Biorefinarias, agregando valor na cadeia do biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

 

Em maio passado participei do Congresso Europeu de Biomassa Energética, que se realizou em Berlin (Alemanha). As preocupações dos europeus eram as mesmas que as nossas: como garantir a oferta de matéria prima, pelo forte incremento da demanda e como compatibilizar custos de produção com cotações do óleo em patamares elevados. As discussões avançaram por duas vertentes: buscar matéria prima genérica e novos processos de produçãopara superar o problema da oferta – e implementar o conceito de biorefinarias – para obter rentabilidade, mesmo com elevados custos da matéria prima. Hoje, não vamos entrar na discussão sobre novas matérias primas e novos processos de obtenção de sucedâneos do petrodiesel, para nos concentrarmos nas biorefinarias.   O que significa uma biorefinaria? É uma refinaria que utiliza biomassa como matéria prima. O conceito é importado das refinarias de petróleo (petroquímica), partindo de três princípios. O primeiro deles é que o petróleo é um derivado da biomassa, enterrado no subsolocentenas de milhões de anos. Logo, tudo (ou quase tudo) o que puder ser extraído do petróleo, pode ser extraído da biomassa. O segundo, é que os combustíveis obtidos do petróleo (diesel, gasolina, querosene, GLP) são vendidos a preços relativamente baratos, quando comparados com a cotação de mercado dos insumos para a indústria química, especialmente a farmacêutica, vendidos a preços, dezenas de vezes superiores; terceiro, o petróleo vai acabar, por isso está ficando cada vez mais caro, o que, por um lado  viabiliza as matérias primas concorrentes; e, por outro, obriga a Humanidade a buscar novas alternativas, para que a mudança do petróleo para outras matérias primas seja feita naturalmente, sem sobressaltos.   Baseados nestes princípios, os europeus estão pensando em compor o mix de receitas financeiras, que precisam ser distribuídas a montante da cadeia, com substâncias de mais alto valor agregado, que possam compensar o valor mais baixo do biodiesel. Neste caso, o biodiesel passaria a ser o co-produto e as especiarias, o filé da receita do complexo empresarial. Para conferir uma dimensão ao tema, apresentamos, no Quadro 1, uma lista das aplicações da oleoquímica contemporânea, ou seja, os grupos de produtos comerciais derivados de óleos vegetais, que hoje estão no mercado

 

 

 

 

 

 

Quadro 1. Lista não esgotante de produtos derivados de óleos vegetais.

 

Material de construção

Material de Limpeza

Cosméticos

Detergentes

Substâncias anti-incêndio

 

Emulsificantes e flotantes

Agrotóxicos

Couro artificial

Lubrificantes

Tintas

 

Papéis

Fármacos

Plásticos

Têxteis

Borracha sintética

 

No caso do biodiesel, a associação com refinarias ainda é uma proposta teórica, para os próximos cinco anos. Acredito que, para mostrar a forte conexão que existe entre biocombustíveis e biorefinarias, é melhor usar o exemplo do etanol, onde as coisas estão acontecendo na prática. O forte aquecimento do mercado consumidor e a pressão nos custos das matérias-primas originadas do petróleo, têm levado as indústrias de plástico a buscar, em fontes renováveis, matérias-primas substitutas para seus produtos. Plásticos feitos a partir do etanol de cana-de-açúcar, que podem ser reutilizados num processo de reciclagem, além de polímeros biodegradáveis produzidos por bactérias alimentadas por sacarose e outras substâncias, estão na linha de frente de pesquisas e investimentos anunciados por gigantes petroquímicas, como a Dow Química, a Braskem e a Oxiteno, fabricantes de resinas plásticas feitas a partir da nafta e de outras matérias-primas derivadas do petróleo.  

A Braskem, líder latino-americana em produção de resinas, investiu US$ 5 milhões em pesquisa e desenvolvimento para chegar a um polietileno certificado, a partir de álcool da cana, chamado de “polímero verde”. Escusamo-nos de demonstrar o apelo mercadológico de um plásticoverde”, em tempos de ecologicamente correto e de mudanças climáticas globais. No caso da Braskem, o processo, bastante eficiente, transforma 99% do carbono contido no álcool, em etileno, matéria-prima do polietileno. O subproduto é a água, que pode ser purificada e reaproveitada.

 

 

 

De etanol a etileno

 

 

Relembrando as aulas de química, se tirarmos uma molécula de água do etanol obtemos o etileno (CH2=CH2), conforme o esquema abaixo

 

CH3-CH2-OH ---> CH2=CH2 + H2O

 

O método pode ser catalisado por ácido sulfúrico ou alumina (Al2O3) extraída da bauxita. A baixa temperatura favorece a produção do éter etílico (C2H5OC2H5) e alta temperatura favorece o etileno. O éter etílico também é um produto de alto valor mercadológico, além de servir como insumo para a indústria de química fina. No caso da produção do éter etílico, a reação é a seguinte

 

2 CH3-CH2-OH ---> C2H5OC2H5 + H2O

 

 

Uma vez obtido o etileno, o processo de polimerização para fabricar o polietileno é igual ao empregado para o etileno obtido do petróleo. A polimerização é uma reação em que as moléculas menores (monômeros) se combinam quimicamente para formar moléculas longas e ramificadas. A estrutura lembra uma parede (polímero, no caso, polietileno) composta por tijolos exatamente iguais (etileno). Até este ponto temos uma primeira etapa de agregação de valor, pois, enquanto o etanol vale cerca de US$600/t (CBOT), o etileno é cotado acima de US$1000/t.

  O polietileno pode ser aplicado diretamente na produção de embalagens plásticas. Porém, seguindo na cadeia de agregação de valor, é possível produzir resinas de diferentes densidades, para aplicações rígidas e flexíveis em setores como o automotivo, empacotamento de alimentos, embalagem de cosméticos e artigos de higiene pessoal. O produto, que deverá custar entre 15% e 20% a mais do que os polímeros tradicionais, será destinado, principalmente, aos mercados asiático, europeu e norte-americano. Porém, este aumento no custo de produção não preocupa os fabricantes, pois o processo de aprendizagem e os ganhos de escala se encarregarão de reduzi-lo com o tempo. Além disto, o apelo à demanda por produtosverdes” se encarrega de anular a diferença no custo de produção, embora o polietileno, especificamente, não seja biodegradável, apresentando exatamente as mesmas propriedades do produto obtido a partir do petróleo. A diferença em termos de ciclo de carbono é justamente esta: não entrou petróleo ou outra matéria prima fóssil na sua fabricação. No caso do polietileno do álcool, para cada quilo de polímero produzido, são absorvidos em torno de 2,5 quilos de gás carbônico da atmosfera, pela fotossíntese da cana.

 

 

 

Negócios em marcha acelerada

O mercado capturou o filão. A Dow Química produzirá o polietileno de etanol, em associação com a Crystalsev, (empresa controlada pelas usinas Vale do Rosário e Santa Elisa). O plano é mais ambicioso e prevê a criação de um pólo alcoolquímico integrado, com capacidade para produzir 350 mil toneladas por ano de polietileno de baixa densidade. O empreendimento vai gerar 3.200 empregos diretos, além de centenas de indiretos nos setores agrícola, industrial e de manufatura. A fábrica de polietileno vai consumir 700 milhões de litros de álcool por ano, o que corresponde a 8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar (cerca de 100.000 ha de cana). O pólo foi planejado para ser auto-suficiente em energia e gerar excedente de energia elétrica para atender a uma cidade de 500 mil habitantes. O pólo alcoolquímico integrado, como foi denominado pelos sócios, nada mais é que a biorefinaria de que trata este artigo!   Não é apenas de transposição da tecnologia da petroquímica que viverão as biorefinarias. A PHB Industrial, (Grupo Pedra Agroindustrial e Grupo Balbo) fabrica, há 7 anos, em uma planta piloto, um plástico biodegradável produzido por bactérias naturais, que está sendo vendido em pequenas quantidades, com o nome comercial de Biocycle, para Estados Unidos, Japão e países da Europa. A matéria-prima tem sido empregada, principalmente na fabricação de plásticos rígidos, produzidos pelo processo de injeção e também em espumas para substituição do isopor. O Biocycle também se aplica à produção de substitutos de poliuretanos, além de chapas bioplásticas e produtos termoformados. Em dois anos estará em operação uma grande indústria, resultado do sucesso da planta piloto, que deverá produzir, até 30.000t/ano de plástico biodegradável.

 

 

 

 

O polímero base do plástico é produzido pela bactéria Alcaligenes eutrophus (sin. Cupriavidus necator), cultivada em meio que contém sacarose transformada em glicose. A partir desse açúcar, as bactérias produzem o polihidroxibutirato (PHB), que pertence ao grupo de polímeros denominados polihidroxialcanoatos (PHA), que são poliésteres acumulados por microorganismos na forma de grânulos intracelulares. A diferença para os polímeros constituem-se em um produto biodegradável, compostável e biocompatível. Existem mais de 150 bactérias que acumulam naturalmente o polímero em grânulos localizados em seu citoplasma. A vantagem da C. necator,  é acumular 80% e 90% do seu peso seco na forma de polímero. No entanto, existem bactérias transgênicas (recombinadas em laboratórios de universidades brasileiras) que possuem a vantagem adicional de produzir o polímero PHB-V, que é ainda mais maleável, portanto, com melhores características comerciais.   Completado o ciclo da bactéria, os grânulos são extraídos e o polímero isolado e purificado. Eles podem ter aplicações como produção de filmes ou estruturas rígidas, além de usos médicos e veterinários, como confecção de suturas, suportes para cultura de tecidos, implantes, encapsulação de fármacos para liberação controlada e outras, utilizando-se da nanotecnologia.

 

 

Biotecnologia

Aqui entramos em um terreno que é tão rentável e futurístico quanto polêmico, por atrair a ira de algumas ONGs que, por motivos que ainda não estão claros, atuam no sentido de barrar o avanço científico e tecnológico da biotecnologia no Brasil. No caso referido acima, as bactérias encontradas na Natureza e selecionadas em laboratório, fabricam naturalmente o polímero, mas o melhoramento genético permite que ocorra um aumento considerável da produção. Existe um projeto de pesquisa e desenvolvimento que está sendo executado pela PHB e as instituições parceiras, que permitiu desenvolver e patentear bactérias geneticamente modificadas. Os pesquisadores, também, procuram bactérias que produzam polímeros a partir de outras fontes de carbono que não a sacarose, como os resíduos agrícolas ou agroindustriais, o que reduziria tremendamente o custo de produção. O mesmo grupo, também, estuda aplicações do biopolímero, depois de purificado, como substrato para o crescimento de células-tronco, outra aplicação biotecnológica na área de saúde. Na mesma linha, os cientistas estudam o uso do biopolímero para a imobilização de enzimas e fármacos, uma área de convergência entre biotecnologia e nanotecnologia.   Todo esse avanço é entusiasmante, mas, na situação em que se encontra a biotecnologia no Brasil, foi muito mais fácil e rápido obter a inovação, que conseguir transpô-la para a realidade industrial, devido à oposição ferrenha de algumas ONGs. O busílis da questão, quando se discute biorefinarias, é a impossibilidade de avanços concretos sem o uso da biotecnologia e da nanotecnologia, posto que a maioria dos processos envolve fermentação ou outros usos de microrganismos para transformar a biomassa em produtos que sejam úteis à sociedade. Existem microrganismos encontrados na Natureza, que podem atender a este propósito, porém, em geral, são muito ineficientes e necessitam de melhoramentos para serem utilizados industrialmente.

 

 

  Logo, sem biotecnologia, as possibilidades das biorefinarias ficam muito restritas e podem não atender ao propósito de agregar valor na cadeia de biomassa-biocombustíveis. Ao menos no Brasil, porque em outros países este tema está avançando a passos largos, o que pode servir para referendar mais uma vez a máxima de que o Brasil é o país do futuro, que nunca chega. Aliás, uma das explicações possíveis para o interesse de ONGs estrangeiras em retardar o avanço da Ciência no Brasil pode ser justamente este. pensaram o Brasil com as vantagens comparativas naturais de produção de biomassa e a vantagem competitiva de agregação de valor, por deter tecnologia na fronteira da Ciência? Interessa a algum país rico dividir este filão de mercado com o Brasil?  

 

Biocombustíveis x Alimentos: realidade ou sofisma?

Décio Luiz Gazzoni

Devido à extensão do artigo, o mesmo se encontra em formato pdf, podendo ser acessado em http://dlgazzoni.sites.uol.com.br/bioxali

 

 

Avanço do uso de biodiesel na Europa

Décio Luiz Gazzoni

 

Durante a 15th European Biomass Conference and Exhibition, que se realizou em Berlim, em 2007, foi apresentado um panorama geral da situação do biodiesel na Europa. Como este continente representa o grande mercado potencial de biodiesel - pela dificuldade de cumprimento das metas da UE com produção própria - transmito aos leitores um panorama do que foi apresentado na Conferencia. Como a Alemanha é o carro chefe do programa de biodiesel da Europa, e como a Conferencia foi realizada em Berlim, em muitos aspectos o exemplo alemão será salientado para ilustrar o texto.   O mercado de biocombustíveis experimenta uma fase ascendente não apenas na Alemanha, mas globalmente, o que era impensável há meros 10 anos. Especificamente entre 2006 e 2007 houve um incremento muito alto na produção de biodiesel na Europa. Os fatores mais importantes que estimularam o salto produtivo foram a conferência de cúpula do G8 em Heiligendamm e as metas estabelecidas a médio prazo pela União Européia, aproveitando que a Alemanha se encontrava na Presidência do Conselho. Sob o pressuposto de que outros países industriais também se comprometam a definir metas comparáveis redução, os objetivos da UE visam reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 30% até 2020, comparativamente ao nível de 1990.  

No que diz respeito especificamente à Alemanha, estes objetivos implicam uma redução de 40% nos gases de efeito estufa (GEE) em comparação com 1990. Na reta final para as negociações internacionais, a UE já se comprometeu a reduzir os GEE em 20% e, simultaneamente, aumentar a eficiência energética e a proporção de energias renováveis na matriz energética para 20%. Um importante elemento estratégico da política da União Européia é aumentar a proporção obrigatória de biocombustíveis para 10% - em base energética - para todos os estados membros, em 2020.

 

 

 

  

Desta maneira, os chefes de Governo da UE, apontam para o entendimento de que a mitigação das mudanças climáticas só pode ser alcançada através de uma estratégia de dupla abordagem. Além disso, o "Relatório Stern" e o German Institute for Economic Research (Instituto Alemão de Investigação Econômica), têm demonstrado, exaustivamente, aos políticos e formadores de opinião o que custaria às economias nacionais, se medidas eficazes não forem aplicadas rapidamente.   Nos termos da Fórmula 3 x 20%, que sintetiza as metas de médio prazo da UE e, nos termos do seu Programa Integrado de Clima e Energia (Integrated Climate and Energy Programme), a Alemanha está avançando nas metas e implementação de medidas que se insiram no âmbito de aplicação do acordo da UE, favorecendo, simultaneamente, um novo impulso para a economia e a consolidação da Alemanha como um líder internacional em tecnologia de biocombustíveis.   Por conseguinte, a atual política alemã para biocombustíveis encompassa 30 medidas que impactam as áreas financeiras e legislativas, para facilitar a adoção de uso de biocombustíveis. Dentro do âmbito de aplicação deste pacote global de medidas, o objetivo é atingir uma redução anual das emissões de gases com efeito de estufa de 30 milhões de toneladas a partir de 2020, através da melhoria da eficiência dos veículos e do aumento da quota obrigatória de mistura dos biocombustíveis.

 

 

 

O enfoque repousa na política geral da União Européia, que objetiva reduzir a média das emissões de CO2 dos automóveis novos para 130/120 g / km em 2012. A estratégia é obter esta redução de 10 g de CO2/km, mediante o uso compulsório de biocombustíveis. Verifica-se que existe uma dualidade de propósitos finais nesta estratégia, sendo a principal a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e a segunda a diversificação de fontes energéticas, para fugir da dependência do monopólio dos combustíveis fósseis.

 

Na sua visão sobre política energética para a Europa (Energy Policy for Europe), que é um relatório apresentado ao Conselho Europeu e ao Parlamento no ano passado, a Comissão da UE ilustra a necessidade urgente de ação e os aspectos fundamentais para facilitar o alinhamento da futura política energética européia, um pré-requisito para cumprir as obrigações de proteção climática, contidas no Acordo de Kyoto. No relatório, a Comissão da UE sublinhou igualmente as implicações econômicas usando a evolução dos preços do petróleo como um exemplo. Se o preço do petróleo bruto na UE aumentasse para 100 dólares por barril (na época o petróleo estava cotado a US$80/barril), o custo da importação anual da UE-27 seria de 170 bilhões de euros, o que equivale a cerca de 350 euros por cidadão da UE. A Comissão Européia pretende limitar essa saída de moeda, reforçando o seu mercado interno da energia e privilegiando a eficiência energética. Transparece, desta atitude, o protecionismo comercial que, se no momento está dirigido contra os exportadores de petróleo, no futuro pode ser direcionado para barrar as importações de etanol e biodiesel.

 

  

Figura 1. Capacidade de produção de biodiesel na Alemanha

 


 

 

Tabela 1. Avanço no uso de biodiesel na UE

Estado Membro

Proporção de biocombustíveis

Meta nacional

2003 (%)

2004 (%)

2005 (%)

2005 (%)

Áustria

0,06

0,06

0,93

2,50

Bélgica

0.00

0,00

0.00

2.00

Chipre

0,00

0,00

0,00

1,00

República Checa

1,09

1,00

0.05

3,70

Dinamarca

0,00

0,00

-

0.10

Estônia

0,00

0.00

0.00

2.00

Finlândia

0,11

0,11

-

0,10

França

0.67

0.67

0.97

2.00

Alemanha

1,21

1,72

3,75

2,00

Grécia

0,00

0,00

-

0,70

Hungria

0,00

0,00

0,07

0,60

Irlanda

0,00

0.00

0,05

0,06

Itália

0,50

0,50

0.51

1,00

Latvia

0,22

0,07

0,33

2,00

Lituânia

0,00

0,02

0,72

2,00

Luxemburgo

0.00

0,02

0.02

0.00

Malta

0,02

0.10

0,52

0,30

Holanda

0,03

0,01

0,02

2,00

Polônia

0.49

0,30

0.48

0,50

Portugal

0,00

0.00

0,00

2,00

Eslováquia

0,14

0,15

-

2,00

Eslovênia

0.00

0.06

0.35

0.65

Espanha

0.35

0.38

0,44

2.00

Suécia

1,32

2,28

2,23

3.00

Reino Unido

0,03

0.04

0.18

0,19

EU--25

0,50

0,70

1,00

1,40

 

 

 

Balanço de emissões de CO2 utilizando etanol ou gasolina como combustível

 

Décio Luiz Gazzoni

 

 

Resumo

 

          Nos últimos cinco anos, o Brasil evitou emissões de 195 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), devido ao uso de etanol hidratado em veículos movidos a álcool ou flex fuel, e à mistura de etanol na gasolina C. Caso o Brasil tivesse substituído toda a sua frota de veículos leves por veículos que operassem exclusivamente com etanol hidratado, as emissões evitadas teriam alcançado 501 milhões de toneladas de CO2. Pela relação de emissões entre álcool e gasolina, cada veículo que roda movido a etanol combustível, significa, em termos de emissão de CO2, que 5,6 carros movidos a gasolina não rodem nas ruas ou estradas.

 

Observa-se, também, que apenas as emissões evitadas com o uso de etanol no Brasil, em 2008, equivalem a 156% das emissões veiculares de CO2 na Espanha (2003) ou 79% das emissões observadas na Itália. Caso toda a frota brasileira fosse movida a etanol, as emissões evitadas equivaleriam a 306% das emissões da Espanha, 155% das emissões da Itália ou 120% das emissões do Reino Unido, registradas em 2003, pelo uso de gasolina em veículos leves.

 

 

Consumo de combustível

 

       

 A Tabela 1 apresenta o consumo anual de etanol hidratado combustível no Brasil, de 2003 a 2008. Até abril de 2008 são apresentados valores reais de consumo, sendo projetado o consumo entre maio e dezembro de 2008 com base no acréscimo de frota previsto para este período. Igualmente, a Tabela 2 apresenta o consumo de gasolina, no mesmo período, com projeção para o período de maio a dezembro de 2008 com base no mesmo parâmetro.

 

        Verifica-se, ao longo dos últimos anos, uma tendência clara de aumento do consumo de etanol, com estabilização ou leve acréscimo do consumo de gasolina. Esta tendência deverá não apenas continuar como acentuar-se nos próximos anos, prevendo-se, a partir do próximo ano, uma diminuição do consumo global de gasolina, em virtude da renovação de frota dos antigos veículos a gasolina, por veículos flex-fuel, que têm sido abastecidos, majoritariamente, com etanol. A relação entre o consumo anual de gasolina e de etanol hidratado, e o consumo de etanol anidro (para adição à gasolina), está representada na Figura 1.

 

Figura 1. Consumo anual de etanol hidratado e gasolina.  Fonte: ANP

 

 

Tabela 1. Venda ao consumidor de etanol hidratado combustível (em milhões de L).

Mês

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Janeiro

311

340

348

496

635

970

Fevereiro

245

321

320

475

581

955

Março

237

381

356

425

698

1.016

Abril

237

372

340

391

646

1.052

Maio

241

395

361

474

671

1.007

Junho

224

367

370

484

709

1.063

Julho

269

419

371

513

761

1.142

Agosto

248

347

408

537

836

1.254

Setembro

252

376

445

566

819

1.229

Outubro

299

389

409

569

992

1.488

Novembro

281

374

427

584

978

1.467

Dezembro

400

433

513

672

1.041

1.561

Total do Ano

3.245

4.513

4.667

6.187

9.367

14.205

Fonte: ANP (maio a dezembro de 2008 – projeções do autor)

 

 

Tabela 2. Venda ao consumidor de gasolina C (em 1000 L).

Mês

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Janeiro

1.828

1.883

1.844

1.927

1.977

2.028

Fevereiro

1.591

1.742

1.806

1.875

1.845

1.924

Março

1.578

1.934

2.063

2.040

2.083

2.026

Abril

1.705

1.976

1.917

1.948

1.973

2.050

Maio

1.840

1.827

1.964

2.007

2.043

2.247

Junho

1.739

1.836

1.957

1.934

2.007

2.208

Julho

1.880

1.980

1.941

1.929

1.993

2.192

Agosto

1.800

1.942

2.054

2.063

2.070

2.277

Setembro

1.837

2.013

1.985

2.053

1.923

2.115

Outubro

1.986

1.943

1.874

2.023

2.121

2.333

Novembro

1.820

1.876

1.920

1.962

2.017

2.219

Dezembro

2.187

2.221

2.230

2.247

2.273

2.501

Total do Ano

21.791

23.174

23.553

24.008

24.325

26.120

Gasolina*

16.343

17.380

17.665

18.006

18.244

19.590

Etanol anidro

5.448

5.793

5.888

6.002

6.081

6.530

Fonte: ANP (maio a dezembro de 2008 – projeções do autor)

* Considerando-se uma mistura de 75% de gasolina + 25% de etanol

 

        A principal razão para a projeção de redução de uso de gasolina encontra-se na Tabela 3, onde observa-se o desaparecimento da produção de carros movidos exclusivamente a etanol e a clara tendência de substituição dos carros movidos a gasolina por carros flex-fuel. Embora um carro no conceito flex-fuel possa operar tanto com gasolina quanto etanol ou qualquer proporção de mistura dos dois combustíveis, na prática a tendência majoritária é a operação destes veículos com etanol, devido ao menor custo do etanol por quilômetro rodado.

 

Tabela 3. Produção de veículos leves no Brasil, por tipo de combustível

Ano

Gasolina

Etanol

Flex Fuel

1980

693.901

239.251

 

1981

464.900

120.934

 

1982

407.859

214.406

 

1983

181.755

549.550

 

1984

174.052

496.653

 

1985

181.600

573.383

 

1986

191.042

619.854

 

1987

271.051

388.321

 

1988

288.419

492.967

 

1989

383.152

345.605

 

1990

590.764

71.523

 

1991

575.755

128.857

 

1992

647.941

163.127

 

1993

863.477

227.684

 

1994

1.120.755

120.177

 

1995

1.259.940

32.628

 

1996

1.444.604

6.373

 

1997

1.657.527

1.075

 

1998

1.220.123

1.188

 

1999

1.068.791

10.197

 

2000

1.315.885

9.428

 

2001

1.466.375

15.406

 

2002

1.456.354

48.022

 

2003

1.416.324

31.728

39.853

2004

1.499.118

49.796

282.106

2005

1.151.069

43.278

776.164

2006

815.849

758

1.249.062

2007

646.344

3

1.719.667

Fonte: Anuário Estatístico 2008 da ANFAVEA

 

 

       

 Na Tabela 4 foram calculadas as emissões de CO2 do etanol hidratado efetivamente consumido no Brasil, entre 2003 e 2008 (com projeções do autor até o final de 2008). O cálculo das emissões baseou-se em dados do Dr. Luiz Augusto Horta Nogueira  (NIPE / UNICAMP), o qual demonstrou que, ao longo de todo o seu ciclo de vida (da formação da muda de cana até a queima do etanol no motor do veículo), ocorre uma emissão líquida de 309 kg/1000 L de etanol. Durante o ciclo, existe uma absorção/fixação de 7464 kg CO2 / 1000L contra uma emissão de 7773 kg CO2 / 1000 L de etanol. O mesmo autor estudou a emissão líquida de CO2 da gasolina, desde a extração do petróleo até a queima no motor dos veículos, estabelecendo uma emissão líquida total de 3368 kg / 1000 L.   Desta forma, verifica-se que, nos últimos 5 anos, houve uma emissão líquida de 13 milhões de t de CO2, pelo uso de etanol hidratado. Caso os mesmos veículos fossem movidos a gasolina, a emissão seria de 99 milhões de toneladas. Observa-se que, ao longo dos últimos cinco anos, o Brasil contabiliza emissões evitadas de gás carbônico de 86 milhões de toneladas. Importante verificar que, a partir de 2006 os valores de emissões evitadas são francamente crescentes, tendência que deverá manter-se nos anos vindouros, em virtude do maior consumo de etanol hidratado, comparativamente ao consumo de gasolina.

  

 

 

 Tabela 4. Cálculo de emissões de CO2 do etanol hidratado combustível efetivamente consumido no Brasil

Fator

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Total

Emissões (M CO2)

1.002

1.394

1.442

1.911

2.894

4.389

13.034

Consumo equivalente de gasolina (M L)

2.271

3.159

3.267

4.330

6.556

9.943

29.528

Emissões equivalentes de gasolina (Mt CO2)

7.651

10.639

11.003

14.585

22.083

33.488

99.451

Emissões evitadas por uso de etanol (Mt CO2)

6.648

9.245

9.561

12.673

19.188

29.099

86.416

Fonte: D. L. Gazzoni (EMBRAPA)

 

 
Na tabela 5 são apresentados os cálculos referentes às emissões de CO2 por uso de gasolina no Brasil, nos últimos cinco anos. Verifica-se que, no total de consumo de gasolina C, foram emitidas 372 milhões de t CO2, sendo 361 milhões de t devidas à gasolina e 11 milhões devidas ao etanol anidro. Caso não houvesse a mistura do etanol, as emissões seriam de 481 milhões de t, evitando-se, desta forma, emissões de 109 milhões de t de CO2 pela mistura de 25% de etanol à gasolina.   Na tabela 6 são computadas, de forma consolidada, as emissões devidas ao uso de etanol (extraída da tabela 3) e de gasolina C (extraída da tabela 4). Verifica-se um volume de emissões totais evitadas de 195 milhões de toneladas de CO2.   Na Tabela 7 são considerados cenários alternativos para o abastecimento da frota de veículos leves no Brasil. Se a frota nacional de veículos leves operasse exclusivamente com gasolina, teríamos uma emissão global, nos últimos cinco anos, de 580 milhões de t de CO2, contra emissões de 79 milhões de toneladas, caso a frota operasse exclusivamente com etanol. Assim, na comparação entre os dois cenários, evitar-se-iam emissões equivalentes a 501 milhões de t de CO2. Este cenário antecipa o que se supõe deva acontecer em nosso país, na década de 20.

 

         

 

      

Tabela 5. Cálculo de emissões de CO2 da gasolina efetivamente consumida no Brasil

Fator

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Total

Emissões gasolina (Mt CO2)

55.043

58.537

59.496

60.643

61.446

65.979

361.145

Emissões etanol (Mt CO2)

1.683

1.790

1.819

1.854

1.879

2.017

11.044

Emissões reais (Mt CO2)

56.726

60.327

61.315

62.497

63.325

67.997

372.190

Emissões sem etanol (Mt CO2)

73.390

78.049

79.328

80.857

81.928

87.973

481.527

Ganho na mistura (Mt CO2)

16.664

17.722

18.012

18.359

18.602

19.975

109.337

Fonte: D. L. Gazzoni (EMBRAPA)

 

 

Tabela 6. Emissões totais de CO2 por veículos leves no Brasil e emissões evitadas por uso de etanol.

Fator

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Total

Emissões totais etanol e gasolina (Mt CO2)

57.729

61.721

62.757

64.409

66.219

72.386

590.865

Emissões evitadas (Mt CO2)

23.312

26.967

27.573

31.033

37.791

49.074

195.754

Fonte: D. L. Gazzoni (EMBRAPA)

 

 

Tabela 7. Cálculos de emissões de CO2 considerando cenários alternativos

Fator

2003

2004

2005

2006

2007

2008

Total

Frota exclusiva com etanol (1000 L)

35.931

39.273

39.997

42.198

45.855

53.385

256.640

Frota exclusiva com gasolina (1000 L )

24.062

26.332

26.820

28.338

30.882

36.063

172.499

Emissões etanol (1000t CO2)

11.102

12.135

12.359

13.039

14.169

16.495

79.301

Emissões gasolina (1000t CO2)

81.042

88.689

90.331

95.443

104.011

121.461

580.979

Emissões evitadas (1000t CO2)

69.939

76.553

77.972

82.403

89.842

104.965

501.677

Fonte: D. L. Gazzoni (EMBRAPA)

 

Finalmente, a Tabela 8 apresenta o consumo de gasolina em diferentes países e suas respectivas emissões. Se considerarmos que o Brasil evitará, em 2008, emissões de 49 milhões de toneladas de CO2 (Tabela 6) devido ao uso de etanol, este valor equivale a evitar 142% das emissões da Espanha, 93% da França, 73% da Itália ou 56% do Reino Unido.

  Outra análise pode ser feita cotejando-se as emissões evitadas caso toda a frota brasileira de veículos leves fosse movida a etanol (Tabela 7), no valor de 104 milhões de toneladas para o ano de 2008. Nesta hipótese, as emissões evitadas no Brasil equivaleriam a 304% das emissões em 2003 da Espanha, 156% da Itália, 200% da França e 120% do Reino Unido, também em 2003.

           

      

 

Tabela 8. Consumo de gasolina no ano de 2003 e respectivas emissões de CO2, em países selecionados.

País

Bilhões de L

Milhões de t CO2

% emissões evitadas no Brasil

% emissões evitadas com 100% etanol

Espanha

10

34

156

306

França

16

53

100

196

Itália

20

67

79

155

Reino Unido

26

87

61

120

Alemanha

33

112

47

93

Rússia

33

112

47

93

Canadá

38

128

41

81

Japão

58

194

27

54

EUA

478

1.612

3

6

Fonte: http://earthtrends.wri.org

 

 

   

 

 

          Embora ainda seja precoce efetuar uma avaliação semelhante para a substituição de petrodiesel por biodiesel, de alguma forma esta análise antecipa o benefício ambiental que decorrerá da utilização crescente de biodiesel no Brasil, seja através da mistura compulsória ou por seu uso voluntário em frotas ou motores em forma individual.

 

Biocombustível aéreo

Décio Luiz Gazzoni

 

Enquanto algumas lideranças mal informadas – ou mal intencionadas e bem pagas – procuram deslustrar a importância que os biocombustíveis terão para o futuro energético e para diminuir os impactos ambientais das atividades humanas, outros possuem senso prático e buscam resolver adequadamente esta questão. Recentemente, a Airbus anunciou uma parceria com a Honeywell, a International Aero Engines e a JetBlue Airways para desenvolver uma segunda geração de biocombustíveis, que atenda as especificações da aviação comercial.  

O principal objetivo desta união será transformar os óleos obtidos a partir de vegetais e algas em combustíveis para aviões e conseguir a autorização das organizações encarregadas das normas, para seu uso seguro. Obviamente, questões como conflito com abastecimento alimentar e impactos ambientais no processo produtivo são premissas obrigatórias antes que o plano saia da prancheta. Nesta luta de titãs, é importante não esquecer que a Ipanema, subsidiária da brasileiríssima Embraer, foi a pioneira neste aspecto, voando com seus aviões de pulverização agrícola abastecidos com o também brasileiríssimo etanol de cana.

 

 

Impactos positivos

 

A cada dia os aviões usam milhões de barris de querosene de petróleo. Para substituir parte do querosene, é necessária uma opção mais eficiente que as fontes de biomassa e os biocombustíveis disponíveis hoje. Neste contexto, a Airbus acredita que uma segunda geração de biocombustíveis de aviões pode abastecer até 30% de toda a aviação comercial até 2030. Além de trabalhar com um cenário de preços de petróleo perto dos US$500 por barril, a Airbus também aposta na pressão mundial para que os aviões diminuam o impacto ambiental, usando biocombustíveis que emitam menos gases de efeito estufa. Os biocombustíveis de segunda geração emitem menos poluentes no seu ciclo de vida em relação ao querosene, que é usado atualmente.

 

 

Atualidade

  De alguma maneira, o programa já apresenta efeitos práticos. Em fevereiro de 2008, um avião da Virgin Atlantic fez o primeiro vôo comercial com biocombustível entre Londres e Amsterdã, resultado de um programa realizado junto com a Boeing e a General Electric. Ainda em fevereiro, a Airbus lançou um programa de pesquisa de carburantes sintéticos e fez um vôo teste com o A380, usando querosene misturado com um combustível sintético, obtido a partir de biomassa gaseificada. Do programa participam a Airbus, a Shell, a Rolls Royce e a Qatar Airways, e os primeiros vôos comerciais com uma mistura deste combustível sintético em 50% serão realizados até 2009.  

 

 Matéria prima

Quem acompanha de perto a evolução dos biocombustíveis no mercado mundial, sabe que a primeira geração (na qual se insere o biodiesel) terá viabilidade comercial pelos próximos 10-15 anos, quando se estima que vá declinar sua participação no mercado. É o tempo necessário para amortizar os investimentos industriais realizados, porém também um tempo de reciclar negócios, gestão, processos e plantas industriais. Será a maneira de o atual produtor de biodiesel permanecer vivo no mercado, porque os novos biocombustiveis terão uma série de características ligadas à maior eficiência, menor impacto ambiental e conflito reduzido com a área de alimentos. De qualquer maneira, quem vai produzir a matéria prima será o agricultor, porém o perfil será diferenciado.    Diminui a participação de cereais e de oleaginosas alimentícias e de ciclo curto (soja, girassol, canola, mamona) e aumenta a participação de oleaginosas de ciclo longo (palmáceas, pinhão manso, etc.) e de biomassa genérica, como pastagens, florestas, resíduos e dejetos (palhada, casca de cereais, etc.). O grande segredo do sucesso da segunda geração estará nos processos de transformação, que decomporão as moléculas orgânicas mais complexas (como celulose ou hemi-celulose) a estruturas mais simples, que serão recombinadas para produzir hidrocarbonetos de alta concentração energética, cujo ponto futuro máximo será o bio-hidrogênio, a mais simples das moléculas, porém a que tem a maior densidade energética por unidade de massa.

 

Análise Econômica das Políticas Globais de Suporte aos Biocombustíveis

Décio Luiz Gazzoni

 

A OCDE acaba de divulgar, em Genebra, um documento 

intitulado “Análise Econômica das Políticas Globais de 

Suporte aos Biocombustíveis”, que deve causar uma 

reviravolta nas políticas de produção e uso de 

biocombustíveis. Tivemos acesso antecipado ao 

documento, com 119 páginas, que analisa o estado da 

arte e efetua propostas futuras de políticas públicas na 

área. São 4 capítulos e 3 Anexos, fartamente 

documentados, fundamentados e ilustrados. 
  A OCDE (Organisation for Economic Co-operation and Development ou Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento) é um fórum que reúne 30 países, onde são elaborados estudos econômicos, sociais e ambientais, ou sobre temas como os desafios da globalização. A OCDE também está na vanguarda dos esforços para compreender e ajudar os governos a responder às novas evoluções e preocupações, tais como governança corporativa, na economia da informação e os desafios do envelhecimento da população.

 

Análise do documento

A produção e a utilização de biocombustíveis - principalmente etanol à base de cereais e cana-de-açúcar, e de biodiesel com base em óleos vegetais, como a canola ou canola petróleo - tem crescido rapidamente ao longo dos últimos anos e uma mera projeção linear, se nada for modificado, indica que estes números mais que duplicariam na próxima década.

 

Os Estados Unidos e o Brasil são os maiores produtores de etanol com 48% e 31% da produção mundial de etanol combustível em 2007, respectivamente, enquanto a União Européia representa cerca de 60% da produção mundial de biodiesel. Governos de outros países já implementaram ou estão considerando a promoção da produção e utilização dos biocombustíveis, porque, na maioria dos países, os biocombustíveis continuam altamente dependentes da política de apoio público.

 

O relatório da OCDE estima que os EUA, a UE e o Canadá aplicam cerca de 11 bilhões de dólares por ano, no apoio aos biocombustíveis. Os autores prevêem que o valor aumente para 25 bilhões de dólares, no médio prazo (todas as projeções de médio prazo referem-se ao período 2013-17). As principais políticas públicas atualmente em uso são:

 

1. Medidas financeiras, quer como benefícios fiscais para produtores, revendedores ou consumidores de biocombustíveis, ou como transferências diretas aos produtores de biomassa, de biocombustíveis ou outros elos da cadeia. Todas estas medidas afetam diretamente os orçamentos públicos, quer sob a forma de perda de receitas fiscais ou de despesas adicionais.   2. Mandatos de mistura compulsória ou de utilização de biocombustíveis. Embora estas medidas geralmente são neutras para os orçamentos públicos, os custos de produção mais elevados dos biocombustíveis resultam no aumento dos preços dos combustíveis para o consumidor final.  

3. Restrições comerciais, principalmente sob a forma de direitos de importação, protegendo produtores de países menos eficientes em termos de custos de produção de biocombustíveis, impedindo o ingresso de concorrentes de custo mais baixo (fornecedores estrangeiros), que também resultam em aumento dos preços domésticos dos biocombustíveis. Essas medidas impõem um custo pesado sobre os biocombustíveis, onerando os usuários domésticos e limitam as perspectivas de desenvolvimento de fornecedores alternativos. Este grupo de medidas é particularmente pernicioso para o Brasil.

 

 

 

O elevado custo do apoio governamental tem colocado as políticas públicas de suporte aos biocombustíveis no centro de um debate sobre os resultados esperados em termos de ganhos ambientais, energéticos e econômicos. O relatório apresenta uma análise econômica, aponta recomendações políticas e identifica áreas onde é necessário mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.   Uma série de razões está por trás do interesse público e do apoio governamental para os biocombustíveis, o qual varia de acordo com o país e com o tempo. A crescente preocupação com a mudança climática e a necessidade de redução dos gases de efeito estufa (GEE), além da poupança de energia fóssil são os principais motivos para apoiar a produção e utilização dos biocombustíveis.  

O relatório aponta que o etanol de cana-de-açúcar reduz as emissões de GEE em, no mínimo, 80% ao longo de todo o ciclo de produção e utilização, quando comparado às emissões de combustíveis fósseis, nas mesmas condições de uso. As atuais políticas de apoio dos EUA, da UE e do Canadá estão voltadas para matérias primas muito menos eficientes na redução de GEE que o etanol de cana. Os biocombustíveis produzidos a partir de trigo, açúcar de beterraba ou de óleos vegetais reduzem as emissões de GEE entre 30% e 60%, enquanto o etanol de milho permite uma redução inferior a 30%.

 

 

As atuais políticas de apoio dos países ricos, reduzem as emissões de GEE em menos de 1% do total das emissões provenientes dos transportes, nestes países. O uso de combustíveis fósseis também é reduzido em menos de 1% com o uso de bicombustíveis nestes países, e em 2-3% especificamente para o diesel na UE. Estes efeitos relativamente modestos indicam um custo equivalente à US$960-US$1700 dólares por tonelada de CO2-equivalente, ou cerca de US$0,80 a US$7,00 por litro de combustível fóssil não utilizado. Logo, o relatório conclui, não foi demonstrada viabilidade econômica ou ambiental pelo uso de biocombustíveis nestes países.

 

A maior parte das cadeias produtivas dos biocombustíveis dos países ricos tem custos por unidade de energia de combustível significativamente superiores aos dos combustíveis fósseis, que deveriam substituir. Apesar do rápido e substancial aumento de preços do petróleo bruto e, conseqüentemente, nos custos da gasolina e do diesel fóssil, a desvantagem de custo dos biocombustíveis se acentuou nos últimos dois anos, porque os preços dos produtos agrícolas subiram e, assim, os custos da matéria prima aumentaram em proporção igual ou superior. No médio prazo, os impactos das atuais políticas de biocombustíveis sobre os preços dos produtos agrícolas são considerados importantes, mas o seu papel não deve ser superestimado, assinalam os autores do relatório.

  Os impactos nos preços dos alimentos, atribuíveis às políticas de apoio aos biocombustíveis, derivam em grande parte da conjunção com o aumento da procura de cereais e óleos vegetais. Mantidas as atuais políticas, o relatório afirma que cerca de 12% da produção mundial de cereais e 14% da produção mundial de óleos vegetais seriam utilizados para produzir biocombustíveis, a médio prazo, acima dos 8% e 9% observados em 2007, respectivamente.

 

Porém, existem novas medidas de apoio que ainda poderiam entrar em vigor e piorar ainda mais este cenário. O relatório chama a atenção para a implementação integral da lei recentemente promulgada nos EUA, que trata da segurança e independência energética e da nova diretiva da UE para as Energias Renováveis. Nesta condição, perto de 20% da produção mundial de óleos vegetais e mais de 13% da produção mundial cereais poderiam ser dirigidos para a produção de biocombustíveis.   As atuais políticas públicas de suporte aos biocombustíveis poderiam ser responsáveis por um aumento médio nos preços do trigo, milho e óleo vegetal de cerca de 5%, 7% e 19%, respectivamente, no médio prazo. O relatório estima que os preços do açúcar e dos farelos de oleaginosas seriam reduzidos por essas políticas. No entanto, com a entrada em vigor da nova legislação dos EUA e da diretiva da EU, poderia aumentar ainda mais os preços dos produtos agrícolas.

 

O impacto dos preços dos biocombustíveis de segunda geração será função do montante de matérias-primas (biomassa de resíduos) que seria produzido como resultado das culturas alimentícias. Se a área total de produção é significativamente ampliada, os efeitos nos preços seria reduzido. Entretanto, aumentariam as preocupações em termos de impactos ambientais negativos sobre as zonas sensíveis, incluindo as emissões de GEE, a utilização da água e da biodiversidade.  

Os autores do relatório chamam a atenção de que os aumentos de preços de produtos agrícolas, devidos às políticas de apoio aos biocombustíveis, pode implicar em maior utilização dos solos em termos globais, porém, especialmente, na América Latina e na África. Embora isso possa proporcionar oportunidades de receitas adicionais para populações rurais pobres, cuidados terão que ser tomadas para evitar possíveis danos ambientais, incluindo o desmatamento acelerado, emissões adicionais de gases com efeito de estufa, perda da biodiversidade e uma “enxurrada” de nutrientes e pesticidas.

 Com base nestas análises, uma série de recomendações políticas são oferecidas pelos autores do relatório, das quais destacamos:

1.      São necessárias políticas públicas diversificadas e diferenciadas, uma vez que os objetivos das políticas públicas são múltiplos. O mix de políticas públicas dependerá das prioridades e das condições especiais de cada pais, uma vez que não existe uma recomendação única e geral que se aplique a todas as situações.   2.      O foco principal para a poupança de energia fóssil precisa ser redirecionado de combustíveis alternativos para políticas de incentivo ao menor consumo de energia, particularmente no setor de transportes. Neste caso, geralmente, os custos de redução de emissões de GEE e de poupança de energia são muito menores do que a substituição por fontes de energia de biomassa. O relatório salienta que, apesar do forte aumento das emissões de GEE no setor de transportes, os custos das reduções de emissões são substancialmente inferiores em outros setores, como, por exemplo, o melhor isolamento dos edifícios. Neste caso, isto se aplica especificamente ao Hemisfério Norte, onde há um gasto ponderável de energia para aquecimento ou refrigeração das casas e edificações em geral.   3.      Com respeito aos combustíveis alternativos para o setor de transportes, o foco deve ser colocado sobre os biocombustíveis que maximizam a redução do uso de combustíveis fósseis e as emissões de GEE. Devem ser estabelecidos critérios e redução mínima, fixados em níveis ambiciosos e tornados ainda mais exigentes a longo prazo, para forçar a melhoria e o progresso tecnológico.

 

4.      As terras utilizadas para a produção de biocombustível afetam o desempenho ambiental destes combustíveis. Os governos devem favorecer a utilização de áreas não utilizadas atualmente para a produção vegetal - degradadas ou com baixos valores para a preservação da natureza – e, ao mesmo tempo, o uso de solos localizados em áreas ecologicamente sensíveis deve ser desencorajado. A produção de grandes quantidades de biocombustíveis terá um impacto importante sobre o uso do solo, o que deve ser cuidadosamente controlado, a fim de assegurar a sustentabilidade das cadeias produtivas.   5.      As tarifas de importação sobre matérias primas (biomassa), para proteger a produção nacional, impõem uma carga fiscal implícita sobre a produção dos biocombustíveis, através do aumento dos preços das matérias primas. As tarifas também são aplicadas às importações dos biocombustíveis, com distorção nos preços e impondo um encargo para os consumidores. A abertura dos mercados para os biocombustíveis e matérias primas permitiria uma produção mais eficiente e com menor custo. Ao mesmo tempo poderia melhorar tanto os resultados ambientais quanto reduzir a dependência dos combustíveis fósseis.   6.      Prosseguir o desenvolvimento e a expansão do setor dos biocombustíveis irá contribuir para o aumento de preços dos produtos alimentares, a médio prazo bem como à insegurança alimentar para os grupos mais vulneráveis da população nos países em desenvolvimento. Além disso, em um ambiente comercial mais liberal, o aumento da produção de biocombustíveis pode ser uma opção viável em alguns países em desenvolvimento, melhorando, assim, as oportunidades de emprego e renda.

 

 

O relatório também aponta necessidades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conforme destacamos abaixo:

 

1. A alta produtividade da primeira geração da produção de biocombustíveis em países tropicais e sub-tropicais merece uma análise mais aprofundada, especialmente no tocante aos eventuais benefícios econômicos relativos à utilização sustentável dos recursos.   2. Em termos mais gerais, é necessária uma investigação interdisciplinar para compreender melhor os riscos ambientais, relacionados com a mudança de uso dos solos, resultantes da expansão da produção de biocombustíveis. Segundo o relatório, os resultados atualmente disponíveis mostram que os problemas podem ser significativos, mas aponta a necessidade de aprofundamento das pesquisas para fornecer respostas conclusivas. Os problemas ambientais decorrentes do uso do solo, não estão restritas aos biocombustíveis produzidos em áreas sensíveis. O relatório insiste na tese das mudanças indiretas de utilização dos solos, no sentido de que a expansão de áreas para produção de biocombustíveis deslocaria culturas ou criações para áreas sensíveis, onde podem gerar efeitos negativos, exigindo um acompanhamento eficaz no médio prazo.

 

Tanto os recentes desenvolvimentos em escala comercial, quanto as tecnologias avançadas de segunda geração de biocombustíveis, dependem de esforços elevados e contínuos, ao longo do tempo, em pesquisa e desenvolvimento. O relatório aposta no biogás e nos combustíveis BTL (biomassa para líquidos), em especial a partir de resíduos orgânicos, e no etanol celulósico, obtido a partir de resíduos de culturas e florestais, por serem opções de baixo custo, com maiores possibilidades de ganhos ambientais e sem conflito com a produção de alimentos. Os biocombustíveis de segunda geração, produzidos a partir de biomassa como gramíneas e árvores de crescimento rápido, podem oferecer maior rendimento energético que os obtidos de cereais, aponta o relatório.   A pesquisa e o desenvolvimento não deveria se restringir aos biocombustíveis. A longo prazo, inovações na geração de energia solar, células de combustível de hidrogênio e outras tecnologias possuem um potencial muito promissor, no longo prazo.
 

 

Conclusão

 

Em resumo, o relatório duvida da sustentabilidade de biocombustíveis como o etanol de cereais ou o biodiesel de óleos vegetais, em especial se produzidos nos países frios, do Hemisfério Norte – mas ressalva as características positivas do etanol de cana do Brasil. Indica a necessidade de buscar outras alternativas, de curto e médio prazo, através da produção de biocombustíveis em países da América Latina ou da África, porém alerta para os impactos ambientais. Aponta como a melhor opção os combustíveis de segunda geração, desde que produzidos a partir de resíduos e dejetos, ou através de biomassa obtida em áreas de terra não destinadas à produção de alimentos e com reduzido impacto ambiental. Salienta que a variável diretriz para solucionar o problema reside em investimentos polpudos e continuados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico. E, finalmente, repete a tese que tenho insistido há muito tempo: a janela de oportunidades para os biocombustíveis se fechará até a metade deste século, quando a Ciência equacionar, adequadamente, a obtenção de energia a partir de fontes primárias altamente sustentáveis, como a energia solar e a energia eólica. Este desenvolvimento passa pelas células fotovoltaicas, pela energia térmica, pela fotossíntese artificial, pela produção de hidrogênio e pelo desenvolvimento de grande capacidade de estocagem de energia a baixo custo.

 

 

Canabrás

Décio Luiz Gazzoni

 

           

 

 O objetivo deste artigo é polemizar. E o foco da polemica é a possível, eventual, futura criação de uma Pré-salbrás, cogitada por setores do Governo e do seu principal partido de suporte. O Presidente da República tangencia o assunto e nem apóia, nem desapoia, nem muito antes pelo contrário dá qualquer pista sobre sua convicção pessoal. A tal nova empresa estatal deteria as reservas de petróleo descobertas pela Petrobras, na chamada camada pré-sal oceânica, alguma coisa acima de 5.000 metros de profundidade. A crer nas opiniões de especialistas, divulgadas pela mídia, o custo de extração do petróleo a esta profundidade, não seria possível a valores inferiores a US$60-75,00 / barril. Considerando um custo de refino de US$5,00 / barril, teríamos um valor médio de US$70,00 por barril de derivados, FOB na refinaria. Este valor equivale a US$440,00 por metro cúbico de derivados, incluindo combustíveis.

 

           

Corta o filme para uma lavoura de cana. Nas condições atuais, é possível produzir 41 barris de etanol (6,5 metros cúbicos) por hectare. O custo de produção do etanol de cana, para esta safra, é estimado em US$185,00 (R$296,00) por metro cúbico. De saída, teríamos um ganho no preço FOB (sem frete e sem impostos) de US$235,00 para cada 1000 litros comercializados, já que o custo do etanol equivale a 42% do custo dos derivados de petróleo.   No entanto, precisamos efetuar a correção pelo poder calorífico diferencial entre o mesmo volume de gasolina e de álcool e de diesel e de álcool, ajustados pelo rendimento térmico dos motores de ciclo Otto ou Diesel. No caso dos motores de ciclo Otto, o cálculo clássico é de substituir 1 litro de gasolina por 1,5 litros de etanol. Para o Diesel, embora seja uma tecnologia ainda em desenvolvimento, a proporção é de 1 litro de diesel por 1,1 litros de etanol, devido à maior eficiência da queima de diesel na presença de etanol vaporizado. O custo da gasolina na refinaria é de, aproximadamente, R$0,90 e do diesel R$0,62. Neste caso, apenas para efeito de equivalência, o litro de etanol como substituto da gasolina custaria R$0,44 e para substituição do diesel R$0,32.   A partir destes números, e do consumo de gasolina (24 bilhões de litros) e de diesel (38 bilhões de litros) estimados para 2008, é possível projetar a produção e os custos de abastecer a frota brasileira com petróleo do pré-sal ou a partir de biocombustíveis, até o esgotamento das reservas do pré-sal. Aí é que pretendo polemizar, para mostrar que nem o setor do agronegócio – no nosso caso de biocombustíveis – conhece a extensão de seu potencial, nem o Governo atenta adequadamente para este fato e a sociedade, desinformada, desconhece as reais oportunidades do país.

 

 

 

A Tabela 1 mostra um comparativo entre a energia total do petróleo utilizado, anualmente, pelo Brasil e de cana-de-açúcar (bioeletricidade e biocombustíveis). Nesta condição, parte da energia da cana substituiria diretamente os combustíveis fósseis (gasolina e diesel) e parte seria dirigida para a eletricidade, o que poderia significar mais transporte público (trem, metrô ou ônibus elétrico). Para o cálculo, considerou-se o consumo atual de petróleo (650 Mbarris); a energia contida em uma tonelada de cana, que equivale a 1,3 barris de petróleo; o crescimento da demanda de petróleo no Brasil, assumida como sendo linear e de 2% ao ano, considerado conservador porém realista; o incremento da produtividade de cana e o rendimento industrial de etanol de 2,5% ao ano.   Utilizando estas premissas, verifica-se que, até 2050, seria possível substituir, integralmente, a energia obtida do petróleo por cana produzida em uma área variável entre 4,8 e 5,9 Mha, além dos atuais 3,5 Mha. Estes valores seriam facilmente absorvidos pela agricultura brasileira, que dispõe de um potencial superior a 100 Mha de terras aráveis para expansão da agricultura.

 

           

 

           

 

Tabela 1. Comparativo de energia total produzida por petróleo e por cana

 

M barris de petróleo

Etanol

Custo em R$

             

Diferença

Ano

Anual

Acumulado

M ha

ML

Etanol

Petróleo

Anual

Acumulada

2008

650

650

5,9

38

11

46

34

34

2010

676

1989

5,6

38

11

47

36

105

2012

704

3383

5,2

38

11

49

38

180

2014

732

4832

4,9

38

11

51

40

259

2016

762

6341

4,7

38

11

53

42

342

2018

792

7910

4,4

38

11

55

44

429

2020

824

9542

4,2

38

11

58

46

520

2022

858

11241

3,9

39

11

60

49

616

2024

892

13008

3,7

39

11

62

51

717

2026

928

14846

3,5

39

11

65

54

823

2028

966

16759

3,3

39

11

68

56

934

2030

1005

18749

3,1

39

11

70

59

1050

2032

1045

20820

2,9

39

11

73

62

1172

2034

1088

22974

2,8

39

11

76

65

1300

2036

1132

25215

2,6

39

12

79

68

1434

2038

1177

27547

2,5

39

12

82

71

1574

2040

1225

29973

2,3

39

12

86

74

1721

2042

1274

32496

2,2

39

12

89

78

1875

2044

1326

35122

2,1

39

12

93

81

2035

2045

1352

36475

2,0

39

12

95

83

2119

2046

1379

37854

2,0

39

12

97

85

2204

2048

1435

40697

1,8

39

12

100

89

2379

2050

1493

43654

1,7

39

12

105

93

2563

Obs. Foram considerados apenas os anos pares, por economia de espaço.

 

 

Em relação aos custos, fixando os valores da extração do petróleo e da produção de etanol de 2008, verifica-se que, em 2050, o Brasil teria acumulado custos extras de R$2,536 trilhões, se optasse por manter a mesma estrutura de combustíveis atuais comparativamente ao aproveitamento integral da energia de cana.   Já a Tabela 2 analisa, exclusivamente, a substituição de combustíveis derivados de petróleo por etanol, o que exige uma área maior, posto que não se considera a parcela da energia de cana que é transformada em bioeletricidade. Calcula-se a demanda futura de diesel e gasolina, usando a mesma taxa de crescimento de 2% ao ano; a relação de 1:1,3 entre a energia de um barril de petróleo e uma tonelada de cana; o crescimento da rentabilidade de etanol por hectare de 2,5% ao ano; e as relações de substituição de gasolina (1:1,5) e diesel (1:1,1) por etanol.  

Neste caso, seriam necessários entre 7,8 e 12 Mha de cana-de-açúcar, para substituir os combustíveis fósseis, além dos 3,5 Mha atualmente cultivados para produção de etanol combustível. Como na simulação anterior, estes valores seriam facilmente absorvíveis pela agricultura nacional, pela grande disponibilidade de área potencial para agricultura no Brasil.

                       

 

             

Tabela 2. Comparativo entre a produção de combustíveis derivados de petróleo e etanol de cana

         

Custo

 

Diesel

Gasolina

Etanol

Cana

   

Diferença

Ano

ML

ML

ML

M ha

Etanol

Petróleo

Anual

Acumulada

2008

38

24

77,8

12,0

23

45

22

22

2010

40

25

81

11,7

24

47

23

68

2012

41

26

84

11,5

25

49

24

115

2014

43

27

88

11,3

26

51

25

165

2016

45

28

91

11,1

27

53

26

216

2018

46

29

95

10,9

28

55

27

269

2020

48

30

99

10,6

29

57

28

325

2022

50

32

103

10,4

30

60

29

383

2024

52

33

107

10,2

32

62

30

443

2026

54

34

111

10,0

33

64

32

505

2028

56

36

116

9,8

34

67

33

571

2029

58

36

118

9,8

35

68

34

604

2032

61

39

125

9,5

37

73

36

709

2034

64

40

130

9,3

39

76

37

782

2036

66

42

135

9,1

40

79

39

859

2038

69

43

141

8,9

42

82

40

938

2040

72

45

147

8,8

43

85

42

1021

2042

75

47

153

8,6

45

89

43

1106

2044

78

49

159

8,4

47

92

45

1196

2046

81

51

165

8,3

49

96

47

1289

2048

84

53

172

8,1

51

100

49

1386

2050

87

55

179

7,9

53

104

51

1486

Obs.: Foram considerados apenas os anos pares, por economia de espaço.

 

Neste caso, em 2050, teríamos acumulado uma diferença de R$1,486 trilhões de economia, utilizando etanol de cana em substituição aos derivados de petróleo, considerando os custos FOB atuais. E, com três grandes vantagens: em primeiro lugar, após 2050, o petróleo do pré-sal estaria esgotado, enquanto a área de cana ainda estaria disponível para produção; em segundo lugar, reduziríamos em 90% a emissão de gases de efeito estufa; e, finalmente e não menos importante, a agricultura, incluindo a cana-de-açúcar, gera muito mais empregos que a cadeia petrolífera, que, além de baixo nível de emprego é altamente concentradora de renda.  

Obviamente, os números aqui apresentados são estereotipados, pois não seria possível, de imediato alcançar a produção de cana prevista ou mesmo efetuar um aproveitamento integral da energia da cana. Eventualmente, se houvesse um planejamento estratégico que se iniciasse de imediato, na década de 20 seria factível aproximar-se dos índices de substituição previstos. Igualmente, a estrutura de custos deve se modificar ao longo do tempo, de uma forma difícil de antecipar no momento.

 

E aqui encerro a polêmica com uma provocação: A iniciativa privada demonstrou sua sustentabilidade e rentabilidade, na produção de etanol de cana, sem necessidade de subsídios de qualquer ordem. Assim como não precisaríamos de uma Canabrás, para produzir energia de cana para substituir, integralmente, o petróleo do pré-sal, será que precisaríamos de um cabide de empregos estatal, para substituir a Petrobras, que foi suficientemente eficiente para descobrir as reservas de petróleo escondidas a 5.000 m de profundidade, bem como as tecnologias inovativas para sua extração?

 

                        

           

 

Um concorrente de peso

Décio Luiz Gazzoni

 

Embora o uso de biocombustíveis em motores não seja propriamente uma novidade, o negócio efetivamente deslanchou nos últimos anos e ainda é embrionário e busca o leito por onde trafegarão bilhões de litros de biocombustíveis, substituindo combustíveis fósseis.    Devemos lembrar que as principais variáveis que impulsionam os negócios com biocombustíveis apontam para os impactos ambientais, a finitude das reservas (conseqüentemente o alto preço) e as disputas geopolíticas associadas às últimas reservas.   Do lado dos biocombustíveis, vivenciamos a sua primeira geração, enquanto nos laboratórios científicos pululam estudos buscando novas tecnologias mais eficientes, que garantam competitividade e rentabilidade para o negócio. Podemos dividir a pesquisa sobre biocombustíveis e seu uso em três grandes vertentes:  

1. Matérias primas com maior densidade energética, facilidade de produção, melhor balanço energético e menor custo por unidade de energia;

2. Novos processos de transformação, buscando biocombustíveis mais eficientes;

3.  Evolução nos motores e desenvolvimento de células de combustíveis.

 

 

           

Se examinarmos o conjunto do esforço de pesquisa atualmente em andamento, veremos que o negócio de biodiesel não terá facilidades pela frente. As principais considerações que necessitam ser feitas são:

1.    1. O preço médio do óleo vegetal no mercado internacional sempre esteve acima do preço do petróleo, com exceção do óleo de dendê (o mais barato), em determinados e curtos momentos (veja Figura 1). Existem fatores comuns que impulsionam tanto o preço do petróleo quanto dos óleos vegetais, além do que o petróleo é um insumo fundamental na produção das oleaginosas e no transporte do óleo e do biodiesel, o que torna relativamente rígida esta relação de preços;

 

O  2. O teto de produtividade das oleaginosas, tanto em termos físicos (biomassa por hectare) quanto de energia (calorias por hectare) é baixo, com exceção de palmáceas tropicais, como o dendê. Por outro lado, o teto de produtividade de plantas produtoras de carboidratos, como a cana-de-açúcar, é mais elevado, redundando em redução do custo da unidade de energia;

3.  3. Os novos processos em desenvolvimento privilegiam a biomassa genérica, especialmente carboidratos de alto peso molecular (celulose e hemi-celulose), permitindo produzir biocombustíveis de espectro amplo para atender as diferentes necessidades do mercado;

 

4.    Devido ao menor custo dos combustíveis obtidos a partir de carboidratos, já existem diversas tecnologias que permitem o uso de etanol ou outros biocombustíveis derivados de carboidratos em motores de ciclo Diesel;

5.    As futuras células de combustível poderão operar com diversos biocombustíveis, porém os que apresentam maior potencial são aqueles com maior teor de hidrogênio, como tal favorecendo moléculas de cadeias curtas, inclusive o próprio hidrogênio molecular (H2).

1.

 

Figura 1. Cotação dos principais óleos vegetais no mercado internacional, comparado com a cotação do petróleo.

 

 .    

 

 

A favor do biodiesel – e apenas no curto e médio prazo – pesa a política pública de obrigatoriedade de mistura com o diesel, limitada, atualmente, a 5%, e a sua característica de maior lubricidade em relação ao diesel, o que permite reduzir o teor de enxofre, altamente poluente e causador da chuva ácida, porém também responsável pela lubricidade do petrodiesel. Devido à pressão pela redução do teor de enxofre no petrodiesel a níveis mínimos, por algum tempo haverá a necessidade técnica de adição de biodiesel ao petrodiesel.   Para ilustrar com um exemplo real o que colocamos como tese até o momento, observe-se o acordo comercial para produzir “diesel vegetal”, que envolve a Votorantim Novos Negócios, a Usina Santa Elisa e a empresa norte-americana Amyris. Esta empresa, baseada na Califórnia, já está desenvolvendo combustível de aviação para a Força Aérea Americana e, além do diesel vegetal, tem planos para produzir gasolina a partir da fermentação de açúcar da cana.   A meta do acordo empresarial é muito ambiciosa: produzir 400 milhões de litros de diesel vegetal no primeiro ano e chegar a 1 bilhão de litros, em 2012. Em termos de meta do programa de produção e uso de biodiesel no Brasil, significa, no primeiro ano, 35% da meta e, em 2012, em torno de 80% da meta.

           

 

 

           

O petrodiesel é uma mistura complexa de moléculas orgânicas, obtidas pela destilação fracionada do petróleo. Sua composição varia de acordo com o tipo de petróleo utilizado e o perfil de refino. Entretanto, como regra geral, o petrodiesel se compõe em 75% de hidrocarbonetos saturados (especialmente parafinas e cicloparafinas) e 25% de hidrocarbonetos aromáticos, incluindo naftalenos e alquil-benzenos. A amplitude da composição das moléculas que compõem o petrodiesel varia de C10H20 a C15H28, sendo a mais comum a fórmula C12H23. O diesel vegetal é muito similar, quimicamente, a um dos componentes do petrodiesel, o farneceno, que é uma molécula com 12 átomos de carbono, apresentando as mesmas propriedades essenciais do diesel de petróleo, mas sem o “defeito” da presença do enxofre.

  O processo de obtenção do diesel vegetal é muito parecido com a produção de etanol, utilizando leveduras para fermentar os açúcares presentes na cana. A diferença está no fermento, que foi geneticamente modificado para transformar a sacarose da cana em farneceno, ao invés de etanol. A levedura é a mesma utilizada para produção do etanol (Saccharomyces cerevisiae), que recebeu 15 genes de diferentes espécies, para modificar o produto resultante da fermentação. Assim, enquanto o petrodiesel e o biodiesel compõem-se da mistura de diferentes moléculas combustíveis, o diesel vegetal se concentra no farneceno, que possui alta densidade energética.  

A tecnologia foi gerada nos laboratórios da Amyris na Califórnia, entretanto o desenvolvimento final será feito no Brasil, com a participação de cientistas brasileiros contratados pela empresa. A Amyris já tem um laboratório em Campinas - acoplado a uma usina-piloto - e planeja construir uma planta industrial junto à usina Santa Elisa, onde será feita a produção de diesel vegetal em larga escala.

 

           

 

 

A escolha do Brasil é fruto da alta competitividade da cana-de-açúcar brasileira, devido ao baixo custo de produção, o que permite antecipar que o diesel vegetal custaria, hoje, em torno de US$60,00 ao barril. As adaptações necessárias nas usinas para produzir diesel vegetal em vez de etanol são mínimas. De certo modo, basta trocar a levedura no fermentador. No futuro próximo, os usineiros poderão optar por produzir o que for mais vantajoso - álcool, diesel ou açúcar - com grande flexibilidade.

  O novo produto é anunciado como muito menos poluente que o petrodiesel, por ser livre de enxofre, além da característica de renovabilidade, como tal reduzindo as emissões de gases de efeito estufa. O plano de negócios prevê que o diesel vegetal entre no mercado como substituto do petrodiesel, apesar da produção inicial ser muito pequena.     Embora o diesel vegetal não venha para concorrer diretamente com o biodiesel – por conta do mandato de mistura de biodiesel no petrodiesel e pelas propriedades lubrificantes do biodiesel– é uma amostra da pedreira que esta indústria terá pela frente.

 

 

Biodiesel e a crise

Décio Luiz Gazzoni

 

A atual crise financeira está deixando o mundo inteiro de cabelos em pé, consumidores e produtores. Particularmente, o agronegócio está sendo fortemente abalado, pois as cotações agrícolas despencaram, enquanto alguns insumos se mantiveram em alta (fertilizantes e agrotóxicos em especial), outros preços da agricultura estão caindo (fretes internacionais) e alguns estão indefinidos, como o preço do óleo diesel, mantido pelo Governo no mesmo patamar, apesar da queda livre do preço do petróleo.  

Além do Bidodiesel BR, contribuo com outros veículos técnicos. Em fevereiro de 2008, iniciei minha coluna na Revista Cultivar escrevendo: “...Quer me parecer que desejar Feliz Ano Novo aos produtores agrícolas e outros players do agronegócio parece pouco. Melhor já adiantar um Feliz próximos 5 anos, uma vez que, do meu ponto de observação, parece-me que, como nunca antes na História da Humanidade o agronegócio viverá um ciclo de exuberância e de expansão como o que vamos vivenciar”. Mas encerrei alertando: “Existe apenas um risco para esta previsão: uma brutal recessão em escala planetária, que enxugue a liquidez do mercado, reduza a renda das famílias (em especial a previsão de renda futura) e torne os mercados mais fechados e protecionistas.”

  Diz o ditado que o diabo não é diabo porque é diabo mas sim porque é velho. Foram os meus (quase) 60 anos que fizeram com que eu antevisse, em janeiro, algo que àquele momento, ninguém imaginava como provável, que é a tremenda crise financeira que estamos atravessando, a qual emprobreceu o mundo em estimados US$ 30 trilhões (redução de liquidez), ameaçando o emprego, logo a previsão de renda futura das famílias, diminuindo o consumo e arriscando tornar os mercados mais fechados e protecionistas.

 

 

 

Na minha coluna de maio para o Biodiesel BR, analisei as principais causas que provocaram a alta dos preços dos alimentos que, à época, era atribuído por diversas autoridades, à expansão da produção de biocombustíveis. Agora, para fechar 2008, julgo importante rever o impacto destas causas, face ao novo ambiente econômico mundial - durante e pós crise - sobre os preços agrícolas e, em conseqüência, sobre o negócio de biodiesel.

  O índice de preços da FAO já capturou a queda dos preços no mercado internacional, conforme se verifica na Figura 1. Este primeiro efeito é devido, exclusivamente, ao estouro da bolha da especulação financeira, uma das principais causas da subida dos preços dos produtos agrícolas, verificado entre 2006 e 2008.

      

 

Figura 1. Índice de preços de alimentos da FAO

 

 

 
Quando os grandes investidores internacionais perceberam (no final de 2006) que o período de bonança do sub-prime americano acabara, moveram seus portfólios para comodities, agrícolas ou minerais, incluindo petróleo. Com o inicio da crise financeira, em setembro passado, os preços despencaram, em média, 50%. Este era o inchaço artificial dos preços que os analistas mal informados ou de má fé (como antecipei na coluna de maio) atribuíram aos biocombustíveis. Por oportuno, a produção de etanol e biodiesel continuará crescendo, com efeito marginal sobre o preço dos alimentos.   O processo de inserção social atingiu um patamar elevado. Os números do Banco Mundial mostram queda contínua na pobreza mundial (concentrada na África e na Ásia), que trouxe ao mercado de alimentos famélicos de diversas etnias. Há um grande ponto de interrogação sobre o que ocorrerá com os recém-chegados ao mercado de alimentos. Se a recessão for muito forte, parte do contingente retornará às estatísticas dos famélicos.

  

 

       

Por outro lado, os estoques mundiais de alimentos continuam baixos, o que pode ser um freio na queda dos preços. Igualmente, os preços dos fertilizantes e dos agrotóxicos continuarão altos em 2009, o que freará a queda dos preços, devido ao alto custo de produção e de transporte. Só que este fato em nada ajuda o agricultor, pois significará apenas o equilíbrio entre custo e preço.  

Outro fator de pressão altista era a queda geral da cotação do dólar. Em apenas 30 dias de crise financeira, a cotação do dólar frente ao real subiu 50%, o que contrabalança a menor cotação das comodities. Também em relação a outras moedas, o dólar valorizou-se, conforme se verifica na Figura 2. O que poderia ser entendido como um paradoxo, na realidade é um comportamento do mercado avesso a riscos, que, no auge da crise, sacrifica a rentabilidade (as taxas de juros do FED norte americano estão negativas) em favor da segurança, pois sabem que o Governo dos EUA jamais aplicará um calote em sua dívida. Logo, enquanto não desanuviar o cenário financeiro, o dólar continuará valorizado em relação a outras moedas, comparativamente ao seu comportamento até o primeiro semestre deste ano.

 

 

 

 

Figura 2. Taxa de câmbio de diferentes moedas em relação ao dólar norte americano (base 100=1/1/2003)

 

        

Por sua vez, o preço do petróleo despencou no mercado internacional, pois desapareceu o fator de especulação financeira. No médio prazo, o preço do petróleo deve incrementar-se novamente, porém, no curto prazo, pode-se esperar que o petróleo mantenha a cotação atual, inferior ao da última safra (Figura 3).   Não há indicações de que a China vá reduzir suas importações de soja ou milho, ou a Índia de óleo de soja, assim como os Estados Unidos continuarão sua retração no mercado internacional de ambos os grãos. Desta forma, o mercado específico de milho e soja deve sofrer menos volatilidade, devendo ter encontrado seu novo piso de cotação, acima do nível observado até 2005, o que afeta diretamente o mercado de óleos vegetais (Figura 4).

 

 

Figura 3. Cotação semanal do barril de petróleo tipo Brent na NYMEx, em dólares por barril.

 

 

       

 

 

Figura 4. Cotação dos principais óleos vegetais no mercado internacional, comparado ao preço do petróleo (US$/t).

 

 

 

 

Apesar de o mercado internacional de óleos vegetais continuar aquecido, em especial pelas compras da Índia e da China, percebe-se o esvaziamento da bolha especulativa, que atingiu seu ápice no final do primeiro semestre deste ano. Entre junho e outubro, o preço médio dos principais óleos vegetais caiu 50%, enquanto o petróleo caiu 60%. É razoável supor que as oscilações, nos próximos meses, ocorrerão em torno dos valores de outubro.

 

O clima é um fator de volatilidade das cotações dos preços agrícolas. Obviamente, não há como prever o comportamento do clima durante o próximo ano, mesmo de forma macro. O que é possível antecipar é que, com os estoques no limite de baixa, uma seca prolongada nos grandes países produtores provocará uma reação de preços. Já um clima favorável, auxiliará na recomposição parcial dos estoques finais, o que forçará os preços agrícolas a manterem-se estáveis e menos voláteis.

   Finalmente, o comportamento dos países ricos, com respeito aos subsídios agrícolas, pode afetar a cotação dos produtos agrícolas. Caso haja um aumento do protecionismo dos países ricos, aumentando subsídios e fechando seus mercados, haverá uma redução dos preços dos produtos e da produção agrícola nos países emergentes.

 

 

 

Em resumo, o fator especulação desaparece do cenário. Os fatores baixistas mais importantes passam a ser a recessão, o desemprego e o protecionismo dos países ricos. Os fatores altistas são os baixos estoques, a valorização do dólar e a queda do preço do petróleo. E os fatores de estabilização são os altos custos de produção, os fretes elevados, e as importações da China. E o fator imponderável será o comportamento do clima.   Especificamente em relação ao biodiesel, o cenário é bem mais favorável que no primeiro semestre deste ano, com os preços da matéria prima reduzidos à metade, enquanto o Governo deve resistir até o limite para baixar o preço dos derivados de petróleo, em virtude da necessidade de caixa da Petrobrás e de ingressos tributários no Tesouro Nacional.

       

 

 

Biocombustíveis na América Latina e Caribe: Um cenário

Décio Luiz Gazzoni

 

           

Recentemente, fui convidado por uma organização internacional para elaborar um estudo, analisando as perspectivas de implementação de programas de mistura e/ou substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis, na América Latina e Caribe. A organização tinha especial interesse em identificar um possível conflito pelo uso da terra, entre biocombustíveis e alimentos, e a geração de emprego e renda nas cadeias de biocombustíveis.   Na proposta que apresentei, centrei a análise em um cenário hipotético em que os países da região promoveriam substituições e/ou misturas de biocombustíveis iniciando com B5/E5 em 2015, incrementando para B10/E10 em 2020, para B15/E15 em 2020, chegando a B20/E20 em 2030. A exceção neste cenário seria o Brasil, dado seu avanço na utilização do etanol. Para nosso país consideramos E50 para 2015, E90 para 2020, E95 para 2025 e E100 para 2030.

 

             

Situação atual

Com exceção do uso de etanol em mistura e em substituição à gasolina no Brasil, todos os demais programas da região são embrionários, sem maiores impactos práticos ainda nesta década. Em termos mundiais, apresentamos no Quadro 1 a área de cultivos energéticos no mundo. A última coluna do quadro, denominada área proporcional), mostra que, na maior parte da área destinada à produção de biocombustíveis no mundo, ocorre, concomitantemente produção de alimentos. Em especial, quando se cultivam oleaginosas para produção de óleo vegetal, parcela ponderável da colheita é transformada em torta para uso nutricional direto ou para arraçoamento animal, o mesmo ocorrendo com a produção de milho para etanol nos EUA.

 

Quadro 1. Área de cultivos energéticos no mundo.

País

Cultivo

Área total (Mha)

Área proporcional (Mha)

 

Brasil

Cana-de-açúcar

3,5

3,50

Brasil

Soja

1,7

0,34

Argentina

Soja

0,8

0,16

Europa

Canola

4,0

1,60

Europa

Girassol

1,0

0,40

Europa

Cereais

2,0

0,50

EUA

Milho

5,7

2,85

EUA

Soja

1,0

0,20

Ásia

Dendê

2,0

2,00

Total

 

21,7

11,55

               

 

             

           

 

Por este raciocínio, devemos separar a porção da área das culturas efetivamente destinados à produção de biocombustíveis. Por exemplo, no caso da soja no Brasil são necessários, aproximadamente, 1,7 Mha para produzir 340 GL de óleo vegetal para o biodiesel, o que representa o consumo para o programa de biodiesel, em 2007. Entretanto, como o teor de óleo nos grãos de soja e é 18-20%, apenas 20% da área pode ser vista como destinada à produção de biocombustíveis. Os 80% restantes destinam-se à produção de farinha de soja será utilizado para alimentação humana ou animal.  Assim, no ano de 2007, foram utilizados apenas 11,55 Mha para produção de bicombustíveis, em escala global. Como a FAO indica um total de 1.378 Mha cultivados em todo o mundo, em 2007, a área destinada à produção de biocombustíveis representou somente 1,6% do total.

 

 

Perspectivas na América Latina e Caribe (ALC)

 

A Figura 2 consolida a demanda conjunta de combustíveis fósseis (gasolina e diesel) e de biocombustíveis (etanol e biodiesel) na ALC, tendo em conta os fatores de crescimento da procura (aumento da população, renda per capita, a expectativa de vida e desenvolvimento econômico) e diminuição no consumo (maior eficiência energética dos veículos e motores e novos materiais, redução de peso, atrito e de calor). Os valores obtidos são muito consistente com o padrão de crescimento da procura mundial de combustíveis, obtidos por outro modelo matemático por mim desenvolvido para o International Council for Science (Figura 3).

 

 

Figura 2. Demanda de combustíveis líquidos na América Latina e Caribe.

 

 

 
 

Figura 3. Demanda de combustíveis líquidos no mundo.
 

 

 

Uma vez estabelecida a necessidade de combustíveis líquidos para transporte, é possível destacar a parcela de biocombustíveis necessária para substituição dos combustíveis fósseis, no período 2015-2030 (Figura 4). Verifica-se uma maior demanda por etanol, que é explicado por a) o diferencial da calorífico inferior (PCI) dos dois combustíveis, o que gera uma relação de, aproximadamente, 1.6:1, ou ou seja, o conteúdo energético de 1,6 litros de etanol é equivalente ao conteúdo energético de 1 litro de diesel, e b) o elevado consumo de etanol no mercado brasileiro.  

Figura 4. Demanda de biocombustíveis na ALC.

 

 

     A partir da demanda de cada um dos biocombustíveis, é possível estimar a necessidade de área para produção das matérias primas (cana-de-açúcar e oleaginosas), como se apresenta na Figura 5. No total, no ano de 2030, seriam necessários 12,5Mha para atender à política pública utilizada no cenário.

Figura 5. Demanda de área agrícola para cultivos energéticos destinados à produção de biocombustíveis.

 

 

         

 

   Estes resultados guardam muita coerência com o estudo realizado para o International Council for Science, apresentado na Figura 6, que estimou a demanda de área para atender as políticas públicas atualmente em vigor, nos diferentes países do mundo, projetadas para 2030.

Figura 6. Demanda de área global para produção de alimentos, fibras e biocombustíveis.

 

           

 

O cenário utilizado pode ser considerado "radical", no sentido de que iria limitar a viabilidade da implementação de programas de produção e utilização em larga escala, em todos (ou mais) dos países do subcontinente. Além disso, ele não leva em consideração outros aspectos que iria reduzir a pressão da procura área, tais como:  

i.              A utilização de resíduos orgânicos (resíduos da agricultura, da exploração florestal e agro-indústria, os resíduos sólidos urbanos) como matéria-prima para a produção de biocombustíveis;

ii.            A substituição de diesel por etanol, no médio prazo, o que significa menor demanda área, devido à maior densidade energética da cana-de-açúcar (Quadro 2);

iii.           O desenvolvimento de novas tecnologias de conversão de biomassa em biocombustíveis, tais como a gaseificação ea transformação genética de microrganismos para a produção de matérias do PCI mais alta, tais como butanol, farneceno ou similar.

 

 

 

No caso de considerarem-se as tecnologias e matérias primas mencionadas acima, pode-se reduzir a demanda de área em 10-30%.

 

            Entende-se que as matérias primas que dominarão as cadeias produtivas de biocombustíveis a partir da próxima década deverão atender 3 critérios principais: a) elevada densidade energética (Quadro 2); b) balanço de energia altamente positivo (atualmente a cana apresenta um balanço de energia de 1:10 e o dendê de 1:8); e c) baixo custo da unidade de energia produzida. O etanol tem um custo estimado de R$43,86/Gcal e o biodiesel de dendê de R$129,60/Gcal.

 

            No Quadro 3, é apresentado um resumo  da demanda projetada de área agrícola na ALC para produção de alimentos, fibras, produtos florestais e biocombustíveis, no período 2010-2030. Também se apresenta a área potencial disponível para incorporação à agricultura,conforme determinado pela FAO.

 

 

Quadro 2. Densidade energética atual e estimada, para diferentes biomassas cultivadas.

Fonte de biomassa

Densidade (Gcal/ha/ano)

 

Atual

Potencial

Cana-de-açúcar

135

598

Milho

45

115

Sorgo sacarino

102

255

Trigo

32

115

Beterraba

119

240

Switch Grass

60

180

Dendê

48

120

Soja

6

30

Canola

20

50

Girassol

17

38

Mamona

3

25

Pinhão Manso

15

45

Macaúba

45

100

Eucalipto

78

120

Pinus

65

100

Elaboração: D. L. Gazzoni, a partir de diversas fontes.

 

            

 

            Verifica-se uma demanda positiva de área para biocombustíveis, cultivos anuais, perenes e florestas de 143,1 Mha. Entretanto, estima-se que a área de pastagens deverá diminuir 65 Mha, o que significa que seriam incorporados apenas 78,1Mha das reservas de área para expansão agrícola. Pelo modelo utilizado, o incremento de área para produção de biocombustíveis significa 12% da demanda incremental de área cultivada, ou 6,6% do incremento total, entre 2005 y 2030. Em termos de hectares por habitante significa que, em 2010, teríamos 0,325 ha/cápita e 0,4 ha/cápita em 2030. Pela conjunção entre o incremento estimado da produtividade do período 2010/2030 (34%) e de área per cápita (23%) (Figura 7), a produção de alimentos per cápita aumentaria em 65%, no período

 

Cuadro 3. Demanda de área agrícola.

 

Biocom-

bustíveis

Cultivos

Anuais

Cultivos

Perenes

Pastagens

Florestas

Total

Área de expansão

2005

3,0

144

19,8

550

12,0

728,8

599,9

2010

5,0

175

20,0

557

13,3

770,3

558,4

2015

7,0

197

22,0

553

14,7

793,7

535,0

2020

11,8

215

24,4

539

16,2

806,4

522,3

2025

12,0

234

26,9

516

17,9

806,8

521,9

2030

12,5

260

29,7

485

19,7

806,9

521,8

Incremento

9,5

116

9,9

-65

7,7

78,1

-

                           

 

 

 

Figura 7. Rendimento médio e área total dos principais cultivos anuais na ALC.

 

            Deve-se considerar, também, que a produção de biocombustíveis vai estar associada com a produção de bioeletricidade, em especial no caso da cana-de-açúcar.  A Figura 8 projeta a demanda estimada de eletricidade na ALC e o quantum que poderia ser suprido a partir da geração de bioeletricidade com os resíduos da produção de biocombustíveis.

 

Figura 8. Projeção de demanda de eletricidade na ALC e de oferta de bioeletricidade por co-geração na produção de etanol.

 

 

Geração de emprego e renda

 

            Para a estimativa de criação de empregos nas etapas de produção e transformação de matérias-primas para a produção de biocombustíveis, usamos os dados obtidos no Brasil, extrapolados para o restante do sub-continente. Segundo o Ministério da Agricultura e a UNICA, para cada milhão de litros de etanol produzido, foram gerados 37 empregos diretos, de acordo com levantamento realizado em 2004. No Brasil, considera-se que, para cada posto de trabalho criado no campo, entre 1 e 3 empregos indiretos são gerados na cadeia produtiva. Para as estimativas apresentadas a seguir, considerou-se uma média de 2 empregos na cadeia para cada emprego gerado no campo. Um emprego na área urbana tem remuneração laboral equivalente ao dobro de um emprego rural.

 

            Estudos realizados pelos Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Integração Nacional e Ministério das Cidades mostraram que, para cada 1% de substituição diesel (450 milhões de litros de biodiesel), para o biocombustível produzido com a participação da agricultura familiar, pode gerar cerca de 45 mil empregos no campo, com um rendimento anual médio de cerca de US$4.900,00 por posto de trabalho. Isso indica uma relação de 100 empregos diretos para cada milhão de litros de biodiesel. O estudo também supõe que, para cada emprego criado no campo, 3 são gerados na cidade ao longo da cadeia produtiva. Para os cálculos deste estudo, consideramos que apenas 50% de biodiesel seriam originárias da agricultura familiar, reduzindo a geração de empregos pela metade, e considerando um máximo de 2 empregos indiretos gerados para cada emprego direto.

 

            Quando se projeta a geração de empregos no tempo, deve-se considerar uma redução do emprego, devido aos avanços tecnológicos, especialmente mecanização, automação e ganhos de produtividade. Portanto, os valores do emprego acima serão aplicados até 2015, com reduções progressivas nos anos subseqüentes (Quadro 4).

 

Quadro 4. Empregos diretos (Dir) e indiretos (Ind) gerados nas cadeias de etanol e biodiesel, por milhão de litros produzidos.

Cadeia

2015

2020

2025

2030

 

Dir

Ind

Dir

Ind

Dir

Ind

Dir

Ind

Etanol

22

44

18

30

12

22

8

15

Biodiesel

50

100

40

70

30

50

20

30

 

 

            Para estimar o rendimento total gerado na cadeia, até a etapa de produção de etanol ou de biodiesel (sem as fases de distribuição e de comercialização direta ao consumidor final), no Brasil, considera-se que 1 m3 de etanol (1000 L), tem um preço US$300, posto na usina  de etanol, ex-impostos. O preço médio de mercado do biodiesel foi considerado como US$ 1000 por m3.

 

            A Figura 9 apresenta a estimativa de empregos gerados pela produção de biodiesel, para os 22 países com o maior consumo de diesel no ALC, e a Figura 10 a renda gerada pelos empregos, na mesma etapa. Na Figura 11 estima-se a renda total gerada pela produção de biodiesel, de acordo com o cenário estabelecido para o estudo. No total dos 17anos cobertos pelo estudo, estima-se a geração de renda equivalente a US$254 bilhões.

Figura 9. Empregos gerados na cadeia de produção de biodiesel.

 

Figura 10. Renda laboral gerada pelos empregos criados na cadeia de biodiesel.

 

           

Figura 11. Renda total gerada na cadeia de biodiesel, nas etapas de produção de matéria prima e de seu processamento. Fuente: Modelos propios del autor.

 

            A Figura 12 mostra a estimativa de empregos gerados na cadeia de etanol e a Figura 13 a renda de salários referente a estes empregos. A Figura 14 estima a renda geral da cadeia de etanol e bioeletricidade, produzidos a partir da cana-de-açúcar, para o cenário considerado no estudo, nos países da América Latina e do Caribe.

 

Figura 12. Empregos gerados na cadeia de produção de etanol.

 

 

Figura 13. Renda laboral gerada pela criação de empregos na cadeia de etanol.

 

Figura 14. Renda total gerada na cadeia de etanol, nas etapas de produção de matéria prima e de seu processamento.

 

            Sumariando o exposto neste artigo, o estudo desenvolvido não demonstrou conflitos entre a produção de biocombustíveis e outros produtos agrícolas, quando o parâmetro analisado é a área agrícola disponível, para a América Latina e o Caribe, e considerando uma mistura ou substituição entre 5 e 20% de combustíveis fósseis por biocombustíveis. Entre 2005 e 2030, se estima um incremento da área agrícola de 143Mha (78Mha líquidos), dos quais 5,4% para florestas cultivadas (produção de lenha), 6,9% para cultivos permanentes (especialmente fruticultura) e 81% para cultivos anuais, enquanto a área de pastagens deve diminuir cerca de 13%.

 

Imaginando - apenas para raciocinar pelo absurdo – que a área destinada à produção de biocombustíveis crescesse o dobro do previsto pelo modelo matemático utilizado, ainda assim o impacto se limitaria a reduzir a área potencial para incorporação ao cultivo de 521,8Mha para 509,3Mha, o que seria absolutamente marginal, em termos do sub-continente. Além disso, é necessário considerar a produção de bioeletricidade, através de co-geração, o que significa que estaríamos substituindo a inundação de áreas de reservatórios de hidro-elétricas pela produção agrícola.

 

            Igualmente, o modelo estima a criação de 1,132 milhões de empregos diretos e 1,892 milhões de empregos indiretos, os quais gerariam um ingresso de renda de US$336 bilhões, pelo conceito de salários, ao longo de 17 anos. Somente nas etapas agrícola e industrial (processamento da matéria prima para obtenção de biocombustíveis), a renda estimada superaria os US$450 bilhões, excluídos os impostos. Neste cálculo não está considerada a possibilidade de obtenção de créditos de carbono, seja pela substituição de combustível de transporte por biocombustível ou de geração de bioeletricidade em substituição ás termoelétricas movidas a combustíveis fósseis.

 

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