A dinâmica da Agroenergia
Décio Luiz Gazzoni

 

Com exceção do uso combustível do etanol no Brasil, os biocombustíveis são uma novidade em escala global. Como toda a inovação, sua dinâmica é muito mais intensa que aquela dos negócios estabelecidos e devidamente amadurecidos. Logo, quem formular planos de negócios de médio e longo prazo para produzir etanol ou biodiesel deve atentar para os cenários alternativos e para as mudanças constantes que ocorrem na área. 

            Como fatos novos, com poder de modificar completamente os cenários, temos:

 

1.    A meta dos EUA de substituir 20% da gasolina usada nos EUA, até 2017, por fontes renováveis;

2.    A seqüência de três relatórios do Painel de Mudanças Climáticas da ONU, alertando para o aumento de temperatura que se avizinha e para a necessidade de medidas urgentes e de longo alcance, para evitar conseqüências mais graves;

3.    O estabelecimento das metas da União Européia para 2020, que prevê: a) redução de 20% nas emissões de gases de efeito estufa; b) aumento de 20% na eficiência de uso das fontes energéticas; c) aumento para 20% da participação de energias renováveis na matriz energética (10% com biocombustíveis);

4.    A decisão do Governo da Índia de misturar 10% de biocombustíveis nos combustíveis fósseis;

5.    O forte ataque de Fidel Castro ao uso energético de produtos agrícolas, eventualmente diminuindo a oferta de alimentos. 

 

 Há outros países com políticas públicas fortes, mas estes exemplos mostram como estão sendo traçadas metas ambiciosas para períodos de tempo curtos. E não é apenas o companheiro Fidel que está preocupado com a competição entre alimentos e energia. Em conseqüência, há que se proceder a um re-estudo integral da matéria prima disponível e dos processos de transformação. 

           

           Mudanças

  Não há vantagem comparativa natural que resista a uma mudança de paradigma tecnológico. Portanto, errará muito feio quem imaginar que, por dispor de área para expansão da agricultura, alta radiação solar e mão de obra barata, o Brasil será, inevitavelmente, o líder da produção mundial de biocombustíveis. Os países ricos estão investindo bilhões de dólares (ou euros) para encontrar outras saídas que não dependam de expansão de área ou de insolação. 

       No caso da Europa, os países membros efetuaram um levantamento preliminar de toda a disponibilidade de biomassa, nas suas mais diferentes formas (lixo orgânico, sobrenadante de esgoto, serragem, resíduos agrícolas e agro-industriais, etc), traduzindo os volumes para potencial energético. O levantamento passa a ser atualizado, anualmente, e servirá de base para reduzir a demanda de cereais ou óleos para produção de biocombustíveis.

 

Neste caso, novos processos de produção de etanol (etanol celulósico) e biodiesel (Fischer-Tropsch ou flash-pirólise) ou de outros biocombustíveis (gaseificação) ampliam as possibilidades de produção, reduzindo a dependência de cultivos como cana-de-açúcar ou oleaginosas. Em decorrência, é necessário revisar a participação do Brasil neste mercado, no longo prazo. Entretanto, no curto prazo (até 2020) o Brasil continuará imbatível na produção de etanol e é uma das esperanças mundiais de regularizar a oferta de óleos e gorduras. 

       Um fato assaz importante é o desenvolvimento de processos de obtenção de bioprodutos a partir da biomassa, em associação com produtos energéticos, que deverá garantir a sustentabilidade do dueto bioenergia / biorefinarias, no futuro próximo. Esta é uma das principais apostas que os países do primeiro mundo estão fazendo, ou seja, embora o custo de produção de biocombustíveis possa ser elevado (não competitivo com combustíveis fósseis), do conjunto de outros produtos de alto valor agregado, que substituiriam os produtos derivados da petroquímica, seriam obtidas margens razoáveis que viabilizariam a produção de biocombustíveis.

 

Assim, eu não tenho qualquer dúvida que, no médio e no longo prazos, a liderança na produção de biocombustíveis pertencerá a quem estiver mais avançado tecnologicamente. Hoje, o Brasil é imbatível na produção de etanol de cana-de-açúcar, entre outros motivos pelo domínio de tecnologia de ponta. Porém, quando for viabilizado comercialmente o etanol celulósico como ficaremos? Lembremo-nos sempre que, durante séculos a Suíça dominou o mercado mundial de relógios, enquanto a melhor tecnologia era o relógio analógico, aquele de dar corda. Aí vieram os japoneses com os relógios digitais e arrasaram a indústria suíça em menos de cinco anos.   

 


                

Em conclusão, a partir dos investimentos em PD & I em energia renovável, é possível antecipar que os biocombustíveis de primeira geração terão seu pico na próxima década, sendo progressivamente substituídos por biocombustíveis de segunda geração. Novos combustíveis como butanol, dimetil éter e bio-óleo ganham espaço. O etanol terá seu ciclo de vida estendido por conta da tecnologia de etanol celulósico mediado por bactérias transgênicas. Nesta transição perdem importância as tecnologias de produção de matéria prima e ganham importância as tecnologias de processo. Quem dominar processos na fronteira do conhecimento dominará o mercado de Agroenergia.

      

 

O planeta febril
Décio Luiz Gazzoni 

Escrevo de Paris, onde participo da reunião do Painel de Energias Renováveis, da Academia Internacional de Ciências, da qual sou membro. E o que tenho a relatar para os leitores de Cultivar não são noticiais alvissareiras. Vejo a Humanidade entrando em uma das suas maiores crises. Tão séria quanto as pestes da Idade Média ou as eras glaciais, seguramente mais séria que as grandes Guerras do século passado. Falo das mudanças climáticas globais, com potencial de antecipar o final de uma era da Humanidade, ao menos tal qual a conhecemos. 

Verão ou Inverno

Enquanto no Brasil as chuvas no Sul, Sudeste e parte do Centro Oeste não davam trégua, no resto do mundo o clima também está desviado do normal. Nos EUA não havia inverno até o dia 17 de janeiro, quando uma onda de frio polar hiper intensa desabou sobre o continente, reduzindo a temperatura em até 30oC, em menos de 24h, congelando praias e pomares da Califórnia e produzindo estragos até o Maine, no outro extremo do país. Até então as cerejeiras de Washington e as árvores do Centrar Park estavam florescendo em janeiro ao invés de maio. Aqui em Paris estávamos a cálidos 12oC, ao contrário do tapete de neve que deveria se esperar para esta época do ano. De repente, no dia 18 de janeiro formou-se a tempestade que atingiu a Inglaterra, a França e a Alemanha, matando (até o momento) 67 pessoas. O que me recorda do verão de 2003, quando 20.000 europeus (10.000 franceses) morreram por uma onda de calor sem precedentes. 

 

  Extremos climáticos
Cada evento, isoladamente, pode ser explicado como um extremo climático natural, embora com baixa probabilidade. Porém, a seqüência de extremos, que se repetem continuamente, nos últimos 15 anos, mostra que o Planeta Terra está com febre. Não apenas febre porque a temperatura está subindo, mas febre porque ele está doente. Ligo a televisão na RAI Uno e vejo uma reportagem sobre o Piemonte, norte da Itália, e sobre os Abruzos, próxima de Roma, tradicionais centros de esportes de inverno, que pediram o estado de calamidade natural. O esqui nos Alpes italianos está definhando, e nos Apeninos também. Desde 1860, inicio do registro das temperaturas, não havia na Itália um janeiro tão quente como 2007. Temperaturas: Aosta 22 graus, Turim 19, Milão 18, Cortina d'Ampezzo, 10 graus. O esperado eram temperaturas próximas de 0oC, especialmente abaixo de zero. Dezembro também foi o menos frio de todos os dezembros desde 1860. Em Moscou, quando o esperado era -30oC, os termômetros estão marcando 6oC. 
  Impacto nos negócios
Segundo a Agência Européia do Meio Ambiente, no séc XX, os Alpes perderam 30% de suas geleiras. Uma expedição na primeira semana de janeiro mostrou que a geleira da face norte do Adamello desapareceu e as de Lobbia e Pian di Neve estão desaparecendo. O pavor é que, em duas décadas, não haverá mais geleiras nos Alpes, inviabilizando os negócios baseados nos esportes e no turismo de inverno. Os negócios agrícolas também começam a ser afetados. Cultivos permanentes, como oliveiras e frutíferas, estão florescendo em pleno inverno. Como sempre acaba surgindo um frio (mesmo durante o inverno!), esta floração é perdida, reduzindo a expectativa de rendimento no final do verão. A piada corrente na Europa é que o aquecimento global vai resolver o problema do excesso de produção de vinho francês, tamanha será a queda na produção de uva. Aliás, não apenas de uvas, mas de maçã, pêra, pêssego, cerejas, etc., pois o aquecimento está afetando toda a região produtora do Mediterrâneo e proximidades. Aliás, onde as previsões indicam que a indústria turística deverá perder mais de 100 bilhões de euros anuais, pelas temperaturas insuportáveis esperadas para o verão, que deverá afugentar os turistas para o Norte da Europa, como a Suécia ou Noruega!!!  

 

 

Clima e Energia
Mas o que tem a ver o clima com nossa reunião sobre energia? Tudo a ver. A razão fundamental para a ocorrência das mudanças climáticas é a alteração da composição química da atmosfera. A Natureza levou centenas de milhões de anos para achar o ponto de equilíbrio dos gases na atmosfera. Aí o Homem descobriu o petróleo (o carvão e o gás também) e passou a utilizá-lo intensamente como fonte de energia. Desta forma, dezenas de milhões de toneladas de carbono, que estavam estocadas há milhões de ano no subsolo, foram jogadas na atmosfera, criando um “capacete” que está aquecendo a superfície terrestre e provocando as mudanças no clima. Mesmo que parássemos de usar estes combustíveis hoje, a queima realizada no passado já foi suficiente para provocar mudanças que se estenderiam pelos próximos 50 anos. Acho que o preço que vamos pagar por haver emporcalhado o mundo e esgotado perigosamente seus recursos naturais, está muito acima do que a nossa vã mente pode imaginar. Estou me convencendo que pagaremos parte da fatura com a queda na qualidade de vida e o restante com as nossas próprias vidas.

 

 

 

Mudanças Climáticas e os Agronegócios
Décio Luiz Gazzoni
 

Estudiosos dos cenários que projetam o comportamento do clima nos próximos anos, apontam para aumento da temperatura média da Terra, variando entre 2 e 4oC, dependendo do autor. Porém todos os modelos concordam que haverá aumento de temperatura e que parte da escalada térmica já está “contratada”, pelas emissões de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera, no último quarto de século. Meu amigo Eduardo Assad (Embrapa Informática Agropecuária) é um dos estudiosos do tema. Em suas preleções, ele chama a atenção que, no limite, a produtividade de grãos na face da Terra pode cair até 50%, em meados deste século. Ou seja, população e demanda de alimentos crescendo e oferta em baixa, acirrarão o espectro da fome endêmica. Sei que esta projeção não é tão linear assim, mas se considerarmos que o agronegócio representa 28% do PIB brasileiro, estamos falando em reduzir 11% do PIB do Brasil. Perdemos o bonde do crescimento nos últimos quatro anos e agora surge o espectro da redução do desenvolvimento. Como fica o abastecimento interno? E as exportações? Vai valer a máxima selvagem da Economia (quem tem dinheiro paga o preço, quem não tem morre de fome) ou virão medidas de fechamento de fronteiras e de controle de preços, para garantir o acesso da população aos alimentos?    Inverter a roda
Infelizmente, estas medidas são apenas paliativas, não há como reverter a roda da História e fazer desaparecer as centenas de milhões de toneladas de gases de efeito estufa, que jogamos na atmosfera no final do século passado. O Governo Britânico encomendou a um de seus mais brilhantes economistas, Sir Nicholas Stern, uma análise do impacto econômico das mudanças climáticas. Recomendo a leitura do relatório final (apesar de ser um calhamaço de mais de 700 páginas), denominado The Stern Report. As conclusões principais: (i) o aquecimento global implicará em perdas de centenas de bilhões de dólares anuais, especialmente na agricultura, turismo e transporte; (ii) para minimizar (apenas minimizar!) o impacto destas mudanças, todas as nações deveriam tomar medidas radicais de controle das emissões de gases de efeito estufa e investir, no mínimo, 1% do PIB em medidas paliativas. Com o seguinte alerta: As ações propostas só fazem sentido se iniciadas já, imediatamente. No próximo ano pode ser tarde demais! 

 

Produtividadel
O Dr. Hilton Silveira Pinto, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas aplicadas à Agricultura da UNICAMP, faz um alerta apocalíptico: a queda na produtividade agrícola brasileira, no médio prazo, é inevitável. Os pesquisadores que trabalham com o Dr. Hilton estudam os efeitos das mudanças climáticas nos cinco principais grãos plantados no país (arroz, feijão, soja, milho e café), aplicando à safra as projeções de 2001 do Painel Internacional de Mudanças Climáticas da ONU, que apontam aumentos na temperatura média da Terra entre 1,4° e 5,8°C, até 2100. Pelos estudos do grupo, o café seria o mais afetado, podendo ter sua produtividade reduzida entre 23 e 92%, dependendo da intensidade do aquecimento. A soja, principal grão produzido no Brasil, teria quedas de rendimento entre 10% a 64%. Transformando em moeda sonante, os prejuízos poderiam alcançar mais de 10 bilhões de dólares anuais, apenas na perda de exportação destes dois produtos. Achou muito? Pois o quadro pode piorar, vez que o IPCC já está reavaliando seu relatório anterior e admite aquecimentos variáveis entre 2 e 6°C. 

Não apenas a produtividade será afetada, porém o próprio zoneamento agrícola vai mudar. Por exemplo, atualmente, 66% da terra agricultável de Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo têm um clima propício para a plantação de café. Com o aquecimento, a área cai para 50,1% (aumento de 1°C); para 27,7% (aumento de 3°C) e para 5,4% (aumento de 5,8°C). Para a soja, nos estados do Mato Grosso, Paraná e São Paulo, a aptidão é próxima a 100%. Mas os valores caem 92% (aumento de 1°C), 83% (aumento de 3°C) e 32% (aumento de 5,8°C).

  Investimentos
Para evitar que o patrimônio do agricultor se esfarelasse, seria necessário investir centenas de milhões de dólares em pesquisa agronômica, para adaptar as culturas aos novos paradigmas climáticos. Aí temos três problemas: primeiro que as dotações orçamentárias para pesquisa agropecuária, como proporção do PIB agrícola, vem caindo sistematicamente nos últimos anos. Segundo, que a maturação do desenvolvimento tecnológico pode demorar uma a duas décadas, o que significa que já deveria ter iniciado na década passada, para enfrentar os problemas que virão no final desta década. Terceiro, que as mudanças no clima serão tão intensas, que mesmo com instituições e cientistas altamente eficientes, temo que não será possível atender integralmente as futuras demandas dos agricultores, ao menos com o nível de sucesso com que as mesmas instituições trabalharam no passado recente.

 

A riqueza que vem do lixo
Décio Luiz Gazzoni

Durante séculos o álcool derivou de um processo exclusivamente biotecnológico, seja para elaboração de bebidas ou para fins industriais e energéticos. A obtenção de etanol combustível a partir da fermentação do caldo de cana-de-açúcar é o processo mais eficiente e sustentável disponível no mundo. Entretanto, o avanço da Ciência pode impor mudanças dramáticas num dos ramos mais florescentes do agronegócio brasileiro.

Recentemente, assisti a uma apresentação do Dr. Mark Holtzapple da Texas A&M University, que está desenvolvendo um processo denominado MixAlco. A proposta é utilizar uma ampla gama de matérias primas (como dejetos de esgotos urbanos, lodo de tratamento de água, restos da agricultura e da agroindústria, esterco, etc) para extrair uma mistura de álcoois combustíveis, envolvendo uma seqüência de reações químicas e conversões biotecnológicas. Os produtos finais são álcoois, ácidos carboxílicos e cetonas, entre outros. Eu fiquei particularmente feliz em observar esta linha de pesquisa, porque coincide ipsis litteris com a proposta do grupo de trabalho que propôs a criação da Embrapa Agroenergia (do qual participei), de concentrar as pesquisas em processos de aproveitamento da matéria prima, visando à obtenção de carriers energéticos e bioprodutos – as biorefinarias.

 

Planta piloto
A equipe do Dr. Mark envolve 130 cientistas e um orçamento anual de US$2,1 milhões – e estamos falando de um único projeto de pesquisa!. A planta piloto utiliza microrganismos altamente eficientes, selecionados a partir de coletas efetuadas em rúmen bovino, intestino de cupins e de áreas de decomposição natural de matéria orgânica. Estes microrganismos são responsáveis pela digestão anaeróbica da biomassa, em suas etapas iniciais (acidogênese e acetogênese), porém a fase final (metanogênica) é inibida. O controle do pH, para garantir a eficiência do processo, é efetuado com adição de carbonato de cálcio ou bicarbonato de amônio. A interrupção da digestão antes da fase metanogênica é efetuada pela presença de íons de amônio ou por adição de tri-iodo-metano. Completada a etapa de digestão, o caldo resultante é desidratado por evaporação através de compressão de vapor. A água resultante da evaporação pode retornar ao início do processo de digestão da matéria orgânica ou ser aproveitada para tratamento e abastecimento de água industrial ou doméstica.

No estágio atual da pesquisa, são utilizadas seleções de microrganismos mais eficientes. Porém, no futuro próximo, técnicas de engenharia genética serão fundamentais para atingir-se o potencial teórico de transformação da biomassa em energia e bioprodutos.

 

Bioprodutos
Os ácidos carboxílicos podem ser regenerados a partir dos sais orgânicos resultantes da adição de sais inorgânicos de cálcio, no início do processo de digestão. Os ácidos produzidos são acético, propiônico e butírico. O segundo grupo são as cetonas (acetona, metil-etil-cetona e dietil cetona), provenientes da conversão térmica dos sais orgânicos de cálcio ou via conversão dos ácidos carboxílicos vaporizados num leito catalítico de óxido de zircônio.

A obtenção da fração alcoólica é mais complexa. Parte-se de sais orgânicos resultantes da reação de sais inorgânicos com ácidos carboxílicos e do Hidrogênio molecular obtido pela gaseificação dos resíduos de biomassa. Inicialmente são obtidos álcoois de peso molecular mais alto (hexanol, heptanol) que, por hidrogenólise, resultam em álcoois primários, como etanol, propanol e butanol. Porém a fração energética contém também álcoois secundários (como isopropanol, 2-butanol e 3-pentanol), obtidos por hidrogenação catalítica de cetonas.

 

Perspectivas
A tecnologia entrará em fase comercial no início da próxima década. A mistura de álcoois gera um produto com 30% mais calorias que o etanol. Assim, ao invés de 3 litros de etanol para substituir 2 de gasolina, a relação passa a ser 2,4:2. Com base nestes cálculos, o prof. Mark estima que seria possível substituir integralmente a gasolina utilizada nos EUA (500 bilhões de litros/ano), a partir de 1 bilhão de toneladas de lixo ou resíduos orgânicos, prontamente disponíveis. Espero, com este artigo, contribuir para que as autoridades brasileiras e os formadores de opinião entendam que não há vantagem natural (terra, clima, mão de obra) que resista a uma mudança de paradigma tecnológico. Se não investirmos em desenvolvimento tecnológico de forma adequada e permanente, colocamos em risco a perspectiva brasileira de ser o líder da produção e comercialização de agroenergia em escala global.

No limite da ficção
Décio Luiz Gazzoni 

 

Primeiro você enfrenta uma fila enorme para conseguir a autorização de exame. Depois, uma fila maior para a coleta de sangue, com jejum, abstinência de carne e outras restrições. Aí, espera muitos dias, angustiado, pelo resultado e, se for o caso, pelo tratamento médico. Agora imagine se, ao invés de tudo isso, você tivesse apenas que passar por um umbral, igual àqueles de fiscalização de raio X de aeroporto e, numa fração de segundo, já recebesse a dosagem de colesterol ou de glicose no sangue? 

 

 

Análise em linha
Parece ficção, difícil de acreditar. Se ainda não chegou tão longe, o colega Luiz Alberto Colnago (Embrapa Instrumentação Agropecuária) está desenvolvendo um equipamento que chega muito perto do descrito acima. Ao menos para alimentos, como lingüiças e salsichas, picanha, soja, vinho ou frutas. A sua inovação consiste em colocar, na correia transportadora de uma fábrica de alimentos, um equipamento que fornece, instantaneamente, os teores das substâncias que o fabricante queira efetuar um controle de qualidade. Na seqüência, a correia pode ter um desvio (igual a um desvio ferroviário), separando os produtos que estejam abaixo ou acima de determinados teores. O mesmo equipamento também será útil para apoiar pesquisas que objetivem produzir novas variedades.

 

Ressonância Magnética Nuclear
O nome pomposo dá um calafrio, mas não se preocupe, é tecnologia do bem, nada a ver com mensalão. O princípio científico é o mesmo utilizado nos laboratórios de análises clínicas, para examinar o corpo de pacientes em busca de detalhes ínfimos de importância médica, como a tomografia computadorizada. Sabe-se que qualquer átomo responde à presença de um campo magnético poderoso. Na ausência de magnetismo, os átomos estão dispersos, dispostos ao acaso. Ao passarem pelo campo magnético, eles se alinham em uma mesma direção, como agulha de bússola. Para melhor entender, imagine um punhado de limalha de ferro sobre uma mesa: os filetes apontam ao acaso, em qualquer direção. Quando se coloca um imã próximo da limalha, imediatamente elas se orientam seguindo as linhas da força magnética.

  Análise
E daí, pergunta o leitor? Ocorre que quanto menor a molécula, maior é a sua agitação, quando submetida ao magnetismo. Como a ciência sempre opera com base em diferenças, o que o pesquisador fez foi associar as substâncias que pretende analisar com o tamanho da sua molécula. Depois, calibrou o equipamento, para que os sinais magnéticos provenientes das diferenças na “dança” dos átomos pudessem ser precisamente associados a determinadas moléculas. Assim, o equipamento inicialmente diferencia o tamanho da molécula, a partir dos sinais recebidos do alimento em exame. Na seqüência ele associa esse tamanho de molécula com determinada substância, constante do seu banco de dados. E, pela intensidade do sinal, o equipamento fornece o teor dessa substância, com grande precisão.

 

 

Sementes
Por exemplo, para aumentar a densidade energética das matérias primas utilizadas, é necessário aumentar o teor de óleo das oleaginosas, bem como conhecer o seu perfil de ácidos graxos. A mesma informação é importante para se desenvolver cultivares nutricionalmente mais adequadas. No momento, os pesquisadores utilizam uma metodologia demorada e trabalhosa, que exige a secagem dos grãos e sua posterior moagem, a extração exaustiva com solventes orgânicos em extratores soxhlet e evaporação do solvente até peso constante. Nesse método, o óleo é considerado como o material solúvel no solvente e não apenas os triglicerídeos. Além de ser demorado, para fazer esta análise a semente é perdida e, quando se está iniciando uma pesquisa, a quantidade de sementes disponível é muito pequena. Com o novo equipamento, além da vantagem de se trabalhar com um método mais rápido e menos trabalhoso, a semente é preservada, permitindo utilizá-las tanto para análise química quanto para plantio, a fim de investigar outras características. 

 

Certificação
O consumidor moderno exige qualidade e inocuidade dos alimentos. As duas palavras chaves para o sucesso no agronegócio globalizado do futuro são certificação e rastreabilidade. Ninguém vai conseguir se manter em um negócio lucrativo se não puder garantir a qualidade do que vende. Deve também, em caso de não conformidade, poder voltar atrás em toda a cadeia produtiva e descobrir exatamente onde o processo apresentou desvios, para que possam ser corrigidos. É na etapa de certificação que o equipamento de ressonância magnética nuclear que está sendo desenvolvido pela Embrapa garante a qualidade dos produtos. Ele pode medir o teor de gordura da carne e processados, o teor de óleo da soja, o açúcar das frutas ou o álcool do vinho. Os exemplares que fogem da especificação podem ser descartados, antes da etapa de embalagem. E as aplicações podem ir mais longe pois, seguramente, conforme o equipamento for sendo utilizado, novos usos serão descobertos e desenvolvidos. Os interessados podem obter mais informações pelo email sac@cnpdia.embrapa.br.

 

Células de Combustível Microbianas
Décio Luiz Gazzoni

Abrindo ainda mais o leque de oportunidades para o agronegócio, a sociedade mundial toma o rumo das energias renováveis, movida pelas Mudanças Climáticas Globais, pelo esgotamento das reservas de petróleo e pelos conflitos pela posse das últimas reservas. As Mudanças Climáticas estão ultrapassando a ameaça de uma guerra atômica, na avaliação dos riscos de extinção da espécie humana sobre a face da Terra. Por este motivo, autoridades e a sociedade civil se movem em busca de tecnologias de baixo potencial de agressão ao ambiente, especialmente com baixa emissão de gases de efeito estufa.

Assim, as células de combustível, em que produtos orgânicos são usados para gerar energia em forma contínua, através de reações químicas, ganham espaço na agenda do desenvolvimento tecnológico dos países centrais. Uma derivada deste conceito, as células de combustível microbianas, começam a despertar atenção, pela potencialidade de utilizar bactérias para produção de energia elétrica, usando biomassa como substrato. O conceito se baseia no fenômeno de que todo o ser vivo produz energia elétrica. Por que, então, não utilizar esta propriedade para gerar energia elétrica de forma limpa? Utilizando biomassa produzida pela agricultura, resíduos agrícolas ou lixo orgânico?

 

A célula
Quando um organismo atua sobre um substrato (açúcar, por exemplo), na presença de oxigênio, ele decompõe a substância de forma seqüencial, até a formação de água e gás carbônico (os "tijolos" iniciais da fotossíntese). No entanto, quando o oxigênio não está presente, a reação é incompleta, com produção de gás carbônico, de prótons e de elétrons, conforme a reação a seguir:

C12H22O11 + 13H2O à 12CO2 + 48H+ + 48e

As células de combustível microbianas, que se baseiam nesta lógica, compõem-se de duas câmaras, uma biológica e outra química. Na câmara biológica, existe um substrato (biomassa), uma cultura de um microrganismo apropriado e um mediador elétrico (por exemplo, azul de metileno). Neste compartimento há ausência total de oxigênio livre, o que força o microrganismo a usar a via respiratória anaeróbica, consumindo apenas parcialmente a energia da biomassa.

O mediador transporta os elétrons do interior do microrganismo até um eletrodo negativo (ânodo) mergulhado no meio de cultura, Após transferir o elétron ao ânodo, o mediador torna a ingressar na célula, buscando mais elétrons - um vai e vem que só acaba quando os microrganismos cessarem as reações químicas. Em teoria, numa célula de combustível, as reações nunca cessam, portanto este movimento é um moto contínuo.

A Geração de energia
O compartimento químico da célula contém uma solução de um agente oxidante e o eletrodo positivo (cátodo). O ânodo e o cátodo estão em extremidades opostas de uma carga, ou seja, de um equipamento (como um rádio ou uma lâmpada) que demanda energia elétrica para funcionar. O agente oxidante captura o elétron que ingressou no sistema pelo ânodo, atravessou a carga e chegou ao cátodo. Para completar o ciclo, existe uma membrana de troca iônica, que interliga as duas câmaras da célula, que permite a passagem seletiva de prótons da câmara biológica para a química. Na câmara química, prótons e elétrons se juntam ao oxigênio para formar água, completando o ciclo da decomposição da biomassa.
  Por este processo, a biomassa é transformada em água, gás carbônico e energia elétrica. O caminhamento dos elétrons e prótons se repete dezenas de vezes por segundo, sendo o número de ciclos medido em Hertz. Assim, um equipamento que opera em 60 Hertz significa que ocorreram 60 ciclos de passagem de elétrons a cada segundo de operação.

A tecnologia
O processo em si é essencialmente biotecnológico. Os elementos fundamentais são a biomassa e uma cultura de um microrganismo para metabolizar a biomassa. O segredo é o ambiente anaeróbico que obriga a seqüência de reações químicas a acontecerem em câmaras separadas, permitindo o fluxo de prótons e elétrons, que gera a energia elétrica.
  Esta não é uma tecnologia acabada, embora disponha um futuro muito promissor e compõe o conteúdo programático que propusemos para a futura Embrapa Agroenergia. O conceito é utilizar lixo, detritos, resíduos e dejetos para produzir energia, e os empregos, a renda e o desenvolvimento decorrentes. Entretanto, não é qualquer microrganismo que pode ser utilizado em células microbianas. É necessário identificar quais características são desejáveis, em quais organismos elas se encontram, efetuando o mapeamento cromossômico e identificando os genes associados, para construir um microrganismo ideal para células de combustível, através da biologia molecular.   Parece ficção científica, mas é o futuro chegando às portas das nações que investirem em novos processos biotecnológicos para produção de energia, ajudando a resolver os problemas climáticos, sociais e energéticos. Ao menos para aquelas nações onde não prevalece o obscurantismo científico de bloquear toda a inovação baseada em métodos biotecnológicos.

Agroenergia e biotecnologia

Décio Luiz Gazzoni

 

Não vejo futuro sustentável para a agroenergia descolada da biotecnologia. Alguns países já procuram se antecipar, enquanto outros insistem em jogar os avanços da ciência para um amanhã cada vez mais distante. Infelizmente, o Brasil pertence a este grupo. Um contraponto ao lento desenvolvimento brasileiro são os Estados Unidos, que investem fortemente em biotecnologia, para viabilizar a produção de biocombustíveis. Vamos refletir sobre um exemplo norte-americano.

  Por diversos motivos, no momento, a cana-de-açúcar é a matéria-prima imbatível para a produção de etanol. A cana é uma planta subtropical e, devido à localização geográfica dos EUA, o seu cultivo está limitado a poucos estados do sul do país. Ocorre que, nem as autoridades locais, menos ainda os pesquisadores, se conformaram com esta "limitação". Um dos cientistas que não a aceitou foi o biologista molecular da Texas A&M University, Dr. Erik Mirkov. Ele resolveu enfrentar diferentes desafios para adaptar a cana às regiões onde as variedades atuais não podem ser cultivadas. Barreira número um: adaptar a planta ao clima, em especial às baixas temperaturas, pois a produtividade e o teor de açúcar decrescem exponencialmente com a diminuição da temperatura. Segunda barreira: adaptar a planta a locais secos, onde a precipitação natural está abaixo do requerido pela cana.  

Para resolver estes dois problemas o Dr. Mirkov introduziu na cana genes de outras plantas, que expressam as características desejadas, permitindo o seu cultivo em locais anteriormente inadequados. Em seu artigo, o cientista salienta que a nova tecnologia não apenas garante a redução da dependência de petróleo, como ajuda a criar novos empregos e novos mercados para os agricultores, ampliando a renda rural. Ironicamente, no Brasil, esta inovação seria fortemente combatida por organizações que, supostamente, defendem o pequeno agricultor e a agricultura familiar, fechando as portas para as oportunidades de emprego e renda.

 

  

 

As inovações vão além da etapa agronômica. O Dr. Mirkov tem consciência do tamanho do mercado e do desafio que significa fornecer todo o etanol que o mundo demandará. Apenas com o caldo da cana-de-açúcar não será possível abastecer o mercado global. Por isso, ele investe na pesquisa de microrganismos transgênicos que possam transformar celulose em álcool. Esta tecnologia significa uma dupla revolução. Por um lado, permite transformar lixo e resíduos em um produto com grande valor comercial. Por outro, desloca o eixo de poder e de negócios, pois fatores como a grande disponibilidade de terra (caso do Brasil) perdem a importância relativa que possuem hoje.

 

A rápida evolução científica de outros países ameaça a liderança brasileira de produção de álcool e de outros produtos da agroenergia, no cenário mundial. O resumo da ópera é que não há vantagem comparativa que resista a uma mudança tão marcante de paradigma tecnológico. Obter etanol de celulose pode redirecionar a produção do combustível para nações que, sem o auxílio da biotecnologia, estavam condenados a serem meros importadores do produto. E mais: o Dr. Mirkov também investe na criação de variedades de cana transgênica, no conceito de biofábricas. Elas serão capazes de produzir substâncias químicas de alto valor agregado, tais como proteínas, enzimas, antibióticos, vacinas e outros fármacos, a um custo muito menor que o processo industrial de síntese.

 

 

Existem muitos outros benefícios possíveis para o conjunto da agroenergia pela aplicação da biotecnologia. É possível desenvolver plantas resistentes a pragas, dispensando agrotóxicos. Ou desenvolver microrganismos altamente eficientes na fixação do nitrogênio do ar, dispensando a adubação nitrogenada, que possui alto custo financeiro e energético. Ou até mesmo microrganismos que facilitem a absorção pela planta, de outros nutrientes do solo reduzindo o custo de produção e permitindo cultivar solos pouco férteis.   Não é difícil agregar valor à economia por meio dos processos da biotecnologia – e o Brasil tem enorme potencial nesta ciência -, basta apenas que a sociedade dê suporte adequado aos cientistas. A diferença entre países centrais e periféricos é que, nos centrais, cientistas como o Dr. Mirkov recebem volumosos recursos de pesquisa e, a cada nova tecnologia conquistada, têm honrarias públicas e melhorias salariais. Já nos periféricos, o cientista precisa batalhar incansavelmente por recursos e, quando os consegue, em benefício da própria sociedade, são vistos com desconfiança ao invés de reconhecimento.   Uma vez que a busca por fontes de energia alternativa e renovável ganha interesse social mundo afora; que o Brasil é um dos grandes fornecedores agrícolas do planeta; que o País dispõe de pólos tecnológicos competitivos e de alta performance, é preciso refletir sobre o tamanho da responsabilidade do obscurantismo cientifico para a manutenção do status quo que vivemos atualmente e pela perda de competitividade futura do agronegócio brasileiro.

 

 

 

Cana-de-açúcar, uma dádiva

Décio Luiz Gazzoni

 

Há cinco anos, durante uma palestra em Piracicaba, aventurei-me a prever que, até meados desta década, a produção brasileira de álcool ultrapassaria 15 bilhões de litros, dobrando este volume até 2015, com parcela ponderável destinada à exportação. Naquela oportunidade também asseverei que, em 2005, estaríamos exportando mais de US$500 milhões em álcool, quase o quádruplo do que exportávamos à época. Arrisquei fazer esta afirmativa perante uma platéia de especialistas na cadeia da cana-de-açúcar, baseado no que observava em visitas a países do Primeiro Mundo, ansiosos por reverterem a roda do tempo que os levou ao monopólio de uso da energia fóssil.   Pois bem, este ano, auferiremos US$2,5 bilhões com a exportação de 4,5 bilhões de litros de álcool. E, na presente safra, produziremos.mais de 17 bilhões de litros! Cinco anos passados, ouso mais: até 2020, a cana-de-açúcar representará, para a agricultura brasileira, o que a soja é hoje: empregos, renda, interiorização de desenvolvimento e divisas de exportação. Os EUA estão rivalizando com o Brasil pela liderança mundial na produção de etanol, incrementando a produção de milho, reduzindo sua destinação para alimentação animal e competindo por área com outros grãos, como a soja. Entretanto, as vantagens comparativas para liderar o mercado internacional estão ao nosso lado.

 

 

Brasil x EUA

Existem três diferenças fundamentais entre produzir álcool de cana ou de milho, produzir nos EUA ou no Brasil. A primeira delas é financeira: produzir álcool de cana é economicamente competitivo, não há qualquer necessidade de suporte, incentivo ou subsídio governamental. Ao contrário, o governo pode se dar ao luxo de tributar fortemente o álcool de cana e, mesmo assim, ele é competitivo.

 

A segunda diferença diz respeito ao balanço energético do etanol. Produzido a partir de cana-de-açúcar, a relação entre a energia necessária para produzi-lo e aquela obtida pela sua combustão, varia entre 8 e 10:1. Quando produzido a partir do milho, as indicações variam entre um pequeno ganho ou a perda de 30%.

 

A terceira diferença é que, integrada a uma usina de etanol de cana-de-açúcar, até o milho se viabiliza, utilizando a estrutura ociosa (dezembro – abril) da usina e a energia remanescente do bagaço de cana. Milho e cana integrados a um cluster que envolva também soja e girassol e as cadeias de carnes (bovina, suína e de avícola), destinado a produzir etanol / biodiesel para energia e proteína animal, é absolutamente imbatível nos próximos anos. Mas só no Brasil.

 

Porém a cana não é açúcar e álcool. O mundo se volta para as biorefinarias e biofábricas. Se, no cluster acima, envolvermos ferramentas de biotecnologia e indústrias de química fina, criamos a química da biomassa, o sucedâneo da petroquímica.

 

 

Energia da cana

Tudo isto será factível porque uma tonelada de cana contém 1,7 Gcal, equivalendo a 1,2 barris de petróleo. Cada hectare de cana, além de produzir 7.300 litros de álcool (490 Mcal) gera 512 Mcal a partir da palhada, 598 Mcal extraídas do bagaço e 62 Mcal do biogás obtido do vinhoto. O poder calorífico da palha, com 30% de umidade, é de 2,2 Mcal/t, enquanto o bagaço, com 50% de umidade, gera 1,8 Mcal/t. Entre outros usos, o bagaço e a palhada podem ser queimados, para produzir eletricidade. Em menos de cinco anos estaremos produzindo mais energia de cana que de petróleo, nas plagas brasileiras.

 

 Um levantamento efetuado em 2003 indicou que a produção de energia elétrica, para consumo próprio, nas usinas de cana-de-açúcar era de 1.485MW e o excedente era de 619MW. Encontravam-se em construção instalações para mais 75MW e em processo de outorga outros 350MW. Para atender a meta de crescimento econômico (4% a 5% ao ano) até 2008, a base instalada no país deveria crescer para 106,6 GW, desnudando um déficit a ser solvido no curto prazo. Nas condições atuais, o setor sucroalcooleiro pode contribuir com 11% da energia adicional, pela co-geração de energia através da queima do bagaço de cana, e mais ainda se for considerada a queima da palhada.

 

 

           

 

Porém existem outras possibilidades. O bagaço e a palhada podem ser hidrolizados ao invés de queimados, desdobrando os carboidratos de alto peso molecular para carboidratos fermentáveis para etanol. Pela relação de massas entre o caldo e o bagaço, seria possível quase dobrar a quantidade de álcool produzido por hectare. Além do ganho energético, é possível antever o ganho ambiental, sendo factível aumentar em 100% a quantidade de álcool produzida, sem expandir a área plantada.

 

Finalmente, uma previsão para o leitor anotar no caderninho e me cobrar mais tarde. É muito mais fácil e barato (financeira e energeticamente) produzir carboidratos que óleos. Baseado neste fato biológico e econômico, minha previsão é que, em 20 anos, estaremos usando mais etanol que petrodiesel ou biodiesel, em motores de ciclo diesel. Pequenas adaptações nos motores tornarão o etanol muito mais competitivo e sustentável que usar os outros combustíveis para serviços pesados. Pense na revolução advinda deste câmbio tecnológico na hora de programar seus investimentos.

 

      

Produção ou assistência social?
Décio Luiz Gazzoni 

 

FHC criou meia dúzia de programas de apoio social – tinha até uma bolsa gás. Lula juntou as diferentes bolsas e plasmou a bolsa família. A vantagem é a visibilidade, afinal são, em média, R$74,00 por família, o que rende uma popularidade que se transforma em votos decisivos. O eleitor não sabe que o dinheiro da bolsa família vem dele mesmo pois, com uma carga tributária média de 38%, de um salário mínimo o Governo se apodera de R$144,00. Com o dinheiro dos impostos, o Governo devolve R$74,00 para o mesmo assalariado e este fica feliz e agradecido. Iludido, vota pela manutenção do sistema perverso e nem percebe que o Governo depois lhe toma, em impostos, R$28,12 - da bolsa mesmo sobra R$45,88!

   Mais comida, menor custo
Já, de forma silenciosa, os agrônomos ajudaram a diminuir a pobreza e a fome no Brasil. Nos últimos 30 anos, a área cultivada cresceu 23%, a produção aumentou 179% e a produtividade empinou 130%! Produção farta, preço baixo. Conferindo ao custo da cesta básica em 1975 o índice 100, em 2007, este índice está em cerca de 20. Ou seja, a cesta básica custa 20% do que valia há 32 anos. Dito de outra forma, o mesmo dinheiro compra 5 vezes mais alimentos. Como uma cesta básica vale R$238,00, cada família está poupando R$952,00 por mês.

 

 

Mamona
No Brasil, produção convive com contradições. Em setembro de 2007, o Presidente Lula declarou ao Jornal Nacional que “...meu governo não barganha cargos e verbas, político que quiser aderir ao governo deve fazê-lo por convicção programática”. No mesmo dia o Diário Oficial publicou a assunção de apadrinhados políticos na Direção da Petrobrás, a fim de convencer os padrinhos a aprovarem a famigerada CPMF na Câmara dos Deputados. O Diretor que saiu, Ildo Sauer afirmou, em entrevista, que faltaria biodiesel para a mistura de 2% ao diesel pois, em um ano, o óleo vegetal saltou de US$400 para US$850 por tonelada, pelo descasamento entre demanda e oferta. Em resposta, o Ministro do MDA afirmou (terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1945125-EI6579,00.html): 1) “Fechamos agora a colheita 2006-2007, a primeira safra inteira do biodiesel, com a inclusão de 100 mil famílias de agricultores, especialmente no Nordeste.”; 2) “Para o biodiesel, estamos produzindo especialmente mamona.” 3)” Já temos combustível suficiente para garantir B2 e até B3”.
 

Números
Isto é o oposto do que se comenta no mercado, portanto melhor tirar as dúvidas com números do Governo. Para ganhar um salário mínimo por mês, o agricultor deveria produzir 11 t de mamona por ano (a CONAB informa o preço de R$25,00/saco). De acordo com o IBGE, a produtividade de mamona no Brasil, em 2007, foi de 611 kg/ha (queda de 9% sobre 2006). Logo, cada família precisaria de 18 ha, no total 1,8 milhão de ha. Mas o IBGE afirma que a área de mamona foi de 157.000 ha. Para garantir B3 (1,2 bilhão de litros), precisaríamos de 5 milhões de ha de mamona, produzindo 3 milhões de toneladas. O IBGE informa que só produzimos 94 669 t, logo faltam 2.905.331 t. Alguma coisa não bate.

 

 

 

Mais números
A entrevista do Ministro Cassel despertou minha curiosidade. Em 1977 a área de grãos foi de 37 M ha e a produção de 47 M t. Em 1987, os números foram 42 M ha e 65 M t; em 1997, 37 M ha e 68 M t; e, em 2007, 46 M ha e 131 M t. A produtividade média de grãos foi de 1.258 kg/ha em 1977 e de 2.837 em 2007, ano em que a produtividade média de cultivos anuais foi de 3.575kg/ha. Ou, seja, em 30 anos a área cultivada (reconhecida pelo IBGE e pela CONAB) aumentou 9 M ha.
 

O INCRA anuncia que, até 2007, assentou mais de 1,5 milhão de famílias em 63 milhões de ha. Já ouvi inúmeras vezes que a agricultura familiar responde por 50% da produção agrícola. Se este índice for extrapolado para os assentamentos, alguma coisa não bate. Ou o IBGE e a CONAB estão totalmente errados - ou estão mentindo; ou o INCRA não gerou assentamentos para 63 milhões de hectares. As contas? Imaginemos que todo o acréscimo de área cultivada dos últimos 30 anos veio de assentamentos (o que não é verdade). Ainda faltariam 54 M ha. Na área faltante, pela produtividade média do Brasil, deveriam ser produzidos mais 193 M t de produtos agrícolas. Cadê a produção? Não é um volume que possa ser escondido ou sonegado, representa 147% da produção brasileira. As hipóteses: a) Nunca foram assentados 63 M ha, sequer 10% disto; b) Os assentados recebem a terra e não produzem nada, dependendo de bolsa família e cesta básica. Alguém, por favor, me explica?

 

 

População rural
A FAO informa que, a partir de 2007, moram mais pessoas nas cidades que no meio rural. Em 20 anos, apenas um terço da população mundial estará no campo, exigindo altíssima eficiência. Em 2007, no mundo desenvolvido, 94% da população é urbana. O presidente Lula, que tanto admira o Primeiro Mundo, poderia determinar um estudo sério, isento, preferencialmente de uma universidade estrangeira de prestígio, para analisar o custo-benefício da reforma agrária brasileira (passada e futura). Provocação: não sairia mais barato para o contribuinte - e mais justo para o sem terra - perceber, eternamente, um salário mínimo, a receber um lote de terra e nada produzir, perenizando a miséria?

 

 

Etanol celulósico
Décio Luiz Gazzoni 

 

Existe uma grande faixa de interesse comum entre etanol combustível e biodiesel: (i) Etanol será matéria prima para produção de biodiesel; (ii) A demanda de biodiesel depende da aceitação social de energias renováveis. Quanto maior for a aceitação do etanol, maiores as chances de ampliar o mercado de biodiesel; (iii) O mais importante: quanto mais gasolina for substituída por etanol, menor será a pressão por refino de petróleo, podendo reduzir a produção de diesel, conseqüentemente aumentando a demanda potencial de biodiesel. A grande dúvida do momento é: conseguirá o mundo atender a demanda projetada de etanol, se a matéria prima continuar sendo cana-de-açúcar, cereais e beterraba?  

O impulso americano
O Presidente Bush estabeleceu a meta de reduzir o consumo de gasolina nos EUA em 80%, até 2017. Do total, 75% (150 bilhões de litros) seriam substituídos por etanol. O Comissário da UE, Durães Barroso, propõe reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 20% até 2020, demandando outros 150 bilhões de litros. Apenas nestes exemplos, são 300 bilhões de litros de etanol combustível, adicional aos 40 bilhões de litros produzidos hoje. Estereotipando a análise, se o etanol fosse produzido de cana-de-açúcar, necessitaríamos mais 38 milhões de hectares; a partir do milho, seriam outros 80 milhões de hectares. Sem contar o consumo de etanol combustível em outros países e a demanda de etanol para outros setores. Conclusão: é inviável atingir estas metas, com as atuais matérias primas e processos de produção.

 

Matéria prima
A solução será o uso de celulose, cuja produção mundial anual é estimada em 1,5 quadrilhões de toneladas. Em teoria, obtém-se 500kg (633 L) de etanol para cada tonelada de celulose. Extrapolando ao máximo as previsões até 2020, para, digamos, 500 bilhões de litros, seriam necessárias 790 milhões de toneladas de celulose. Esta matéria prima, que representa 0,00005% da celulose produzida no mundo, pode ser obtida de restos vegetais, palhadas, serragem, restos de madeira, lixo urbano, gramíneas ou florestas energéticas. Entretanto, dispor da matéria prima é solucionar a parte mais fácil do problema. O busílis da questão é transformar celulose e hemi-celulose em etanol. 
  Celulose
A celulose é um polissacarídeo polimerizado de cadeia longa, composto de hexoses, com fórmula empírica (C6H1005)n, com um valor mínimo de n=200. Tem uma estrutura linear ou fibrosa, na qual se estabelecem múltiplas pontes de hidrogênio entre os grupos hidroxilas das distintas cadeias de glicose, tornando-as impenetráveis à água. A celulose é o componente estrutural primário das plantas e não é digerível pelos animais superiores. É comum nas paredes celulares de plantas, estando presente na maioria das fibras puras de algodão. Alguns animais, como os ruminantes, podem digerir celulose com a ajuda de microorganimos. A hemi-celulose é similar, apenas o monômero é uma pentose.

 

Transformação

O etanol é obtido da cana-de-açúcar pela fermentação da sacarose por microrganismos, como os do gênero Saccharomyces. Eles são altamente eficientes, porém somente conseguem decompor açucares de baixo peso molecular, ou monossacarídeos, como a glicose. No caso da celulose, o polímero é formado por mais de 200 moléculas de glicose. O desafio é quebrar as moléculas de celulose até os açúcares primários, utilizando outros microrganismos. Existem exigências industriais mínimas para que um microrganismo possa ser utilizado para produção de etanol celulósico, como: (i) rendimento de etanol superior a 90% do teórico; (ii) tolerância à concentração de etanol superior a 40g/L; (iii) produtividade de etanol superior a 1g/L/h; (iv) baixo custo de produção dos microrganismos; (v) resistencia às substancias inibidoras; e (vi) grande amplitude de adaptação à temperatura e acidez. Não existem microrganismos na Natureza que possuam, ao mesmo tempo, todas estas características, sendo necessário o seu desenvolvimento em laboratório.

 

Biotecnologia

Não há outra fórmula para tornar a produção de etanol celulósico competitiva e sustentável que não a utilização da engenharia genética para transferir todas as características necessárias para algumas bactérias. No momento, as pesquisas se concentram nas bactérias Escherichia coli, Kebsiella oxytoca e Zymomonas mobilis, que foram transformadas para atender a todos os requerimentos acima, além de eliminar alguns “defeitos” dos microrganismos, como a produção de diversos ácidos a partir da celulose, ao invés de gerar etanol. Esta tecnologia ainda é embrionária, existe um longo caminho a trilhar, porém, devido ao enorme potencial de negócios, plantas industriais de médio e grande porte já estão sendo instaladas na China, Esxpanha, Canadá, EUA e África do Sul, entre outros países. O desafio para o Brasil é não ficar para trás na corrida tecnológica, evitando perder o trem de um dos mais promissores segmentos do agronegócio do futuro, que significa renda, empregos e desenvolvimento para o país.

 

 

Feliz qüinqüênio

Décio Luiz Gazzoni

 

Quer me parecer que desejar Feliz Ano Novo aos produtores agrícolas e outros players do agronegócio parece pouco. Melhor já adiantar um Feliz próximos 5 anos, uma vez que, do meu ponto de observação, parece-me que, como nunca antes na História da Humanidade o agronegócio viverá um ciclo de exuberância e de expansão como o que vamos vivenciar. Duas ressalvas: estou falando do conjunto do agronegócio, o que significa que, alguns segmentos em particular poderão não alcançar o desempenho máximo ou mesmo médio do mercado. E que, como é próprio do capitalismo, haverá oscilações no seio do ciclo, porém sempre com desempenho superior ao passado recente e tendência geral altista.   Este cenário se aplica a qualquer país produtor agrícola do mundo. Porém, pelas suas vantagens comparativas, o Brasil será um privilegiado neste cenário, pela sua pronta capacidade de resposta em qualquer segmento. É só olhar o exemplo recente, quando os Estados Unidos se retraíram no comércio internacional de milho, abrindo um espaço que nós preenchemos, mesmo sem tradição de comercialização externa deste produto.

 

 

Impulsos

O drive dos bons negócios será a demanda aquecida por alimentos, fibras, energia e produtos florestais. Em função da demanda acima do normal, os estoques devem operar no limite de baixa, elevando os preços das commodities agrícolas e sustentando-as em um patamar de preços reais superior ao que vinha sendo praticado. O valor em reais somente não será melhor porque o real está sobrevalorizado, por má condução da política econômica que não tem ouvido os alertas e reclamos dos produtores e exportadores. O que sustenta a demanda em alta são três fatores, na seguinte ordem de importância: o crescimento da população mundial, a demanda de biocombustíveis e o crescimento da renda per cápita nos países emergentes.

  Apesar de suas vantagens comparativas, o Brasil somente não aproveitará esta oportunidade com maior intensidade, por conta do Custo Brasil, que é uma verdadeira bigorna que os agentes do agronegócio precisam carregar morro acima, para completar seu ciclo de negócios. Do conjunto de componentes do Custo Brasil destaque-se o fardo pesado de juros, o câmbio adverso com a supervalorização do real, a excessiva concentração do transporte de safra pela via rodoviária, o péssimo estado de conservação das estradas, o entrave dos portos e a elevada incidência tributária.

 

 

 

Em alta

A demanda de alimentos tem uma relação linear com o crescimento da população. Mas o crescimento da renda impulsiona de forma exponencial tanto o consumo de alimentos quanto o de biocombustíveis. Além disto, renda mais alta, sofistica o consumo, elevando a demanda por alimentos mais nobres – e mais caros. Países com elevada concentração populacional, capitaneados por China e Índia, serão as locomotivas deste mercado. A Índia, por ser um pais muito pobre, com elevada taxa de crescimento da população e que, ao mesmo tempo, vem apresentando índices de crescimento econômico consistentemente acima de 7% ao ano. E a China, com a explosão populacional contida, porém navegando há mais de 2 décadas na crista de quase 10% de crescimento ao ano. São dezenas de milhões de novos consumidores que ingressam no mercado anualmente, saindo das estatísticas da fome crônica para o rol de novos consumidores, com poder de sustentar o mercado de alimentos.

  O Brasil já responde por 30% do comércio internacional de carne do mundo e vai continuar crescendo. Além da carne bovina – o file do mercado – e do frango, que tem sido o segmento de maior expansão recente, o mercado de carne suína deve sofrer um impulso acentuado, em especial pela maior demanda desta carne por parte da China, que é o maior consumidor mundial e está esgotando sua capacidade de produção doméstica.   Soja e milho também estarão em alta, assim como frutas e sucos. Os mercados de cana-de-açúcar (etanol ou açúcar) e de oleaginosas em geral também estarão aquecidos. Os óleos não baixarão do patamar de US$1000/t. A agricultura orgânica e os alimentos funcionais continuarão expandindo a taxas acima da média do mercado de produtos agrícolas. Existe apenas um risco para esta previsão: uma brutal recessão em escala planetária, que enxugue a liquidez do mercado, reduza a renda das famílias (em especial a previsão de renda futura) e torne os mercados mais fechados e protecionistas. Afora isto, é o momento de aproveitar o bom ciclo para investir em temas que serão fundamentais para a competitividade no mercado, como qualidade, produtividade e as agendas social e ambiental da agricultura.

 

 

Vacinas em alimentos
Décio Luiz Gazzoni 

muito tempo percebi que não se contesta o uso da biotecnologia na produção de fármacos - e mesmo para outras aplicações na saúde humana - ao contrário da agricultura, onde algumas ONGs tentam barrar os avanços tecnológicos a qualquer custo. vem a pergunta: e quando se tratar de alimentos que são importantes para prevenir doenças, como se posicionarão as ONGs? Esta discussão é muito importante, e interessa não apenas aos produtores agrícolaspelo tremendo potencial de agregação de valor que representam – quanto para a população em geral, por tratar-se de uma nova forma de enfrentar alguns problemas graves de saúde pública. O tema que quero colocar em discussão este mês é a produção de alimentos que contenham vacinas, que imunizem a população contra diversas doenças infecciosas.    A lógica de uma vacina é a introdução, no organismo, de uma substâncianormalmente uma proteínachamada antígeno. No corpo humano, ou de um animal, o antígeno provoca uma resposta imune - os anticorpos – cuja função é combater o antígeno. No caso de vir a ser infectado pelo agente da doença, o organismo estará preparado para combatê-la e a enfermidade é debelada antes de instalar-se. Normalmente, a vacina é aplicada por injeção, podendo, também, ser inalada ou ingerida em gotas. No caso da poliomielite, para evitar reação adversa de crianças, ela foi “embalada” em cubos de açúcar

 

Avanços
O Biodesign Institute, da Arizona State University e o Infectious Diseases Unit da University of Rochester trabalham a pleno vapor no conceito de “vacinas comestíveis”, ou seja, alimentos que contém vacinas. Obviamente, esses alimentos devem ser ingeridos in natura, posto que o calor destruiria o antígeno responsável pela reação imune. Por este motivo, tomates e bananas são as plantas que merecem maior atenção dos cientistas. Seus alvos primários são a diarréia infecciosa, a cólera e a bactéria Escherichia coli, que matam, anualmente, cerca de 2,5 milhões de crianças com menos de 5 anos. Paralelamente, os cientistas estão estudando vacinas para outras moléstias, como gripe, anthrax, o vírus de Norwalk, a hepatite B e o HIV (AIDS). 
  Os cientistas alimentaram cobaias (ratos, vacas, coelhos) com folhas de tabaco, alface e alfafa, além de tomates, contento antígenos para anthrax e gripe, com resultados animadores. No National Vaccine Testing Center, na University de Maryland e no Roswell Park Cancer Institute, em Buffalo (New York), os testes foram conduzidos com seres humanos, seguindo um protocolo aprovado pelas autoridades de saúde dos EUA. Os voluntários ingeriram cerca de 100 gramas de batata preparada sem cozimento, contendo os antígenos anti-diarréia e anti-hepatite. O efeito imunizante foi semelhante ao obtido com vacinas injetáveis.    Mas não é apenas nos EUA que o tema avança com celeridade. Cientistas egípcios introduziram o antígeno da hepatite B no milho. A justificativa da pesquisa é que mais de 2 bilhões de pessoas são infectadas, anualmente, por hepatite, das quais 350 milhões são de alto risco, podendo chegar à óbito. O Institute of Infectious Disease and Molecular Medicine, da University of Cape Town (África do Sul) está estudando vacinas comestíveis para proteger contra o papilomavirus humano (HPV) e o HIV. No caso do HPV, os cientistas justificam a pesquisa pois, diariamente, mais de 600 mulheres sul africanas morrem vítimas do câncer do colo do útero, causado por esse vírus. No total, computam-se mais de 350 projetos de pesquisa, com diferentes antígenos sendo incorporados em alimentos, especialmente hortaliças e frutas, que possam ser consumidas in natura. Os laboratórios estão espalhados por todo o mundo, especialmente na Europa, Estados Unidos e China, que são os líderes mundiais em avanços biotecnológicos, além de Brasil, Argentina e África do Sul.

 

Objetivos
O traço comum entre todos os cientistas que buscam desenvolver vacinas em alimentos é reduzir os índices de mortalidade por doenças infecciosas. Este problema é particularmente sério no mundo sub-desenvolvido, onde estão os países mais pobres, sem recursos suficientes para investir em saúde preventiva, e sem infra-estrutura para garantir a imunização de parcela ponderável da população. Assim, os cientistas buscam vacinas que sejam baratas, sem necessidade de refrigeração para sua conservação, atendendo larga parcela da população através de alimentos que, obrigatoriamente, seriam consumidos, evitando as vacinas injetáveis, que se mostraram inadequadas pela deficiência de médicos e postos de saúde. 
  Do ponto de vista da agricultura e do agricultor, somar-se-ia mais um objetivo social, pois além de prover alimentos, fibras e energia, embutiria um fator de prevenção de doenças infecciosas, poupando milhões de vidas ceifadas a cada ano. A questão central é saber se as ONGs que vêm impedindo o avanço tecnológico na produção agrícola, também lutarão contra esta nova proposta de melhoria da qualidade de vida, ou se prevalecerá a ótica de que a biotecnologia é ruim apenas na agricultura, mas boa na área de saúde.

 

A agricultura conseguirá atender a demanda?
Décio Luiz Gazzoni 

 

Recentemente, fui convidado para proferir uma conferência em um evento realizado na Suíça. Com livre tradução o tema da conferência seria: “O desafio dos 6 ‘Fs’ da agricultura: o mundo conseguirá vencê-lo?” Os 6 ‘Fs’ são as iniciais das palavras inglesas para alimento, ração animal, fibras, florestas, flores e biocombustíveis. Demonstrei que, em função do aumento populacional e do incremento da renda per cápita mundial, os produtos agrícolas tradicionais se encontram com a demanda fortemente excitada, em níveis nunca observados anteriormente. Acresça-se que o mundo espera que a agricultura também forneça biocombustíveis em volumes medidos em centenas de bilhões de litros, e está delineado o desafio. Se vamos ser bem sucedidos e qual a estratégia a seguir, são as questões.   Pano de fundo
A FAO estima que a população mundial crescerá – embora em taxas progressivamente desaceleradas – até 2050, quando se espera a estabilização e até redução da população mundial. Para cada novo ser humano, acrescente-se uma unidade per cápita de consumo similar às demais, tanto para produtos tradicionais, quanto para energia. No entanto, os novos tempos são de crescimento econômico acentuado e baixa inflação, o que gera inclusão social e traz ao mercado dezenas de milhões de pessoas, a cada ano. A relação da renda com o consumo não é linear (como no caso do crescimento demográfico). Os primeiros acréscimos de renda vão para o aumento das calorias ingeridas, posteriormente para a sofisticação alimentar (proteínas animais, produtos de marcas, etc.). Paralelamente aumenta a demanda por fibras e madeira (produtos florestais). Com o ingresso em um patamar de renda mediano, inicia uma forte demanda por energiaem nosso caso, agroenergia, tanto por razões ecológicas quanto pelo elevado preço do barril de petróleo – e por plantas ornamentais. Devido ao pouco espaço, vamos concentrar nossa análise em três produtos de dupla finalidade (alimentos e energia): milho, soja e cana

 

Milho
O grande produtor mundial de milho são os EUA. Ocorre que a demanda por etanol de milho nesse país forçou o aumento de área desse cereal, até o limite que a agricultura americana suporta. Nos próximos anos, dois fatos devem ocorrer: primeiro, a produtividade de milho aumentará muito, acima de 3% geométricos ao ano. Em segundo lugar, os EUA reduzirão sua participação relativa no mercado internacional, que será fortemente pressionado por compras da China, por sua vez, em vias de ser um grande importador mundial de milho. Assim, abre-se uma enorme oportunidade para países como Brasil e Argentina, que podem expandir área e, principalmente, produção. Por exemplo, enquanto os EUA apontam para uma produtividade superior a 12 t/ha na próxima década, em 2007 a Argentina teve produtividade de 7 t/ha e o Brasil, de  apenas 3,5 t/ha, de acordo com a FAO. 
  Soja
Os EUA estacionaram sua área de produção de soja em 27 milhões de hectares e os incrementos esperados para os próximos anos decorrerão de aumentos de produtividade (1,5% ao ano. Os demais países produtores, como Canadá, Índia, Bolívia e Paraguai têm pouca área para expandir. Outros países que possam a vir plantar soja, como os africanos, somente terão produção que afete o mercado daqui a 15-20 anos. Logo, o abastecimento mundial dependerá de Brasil e Argentina, que dispõem de área para expansão. A área da Argentina deve esgotar-se na próxima década, passando a depender de acréscimos de produtividade. Estima-se que, para atender adequadamente o mercado mundial, o aumento da produção no Brasil e na Argentina, nos próximos anos, terá que ser o dobro do aumento da demanda mundial. Por exemplo, se a demanda crescer 3% no mundo, estes países deverão aumentar a oferta em 6%, caso contrário os preços serão fortemente incrementados. 

 

Cana-de-açúcar
Brasil e Índia são os grandes produtores mundiais, porém o Brasil é o grande produtor de etanol e detém a melhor tecnologia agronômica, industrial e de gestão do negócio. Apesar dos esforços do governo brasileiro para expandir a produção de etanol em outros países, não são esperadas grandes alterações no cenário produtivo, ao longo da próxima década, com o Brasil reafirmando cada vez mais sua liderança. Entretanto, em menos de 10 anos, deverá estar madura a tecnologia de etanol celulósico, que vai reconfigurar o mercado de etanol na década de 20. 
  Conclusões
O mundo poderá desimcumbir-se com galhardia do desafio dos 6 “Fs”, desde que novas áreas sejam incorporadas à agricultura, a produtividade cresça de forma similar à demanda mundial, novas tecnologias de ponta sejam definitivamente incorporadas ao sistema produtivo, em especial cultivares derivadas da biotecnologia, com maior produtividade, menor custo de produção, tolerantes ou resistentes a estresses e com melhor qualidade nutricional ou industrial. O que significa que muitos bilhões de dólares deverão ser alocados nos institutos de pesquisa, para garantir tecnologia de ponta, não apenas para aumentar a produtividade, mas para garantir a produção em um ambiente de mudanças climáticas, com perspectivas deletérias para a agricultura.

 

Água: Use com moderação!
Décio Luiz Gazzoni 

 

Existem três necessidades realmente básicas para a sobrevivência da Humanidade: alimento, energia e água. O restante é decorrência, sendo resolvido de uma ou outra forma. Porém, se faltar comida, morremos; se faltar água, morremos; e, no estágio atual da civilização, se faltar energia, morremos - entre outros motivos, porque o acesso à água e à comida depende de energia para transporte, processamento e conservação de água e alimentos.   A agriculturaou o agronegócio, por extensão – tem tudo a ver com alimentos. É do processo produtivo agrícola e de transformação agroindustrial que saem os alimentos que abastecem a população da espaçonave Terra. A agricultura também se apresenta para ajudar na transição de uma matriz energética poluidora e insustentável, para outra que vise à sustentabilidade do sistema em forma perene. a relação da agricultura com a água é de outra ordem. Água é um dos três insumos básicos do processo agrícola. A agricultura é dependente de água, mas não pode “produzirágua. Deste ângulo, duas atitudes são importantes: auxiliar na preservação deste recurso natural e buscar formas de convivência da agricultura com escassez cada vez mais freqüente da água. É o espectro das Mudanças Climáticas Globais jogando seu manto negro sobre a agricultura e a segurança alimentar (e energética!) do planeta

 

O paradoxo

Mas como poderia faltar água, se 65% da superfície do planeta é composta de água? Oceanos imensos, o mar interno, representado pela bacia amazônica, o Pantanal, entre outros, não seriam suficientes para abastecer o planeta? Ocorre que, no momento atual, mais de 30% da população da Terra não tem suas necessidades de água supridas. E, segundo previsões da FAO, em 2050 este número poderia chegar a mais de 60%. A primeira razão é que a água é distribuída de forma muito desigual sobre o planeta. Em um país que detém quase 20% da água doce do mundo - o Brasil – 20% de seu território, localizado na região Nordeste, é semi-árido, com um déficit hídrico muito alto e pluviosidade muito irregular. O mesmo ocorre em outras regiões, como grande parte da África no eixo do Saara, no Oriente Médio, na Índia, na China, nos EUA e na Europa que, embora não esteja em região semi-árida, possui baixa precipitação pluviométrica.

  Quando digo que a falta de água poderia atingir 60% da Humanidade, coloco o verbo no condicional, porque não acredito que populações acostumadas a ter sua necessidade de água atendida - e que passem a sofrer restrições - vão se conformar com o fato. Prefiro acreditar que virá uma onda migratória sem precedentes, uma diáspora dos países onde a água se tornar escassa, em direção a países onde ela exista em abundância ou em quantidade suficiente. Onde faltará: especialmente na Ásia e nos países que dependem de degelo para seu abastecimento. As mudanças climáticas estão alterando o volume de neve e gelo acumulado nas montanhas, reduzindo o volume de água dos rios e prejudicando o abastecimento doméstico ou para usos agrícolas e industriais. Outro fato preocupante é o esgotamento das águas subterrâneas na China, fruto do mastodôntico crescimento econômico, que faz com que os lençóis baixem quase um metro ao ano!

 

 

 

Mau uso e uso excessivo
Além da escassez, precisamos considerar o mau uso da água. Uma das formas de torná-la escassa é poluindo os cursos de água, sejam eles rios, lagos ou lençóis subterrâneos. A contaminação pode ser agrícola (erosão, agrotóxicos, fertilizantes), industrial (dejetos) ou doméstica (esgotos orgânicos, lixo). Outro fato é a perda da cobertura vegetal, em especial a mata ciliar, que perturba o ciclo da água e provoca assoreamento irreversível. Há, também, o desperdício que pode ser mensurado pela desproporção entre o crescimento da população da Terra no século passado (300%) e o aumento do consumo de água (700%). Ocorre que, dos 65% de água que cobrem a terra, apenas 1% é água doce, prontamente utilizável. Deste pequeno percentual, estamos utilizando 50%, valor que subiria a 80% até 2050, ainda de acordo com a FAO.
  Agricultura
Três aspectos principais merecem a nossa atenção. O primeiro deles é que precisamos conscientizar todos os atores do agronegócio que é necessário poupar água ao longo da cadeia produtiva, e reduzir ao mínimo a contaminação de cursos de água. O segundo aspecto trata da utilização da água em sistemas de irrigação, que deve atentar para os princípios de consumo mínimo e de devolução da água à Natureza em condições de potabilidade; e, finalmente, levar em conta que a pluviosidade deve sofrer profundas alterações no correr dos próximos anos, por conta das Mudanças Climáticas Globais. Assim, vamos precisar desenvolver e implementar sistemas de produção para convivência com veranicos e estiagens. O sistema inclui rotação de culturas, manejo do solo e outras técnicas. Porém, será de capital importância desenvolver novas cultivares e variedades tolerantes à seca, para garantir produtividade e estabilidade às culturas. Neste particular, sou cético que possamos atingir este objetivo sem o uso intensivo de ferramentas científicas modernas, como a biotecnologia e a nanotecnologia.

 

 Lanço este libelo para antecipar uma discussão, antes que sejamos engolfados pela necessidade de mudanças, sem estarmos preparados para elas.

 

Biocombustíveis e suas oportunidades
Décio Luiz Gazzoni  

            Com exceção do etanol brasileiro, os biocombustíveis constituem-se na novidade que o mundo está tentando entender para poder beneficiar-se. Como toda a inovação, sua dinâmica é muito mais intensa que aquela dos negócios estabelecidos e devidamente amadurecidos. Logo, quem formular planos de negócios de médio e longo prazo para produzir etanol ou biodiesel deve atentar para os cenários alternativos e para as mudanças constantes que ocorrem na área.         A todo o instante surgem fatos novos, com poder de modificar completamente os cenários. Os que estão balizando o mercado, no momento, são:

a.         Até 2020 a União Européia planeja reduzir em 20% as emissões de gases de efeito estufa, aumentar em 20% a eficiência energética e aumentar para 20% a participação de energias renováveis na matriz energética - 10% com a utilização de biocombustíveis.

b.         Os EUA estão dispostos a substituir 20% da gasolina por fontes renováveis, nos próximos dez anos, sendo o etanol é a melhor aposta para cumprir esta meta. No início a matéria prima será o milho, depois qualquer material celulósico, obtendo-se o etanol celulósico.

c.         Está evidente que as profundas mudanças climáticas vão depreciar a qualidade de vida no planeta. A sociedade busca fórmulas para evitar conseqüências mais graves, sendo a medida mais viável no curto e médio prazo o uso de biocombustíveis.

d.        Tanto a China quanto a Índia se propõem a misturar 10% de biocombustíveis nos combustíveis fósseis, o Japão pretende adicionar 5% de etanol na gasolina e a Argentina aprovou a mistura de 5% de biodiesel no diesel, para 2010;

e.         Na contramão, autoridades e formadores de opinião esbravejam, acenando com o apocalipse da fome, pelo conflito entre oferta de alimentos e produção de agroenergia. 

            Pela dinâmica de um negócio embrionário, as novidades se sucedem e, a todo o instante, mais países estão exarando políticas públicas com metas ambiciosas para cumprimento em prazos exíguos. Como tal, é chegado o momento de rediscutirmos o agronegócio em sua integralidade, incorporando, em definitivo, as demandas da agroenergia que sejam sustentáveis no curto prazo e projetando as necessidades de ajustes para o longo prazo.  

Tecnologia, eis o segredo!

Lembrando sempre que a tecnologia será a variável diretriz que permitirá a acomodação das diferentes demandas que recairão sobre o agronegócio. Tenho comigo um dogma: Não vantagem comparativa natural que resista a uma mudança de paradigma tecnológico. Embora não minimize a importância de disponibilidade de terra, de clima adequado, de intensa radiação solar, de mão de obra e de capacidade empresarial, entendo que dominará o mercado de agroenergia quem detiver tecnologia no estado da arte. Aliás, é exatamente o que está acontecendo neste instante, na produção de etanol no Brasil. Os americanos somente conseguem produzir o mesmo volume de etanol injetando bilhões de dólares de subsídios na cadeia produtiva e, mesmo assim, produzem um combustível mais caro e energeticamente ineficiente.   O que me preocupa é que os países ricos estão investindo bilhões de dólares (ou euros) para encontrar outras saídas que não dependam de expansão de área ou de insolação. Os países da UE efetuaram um levantamento da sua disponibilidade de biomassa (lixo orgânico, sobrenadante de esgoto, serragem, resíduos agrícolas e agro-industriais, etc), traduzindo os volumes para potencial energético. O levantamento será atualizado, anualmente, para demonstrar que existe biomassa disponível no Velho Continente e que podem dispensar o biocombustível vindo de alhures. Bom argumento comercial, não sei se será sustentável ambiental e energeticamente! 


             

           

    Para cumprir suas metas, os europeus vão distanciar-se do eixo da matéria prima dedicada, tipo cana/álcool ou óleo/biodiesel. Novos processos de produção de etanol (etanol celulósico) e biodiesel (Fischer-Tropsch ou flash-pirólise) ou de outros biocombustíveis (gaseificação) são as apostas para o uso da biomassa genérica para produção de biocombustíveis. No curto prazo (até 2020) o Brasil continuará imbatível na produção de etanol e é uma das esperanças mundiais de regularizar a oferta de óleos e gorduras. Porém, se não acompanhar o investimento em pesquisa e desenvolvimento, que se efetua nos países ricos, podemos estar deixando passar mais um cavalo encilhado que parou na nossa porta.   O custo de produção será muito elevado, pode ser arguido. Para contornar este óbice, os europeus apostam nos bioprodutos, obtidos em associação com produtos energéticos, que deverá garantir a sustentabilidade do dueto bioenergia / biorefinarias, no futuro próximo. Esta é uma das principais apostas que os países do Primeiro Mundo estão fazendo pois, embora o custo de produção de biocombustíveis possa ser elevado, do conjunto de outros produtos de alto valor agregado, seriam obtidas margens razoáveis que viabilizariam a produção de biocombustíveis

    

      

O Brasil

Do ponto de vista de recursos naturais, o Brasil é abençoado. Sabermos que uma tonelada de cana tem um potencial energético equivalente a 1,3 barril de petróleo.  Multiplicado pelas 508 milhões de toneladas que o Brasil deve colher em 2008, ultrapassa-se a estimativa da Petrobrás de consumo interno de 650 milhões de barris de petróleo. A partir de agora, nunca mais o petróleo deverá fornecer mais energia no Brasil que a cana-de-açúcar. Tomemos o exemplo dos 9 bilhões de barris de petróleo, que é a capacidade máxima estimada do mega-poço de Tupi, a maior reserva de petróleo da Petrobras. Imaginando que ele seria responsável pelo abastecimento de 50% da energia de petróleo consumida no Brasil, nos próximos 20 anos, poderemos obter a mesma energia com a colheita de 2,5-3 milhões de hectares de cana. Com a vantagem que a cana é renovável, não acabará tão cedo.   Já que mexi com a Petrobrás, vou bulir com Itaipu. Uma tonelada de cana produz 1.978 kWh. Um hectare de cana produz 158,3 MWh de energia. Tomando por base o recorde de produção de energia de Itaipu (93.28GWh), conclui-se que a usina de Itaipu – a maior do mundo e um orgulho nacional - equivale a 47,2 milhões de toneladas de cana (568,9 mil hectares). E que a produção brasileira de cana, em 2008, será equivalente, em energia, a 10 Itaipus! Êta pais abençoado por Deus – bem, ao menos em recursos naturais!     O Brasil dispõe de inúmeras instituições de pesquisa e desenvolvimento que atuam na área agronômica. Somente na Embrapa são quase 40 unidades de pesquisa. Existem as universidades, os institutos, as Oscips, as ONGs, as empresas estaduais, etc. Não está a nossa fragilidade. Não tenho qualquer dúvida que, no médio e no longo prazos, a liderança na produção de biocombustíveis pertencerá a quem estiver mais avançado tecnologicamente nos processos de transformação da matéria prima. Hoje, o Brasil é imbatível na produção de etanol de cana-de-açúcar, entre outros motivos pelo domínio de tecnologia de ponta.


             

        

O futuro
       Porém, quando for viabilizado comercialmente o etanol celulósico como ficaremos? Lembremo-nos sempre que, durante séculos a Suíça dominou o mercado mundial de relógios, enquanto a melhor tecnologia era o relógio analógico, aquele de dar corda. vieram os japoneses com os relógios digitais e arrasaram a indústria suíça em menos de cinco anos. A matéria prima do relógio digital: o silício. Alguém conhece um país que ficou rico cavocando silício? Não? Mas conhece algum país que ficou rico com a tecnologia de processamento do silício (produtos eletrônicos, telefones, computadores, satélites, radares, etc.)? Seguramente, conhece. 
 

Repetindo e concluindo: sem desconhecer a importância de dispor de matéria prima, com o aumento dos investimentos em PD & I de processos de produção de energia renovável que está sendo efetuado nos países ricos, os biocombustíveis de primeira geração terão seu pico na próxima década, sendo progressivamente substituídos por biocombustíveis de segunda e, posteriormente, de terceira geração. Novos combustíveis como butanol, dimetil éter e bio-óleo ganham espaço. O etanol terá seu ciclo de vida estendido por conta da tecnologia de etanol celulósico mediado por bactérias transgênicas. Nesta transição perdem importância as tecnologias de produção de matéria prima e ganham importância as tecnologias de processo. Quem dominar processos na fronteira do conhecimento dominará o mercado de Agroenergia. Que terá um ciclo limitado, porque países ricos não estão investindo apenas em processos de produção de agroenergia, mas em avanços na energia eólica, fotovoltaica, geotérmica, das marés, etc. Acorda Brasil!

 

      

Os limites do biodiesel
Décio Luiz Gazzoni 

Eu decreto: Na década de 20 o uso relativo de biodiesel produzido a partir de óleos vegetais vai decrescer paulatinamente. Quer dizer que vamos voltar a consumir óleo diesel adoidadamente? Que vamos acelerar a exaustão das reservas de petróleo e emporcalhar a atmosfera ainda mais? Calma lá, gente. Eu não disse nada disto. Ao contrário, acho que os combustíveis fósseis, especialmente o petróleo perderão market share a partir da década de 20. O problema é do biodiesel produzido de óleos vegetais (ou gorduras animais), mas não só dele. Será também do etanol produzido de cereais, seja milho, trigo ou cevada pois, em ambos os casos a matéria prima (oleaginosas ou cereais) ficará progressivamente muito cara, impedindo a expansão do negócio em todo o seu potencial.

  E por que isto vai acontecer? No caso do etanol de cereais pela competição direta com alimentos e pela ineficiência econômica e energética de produzir etanol a partir destas matérias primas, que só se sustentam pelos subsídios e pela falta de conhecimento da opinião pública. Para o biodiesel, a análise é parecida. Em parte temos uma competição direta com alimentos (soja, canola, girassol). Esta questão poderia ser contornada produzindo óleo de espécies não édulas, como pinhão manso ou macaúba, porém a disputa por solo cultivado continuaria. De outro lado, temos uma densidade energética muito baixa, pois estas matérias primas podem produzir entre 600 e 1500 kg de óleo por hectare, ou seja, entre 6 e 15 Mcal/ha, competindo com etanol que pode chegar a 120 Mcal/ha. O problema poderia ser parcialmente contornado com o uso de palmáceas tropicais, cujo paradigma é o dendê. Esta planta produz, hoje, 5 t/ha de óleo, com potencial para o dobro deste valor, quando pode atingir mais de 100 Mcal/ha. Neste caso, a densidade energética é alta o suficiente para justificar o seu uso.

 

Cotações dos óleos vegetais na Bolsa de Chicago, em dólares por tonelada.

Entretanto, ainda resta a questão de onde plantar. O sudeste asiático (Malásia, Tailândia e Indonésia) está investindo fortemente na expansão do plantio de dendê. Porém, o seu limite físico de expansão será atingido até a década de 20. Sobrará a grande fronteira da Amazônia brasileira, onde cerca de 30 milhões de hectares já desmatados poderiam ser utilizados (mesmo que parcialmente) para o plantio de dendê, em sistemas agro-florestais. Aí vai depender do apetite empresarial, de o Governo brasileiro sair de sua inação e de as ONGs preferirem que as áreas desmatadas sejam replantadas, para evitar que mais área de floresta seja desmatada, a manter o modelo de agricultura itinerante atual. 

 

Mas só plantar não vai resolver, porque o preço do óleo vegetal, que é a matéria prima do biodiesel anda pela hora da morte. E a culpa é só parcialmente do biodiesel. A maior “culpada” é a inclusão social, promovida pelo grande aumento de renda per cápita de populações miseráveis, como no Sudeste Asiático e na África, que, com o espetacular crescimento econômico do mundo e a baixa inflação, estão podendo comprar mais alimentos – inclusive mais óleos e gorduras. Veja a evolução do preço dos óleos na figura.

  Mas, se o mundo exige cada vez mais energia, se a tendência mundial de substituição de fontes fósseis por renováveis é um fato inexorável, o que vem depois do biodiesel? Vislumbro duas quebras de paradigma tecnológico. A primeira delas tem a ver com o dueto matéria prima e processos de transformação. Já a partir da próxima década, porém com maior intensidade na década de 20, a indústria vai mudar para matérias primas genéricas, tipo biomassa residual, cascas, grãos, lascas ou serragem de madeira, ou mesmo toras de madeira imprestáveis para outros usos, associada com processos de pirólise ou gaseificação, para produzir bio-óleo ou gás de síntese. O bio óleo já é um sucedâneo do diesel. Com o gás de síntese, os químicos vão sintetizar novos biocombustíveis, adaptados para operar em motores de ciclo diesel, em regime de trabalho pesado.

 

 

 

A outra quebra de paradigma diz respeito a mudanças nos motores, de maneira a permitir o uso de bioetanol, substituindo parcialmente o petrodiesel. Nem são mudanças muito profundas, trata-se de inovações tecnológicas que rompem com a forma como se havia tentado usar etanol em motores diesel até hoje, e que nunca “pegaram” por ineficiência ou alto custo. A Embrapa detém uma patente nesta área que, tenho certeza, vai revolucionar o setor em escala mundial, criando algo parecido com um motor flex fuel a diesel. Só não será flex fuel completo, porque sempre será necessária determinada proporção de diesel ou biodiesel (talvez até uns 40%). Mas, os testes preliminares mostraram economicidade e desempenho elevados, por vezes superando a operação com diesel puro. É o futuro chegando, quando ultrapassarmos os limites do biodiesel.

 

 

Responsible soy
Décio Luiz Gazzoni

A Associação Internacional de Soja Responsável (Round Table on Responsable Soy Association- RTRS) tem como objetivo construir um processo global e participativo para promover a produção de soja de forma economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente equitativa. Dela participam instituições de setores e países relacionados com a cadeia de produção e comercialização da soja, assim como produtores, exportadores, agroindústria, instituições financeiras, além de diversas ONG's sociais e ambientais.

 

Objetivos

O Fórum sobre Soja Responsável busca: a) alcançar o consenso entre os atores chave vinculados à cadeia produtiva da soja; b) atuar como um Fórum para desenvolver e promover critérios para a uma produção de soja economicamente viável, socialmente equitativa e ambientalmente sustentável; c) promover e replicar projetos piloto de soja sustentável; d) atuar como um Fórum internacionalmente reconhecido para a fiscalização e seguimento da produção de soja em termos de sustentabilidade.

 

Traçando o futuro

Baseando-se nas tendências atuais, acredita-se que a indústria da soja atravessará a próxima década em elevado ritmo de crescimento. Não obstante, é crítico que esta expansão seja realizada num quadro sustentável. Para assegurar este processo, o desenvolvimento de uma definição mundial sobre a produção sustentável da soja será chave. É importante também a implementação de melhores práticas de manejo segundo esta definição, tomando em conta os aspectos ecológicos, sociais e econômicos. Pensando nisto, a Associação organiza eventos periódicos para discutir temas ligados à sustentabilidade e estabelecer princípios que a garantam, em todos os elos da cadeia. Hoje realiza-se, em Buenos Aires, o 3º. Congresso da Associação e eu tive a honra de ser convidado para apresentar uma palestra sobre a sustentabilidade da expansão futura da soja brasileira. Pretendo demonstrar que o futuro, em larga medida, será uma projeção do presente, com um forte compromisso do desenvolvimento tecnológico baseado na sustentabilidade da cultura. Minha missão é mostrar ao mundo que tecnologias como Plantio Direto, Manejo de Pragas, Fixação Simbiótica de Nitrogênio não encerram um ciclo, porém representam um compromisso com o futuro, onde buscaremos sustentabilidade ainda maior com cultivares resistentes a pragas, tolerantes à seca ou com maior capacidade de absorção de nutrientes do solo. No que depender dos pesquisadores brasileiros, a expansão da soja brasileira será sustentável.

 

 

Mais agroenergia
Décio Luiz Gazzoni

 

Enquanto beócios dos quatro cantos do mundo enxergam chifre em cabeça de cavalo, digo, falta de alimentos porque produzimos energia, continuamos elaborando o Plano Diretor de Energia Renovável para a América Latina e Caribe. Desta vez estamos reunidos na Guatemala, onde existe um belo projeto de organização de comunidades para produção de energia renovável, e muito próximo da Costa Rica, que tem, provavelmente, a matriz energética mais limpa do mundo. É espantosa a potencialidade do mundo de extrair energia de fontes renováveis. Cada região tem suas vocações, mas a América Latina é particularmente privilegiada por uma série de fatores naturais.  

Os diferenciais
O potencial hídrico nos permitiu construir hidroelétricas de grande porte, setor em que o Brasil é o líder. Essencialmente por razões ambientais, a era das mega-usinas deve se esgotar na próxima década. Mas já iniciamos uma nova era, a das pequenas centrais hidroelétricas, que são pequenos empreendimentos, normalmente administrados por associações ou cooperativas, que permitem o auto-abastecimento de comunidades ou de agro-indústrias. Em alguns locais, o vento é forte e constante, em especial em altiplanos e no litoral, onde começam a florescer as torres para transformar energia eólica em elétrica. Numa região essencialmente tropical, o sol é a grande fonte e temos um enorme potencial a aproveitar, transformando energia solar em térmica ou fotovoltaica. Além das possibilidades sempre presentes de energia geotérmica, das ondas ou das marés.

 

Agroenergia
Mas o traço comum entre os países é a agroenergia, pautada em alguns pilares de sustentabilidade, como o não conflito com a área alimentar, a alta densidade por unidade de área e o balanço energético altamente positivo. Neste particular despontam a cana-de-açúcar e as palmáceas tropicais. Porém, a tecnologia agronômica é apenas uma ponta do nosso Plano Diretor. O filé mignon está nos processos de conversão, que permitirão produzir combustíveis limpos e inúmeras substâncias químicas, substituindo o petróleo não apenas como fonte de energia, mas como matéria prima exclusiva da petroquímica. Com o auxílio da biotecnologia, poderemos transformar celulose ou hemi-celulose em produtos similares ao diesel, à gasolina ou ao GNV, sem esquecer da possibilidade de gerar hidrogênio puro, a quintessência das fontes energéticas. Nosso desafio ao elaborar o Plano Diretor é traçar este futuro, viabilizá-lo e antecipar um futuro inevitável e mais sustentável para a próxima geração.

 

Brincando com o mercado

Décio Luiz Gazzoni

 

Admiro muitas coisas na Argentina e nos argentinos, além do tango, do bife de chorizo e do vinho (dos melhores do mundo!). Admiro especialmente a capacidade de protestar e exigir seus direitos, razão pela qual a Plaza de Mayo é um ponto de referencia mundial em protestos contra o Governo. Isto acontece porque volta e meia o Governo argentino apronta algumas bandalheiras enciclopédicas. Uma das últimas foi a ampliação da taxação da exportação de soja e derivados. A idiotice começa com o fato de taxar exportações, quando a grande grita no mundo é o reverso – acabar com os subsídios à exportação. E continua com as altíssimas taxas, que vão reduzir a produção argentina e jogar os preços da soja ainda mais para cima.  

Tamanho da mordida

Pode parecer incrível, mas para o sojicultor argentino faz pouca diferença a tonelada de soja subir de US$400 para US$600, porque ele vai receber apenas US$55 a mais. Ocorre que a retenção (imposto de exportação) depende do valor de mercado da soja. Começa com 23,5% com a soja a US$200/t e vai a 47,8% com a soja a US$600/t. A justificativa da Presidente Cristina Kirchner é evitar que o estímulo do preço da soja diminua as áreas de trigo e milho. Isto é duvidoso, porque trigo e milho também estão com as cotações nas nuvens. Para mim, certo mesmo é o desespero para tapar o crescente rombo do caixa do Governo, atualmente dependente das compras de títulos pelo companheiro Chávez – única pessoa do mundo que ainda compra títulos argentinos em grande escala.

 

Reação

Além do que a gente vê na TV (protestos, tentativa de negociação), o que eu apurei coletando informações para elaborar o Plano Diretor de Defesa Agropecuária do Uruguai, é que os capitais dos sojicultores estão fugindo da Argentina. O primeiro porto seguro é o Uruguai, que planta hoje 300.000 ha de soja, mas que pode ultrapassar um milhão no curto prazo, se continuar a burrice do Governo Argentino. O mercado de arrendamento de pastagens para plantio de soja, nesta semana, fechou negócios a US$500/ha, por três anos, com pagamento antecipado e garantia de entrega de solo mais fértil que o recebido. A elevada taxação da soja argentina pode acabar mal para eles e bem para os uruguaios. Aliás, para quem se lembra, os arrozeiros gaúchos estão fazendo a mesma coisa, há algum tempo. Largaram as terras no Rio Grande do Sul para plantar logo aí, do outro lado do rio, por conta da alta tributação no Brasil. E exportam para cá o mesmo arroz que antes produziam aqui. Brincar com o mercado dá nisso.

 

 

 

Clima, Energia e Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

As interações entre Mudanças Climáticas, produção de biocombustíveis e de alimentos desperta interesse mundial. Autoridades como os Presidentes do Banco Mundial, do FMI, da França, da ONU, o Primeiro Ministro da Inglaterra, o Diretor Geral da FAO e presidentes de enormes conglomerados privados como a Unilever e a Nestlé, para não falar de ONGs, estão debatendo abertamente o tema, em diferentes foros, com enorme repercussão da mídia. Estas autoridades afirmam que o mundo terá que escolher entre produzir alimentos ou energia. Do outro lado está o companheiro Lula, o grande paladino da agroenergia em escala planetária, que berra aos quatro ventos que esta discussão não passa de sofisma, que é possível conciliar as duas demandas.

 

Debate

Agora o cidadão londrinense terá a oportunidade de integrar-se ao debate, pois a UEL promove um evento para discutir o tema na próxima terça feira, dia 20 de maio, na Casa de Cultura da UEL, com início às 20h. Tive a honra de ser convidado para apresentar palestra sobre o tema e, na seqüência, ouviremos dois debatedores que dominam o tema, porém com outro ponto de observação. É a oportunidade de formar a sua própria opinião, sem depender do prato feito que já vem embalado pelos inconfessáveis interesses políticos e comerciais.

 

Clima

Os eventos climáticos extremos estão ficando cada vez mais intensos e com freqüência cada vez maior, não sendo necessário voltar no tempo para citar exemplos. Nos últimos 15 dias um ciclone varreu Porto Alegre e arredores, deixando milhares de desabrigados e a região sem eletricidade por um dia; nos EUA, ciclones varreram diversos estados, matando 20 pessoas e incendiando a Florida; em Myanmar suspeita-se de centenas de milhares de mortos e milhões de desabrigados, depois do ciclone. São as mudanças climáticas a exigir atitude imediata, como substituir petróleo por álcool.

 

Energia x alimentos

Mas aí vem os profetas do apocalipse e dizem que você terá que escolher: prefere morrer de fome ou varrido por ciclone? Porque a agricultura não suportaria atender as duas demandas. E que, no fundo, bicombustíveis não seriam assim tão amigáveis para o ambiente. O assunto é complexo e multifacetado, envolvendo interesses contraditórios. Neste particular, estou com o companheiro Lula e não abro: pode ser que, nos países ricos, sem possibilidades de expandir a produção, isto seja verdade. Mas, aqui em Pindorama, a história pode ser bem diferente. Você é meu convidado para debater este tema na próxima terça feira.

 

  

Como eu já havia dito...
Décio Luiz Gazzoni 

Os leitores que me perdoem voltar ao tema. Desde 2004 me dedico a prospectar os impactos da agricultura de energia sobre a oferta, demanda e preços da agricultura mundial. Pertencer ao Painel Científico Internacional de Energia Renovável sem dúvida abriu-me muitas portas e me permite um ponto de observação isento e distanciado. Não há como contar toda a história neste pequeno espaço, portanto, quem tiver interesse, entre em http://dlgazzoni.sites.uol.com.br/jl.pdf para ler a história completa. As declarações contra a agroenergia (o presidente do FMI, do BIRD, da Nestlé, o Primeiro Ministro da Inglaterra etc.) fazem parte de um jogo de interesses. Nos bastidores esconde-se a defesa do status quo petroleiro, dos subsídios agrícolas da Europa, da especulação com commodities. E os representantes da Bolívia, Argentina, Cuba e Equador nada mais fizeram que reverberar o discurso do companheiro Chávez, de quem dependem financeiramente. Chávez ataca os biocombustíveis porque o dinheiro para fazer seu jogo geopolítico vem dos petrodólares e porque jamais vai perder uma oportunidade de bater nos EUA e, particularmente, em Bush. 

Lula
Então só o Lula é santo? Não, ele também joga o jogo de interesses, só que do outro lado do campo. Ele foi – felizmente – emprenhado pela visão futurista de seu ex-ministro Roberto Rodrigues, de que a Agroenergia será o maior negócio do agronegócio mundial. E quem ganha neste jogo são os países que podem expandir sua agricultura, ou seja, América Latina e África. Lula está puxando a brasa para o seu assado, que é o assado da maioria dos países pobres ou remediados. Por enquanto, ele é voz isolada. A Argentina poderia jogar no mesmo time, mas depende de Chávez para comprar seus títulos públicos. A Bolívia, igualmente. Países africanos também se beneficiarão, mas nenhum deles tem a expressão e o espaço de mídia que o Brasil e Lula têm. Por enquanto, Lula é o Davi agrícola contra o time dos Golias petroleiros, protecionistas e especuladores.
  Preços agrícolas
Com exceção do etanol de milho dos EUA e de trigo da UE, e do biodiesel de canola da UE, os biocombustíveis não têm quase nada a ver com aumento de preços de produtos agrícolas no mundo. Procure os culpados (!) na inclusão social na Ásia e na África, nos subsídios agrícolas do Primeiro Mundo, na especulação financeira que está deslocando a liquidez para commodities (não só agrícolas) e no aumento de custo dos insumos agrícolas, que são causas estruturais, e no clima adverso que frustrou algumas safras de cereais no ano passado.

 

Mudanças Climáticas, Agroenergia e Alimentos
Décio Luiz Gazzoni

 

I. Clima
Nos últimos cinco anos presenciamos cenas, que a pouco tempo eram impensáveis. Nem os avós dos nordestinos lembram a última vez em que o sertão virou mar. Morrer afogado no interior do Piauí então, nem pensar. O Centro-Oeste brasileiro, que se caracteriza pela regularidade e previsibilidade climática, também foi inundado. No ano passado, o verão no Sul do Brasil foi exageradamente seco. Menos na região costeira, para estragar a praia de quem pensou em descansar uns dias. E quem achou que era esperto o suficiente para não sair de São Paulo e ir à praia, foi recompensado com inundações diárias durante 60 dias. O litoral de Santa Catarina foi varrido por um legítimo ciclone caribenho, nunca antes visto por essas plagas. veio um tal de ciclone extra-tropical que arrasou Porto Alegre e região. Porém, nada disso se compara ao que aconteceu em Myanmar no dia 3 de maio de 2008: um ciclone pode ter matado 100.000 seres humanos e deixado outros 1.500.000 desabrigados. 

Crime e castigo

Se alguém imagina tratar-se de um castigo divino, destinado a purgar algum pecado coletivo cometido pela Humanidade, acertou em cheio. As nevascas no Norte dos EUA seriam devidas, exclusivamente, ao voto pró-Bush nas últimas eleições? As ondas de frio intenso na Rússia seriam uma punição extemporânea a um país ex-comunista? Que dizer da Europa, assolada por ondas de frio, depois de calor, nevascas, enchentes e secas? Mais fácil crer que a fúria divina se deve à retirada dos EUA da discussão do Protocolo de Quioto e da reticência russa em ratificá-lo. 

Melhor não imputar a uma divindade os erros que são nossos. Assim, consideremos Deus uma externalidade nessa análise e busquemos razões terrenas, pois a Ciência pode explicar, adequadamente, a seqüência de desastres climáticos que estão assolando o planeta Terra. Para início de reflexão voltemos apenas cinco anos no tempo. Em 2003, 75.000 pessoas pereceram vítimas de desastres climáticos. Além do número absoluto, o que causa espanto é o aumento de 600% em relação ao ocorrido no ano anterior.

 

Argumentos de diversos matizes são brandidos para explicar essa seqüência tétrica de catástrofes envolvendo fenômenos climáticos. Uns argumentam tratar-se de fenômeno cíclico, que se repete ao longo do tempo, sem que se lhe causa imediata. Outros insistem que se trata de mera coincidência de fatalidades. Apenas uma parcela da população compreendeu o alerta dos cientistas, afirmando que a resposta para o enigma está no aquecimento global do planeta

            Estamos falando de um consistente aquecimento da superfície terrestre, terra e água, áreas produtivas e desérticas, calotas polares e ilhas tropicais, cidade e campo. Esse aumento de temperatura é motivado pela concentração de gases de efeito estufa (principalmente gás carbônico e gás metano) na atmosfera terrestre. O efeito estufa é um fenômeno natural, destinado a regular a temperatura terrestre. Seu ajuste fino para as condições ótimas de operação foi efetuado ao longo de centenas de milhões de anos de co-evolução de todas as interações entre fatores bióticos e abióticos.

 

 

Efeito sobre a biologia           

Existem diversas atividades humanas que interferem com a concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera e, conseqüentemente, afetam a regulação térmica do planeta. Os gases são derivados de atividades poluentes, das quais a que mais se destaca é a queima de combustíveis fósseis, o que mobiliza os estoques de carbono e nitrogênio que a Natureza estocou há milhões de anos no subsolo. Nos últimos 150 anos, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou em 33% (280 para 370 ppm).    Um dos primeiros estudos que demonstra à sobejo o impacto de pequenas elevações de temperatura sobre a vida no planeta foi apresentado durante o XXI Congresso Internacional de Entomologia, realizado em Foz do Iguaçu, há meros oito anos. Na oportunidade, um eminente cientista proferiu uma conferência abordando o efeito do aquecimento global sobre a relação entre insetos e plantas. Foi apresentado um complexo modelo matemático, relacionando a biologia do inseto (dependente do clima), os danos ocasionados aos cultivos e os custos de controle. Foi espantoso verificar como apenas 1º C de elevação de temperatura média pode triplicar os custos de controle de pragas de ciclo biológico curto e rápido desenvolvimento, como ácaros e pulgões.

 

Conseqüências

Todos sabemos que grande parte dos animais que habitavam a Terra foram extintos com o advento da era do gelo, sendo o mamute o exemplo típico. O que poucos percebem é que, durante a Idade do Gelo, a temperatura média da Terra era 5º C menor que a atual. Apenas 5º C! Vejamos alguns efeitos do aquecimento global, previstos pelos cientistas:  

a.        o aquecimento global torna o clima mais instável, as secas mais prolongadas, desloca as chuvas de seus locais habituais, provoca tempestades, tufões e furacões mais freqüentes e intensos;

b.        ao longo do século passado, o nível dos oceanos aumentou 3mm ao ano. As previsões para o presente século são de que possa crescer mais de 10mm ao ano. Mantido o fenômeno, ao final do século, centenas de cidades litorâneas terão submergido no mar;

c.         além dos danos às culturas e criações, existem insetos que são vetores de doenças, como é o caso dos mosquitos. O aumento de sua população significará epidemias mais amplas e mais intensas de dengue, malária e assemelhadas;

d.        uma das belezas naturais da Austrália é a sua barreira de corais, com extensão superior a 1.000km. Devido ao aquecimento da atmosfera, os cientistas prevêem que, em 50 anos, 95% da barreira de corais serão destruídos. A certeza dos cientistas foi reforçada em 1988, quando houve um aumento de 1º.C na temperatura da água do mar, estimando-se que 16% dos corais oceânicos tenham sucumbido devido a essa pequena variação;

e.        a população de pingüins tem decrescido, consistentemente, devido ao derretimento de geleiras polares;

f.          as secas que ocorrem nas regiões tropicais, historicamente úmidas, têm ocasionado o desaparecimento de diversas espécies, como é o caso comprovado dos sapos;

g.        o krill, um crustáceo fundamental da base da cadeia alimentar marinha, teve sua população reduzida em 10%, nas últimas duas décadas;

h.        regiões férteis poderão transmutar-se em inóspitas, por alteração radical do regime de chuvas. 

Impactos

Os impactos na vida sobre a Terra poderão ser enormes. À primeira vista, alguns até parecerão benéficos, se examinados no microcosmo. Por exemplo, algumas regiões da Sibéria poderiam tornar-se agricultáveis. Outras regiões próximas aos círculos polares também poderiam tornar-se aptas ao plantio. Entretanto, regiões nobres para a agricultura poderão ser devastadas por instabilidades climáticas, que aumentariam muito o risco dos produtores agrícolas, forçando-os a abandonar a atividade.   Veranicos mais freqüentesou mesmo secas intermináveis, sobrepondo-se a toda a janela de cultivo – poderão inviabilizar enormes áreas agricultáveis. Outras regiões, situadas em várzeas, serão inundadas e transformadas em pântanos ou lagos rasos. Culturas que dependem fortemente do clima - não apenas para obter produção, mas também para atender requisitos de qualidade - serão as mais atingidas. Entre elas estão, principalmente, flores, frutas e hortaliças, justamente as culturas de maior valor intrínseco e de maior potencial de rentabilidade para o produtor. É aqui que vamos encontrar um dos riscos à garantia de oferta de alimentos para a Humanidade, ao contrário do que pregam os adeptos do lobby petroleiro, que debitam a fome ao uso da terra para o plantio de culturas energéticas.

 

Sustentabilidade, a solução

É importante interromper a busca de explicações esotéricas para o fenômeno que abala o clima planetário e concentrar-se na hipótese mais prováveljustamente a mais pessimista e de maiores impactos. Ou seja, será necessário mudar, radicalmente, hábitos, usos e costumes, para reduzir o impacto das atividades humanas sobre o clima. Desenvolvimento sustentado é a chave para mitigar os impactos sobre o clima

            Consciência da necessidade de reparar os erros passados é fundamental para retroverter o acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, o que significa, não apenas a aprovação e implementação do Protocolo de Quioto, como ir muito além das medidas pouco ambiciosas por ele propostas. A outra alternativa é legarmos aos nossos filhos uma perspectiva de baixa qualidade de vida, falta de alimentos, desemprego, desastres naturais e de economia global combalida.

 

II. Agroenergia
 

Uma das soluções para mitigar o impacto das Mudanças Climáticas Globais é a substituição de fontes fósseis de energia (petróleo, gás e carvão) por fontes renováveis – entre elas as derivadas da agroenergia. Em 2007, o consumo mundial de energia (independente da fonte energética) foi de, aproximadamente, 14,5 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP). A demanda projetada de energia no mundo indica um incremento médio de 1,7% ao ano, entre 2000 e 2030, quando alcançará 20 bilhões de TEP/ano, de acordo com o cenário base traçado pelo Instituto Internacional de Economia. Em condições ceteris paribus, sem alteração da matriz energética mundial, os combustíveis fósseis responderiam por 90% do aumento projetado na demanda mundial, até 2030, o que seria um desastre.   Para qualquer análise prospectiva do setor energético, é importante considerar dois fatos: o primeiro é a elevada concentração de fontes de carbono fóssil (80%) na matriz energética mundial, sendo 35% referentes à participação do petróleo; em segundo lugar, atente-se que as reservas comprovadas de petróleo do mundo eram de 2,3 trilhões de barris, em meados do século XIX, antes do início de sua exploração extensiva. Atualmente, as reservas são estimadas em 1,137 trilhões de barris, 78% dos quais no subsolo dos países do cartel da OPEP. Este último número mostra outra faceta insidiosa da energia fóssil: ela é fortemente concentradora de renda, porque ocorre em poucos locais e gera poucos empregos ao longo da cadeia, em geral 5 a 10% dos empregos gerados nas cadeias de biocombustíveis.

 

Fim de uma era
 

Posto o consumo atual, essas reservas permitiriam suprir a demanda mundial por 50 anos. É evidente que, tanto as reservas quanto o consumo, serão incrementadas ao longo desse período. Admitindo-se que o crescimento projetado de 1,7% ao ano para a demanda global de energia possa ser extrapolado para o petróleo, o consumo atual de 87 milhões de barris/dia seria elevado para 120 milhões de barris/dia, em 2025. Assim, o consumo anual seria de 44 bilhões de barris, o que confirma o esgotamento das reservas até meados do presente século. Ou seja, mesmo sem o impacto ambiental que causa, a era do petróleo está chegando ao fim, sendo o seu atestado de óbito a cotação de mercado de US$126,00 por barril.  

Pela lei da oferta e da procura, concretizando-se o cenário de esgotamento das reservas de petróleo, os preços se manterão em trajetória ascendente, buscando um novo ponto de equilíbrio, que será obtido pela conjunção entre redução da demanda energética e substituição do petróleo por outras fontes competitivas e sustentáveis. Entre estas fontes estão aquelas derivadas da agroenergia, como biodiesel, etanol, carvão vegetal, biogás, briquetes, lenha, etc.

 

  No momento, o break even entre o preço do álcool e da gasolina oscila na amplitude do preço do barril de petróleo entre US$30,00 e US$35,00. Para biocombustíveis derivados de óleo vegetal, por ser uma tecnologia ainda imatura, o ponto de equilíbrio é mais elevado, com forte tendência de declínio no médio prazo. Entende-se, portanto, que as condições econômicas estão postas, em forma estrutural, para a viabilização da agroenergia enquanto componente de alta densidade do agronegócio. As pressões social (emprego, renda, fluxos migratórios) e ambiental (mudanças climáticas, poluição) apenas reforçam e consolidam essa postura, além de antecipar cronogramas.

 

Energia limpa em ascensão

O mercado para produtos da agroenergia é amplo, encontra-se em expansão e possui um potencial quase ilimitado. No curto prazo, a principal força propulsora do crescimento da demanda por agroenergia será a pressão social pela substituição de combustíveis fósseis. Considere-se que a concentração de CO2 atmosférico teve um aumento de 31% nos últimos 250 anos, atingindo, provavelmente, o nível mais alto observado nos últimos 20 milhões de anos. Os valores tendem a aumentar significativamente, se as fontes emissoras de gases de efeito estufa não forem controladas, como a queima de combustíveis fósseis e a produção de cimento, responsáveis pela produção de cerca de 75% desses gases.   A rigor, o Brasil não é dependente do mercado internacional para assegurar a sua competitividade do negócio da agroenergia. Dispondo de um invulgar mercado consumidor interno, o Brasil pode alavancar um negócio poderoso na área de agroenergia, com invulgar competitividade. Sendo assim, o Brasil está destinado a ser o líder mundial, não apenas na produção e comercialização de agroenergia, como, também, de biomateriais derivados de biomassa, que estão sendo viabilizados com os avanços da genética, biotecnologia, processos químicos e engenharia.

 

O conflito

Pela análise exposta, percebe-se uma invulgar oportunidade para o Brasil ingressar em um mercado potencialmente fabuloso, permitindo a consecução de diversos objetivos nacionais e globais, em especial aqueles vinculados aos temas social (criação de empregos, geração e distribuição de renda, desenvolvimento), ambientais (redução das emissões de gases de efeito estufa), econômicos (progresso, altas taxas de crescimento do PIB) e negociais (estabelecimento de um poderoso mercado de bioenergia). Há um porém: os profetas do Apocalipse, abancados nos confortáveis escritórios do Primeiro Mundo, nos ameaçam com os quatro cavaleiros do Apocalipse, afirmando que a Humanidade terá que optar entre alimentos ou agroenergia. Que produzir biocombustíveis gera um problema moral. Será?

 

III. Alimentos
 

De repente, não mais que de repente, o mundo caiu. Autoridades de todos os escalões descobriram que havia fome no mundo e apontaram o dedo acusador: a culpa é dos biocombustíveis! Quanta idiotice e que hipocrisia. É lamentável ver pessoas em cargos importantes serem levianas na análise, no diagnóstico e nas soluções. É lastimável observar sua memória curta e suas rápidas mudanças de posição, ao sabor das conveniências e das oportunidades.   Interessante notar que, há décadas, a FAO denuncia haver mais de um bilhão de famélicos no mundo. Isto nunca foi um problema moral para os países ricos que, ao contrário de resolver o problema, o agravaram com o forte subsídio à sua produção agrícola interna. Tampouco, o fato de o petróleo ser um dos principais vilões do emporcalhamento da atmosferamatriz das Mudanças Climáticas Globais – e do aumento do custo dos alimentos, tem sido considerado um problema moral.   Ninguém rebateu, até o momento, um dos meus argumentos preferidos - e o utilizei ao redor do mundo, em inúmeros foros. O mundo planta mais de 1,25 bilhão de hectares. Há outros 600 milhões de hectares por plantar. Biocombustíveis, somando Brasil, EUA, Europa e Sudeste Asiático, ocupam 12 milhões de hectares. Algum estudante, que não matou aula de matemática, explicaria como 0,64% da área agrícola mundial ocupada com culturas energéticas pode aumentar o preço dos alimentos em 100%? Matar aula, meus amigos, dá nisso! As pessoas não aprendem a fazer contas ou a usar o raciocínio lógico e expõem-se ao ridículo.

 

Os biocombustíveis são os que menos têm culpa pela inflação dos alimentos. Relaciono, em ordem da maior para a menor importância, as causas que considero principais:

 

a.      Inserção social. Nunca antes na História da Humanidade houve crescimento econômico tão elevado, acompanhado de baixa inflação, que produziu tão alto incremento na renda per cápita mundial. Com mais dinheiro na guaiaca, a turba famélica foi ao mercado. O aumento da demanda é explicado pelo aumento da população (1,2% a. a.), pelo aumento de renda per cápita (4% a. a.) e pelo aumento da demanda de carnes, pois, em média, para produzir 1kg de carne são necessários 7kg de grãos.

b.      Protecionismo e subsídios agrícolas. mais de 50 anos os países ricos despejam montanhas de dinheiro para subsidiar sua produção agrícola ineficiente. Os subsídios agrícolas do Primeiro Mundo chegaram a US$1 bilhão/dia! Com isto geraram excessos de produção e passaram a subsidiar a sua exportação agrícola e impor pesadas barreiras à importação. Como tal, inibiu-se a expansão agrícola nos países pobres, o que, agora, faz uma falta tremenda para equilibrar o mercado. Purgar este pecado mortal pode demorar duas décadas de forte apoio à agricultura dos países emergentes.

c.       Aumento dos custos. O custo de produção de soja no Brasil aumentou 133% entre 2000 e 2008. Para outros cultivos os valores são, aproximadamente, os mesmos. O que tem a ver custo de produção com cotação de mercado de um produto agrícola? Embora a cotação não reflita, diretamente, o custo de produção, o mercado sabe que se o custo de produção se aproximar, perigosamente, da cotação de mercado, o produtor será desestimulado a produzir pela relação desfavorável entre risco e rentabilidade e pelo custo de oportunidade de outras aplicações. Portanto, fica criado um piso para reduzir os preços agrícolas.

d.      Aumento dos fretes. O valor dos fretes quadriplicou nos últimos 2 anos e está subindo por quatro fatores: o custo terrorismo, após o ataque terrorista de 11 de setembro, nos EUA; o aumento do comércio globalizado, em especial dos produtos agrícolas; a desvalorização do dólar; e o aumento da cotação do petróleo. Os fretes marítimos afetam os preços agrícolas de duas formas: aumentando o preço dos insumos importados e aumentando o custo de transporte entre o país exportador e o importador.

e.      Especulação financeira. Com a crise do sub-prime nos EUA, está sobrando dinheiro no mercado. A liquidez excessiva encontrou um refúgio momentâneo nas commodities, tanto as agrícolas (milho, trigo, arroz, soja, óleos, farelos, etc.), quanto as não agrícolas (petróleo, minério, aço, carvão, etc.), provocando a disparada de seus preços. Em particular, a alta do petróleoem parte devida à especulação - reforça o aumento do custo de produção.

f.        Clima. Em 2007, foram observados problemas intensos de seca na China, no Leste Europeu (especialmente na Ucrânia), na União Européia, no Canadá e na Austrália. Este é o principal motivo da explosão do preço do trigo no mercado internacional. O mercado globalizado atua em interfaces transversais, onde um produto influencia outros, em função do grau de substituibilidade e da competição por área de cultivo. Logo, o aumento do preço do trigo arrasta junto o preço da soja e do milho.

g.      Desvalorização do dólar. Sendo o dólar a referencia internacional para os preços agrícolas, estes apresentam maior cotação nominal nessa moeda. O fato ocorre porque as Bolsas de Chicago (CBOT) e Nova Iorque (NYSE) concentram o maior volume de negócios do mercado internacional de produtos agrícolas. Porém, em outras moedas, a cotação pode ser menor que as verificadas em anos anteriores, com paridade cambial mais favorável ao dólar. Logo, há uma percepção de inflação pelos preços em dólares, que na realidade não existe em outras moedas.

 Neste contexto, os biocombustíveis exercem um papel terciário e marginal no aumento de preços de commodities agrícolas. Este pequeno impacto se deve, exclusivamente, ao etanol de milho americano, o biodiesel de canola e o etanol de trigo na Europa. não enxergam desta maneira os beócios e os que agem de má .

 

Conclusão

O Clima está mudando de forma inexorável. Essa mudança caracteriza-se por aumento da freqüência de eventos climáticos extremos (nevascas, ciclones, ondas de frio ou calor) e sua intensidade, devido ao aumento da temperatura média global, ao degelo e à elevação do nível dos oceanos.   Também, será inevitável a mudança da matriz energética mundial. Se, atualmente, 80% da energia provêm de fontes sujas, antes do final deste século, 80% provirão de fontes limpas.   E não faltará alimento, por deficiência de oferta, apesar das mudanças climáticas. O avanço tecnológico, em especial da biotecnologia, se encarregará de alimentar o mundo, ao mesmo tempo em que será possível produzir parcela ponderável da energia limpa de que o mundo necessita.

 

O preço dos alimentos
Decio Luiz Gazzoni

 

 

De repente o mundo caiu. Autoridades de todos os escalões descobriram que havia fome no mundo e apontaram o dedo acusador: a culpa é dos biocombustíveis! Quanta idiotice e hipocrisia. É lamentável ver pessoas em cargos importantes serem levianas na análise, no diagnóstico e nas soluções. É lastimável observar sua memória curta e suas rápidas mudanças de posição,ao sabor das conveniências e das oportunidades.  

Ninguém rebateu, até o momento, um dos meus argumentos preferidos - e já o utilizei ao redor do mundo, em inúmeros foros. O mundo planta mais de 1,25 bilhão de hectares. Há outros 600 milhões de hectares por plantar. Biocombustíveis, somando Brasil, EUA, Europa e Sudeste Asiático, ocupam 12 milhões de hectares. Algum estudante, que não matou aula de matemática, explicaria como 0,64% da área agrícola mundial com culturas energéticas pode aumentar o preço dos alimentos em 100%? Matar aula dá nisso! As pessoas não aprendem a fazer contas ou a usar o raciocínio lógico e expõem-se ao ridículo.

 

 Os biocombustíveis são os que menos têm culpa em cartório pela inflação dos alimentos. Relaciono, em ordem da maior para a menor importância as causas que considero principais:

 

1. Inserção social. Nunca antes na História da Humanidade houve crescimento econômico tão elevado, acompanhado de baixa inflação, que produziu tão alto incremento na renda per cápita mundial. Com mais dinheiro na guaiaca, a turba famélica foi ao mercado. O aumento da demanda é explicado pelo aumento da população (1,2% a. a.), pelo aumento de renda per cápita (4% a. a.) e pelo aumento da demanda de carnes, pois, em média, para produzir 1kg de carne são necessários 7kg de cereais. 

2. Protecionismo e subsídios agrícolas. Há mais de 50 anos os países ricos despejam montanhas de dinheiro para subsidiar sua produção agrícola ineficiente. Os subsídios chegaram a US$1 bilhão/dia! Com isto geraram excessos de produção e passaram a subsidiar a sua exportação agrícola e impor pesadas barreiras à importação. Como tal, inibiu-se a expansão agrícola nos países pobres, o que, agora, faz um a falta tremenda para equilibrar o mercado. Purgar este pecado mortal pode demorar duas décadas de forte apoio à agricultura dos países emergentes. 

3. Aumento dos custos. O custo de produção de soja no Brasil aumentou 133% entre 2000 e 2008. O que tem a ver custo de produção com cotação de mercado de um produto agrícola? Embora a cotação não reflita, diretamente, o custo de produção, o mercado sabe que se o custo de produção se aproximar, perigosamente, da cotação de mercado, o produtor será desestimulado a produzir pela relação desfavorável entre risco e rentabilidade e pelo custo de oportunidade de outras aplicações. Portanto, fica criado um piso para reduzir os preços agrícolas. 

4. Aumento dos fretes. O valor dos fretes quadriplicou nos últimos 2 anos e está subindo por quatro fatores: o custo terrorismo, após o ataque terrorista de 11 de setembro, nos EUA; o aumento do comércio globalizado, em especial dos produtos agrícolas; a desvalorização do dólar; e o aumento da cotação do petróleo. Os fretes marítimos afetam os preços agrícolas de duas formas: aumentando o preço dos insumos importados e aumentando o custo de transporte entre o país exportador e o importador. 

5. Especulação financeira. Com a crise do sub-prime nos EUA, está sobrando dinheiro no mercado. A liquidez excessiva encontrou um refúgio momentâneo nas commodities, tanto as agrícolas (milho, trigo, arroz, soja, óleos, farelos, etc.), quanto as não agrícolas (petróleo, minério, aço, carvão, etc.), provocando a disparada de seus preços. Em particular, a alta do petróleo reforça o aumento do custo de produção. 

6. Clima. Em 2007, foram observados problemas intensos de seca na China, no Leste Europeu (especialmente na Ucrânia), na União Européia, no Canadá e na Austrália. Este é o principal motivo da explosão do preço do trigo no mercado internacional. O mercado globalizado atua em interfaces transversais, onde um produto influencia outros, em função do grau de substituibilidade e da competição por área de cultivo. Logo, o aumento do preço do trigo arrasta junto o preço da soja e do milho. 

7. Desvalorização do dólar. Sendo o dólar a referencia internacional para os preços agrícolas, estes apresentam maior cotação nominal nesta moeda. O fato ocorre porque as Bolsas de Chicago (CBOT) e Nova Iorque (NYSE) concentram o maior volume de negócios do mercado internacional de produtos agrícolas. Porém, em outras moedas, a cotação pode ser menor que as verificadas em anos anteriores, com paridade cambial mais favorável ao dólar. Logo, há uma percepção de inflação pelos preços em dólares, que na realidade não existe em outras moedas. 

Neste contexto, os biocombustíveis exercem um papel terciário e marginal no aumento de preços de commodities agrícolas. Este pequeno impacto se deve, exclusivamente, ao etanol de milho americano, o biodiesel de canola e o etanol de trigo na Europa. Só não enxergam desta maneira os beócios e os que agem de má fé. Ponto final.

 

 

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