Feliz qüinqüênio

Décio Luiz Gazzoni

 

Quer me parecer que desejar Feliz Ano Novo aos produtores agrícolas e outros players do agronegócio parece pouco. Melhor já adiantar um Feliz próximos 5 anos, uma vez que, do meu ponto de observação, parece-me que, como nunca antes na História da Humanidade o agronegócio viverá um ciclo de exuberância e de expansão como o que vamos vivenciar. Duas ressalvas: estou falando do conjunto do agronegócio, o que significa que, alguns segmentos em particular poderão não alcançar o desempenho máximo ou mesmo médio do mercado. E que, como é próprio do capitalismo, haverá oscilações no seio do ciclo, porém sempre com desempenho superior ao passado recente e tendência geral altista.

 

Impulsos

O drive dos bons negócios será a demanda aquecida por alimentos, fibras, energia e produtos florestais. Em função da demanda acima do normal, os estoques devem operar no limite de baixa, elevando os preços das commodities agrícolas e sustentando-as em um patamar de preços reais superior ao que vinha sendo praticado. O valor em reais somente não será melhor porque o real está sobrevalorizado, por má condução da política econômica que não tem ouvido os alertas e reclamos dos produtores e exportadores. O que sustenta a demanda em alta são três fatores, na seguinte ordem de importância: o crescimento da população mundial, a demanda de biocombustíveis e o crescimento da renda per cápita nos países emergentes.

 

Em alta

A demanda de alimentos tem uma relação linear com o crescimento da população. Mas o crescimento da renda impulsiona de forma exponencial tanto o consumo de alimentos quanto o de biocombustíveis. Além disto, renda mais alta, sofistica o consumo, elevando a demanda por alimentos mais nobres – e mais caros. O Brasil já responde por 30% do comércio internacional de carne do mundo e vai continuar crescendo. Soja e milho também estarão em alta, assim como frutas e sucos. Os mercados de cana-de-açúcar (etanol ou açúcar) e de oleaginosas em geral também estarão aquecidos. Os óleos não baixarão do patamar de US$1000/t. Existe apenas um risco para esta previsão: uma brutal recessão em escala planetária, que enxugue a liquidez do mercado, reduza a renda das famílias (em especial a previsão de renda futura) e torne os mercados mais fechados e protecionistas. Afora isto, é o momento de aproveitar o bom ciclo para investir em temas que serão fundamentais para a competitividade no mercado, como qualidade, produtividade e as agendas social e ambiental da agricultura.

 

 

Lixo é energia

Décio Luiz Gazzoni

 

Para que serve casca de árvore, caroço de frutos, casca de arroz, sabugo de milho, resto de pastagem, lasca ou serragem de madeira? Quando existe uso é para compostagem e adubação orgânica. Mas, qualquer matéria orgânica pode virar energia, através de um gaseificador. O processo não é novo, foi descoberto há quase dois séculos. Os que nasceram antes de mim devem lembrar do gasogenio (muito usado na Europa durante a II Guerra), que produzia combustível a partir de lenha. Um dos modelos em teste no Brasil (desenvolvido pela UnB) é do tipo gaseificador downdraft estratificado. O nome é complicado, mas o processo nem tanto. O equipamento é composto de um cilindro de cimento refratário de 1 metro de altura, no qual a biomassa (lixo orgânico) é inserida por uma abertura superior.  Parte da matéria orgânica é queimada, para gerar calor e um fluxo de gás em contra-corrente, em relação à entrada de matéria orgânica. Os gases produzidos pela combustão mantêm alta a temperatura interna do gaseificador, fazendo com que a matéria orgânica que ingressa também seja gaseificada.  

Tratamento

O gás gerado pela queima desses resíduos é coletado na parte externa do gaseificador, já em baixa temperatura, e passa por um tratamento para separar o material particulado. O valor calorífico do gás obtido é alto, equivalente ao gás liquefeito de petróleo. Uma vez purificado, pode abastecer motores veiculares ou estacionários. Acoplado a um gerador de energia elétrica, o gás é automaticamente sugado pelo motor, que começa a funcionar acoplado ao gerador. A vibração do motor é então transferida para o gerador que, após ser agitado em alta freqüência, consegue manter o sistema homogêneo para a geração de eletricidade. Operando totalmente a diesel é possível gerar até 7,5 kWh. Regulado para operar com 15% de diesel e 85% de gás ele gera 6 kWh.

 

Aplicação

O conjunto é fácil de operar. O motor e o gerador são equipamentos comerciais, prontamente disponíveis. O gaseificador pode ser construído seguindo as instruções fornecidas pela UnB. O equipamento é particularmente útil aonde não chega a rede interligada de energia elétrica, sendo muito vantajoso onde o preço do óleo diesel é elevado, como comunidades isoladas ou fazendas distantes. O custo da matéria prima é baixo ou nulo. Os custos variáveis são essencialmente de mão de obra para coleta e preparo da matéria prima e para abastecimento e operação do gaseificador. E, importante referir, contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

 

 

 

Aço plástico

Décio Luiz Gazzoni

 

Por vezes sou instado a fornecer exemplos práticos da aplicação da nanotecnologia em prol do bem estar da sociedade. A nanotecnologia, junto com a biotecnologia, representa a esperança da Humanidade para um futuro melhor, com melhor qualidade de vida, menor agressão ao ambiente e menor pressão sobre recursos não renováveis. Um trabalho de cientistas da Universidade de Michigan é um bom exemplo do que é possível fazer com esta nova ferramenta da ciência. Eles produziram um plástico tão resistente quanto o aço, porém mais leve e transparente. Trata-se de camadas de nanofolhas de argila e um polímero solúvel em água, que atua como “nano cola”. Entre os usos possíveis está a blindagem de veículos e roupas de policiais e soldados, construção de aparelhos microeletromecânicos, sensores biomédicos, válvulas e aeronaves não-tripuladas.

 

Avanço

As nanoestruturas como nanotubos, nanofolhas e nano-hastes são ultrafortes, porém materiais de dimensões maiores, compostos por nanoestruturas, são frágeis. A solução encontrada pelos cientistas foi aplicar uma camada em nanoescala após a outra, o que resolveu o problema da fragilidade. Para elaborar esta estrutura foi construído um robô, composto por um braço que gira sobre uma roda, a qual sustenta frascos com diferentes líquidos. O braço segura um pedaço de vidro sobre o qual ela constrói o novo material. O robô mergulha o vidro numa solução polimérica semelhante à cola e, em seguida, num líquido composto por nanofolhas de argila dispersas. Quando essas camadas secam, o processo é repetido 300 vezes. Ao final é obtido o “aço plástico”, com a espessura de um filme de plástico comum.

 

Inspiração

Os cientistas inspiraram-se nas conchas de ostras e mariscos, que são construídas da mesma maneira, camada por camada, formando um dos mais duros materiais naturais conhecidos. O polímero semelhante à cola usado no experimento – álcool polivinílico – foi tão importante quanto o processo de junção camada a camada. A estrutura de nanocola e das nanofolhas de argila permitiu que as camadas formassem vínculos cooperativos de hidrogênio, que ocasionam um “efeito velcro”. Esses vínculos, se quebrados, podem facilmente se reestruturar em outra parte. Este efeito é uma das razões pelas quais o material é tão forte. Outra razão é a disposição das nanofolhas, que são encaixadas como tijolos, num padrão alternado. Este é um pequeno exemplo do fascinante mundo que se descortina com a nanotecnologia, que encontrará no agronegócio um campo exuberante de aplicações.

 

 

Energia de algas

Décio Luiz Gazzoni

 

 

De uma coisa tenho certeza: o mundo caminha, inexoravelmente, para substituir as fontes fósseis de energia (petróleo, carvão e gás), por fontes renováveis. Daqui a 100 anos, quase toda a energia da sociedade global será extraída diretamente do sol. Porém, pelo menos nos próximos 40 anos, precisaremos de organismos fotossintéticos para converter a radiação solar em formas de energia que possam ser aproveitadas pelo Homem. A questão é como produzir uma grande quantidade de energia sem utilizar enormes vastidões de área agrícola. Aí é que entram as algas, com incomensurável capacidade de produzir biomassa, em curto espaço de tempo. É o frango da energia!

 

 

 

 

Pioneiros

Ainda estamos na fase de desenvolver tecnologia adequada para a produção de algas, mas já existe produção comercial pioneira. Como parte de sua composição, as algas produzem óleo. Este óleo pode ser extraído tanto para uso energético, quanto para fornecer insumo para a indústria química. Esta propriedade está sendo aproveitada pela Solix Biofuels, situada em Fort Collins e pela LiveFuels, localizada em Menlo Park, ambas nos EUA. Existem outras espécies de algas que produzem mais carboidratos e menos óleo, que podem ser fermentadas para produzir etanol, restando uma fração protéica, que pode ser utilizada para alimentação humana ou animal. Uma das empresas que está cultivando algas com esta finalidade é a GreenFuel Technologies Corporation, baseada em Cambridge, também nos EUA.

 

 

Potencial

A capacidade das algas para produzir biomassa por unidade de área e de tempo é excepcional, não há nada que se compare no mundo vegetal. Além disto, as algas podem ser especializadas para produzir carboidratos (açúcares, amido), proteína ou óleo. Algumas algas podem conter até 60% de óleo em sua composição, ou seja, 3 vezes mais que a soja. Seu cultivo é feito em tanques, aproveitando dejetos de água, como esgotos com alto teor de nitrogênio e o gás carbônico de fábricas como, por exemplo, usinas de etanol. Também não disputam terra arável, pois os tanques podem ser colocados em áreas marginais, sem vocação agrícola – até no oceano! Toda esta potencialidade necessita de muito investimento em pesquisa, para gerar as tecnologias que permitam transformar as algas em riqueza, empregos, energia e até impostos. No Brasil conheço apenas uma abnegada pesquisadora no Rio de Janeiro, que se dedica a esta área. A visão míope de governantes atuais pode representar bilhões de dólares em negócios que perderemos daqui a 10 ou 15 anos.

 

 

 

Anti-oxidantes

Décio Luiz Gazzoni

 

Alimentos funcionais são aqueles que, além de cumprirem suas funções nutricionais, desempenham outras funções ligadas à melhoria da saúde ou redução de risco de doenças. O papel da alimentação equilibrada, na manutenção da saúde, tem despertado interesse da comunidade científica, que tem produzido inúmeros estudos com o intuito de comprovar a atuação de certos alimentos na prevenção de doenças. Um dos aspectos importantes dos alimentos funcionais está no conteúdo elevado de agentes anti-oxidantes, que reduzem os radicais livres do organismo.

 

O que são?

Os anti-oxidantes são moléculas que reduzem ou previnem a oxidação de outras substâncias. Por sua vez, a oxidação é uma reação química que transfere elétrons de uma substância para um agente oxidante. Através das reações de oxidação são produzidos os radicais livres, que deflagram reações químicas em cadeia, as quais danificam as células, inclusive o código genético (DNA). As substâncias anti-oxidantes possuem a propriedade de evitar ou acabar com estas reações em cadeia, removendo radicais intermediários e inibindo outras reações de oxidação, oferecendo-se em “sacrifício” para serem oxidadas. Portanto, as substâncias anti-oxidantes são agentes redutores (o oposto dos agentes oxidantes) e prestam importante serviço para garantir o equilíbrio orgânico.

 

 

Auto-proteção

Embora as reações de oxidação sejam importantes para a vida, elas também podem ser deletérias. Tanto animais quanto vegetais mantêm um sistema complexo de antioxidantes como glutationas, enzimas, e vitaminas (C e E), que servem para regular as reações de oxidação, a fim de evitar que ultrapassem determinados limites. Quando estas substâncias estão em níveis baixos no organismo, ocorre o estresse oxidativo, que pode danificar as células. Este evento está na raiz de muitas doenças humanas, incluindo câncer, AVCs, doenças coronarianas e neuro-degenerativas.

 

 

Alimentos funcionais

É neste quadro que os alimentos com alto teor de anti-oxidantes pode fazer a diferença. Ao invés de tomar pílulas de suplementos ou vitamínicos, um nutricionista pode indicar uma dieta rica em alimentos que contenham alto teor de anti-oxidantes, em especial com vitaminas C e E e do betacaroteno, que são anti-oxidantes clássicos. Os anti-oxidantes estão presentes em frutas (especialmente cítricas), legumes, hortaliças e cereais. A vitamina E, por ser lipossolúvel, é mais encontrada em alimentos gordurosos ou com alto teor de óleo.

 

 

Energia renovável

Décio Luiz Gazzoni

 

Esta semana estou participando da Reunião do Painel Internacional de Energia Renovável, em Paris. O tema da reunião é o esforço de pesquisa no setor, tanto o que está sendo feito no momento quanto o que se vislumbra para os próximos anos, o que tem importância capital para o Brasil. Do desenvolvimento tecnológico depende a concretização do potencial brasileiro para liderar o comércio internacional de biocombustíveis e ampliar as oportunidades do agronegócio brasileiro. Paralelamente, os esforços para liberalização do comércio, eliminando absurdos como cotas, sobretaxas e elevadas alíquotas de impostos, que visam exclusivamente proteger o (ineficiente) produtor de países ricos, é condição fundamental para ampliar a penetração do Brasil no mercado internacional.  

Curto prazo

Sabendo que não podem contar com vantagens comparativas naturais, como grande extensão de terras, clima adequado, possibilidade de múltiplos cultivos por ano e mão de obra barata, os países ricos estão despejando bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, buscando superar suas deficiências naturais. O tema é muito vasto, impossível de esgotar neste espaço, logo vou comentar um aspecto de curto e outro de longo prazo. De imediato, os países ricos estão investindo no aperfeiçoamento do processo de obtenção de etanol de celulose. Esta, por sua vez, seria proveniente de resíduos e dejetos como lixo orgânico, lenha, serragem, cascas, resíduos da agricultura e da agroindústria. Os EUA efetuaram um levantamento e julgam dispor de 1 bilhão de toneladas de celulose/ano, o que permitiria obter 500 bilhões de litros de etanol, equivalente a 80% do seu consumo de gasolina. A Europa está em fase de levantamento dos estoques de celulose dos países que compõem o bloco.

 

 

Longo prazo

Pensando na década de 30 e além, os países desenvolvidos estão investindo em outras formas de energia renovável, em especial a eólica e a solar, esta dividida em térmica e elétrica. O prognóstico é que, até o final deste século, o sol será a grande fonte de energia do nosso planeta, com importância superior à que tem o petróleo hoje. Na seqüência viriam outras energias renováveis como eólica, de marés, geotérmica, das ondas, etc. Nesta visão, a agroenergia, daqui a 100 anos será marginal, razão pela qual o Brasil tem que aproveitar este momento, porque o trem não passará novamente. Mas, o Brasil somente será um vencedor, se investir em pesquisa de agroenergia na mesma intensidade dos países ricos.

Vive la difference!
Décio Luiz Gazzoni

Há 20 dias a União Européia fechou o mercado para a carne brasileira. Alegação: o Ministério da Agricultura do Brasil não teria como fiscalizar 20% das 1600 propriedades propostas para exportar para a UE. Há 7 dias, eu estava no aeroporto de Beauvais, em Paris. Baixou uma neblina de não enxergar a ponta do nariz, que dizer permitir decolagens. Solução: relaxar e gozar, digo, comprar a The Economist e aguardar. Valeu a pena. Logo após os editoriais, esta revista coloca anúncios de posições para altos executivos. Uma das ofertas convidava interessados em chefiar o Serviço Civil da Irlanda do Norte. No Brasil, seria algo como o Ministro da Administração de Pessoal ou similar, comandando toda a burocracia federal. O salário inicial ofertado era de R$500.000,00 por ano! Exigia-se uma série de atributos como liderança, visão, experiência como executivo, capacidade de lidar com mudanças estratégicas em áreas sensíveis, etc. NÃO SE EXIGIA PADRINHO POLÍTICO! Imagine quanto valeria na fisiologia política brasileira uma posição destas!  

Capítulo 2

O deputado inglês Derek Conway admitiu haver contratado seu filho com recursos do seu gabinete. Em conseqüência, exonerou-se do cargo, desfiliou-se do partido e nunca mais vai concorrer a cargo político. O Ministro da Saúde Britânico “esqueceu-se” de declarar R$33.500,00, doados para a sua campanha eleitoral. Para redimir-se do “esquecimento”, exonerou-se do Ministério e, dificilmente, conseguirá voltar a algum cargo público importante. A The Economist mostra que, em países sérios, basta a imprensa denunciar um caso de improbidade e o denunciado não conseguir convencer a opinião pública com uma explicação razoável,que acabou a vida pública para ele. E começa o inferno nos tribunais. Viva a imprensa livre e séria, viva a opinião pública que cobra. Enquanto isso, cá em Pindorama, o presidente do Congresso foi acusado de tantas falcatruas que derrubariam toda a Câmara dos Comuns em Londres. Não explicou nada e continua mamando nas tetas da viúva. Mensalões, cartões corporativos e similares seriam impensáveis no Primeiro Mundo. Muito antes de acontecer a falcatrua, os meliantes seriam expulsos da vida pública e enviados aos tribunais.

 

Capítulo 3

O meu amigo leitor entendeu porque o Ministério da Agricultura só teria pessoal e recursos para fiscalizar míseras 300 fazendas para exportar carne para a UE? Entendeu porque vamos perder bilhões de dólares de divisas e milhares de empregos? É uma questão de opção do uso do dinheiro dos impostos.

 

 

Energia renovável na LAC
Décio Luiz Gazzoni

 

Com orgulho e satisfação aceitei o convite do International Council for Science (uma espécie de Confederação das Academias Nacionais de Ciências) para elaborar o Plano Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento em Energia Renovável para a América Latina e o Caribe. A primeira reunião ocorreu esta semana. É um desafio de fôlego, que muito me atrai, porque sou daquelas pessoas que acreditam que o planeta não suporta mais tanta gente, menos ainda a forma agressiva com que tratamos os elementos naturais, como terra, água e ar. O uso de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás, estão emporcalhando o mundo de tal forma que o clima na Terra está mudando muito rapidamente. E não há muito que se possa fazer no curto prazo pois, se parássemos de queimar fósseis hoje, já emporcalhamos a atmosfera o suficiente para causar impacto negativo por 30 anos.   Oportunidades
Estou convicto que as oportunidades vinculadas às mudanças no perfil das fontes de energia do futuro serão capturadas por quem dispuser de tecnologia na fronteira do conhecimento. O Brasil possui diversas vantagens naturais, como intensa radiação solar e muitas horas de luz, condição de vento no litoral e altiplanos (para gerar energia elétrica a partir da energia eólica) e muita terra, clima, mão de obra e capacidade empresarial para gerar energia de biomassa, como biogás, bioetanol ou biodiesel. Mas, a História da Humanidade é recorrente em demonstrar que não há vantagem comparativa natural que se sobreponha às mudanças de paradigma tecnológico. Gosto de lembrar o exemplo dos relógios de corda suíços, que eram monopolistas até os japoneses introduzirem a tecnologia do quartzo. Hoje, os suíços são claramente minoritários neste mercado.

 

Investimento

O negócio energia continuará a movimentar trilhões de dólares, no futuro. Cada vez menos de petróleo e de gás, cada vez mais de energia solar, eólica e de agroenergia. As nações que detiverem tecnologia mais avançada, gerando energia de forma mais eficiente e mais barata, abocanharão os empregos e os lucros. Este é o grande mote do Plano Estratégico, que objetiva alertar os dirigentes, os políticos, os empresários e a sociedade em geral, da América Latina e do Caribe, que uma grande janela de oportunidade de desenvolvimento está se abrindo, para quem investir fortemente em Ciência e Tecnologia em Energia Renovável. Particularmente, quero chamar a atenção de quem decide no Brasil, pois estamos fechando os olhos para uma oportunidade ímpar da nossa História. 

 

Arroz tolerante à seca
Décio Luiz Gazzoni

 

A expressão “arroz de sequeiro” é um contraponto ao arroz de várzeas, que passa a maior parte do seu ciclo sob uma lâmina d’água. Mas, arroz de sequeiro não significa que a planta suporta seca prolongada. O solo rachado por falta de água não é a imagem de solo fértil, mas é onde os cientistas estão testando variedades de arroz tolerantes à seca.  E por que cientistas buscam esta característica? Em 2007, um terço do sudeste dos EUA foi afetado por uma das maiores secas da sua História. Na Índia Oriental, onde arroz é um dos principais alimentos, a seca resultou numa perda de 5,4 milhões de toneladas de arroz entre 1997 e 2003. Para os agricultores, significou uma redução de 50% no lucro da atividade.

 

As razões
Cientistas do Virginia Polytechnic Institute desenvolveram uma variedade de arroz transgênica que tolera seca, e necessita menos água em condições normais. Além da questão agrícola de produtividade e estabilidade, deve-se considerar o acirramento dos períodos de seca, por conta das mudanças climáticas globais, e o fato de a água estar ficando cada vez mais escassa. Um estudo do International Rice Institute, baseado nas Filipinas, mostra como esta variedade pode ser um instrumento útil no combate à pobreza na Índia e outros países do Sudeste Asiático, onde os agricultores não dispõem de muitos recursos para enfrentar problemas como as secas prolongadas.
  Pesquisa
Para criar o arroz OGM, foi inserido no germoplasma do arroz um gene chamado HARDY. De acordo com os estudos realizados, o arroz transgênico, quando cultivado em condições secas, tinha cerca de 50 por cento mais biomassa que variedades sem o gene HARDY. Além disso, tanto em condições normais, quanto sob seca severa, a variedade OGM aumentou em 65% a eficiência de uso da água. Antes de levar o novo material genético para o campo, o grupo de pesquisa está estudando exaustivamente os impactos ambientais e de toxicidade da nova variedade, e a mesma somente será liberada comercialmente após assegurar-se da sua inocuidade.
  Outras culturas
Assim como foi desenvolvido o arroz tolerante à seca, diversos outros cultivos também são objetos de estudos similares, principalmente soja e milho. Eu, particularmente, tenho a convicção de que, ao final da próxima década, não haverá cultura de expressão econômica , em escala global, que não disponha de variedades tolerantes à seca. Será a resposta da ciência à mudança do clima, à escassez de água e à necessidade de maior produtividade e produção agrícola mais estável.

 

Oportunidades e pró-atividade
Décio Luiz Gazzoni

 

Esta semana estou participando de um congresso científico em Luzern, na Suíça. Coube-me apresentar a Conferencia de Encerramento do evento, a qual, livremente traduzida, seria “O desafio dos 5 “éfes” da agricultura: o mundo pode enfrentá-los com sucesso?” Os 5 “éfes” vêm das iniciais das palavras em inglês para alimento, ração, floresta, fibra e energia. A sociedade mundial espera que a agricultura produza muita energia, porém, sem prejudicar o abastecimento dos itens tradicionais. Este é o grande desafio dos 5 “éfes”!

Pano de fundo
Impossível resumir uma conferência de uma hora neste espaço. Vou direto ao ponto. Nunca antes na História da Humanidade a nossa sociedade se viu tão ameaçada quanto o é agora pelas Mudanças Climáticas Globais. Igualmente, nunca antes na História da Humanidade houve tamanho crescimento econômico quanto agora. No Brasil mal sentimos o fato, porque nosso crescimento ainda é pífio perto de China, Índia, Rússia, Argentina e outros países que estão sabendo aproveitar o bom momento. Mas, o resultado deste elevado e prolongado crescimento econômico é que há mais dinheiro para comprar mercadorias, inclusive alimentos. Sempre afirmei que a fome no mundo nunca foi falta de produção, porém falta de dinheiro para comprar comida. E, também, sobra dinheiro para outras atividades, que demandam energia. Logo o mundo precisa produzir quantidades crescentes de alimentos e de energia e o desafio está em ser bem sucedido nesta empreitada. Há uma desconfiança neste sucesso, tanto que os preços dos produtos agrícolas deram um salto real de 50% nos últimos anos.
  Brasil
Finalmente o futuro chegou para o país do futuro? Deus fez sua parte e nos aquinhoou com terra farta, com clima adequado, com gente trabalhadora e empresários de visão. Agora, é preciso que as nossas lideranças façam a sua parte, eliminando ao máximo as restrições ao agronegócio, como a falta de infra-estrutura de transportes, energia e armazenamento; reduza o custo e amplie o financiamento agrícola; reduza a tributação a níveis equivalentes ao resto do mundo; e invista em tecnologia agropecuária, especialmente biotecnologia, para garantir a nossa competitividade. Com isto, escancara-se uma enorme oportunidade para o Brasil produzir grãos como soja, milho, trigo, arroz, girassol; carne de gado, frango ou porco; oleaginosas como o dendê; frutas tropicais e temperadas e plantas ornamentais. O mundo está de guaiaca aberta para comprar tudo o que a grande fronteira agrícola, que é o Brasil, produzir.

 

Atmosfera saturada de gás carbônico

Décio Luiz Gazzoni

 

O evento que participei na Suíça, semana passada, foi dos melhores a que assisti e, com certeza, seria de muita ajuda para profissionais efetivamente interessados no porvir do agronegócio. Foram diversas palestras sobre o futuro da agricultura, em especial com o uso de bioativadores e de tecnologias para convivência com as Mudanças Climáticas Globais. A conferência de abertura foi proferida por um professor da Universidade de Basel, abordando o futuro do planeta com a biosfera saturada de gás carbônico. Muito interessante e muito profunda, recheada de sólidos argumentos científicos. E que serviu para derrubar argumentos, como o utilizado pela Rússia e outros países do arco de frio próximo ao pólo Norte de que, com o aumento da concentração de gás carbônico, eles seriam beneficiados, pois aumentaria a produção agrícola, uma vez que este gás é um dos “alimentos” das plantas. O cientista nos demonstrou cabalmente que isto não passa de um sofisma. E qualquer agricultor sabe que, de nada adianta aplicar uma tonelada de fósforo na sua lavoura, se houver deficiência de potássio. A lógica é parecida: de nada adianta saturar a atmosfera de gás carbônico, se outros fatores de produção estiverem em baixa.  

Insetos

Eu já havia lido a respeito do tema, mas foi ótimo ouvir a mesma afirmativa do professor austríaco, usando outra linha de argumentação. Numa atmosfera saturada de gás carbônico, as plantas passam a produzir mais carboidratos e menos proteínas. Com isto, os insetos pragas da lavoura necessitam comer maior quantidade de folhas ou chupar mais grãos, para obter a mesma quantidade de proteína que o seu organismos exige para um desenvolvimento normal. Logo, a mesma quantidade de insetos, em um hectare de lavoura, pode produzir um dano muito maior. Ou seja, os cientistas terão que rever todos os cálculos já feitos para os programas de manejo de pragas, quando e quanto aplicar inseticidas ou outras medidas de controle. Um grupo de cientistas americanos já havia verificado que, há 55 milhões de anos, quando ocorreu um dos aquecimentos globais mais recentes – com aumento de 5oC - as plantas fossilizadas mostravam mais danos de insetos. A justificativa dos cientistas é a mesma: com o aumento da concentração de gás carbônico, as plantas se tornaram menos nutritivas, especialmente com menor teor de nitrogênio, o que obrigava os insetos a ingerirem maior quantidade de alimento. Esta é uma nova faceta dos problemas que as mudanças climáticas trarão para os nossos agricultores.

 

 

Esperança na citricultura

Décio Luiz Gazzoni

 

Lembro como se fosse hoje: era meados de 1987 quando colegas extensionistas do interior de São Paulo relataram que pomares de citros estavam apresentando sintomas estranhos. As folhas ficavam descoloridas, amareladas, e as plantas se debilitavam. Eram as primeiras referencias ao CVC, a clorose variegada dos citros, também chamada de amarelinho. O Brasil, que detém 35% da produção mundial de laranjas e domina 80% do mercado exportador de suco de laranja, começava a enfrentar um novo e sério desafio. De São Paulo a doença migrou para Minas Gerais e de lá para outros estados produtores. As estimativas apontam para custos anuais superiores a R$100 milhões, para convivência com o amarelinho, envolvendo o controle do vetor (cigarrinha), a poda e a eliminação das plantas infectadas. Mas, estudos recentes abrem esperanças de fórmulas inovadoras para controle da doença  

Genoma

Há alguns anos, a FAPESP financiou uma série de estudos para descrever os genomas de organismos de importância econômica, entre eles a bactéria Xylella fastidiosa, agente causal do amarelinho. Com base na descrição dos genes da bactéria, foi desenvolvido na USP de São Carlos um estudo para verificar por que este microrganismo era resistente a determinados biocidas, como as cianidrinas. Os cientistas descobriram uma enzima presente na bactéria (chamada hidroxinitrila liase), muita parecida com outra que é parte do sistema de defesa da planta de laranja. Na planta, a enzima produz compostos à base de ácido cianídrico, para defender-se do ataque de fungos, insetos ou bactérias – como a X. fastidiosa. A bactéria, por sua vez, seqüestra este composto produzido pela planta, buscando mecanismos para tornar-se imune a ele e até mesmo para utilizá-lo para sua própria defesa, usando a enzima recém descoberta.

 

Controle

O trabalho de seqüenciamento da Xylella permitiu um enorme aprendizado sobre a bactéria. Hoje se sabe como a bactéria se alimenta, cresce ou se reproduz. Como ela obtém substâncias essenciais extraídas do hospedeiro. Como causa danos ao hospedeiro ou entra em simbiose com outros organismos. O estudo que descrevemos acima mostra um detalhe de como ela se defende de seus agressores. Ora, conhecendo a estratégia do adversário, fica muito mais fácil derrotá-lo. Tenho o sentimento que este estudo acabará conduzindo a novas formas de controle do amarelinho, seja adaptando a planta para defender-se da bactéria, ou encontrando substâncias químicas que burlem o sistema de defesa da bactéria.

 

  

Energia e Alimentos
Décio Luiz Gazzoni

 

Não é por ser presidente de um país ou de uma multinacional que se está livre de falar asneiras. A Folha de Londrina de 24/3 publicou que o presidente da Nestlé, Herr Peter Brabeck, afirmou à revista suíça NZZam Sontag que "...ao se cobrir 20% da necessidade crescente de produtos petroleiros com biocombustíveis, como está previsto, não haverá nada para comer". Ele pode ser bom em vender os produtos da sua empresa, mas parece ser ruim de matemática e desconhecer o mundo fora da Europa. Em especial o Brasil, com o seu potencial, sua tecnologia e seus agricultores aguerridos.

 

Alimentos
Cerca de 15% da população mundial passa fome. Isto seria fácil de resolver, apenas evitando as perdas nas cadeias produtivas. Entretanto, vamos considerar que continuaremos perdulários. Projetando os próximos 20 anos, com uma média de crescimento da produtividade agrícola mundial girando entre 1,5-2% teríamos, ao final do período, uma produção agrícola 15% superior ao crescimento da população. Ou seja, se o mundo for extremamente competente para acabar com a fome na Terra em 20 anos, não precisaríamos plantar um palmo a mais de solo, porque o aumento da produtividade dará conta do recado! E, se o mundo continuar com o crescimento econômico dos últimos 5 anos, ao longo dos próximos 20 anos, isto até pode ocorrer.
  Energia
Estima-se que, em 2010, o mundo estará consumindo 1,2 bilhões de litros de gasolina e 820 bilhões de litros de diesel. Na produtividade atual, produzir 240 bilhões de litros de etanol (20% da gasolina) demanda 35 milhões de hectares de cana de açúcar. Daqui a 20 anos - com os avanços tecnológicos - não mais do que 10-12 milhões de ha. Quase nada, para quem dispõe, de pastagens degradadas para incorporar na agricultura, mais de 100 milhões de ha. Os 160 bilhões de litros de biodiesel (20% do diesel) poderiam ser obtidos de 30 milhões de ha desmatados nos países da região amazônica, reflorestando as áreas com palmáceas oleaginosas. Daqui a 20 anos, quando estaremos usando muito etanol em motores diesel, precisaríamos de apenas 8 milhões de ha de cana ao invés das palmáceas. O Brasil tiraria de letra, mas não poderíamos ser os únicos produtores do mundo, para evitar monopólio, impactos ambientais e riscos climáticos. Distribuindo a produção com outros países, a tarefa fica ainda mais fácil. A propósito, Senhor Brabeck, ao invés de conceder entrevistas no ar condicionado de seu escritório na Suíça, o senhor não gostaria de vir até o Brasil, discutir com os agrônomos o mundo real da produção?

 

 

Cana x petróleo
Décio Luiz Gazzoni

 

O(a) leitor(a) não tem obrigação alguma de conhecer a informação mas, por casualidade, você sabia que uma tonelada de cana tem a mesma energia contida em 1,3 barris de petróleo? Obviamente, esta é a energia potencial, pois, com a tecnologia, a infra-estrutura e os equipamentos instalados e o valor da energia elétrica atuais, o Brasil aproveita somente 40% deste potencial. Quem já andou à noite pelas estradas do Norte do Paraná ou de São Paulo, ou mesmo sobrevoou esta região, já observou o desperdício da queima da palhada da cana, para permitir a sua colheita manual. Dentro de 10-15 anos não haverá mais colheita manual e os equipamentos das usinas terão sido modernizados. Logo, o Brasil deverá estar aproveitando quase 100% da energia da cana.

 

Petrobrás
O ano de 2008 representa uma virada na matriz energética. Nunca antes neste país se produziu mais energia de cana que de petróleo. Tomando o valor energético acima e multiplicando pelas 508 milhões de toneladas que o Brasil deve colher, ultrapassa-se a estimativa da Petrobrás de consumo interno de 650 milhões de barris de petróleo. A partir de agora, nunca mais o petróleo deverá fornecer mais energia no Brasil que a cana-de-açúcar. Quem quiser fazer um cálculo bonito, pode partir dos 9 bilhões de barris de petróleo, que é a capacidade estimada do mega-poço de Tupi no litoral paulista-carioca. Imaginando que ele seria responsável pelo abastecimento de 50% da energia de petróleo consumida no Brasil, nos próximos 20 anos, poderemos obter a mesma energia com a colheita de 2,5-3 milhões de hectares de cana. Com a vantagem que a cana é renovável, não acabará tão cedo.
  Itaipu
Já que mexi com a Petrobrás, vou bulir com Itaipu. Uma tonelada de cana produz 1.978 kWh. Um hectare de cana produz 158,3 MWh de energia. Tomando por base o recorde de produção de energia de Itaipu (93.28GWh), conclui-se que a usina de Itaipu – a maior do mundo e um orgulho nacional - equivale a 47,2 milhões de toneladas de cana (568,9 mil hectares). E que a produção brasileira de cana, em 2008, será equivalente, em energia, a10 Itaipus! Êta pais abençoado por Deus – bem, ao menos em recursos naturais! Estes e outros números estarei apresentando amanhã, dia 4 de abril, no Painel A Produção Agropecuária e a Geração de Energias Renováveis, que inicia às 9h da manhã, no recinto da ExpoLondrina. Será um prazer e uma honra tê-lo na platéia. A palestra será a mesma que apresentei no início de março na Suíça, e que deixou americanos e europeus estupefatos com o potencial do nosso país.

 

Defesa Agropecuária

Décio Luiz Gazzoni

 

Com satisfação profissional aceitei o convite do Governo do Uruguai para elaborar o seu Plano Diretor da Defesa Agropecuária. No total, são oito países na América Latina e Caribe onde tive a felicidade de elaborar Planos Diretores semelhantes (além das organizações de Pesquisa e de Extensão Agropecuária), com os respectivos projetos de financiamento internacional pelo BID. A soma dos valores dos projetos supera US$ 900 milhões. Porém, este não é o fato mais importante. O que conta mesmo foi a felicidade de reacender a chama em instituições destroçadas, como ocorreu no Peru, onde verifico, com orgulho, que implantou-se um sistema modelo de sanidade agropecuária, com um dos melhores programas do mundo de erradicação de moscas de frutas. O programa foi tão bem sucedido que permite ao país exportar frutas e hortaliças para os mercados mais exigentes do mundo. Em 1991, quando lá trabalhei, o Peru contava com o pior sistema de Defesa Agropecuária da América Latina.  

Novos paradigmas

Muito me orgulho de haver participado do desenvolvimento e da implantação de novos conceitos. Há 15 anos, não havia a menor idéia do que significava análise de risco, rastreabilidade, certificação ou inteligência quarentenária. Os sistemas sanitários eram utilizados pelos Governos para proibir a entrada de produtos agropecuários do exterior, como forma de proteger a ineficiência e a incapacidade dos sistemas agrícolas domésticos – por sua vez reflexo de governos incompetentes e sem visão. Ou para arrecadar multas. Hoje existe clareza cristalina da missão de um sistema sanitário – proteger a saúde dos consumidores, nacionais ou estrangeiros. Todo o sistema de exportação de produtos agrícolas está baseado em sistemas sanitários que garantam a qualidade e a inocuidade dos produtos agrícolas. Aliás, com um status sanitário rebaixado, o país acaba sendo alijado do mercado internacional já na fase de competitividade no plano econômico, porque seus custos costumam ser maiores.

   

 

 

Regionalização

Também demorou a ser internalizada a mensagem de que pragas desconhecem fronteiras geográficas. Por conseguinte, apenas colocar barreiras nas fronteiras de países não resolve o problema de diferenciais sanitários. A solução passa, necessariamente, por uma abordagem regionalizada dos problemas sanitários, com projetos multi-laterais, com objetivos e metas consensuados. É uma das idéias caras que implementei nos países fronteiriços do Brasil, uma das maneiras de garantir a melhora sanitária em nosso país.

 

Gasolina verde

Décio Luiz Gazzoni

 

Na edição de 7/4/08 da revista Chemistry and Sustainability, o cientista George Huber e dois de seus estudantes da Universidade de Massachussetts publicaram um processo que permite converter celulose em gasolina. O mundo inteiro estava apostando no etanol celulósico e agora surge um novo caminho para a produção de biocombustíveis. Ao desenvolver o projeto de criação da Embrapa Agroenergia, apontei este caminho como o único que garantiria que o Brasil sempre estaria na liderança do domínio tecnológico dos biocombustíveis.

 

Processo

O mesmo pesquisador já havia demonstrado esta possibilidade, porém utilizando uma série de processos químicos seqüenciais, enquanto o novo artigo integra as diferentes etapas em um único processo, o que simplifica a obtenção da gasolina e reduz seu custo. O processo lembra muito a pirólise, pois os pesquisadores aqueceram a biomassa (especialmente celulose) na presença de catalisadores sólidos (o segredo do processo!). Em seguida, o líquido obtido é rapidamente refrigerado, para sustar as reações químicas de decomposição da biomassa, chegando-se à “gasolina verde”. O processo todo dura muito pouco (menos de dois minutos) e um quarto do produto final compõe-se de naftaleno e tolueno, importantes componentes da gasolina. Na seqüência, o processo permite gerar outros produtos químicos presentes na gasolina, obtendo-se um combustível de alta octanagem. A “gasolina verde” parece um grande avanço? Pasme, pois na mesma edição da revista, o pesquisador James Dumesic, da Universidade de Wisconsin, demonstra a possibilidade de produzir substâncias químicas muito similares à gasolina de aviação, a partir de biomassa. Nada como um país de visão, que incentiva a ciência!

 

Vantagens

Primeiro, nada muda no chão de fábrica das montadoras, não há necessidade de adaptação dos motores. Segundo, a densidade energética da gasolina é mais alta, logo se necessita 50% a mais de etanol (em volume ou massa) para obter a mesma energia. Menor massa ou volume significa menor peso do veículo e menor custo de fretes. A diferença entre esta abordagem e o etanol, é que os pesquisadores estão procurando “mimicar” os derivados de petróleo, do ponto de vista químico, mais do que substituí-los por sucedâneos, de composição química diferente. Este processo ainda tem um longo caminho pela frente até tornar-se realidade. Mas demonstra, cabalmente, que não podemos ficar deitados eternamente em berço esplendido, porque avanços tecnológicos podem derrubar a nossa competitividade, no médio prazo.

 

Responsible soy

Décio Luiz Gazzoni

 

A Associação Internacional de Soja Responsável (Round Table on Responsable Soy Association- RTRS) tem como objetivo construir um processo global e participativo para promover a produção de soja de forma economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente equitativa. Dela participam instituições de setores e países relacionados com a cadeia de produção e comercialização da soja, assim como produtores, exportadores, agroindústria, instituições financeiras, além de diversas ONG's sociais e ambientais.

 

Objetivos

O Fórum sobre Soja Responsável busca: a) alcançar o consenso entre os atores chave vinculados à cadeia produtiva da soja; b) atuar como um Fórum para desenvolver e promover critérios para a uma produção de soja economicamente viável, socialmente equitativa e ambientalmente sustentável; c) promover e replicar projetos piloto de soja sustentável; d) atuar como um Fórum internacionalmente reconhecido para a fiscalização e seguimento da produção de soja em termos de sustentabilidade.

 

Traçando o futuro

Baseando-se nas tendências atuais, acredita-se que a indústria da soja atravessará a próxima década em elevado ritmo de crescimento. Não obstante, é crítico que esta expansão seja realizada num quadro sustentável. Para assegurar este processo, o desenvolvimento de uma definição mundial sobre a produção sustentável da soja será chave. É importante também a implementação de melhores práticas de manejo segundo esta definição, tomando em conta os aspectos ecológicos, sociais e econômicos. Pensando nisto, a Associação organiza eventos periódicos para discutir temas ligados à sustentabilidade e estabelecer princípios que a garantam, em todos os elos da cadeia. Hoje realiza-se, em Buenos Aires, o 3º. Congresso da Associação e eu tive a honra de ser convidado para apresentar uma palestra sobre a sustentabilidade da expansão futura da soja brasileira. Pretendo demonstrar que o futuro, em larga medida, será uma projeção do presente, com um forte compromisso do desenvolvimento tecnológico baseado na sustentabilidade da cultura. Minha missão é mostrar ao mundo que tecnologias como Plantio Direto, Manejo de Pragas, Fixação Simbiótica de Nitrogênio não encerram um ciclo, porém representam um compromisso com o futuro, onde buscaremos sustentabilidade ainda maior com cultivares resistentes a pragas, tolerantes à seca ou com maior capacidade de absorção de nutrientes do solo. No que depender dos pesquisadores brasileiros, a expansão da soja brasileira será sustentável.

 

Mais agroenergia
Décio Luiz Gazzoni 

Enquanto beócios dos quatro cantos do mundo enxergam chifre em cabeça de cavalo, digo, falta de alimentos porque produzimos energia, continuamos elaborando o Plano Diretor de Energia Renovável para a América Latina e Caribe. Desta vez estamos reunidos na Guatemala, onde existe um belo projeto de organização de comunidades para produção de energia renovável, e muito próximo da Costa Rica, que tem, provavelmente, a matriz energética mais limpa do mundo. É espantosa a potencialidade do mundo de extrair energia de fontes renováveis. Cada região tem suas vocações, mas a América Latina é particularmente privilegiada por uma série de fatores naturais.

 

Os diferenciais
O potencial hídrico nos permitiu construir hidroelétricas de grande porte, setor em que o Brasil é o líder. Essencialmente por razões ambientais, a era das mega-usinas deve se esgotar na próxima década. Mas já iniciamos uma nova era, a das pequenas centrais hidroelétricas, que são pequenos empreendimentos, normalmente administrados por associações ou cooperativas, que permitem o auto-abastecimento de comunidades ou de agro-indústrias. Em alguns locais, o vento é forte e constante, em especial em altiplanos e no litoral, onde começam a florescer as torres para transformar energia eólica em elétrica. Numa região essencialmente tropical, o sol é a grande fonte e temos um enorme potencial a aproveitar, transformando energia solar em térmica ou fotovoltaica. Além das possibilidades sempre presentes de energia geotérmica, das ondas ou das marés.
  Agroenergia
Mas o traço comum entre os países é a agroenergia, pautada em alguns pilares de sustentabilidade, como o não conflito com a área alimentar, a alta densidade por unidade de área e o balanço energético altamente positivo. Neste particular despontam a cana-de-açúcar e as palmáceas tropicais. Porém, a tecnologia agronômica é apenas uma ponta do nosso Plano Diretor. O filé mignon está nos processos de conversão, que permitirão produzir combustíveis limpos e inúmeras substâncias químicas, substituindo o petróleo não apenas como fonte de energia, mas como matéria prima exclusiva da petroquímica. Com o auxílio da biotecnologia, poderemos transformar celulose ou hemi-celulose em produtos similares ao diesel, à gasolina ou ao GNV, sem esquecer da possibilidade de gerar hidrogênio puro, a quintessência das fontes energéticas. Nosso desafio ao elaborar o Plano Diretor é traçar este futuro, viabilizá-lo e antecipar um futuro inevitável e mais sustentável para a próxima geração.

 

Brincando com o mercado

Décio Luiz Gazzoni

 

Admiro muitas coisas na Argentina e nos argentinos, além do tango, do bife de chorizo e do vinho (dos melhores do mundo!). Admiro especialmente a capacidade de protestar e exigir seus direitos, razão pela qual a Plaza de Mayo é um ponto de referencia mundial em protestos contra o Governo. Isto acontece porque volta e meia o Governo argentino apronta algumas bandalheiras enciclopédicas. Uma das últimas foi a ampliação da taxação da exportação de soja e derivados. A idiotice começa com o fato de taxar exportações, quando a grande grita no mundo é o reverso – acabar com os subsídios à exportação. E continua com as altíssimas taxas, que vão reduzir a produção argentina e jogar os preços da soja ainda mais para cima.    

 

 

 

Tamanho da mordida

Pode parecer incrível, mas para o sojicultor argentino faz pouca diferença a tonelada de soja subir de US$400 para US$600, porque ele vai receber apenas US$55 a mais. Ocorre que a retenção (imposto de exportação) depende do valor de mercado da soja. Começa com 23,5% com a soja a US$200/t e vai a 47,8% com a soja a US$600/t. A justificativa da Presidente Cristina Kirchner é evitar que o estímulo do preço da soja diminua as áreas de trigo e milho. Isto é duvidoso, porque trigo e milho também estão com as cotações nas nuvens. Para mim, certo mesmo é o desespero para tapar o crescente rombo do caixa do Governo, atualmente dependente das compras de títulos pelo companheiro Chávez – única pessoa do mundo que ainda compra títulos argentinos em grande escala.

 

 

   

Reação

Além do que a gente vê na TV (protestos, tentativa de negociação), o que eu apurei coletando informações para elaborar o Plano Diretor de Defesa Agropecuária do Uruguai, é que os capitais dos sojicultores estão fugindo da Argentina. O primeiro porto seguro é o Uruguai, que planta hoje 300.000 ha de soja, mas que pode ultrapassar um milhão no curto prazo, se continuar a burrice do Governo Argentino. O mercado de arrendamento de pastagens para plantio de soja, nesta semana, fechou negócios a US$500/ha, por três anos, com pagamento antecipado e garantia de entrega de solo mais fértil que o recebido. A elevada taxação da soja argentina pode acabar mal para eles e bem para os uruguaios. Aliás, para quem se lembra, os arrozeiros gaúchos estão fazendo a mesma coisa, há algum tempo. Largaram as terras no Rio Grande do Sul para plantar logo aí, do outro lado do rio, por conta da alta tributação no Brasil. E exportam para cá o mesmo arroz que antes produziam aqui. Brincar com o mercado dá nisso.

 

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