorgo e cana-de-açúcar).

O maior desafio é incorporar características de alta produtividade às plantas, através da compreensão em detalhe dos processos metabólicos ligados à fotossíntese. Isto significa utilizar engenharia de precisão, em que várias enzimas que trabalham nestas rotas metabólicas são modificadas geneticamente para que sua eficiência reativa seja ampliada. Uma destas enzimas é a rubisco, principal enzima do chamado ciclo de Calvin, o qual se compõe de reações bioquímicas destinadas a fixar o carbono atmosférico. Descobrir quais modificações genéticas devem ser feitas e qual a melhor combinação entre diferentes possibilidades de enzimas GM é a chave para o avanço.   Apesar da complexidade dos processos biológicos, percebe-se um crescimento constante dos grupos de pesquisa envolvidos com o tema. O Instituto Internacional de Pesquisa de Arroz (IRRI), situado nas Filipinas, esforça-se para produzir um arroz C4. Nos próximos 3 anos investirá US$ 1,5 milhão para demonstrar a viabilidade de aumentar a produtividade em 50% e reduzir a demanda de água na mesma proporção. E não é apenas a academia que investe: A Monsanto e a BASF firmaram, em 2006, um acordo de €1,2 bilhão para o desenvolvimento, até 2011, de plantas geneticamente modificadas tolerantes a estresses abióticos.   Os resultados desta parceria já são evidentes. Plantas de arroz GM, com produtividades 30% a 50% superiores, estão sendo testadas no Brasil com autorização da CTNBio. Outras empresas que investem em melhoramento genético já estão despertando para esta nova realidade, que beneficiará não apenas o produtor, mas a sociedade como um todos, em especial os mais pobres, que mais necessitam de alimentos a baixo custo.

 

 

O tesouro da superfície

Décio Luiz Gazzoni

  O Congresso Nacional discute a proposta de marco regulatório do petróleo do pré-sal. Está dada a pauta, discute-se se as reservas têm 30 ou 90 bilhões de barris, se o sistema deve ser de partilha ou concessão, se os roialties ficam só com os estados beira-mar ou se todos deveriam ser beneficiado. De repente, não existem mudanças climáticas globais. A discussão pós Kyoto, que se inicia em dezembro, em Copenhagen, parece que foi adiada sine die. Nos esquecemos que o Brasil possui a matriz energética mais limpa do mundo e a obrigação de pugnar para ampliar este patrimônio. O emprego, a interiorização do desenvolvimento e as oportunidades democráticas de renda não são mais prioridades. Ninguém mais lembra que a sociedade global caminha para um câmbio paradigmático, em que as energias renováveis substituirão a energia fóssil e suja neste século. E que o Brasil está fadado a ser o protagonista desta mudança, a locomotiva do novo paradigma, seja energia eólica, solar ou de biomassa.  

 

Ótimo que Deus tenha colocado dezenas de bilhões de barris de petróleo no nosso sub-mar. Porém, será que o mesmo Deus que provê é o que nos pregou uma peça? Parto da hipótese de que Deus é brasileiro, e colocou o petróleo escondido lá no pré-sal, para ser descoberto no momento errado, mas nos deu solo fértil e extenso e clima tropical adequado para produzir muita biomassa. E também um povo com capacidade empresarial, mão de obra suficiente e adequada e criatividade para gerar tecnologia agrícola e industrial, para transformar solo e clima em alimentos e energia.  

Assim, em vez de discutirmos apenas a riqueza do petróleo do pré-sal, a 7.000m de profundidade, por que não discutirmos também a riqueza que podemos extrair da biomassa, um inesgotável tesouro energético de superfície. A discussão que proponho é a seguinte: seria possível extrair a mesma quantidade de energia do pré-sal, a partir da agricultura de energia? Vou procurar demonstrar que é mais do que possível.

 

  Para demonstrar a tese, elaborei um modelo matemático para calcular quantos hectares precisaríamos cultivar para extrair a mesma quantidade de energia de biomassa, que obteríamos com a exploração do petróleo do pré-sal. Para tanto, aceito sem discussão as premissas que estão sendo colocadas pelas fontes oficiais.

Resultados

Se, em vez de extrair petróleo do pré-sal, a sociedade brasileira optasse por produzir a mesma energia integralmente de cana-de-açúcar, seriam necessários, no primeiro ano, 7,26 milhões de hectares (Mha) e no ano 51 - quando as reservas do pré sal se esgotariam - 10,6 Mha. A energia obtida desta área equivaleria a extrair 2 milhões de barris/dia de petróleo (Mb/d) no primeiro ano e 9,03 Mb/d no ano 51 – ano em que se esgotariam as reservas do pré-sal.  

Outro cenário estudado é uma combinação em que 50% da energia equivalente ao petróleo seriam obtidos de cana e 50% de dendê. Neste caso seriam necessários, inicialmente, 3,6 Mha de cana e, no ano 51, seriam 5,3 Mha, para obter energia equivalente à metade do petróleo; e, inicialmente, 9,5 Mha de dendê e, ao final do período, 15,6 Mha.

 

E quais seriam as vantagens de produzir energia de biomassa, ao invés de extrair petróleo?

1. Do ponto de vista econômico e da arrecadação de impostos, as diferenças seriam pequenas. Comercialmente, estaríamos em linha com as tendências mundiais de uso de energia limpa, portanto um mercado ascendente nos próximos anos.

2. Evitaríamos a emissão de 43 bilhões de toneladas de gás carbônico, a diferença entre queimar petróleo ou biocombustíveis. Evitar este fabuloso volume de emissões representará um privilegiado patrimônio geopolítico para o país, que vale ouro em negociações internacionais, acordos sobre energia, comércio ou de outra ordem.

 

3. Conforme a Organização Mundial de Saúde , 3 milhões de pessoas morrem, anualmente, devido à poluição atmosférica, parcela ponderável devida à queima de combustíveis fósseis. A cidade de São Paulo gasta, por ano, US$ 208 milhões com os efeitos da poluição atmosférica sobre a saúde humana. Quem vive em cidades poluídas como São Paulo tem a vida abreviada em 2,5 anos.

4. No tocante à geração de empregos, diversos estudos podem ser citados. O Prof. José Goldemberg, da USP, demonstrou que, por unidade de energia produzida, o bioetanol, comparado às cadeias de carvão mineral, hidroeletricidade e petróleo necessita, respectivamente, de 38, 50 e 152 vezes mais mão de obra. Usando energia de biomassa, seriam gerados mais de 2 milhões de empregos diretos e 4 milhões indiretos. Enquanto isso, de acordo com o Prof. Goldemberg, o petróleo do pré-sal geraria apenas e tão somente 12.000 empregos diretos e 24.000 indiretos.

 

5. A cada 5 anos é necessário renovar o canavial. A cultura de dendê permite intercalar cultivos, até o terceiro ano. Nesta condição, teríamos o bônus de aumentar a produção de alimentos em 10-15%, sem expandir a área cultivada, favorecendo, especialmente, a agricultura familiar.

6. Finalmente, estamos em 2061 e as reservas de petróleo do pré-sal acabaram. Porém, a demanda de energia no Brasil e no mundo continua crescendo. Como atendê-la? No caso do petróleo, não sei responder, a não ser reafirmar que não acredito que a sociedade mundial continuará com a atitude suicida de empestar a atmosfera queimando energia suja, até a metade deste século. No caso da biomassa continuaremos produzindo cada vez mais alimentos e mais energia, por séculos e séculos, porque se trata de uma fonte limpa e renovável.

 

Como queríamos demonstrar, Deus é brasileiro: nós, brasileiros, é que precisamos entender os desígnios divinos. Não tenho a pretensão de que os números aqui apresentados sejam precisos, menos ainda exatos, pois trata-se de um modelo de simulação matemática. De resto, os números do pré-sal também não são precisos ou exatos. Meu objetivo é mostrar que outro mundo é possível: um mundo com menos poluição, mais emprego, mais renda, mais justiça, provocando uma reflexão do leitor por um ângulo que não lhe havia sido apresentado anteriormente. Feliz do povo que pode escolher entre alternativas, quando o restante do mundo se bate, desesperadamente, por uma solução para a crise energética – mesmo que a solução signifique o aprofundamento do problema.

 

 

 

 

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