Milho e etanol

Décio Luiz Gazzoni

 

Foi fácil para o companheiro Fidel Castro bater duro no conflito entre produção de alimentos e de energia, usando o milho como exemplo. Afinal, etanol de milho é insustentável sob os aspectos econômico, energético ou social. Os EUA não dispõem de clima para cultivar cana-de-açúcar em larga escala, sendo forçados a usar cereais, como o milho. Obviamente, há um preço a pagar. Na safra 06/07, os EUA tiveram a menor relação estoque/consumo dos últimos tempos, de 10% (22% em 05/06). O preço subiu e a área plantada saltou de 31,7 milhões para 36,6 milhões de hectares., avançando sobre a área de soja (redução de 30,6 para 27,2 milhões de ha) e algodão (de 6,2 para 4,9 milhões de ha). A produção de milho galgou de 268 para 316 milhões de toneladas.  

Demanda energética

Historicamente, cerca de 150 milhões de toneladas de milho americano se destinam à ração animal, 50 milhões são exportados e 35 milhões vão para outros usos. A fatia destinada ao etanol, imperceptível no início da década, cresceu de 56 para 82 milhões de toneladas entre 2005 e 2006. Coisa de gente bem informada, pois o aumento na produção de etanol se antecipou à alta do petróleo, que abriu 2005 cotando US$46,7/barril, com pico de US$74 em julho de 2006. Ocorre que o preço do milho acompanhou a subida do petróleo, aumentado de US$ 2,44 para US$ 3,69 o bushel. Mas, como o etanol americano vem do milho, subindo o custo da matéria prima, diminui a margem do produtor de etanol. O diabo é que, com as metas agressivas do presidente Bush (substituir 20% da gasolina americana por fontes renováveis em dez anos) projeta uma tendência altista, entre US$4 e 5/bushel.

 

Impacto

Entre meados de 2006 e 2007, a margem bruta do produtor de etanol despencou de 75% para 14%. Como as decisões de investimento são tomadas com muita antecedência, em 2006 havia 95 plantas, mais 31 em construção e agora são 119 plantas, mais 86 em construção ou expansão. Para viabilizar estas plantas há duas maneiras: ou o Tesouro joga ainda mais dinheiro, ou o custo fixo precisa ser diluído por uma alta taxa de ocupação. Para tanto, precisa de mais milho. Como os EUA não são o Brasil (que pode expandir mais uns 100 milhões de ha), eles avançam sobre as áreas de soja e algodão, provocando um aumento nas cotações desses produtos. Quanto mais aumenta a produção de etanol, mais aumenta o preço do milho (reduzindo a margem do produtor de etanol) e da soja (encarecendo os alimentos). Ruim para os americanos, bom para o Brasil, que vai ampliar sua produção na esteira da ineficiência americana.

 

 

Panorama hindu

Décio Luiz Gazzoni

 

Escrevo de Bangalore, na Índia, onde participo da Reunião do Painel Cientifico Internacional de Energia Renovável, da Academia Internacional de Ciências, do qual sou membro. Mas, como agrônomo e brasileiro, reservei um tempo para aquilatar o potencial comercial para o agronegócio brasileiro. E os parâmetros são impressionantes. A população da Índia supera 1 bilhão de habitantes (China=1,2 bilhão), com taxa de nascimento de 3,30% a.a. e incremento populacional de 1,8% a.a. A Índia detém 17% da população do mundo e ocupa 2,4% da sua superfície. A população da Índia será de 1,4 bilhão em 2025 e 1,6 bilhão em 2050. Nestas datas a China terá 1,44 bilhão (2025) e 1,4 bilhão (2050). O contexto de fundo é que os países desenvolvidos já estabilizaram suas populações e os emergentes aumentarão a população em 50% até 2050. A renda per cápita da Índia é de, aproximadamente, 700 dólares. Finalmente, a Índia está crescendo mais de 5% ao ano. Sabemos que quase todo o aumento de renda, de populações pobres, vai primariamente para a alimentação, depois para atender outras necessidades básicas. Em ambos os casos, aumenta a demanda de energia. Importante mencionar que a Índia consome apenas 8 bilhões de litros de gasolina e 40 bilhões de litros de diesel.  

Agricultura

A Índia é um grande produtor de trigo e arroz e possui o maior rebanho de gado do mundo (embora não haja abate). A agricultura representa 33% do PIB (US$240 bilhões), emprega 62% da população, ocupa 43% da área do país e responde por apenas 8% das exportações (US$1,7 bilhão). Os parâmetros importantes para definir o consumo futuro de energia e alimentos são o crescimento populacional e da sua renda. Considerando que a combinação dos dois significa quase 10% de crescimento ao ano, e ponderando a baixa renda da Índia, pode-se inferir que a demanda adicional de grãos será de, aproximadamente, 9 milhões de toneladas/ano. De inicio, a Índia pode incrementar a produção. Porém, dispondo apenas de área marginal a ser incorporada, e com sérias restrições de água e fertilidade, o país será um grande importador de grãos no médio prazo. E, considerando o aumento de consumo de combustíveis, a área de alimentos terá que ser dividida com a produção de etanol e biodiesel. Qual a dimensão do negócio? Imagine a Índia com 10% do consumo alimentar e energético do Primeiro Mundo. Haja agricultura para atender. E estamos falando apenas da Índia!

 

 

Sanidade agropecuária na Argentina

Décio Luiz Gazzoni

 

Escrevo de Buenos Aires, onde estou participando de reuniões e proferindo palestras sobre cenários estratégicos da Agroenergia. Mas aproveito para visitar velhos amigos no SENASA, o Servicio Nacional de Sanidad y Calidad Agroalimentaria. O SENASA é um dos melhores institutos de Defesa Agropecuária do continente e também um dos bons institutos do mundo. Mas, apenas ser bom não é suficiente. No competitivo mercado internacional, é necessário estar sempre entre os melhores e melhorar sempre. Uma piscada de olho, ou uma deitada em berço esplendido, e lá se vão alguns bilhões de dólares pelo ralo. Basta ingressar uma praga nova ou mesmo haver um rebrote de uma praga erradicada ou mantida sob controle e milhares de negócios são perdidos. E não apenas perdidos temporariamente, porque a reconquista de mercados é uma tarefa por vezes mais difícil que conquistar um mercado pela primeira vez.  

Investimento

De olho nesta teoria, o Presidente do SENASA, Dr. Jorge Amaya, me convidou em 2003 para elaborar um diagnostico institucional do SENASA. O documento produzido foi duro, apontando diversas lacunas institucionais e riscos futuros, caso providências imediatas não fossem tomadas, tanto nas áreas técnicas quanto nas políticas institucionais de negociação e comunicação. Com base no relatório que produzi, o Governo Argentino solicitou o apoio do BID para investir na modernização e melhoria de sua estrutura. Da negociação resultou um programa pluri-anual de 15 anos de investimentos, que podem ultrapassar a US$350 milhões em inovações e modernização institucional, melhorando a capacidade do SENASA de proteger o patrimônio da saúde animal, sanidade vegetal e inocuidade dos alimentos produzidos na Argentina. Tive a satisfação profissional de também trabalhar na elaboração da proposta de modernização do SENASA, que deve catapultar o instituto para o topo dos pares, em escala mundial. Sem dúvida, o Governo Argentino está com um olho posto nas oportunidades do agronegócio internacional e outro olho nas exigências sanitárias, para garantir a expansão do seu próprio agronegócio.

 

  3 x 0

 

Estar em Buenos Aires – cidade que adoro – me permitiu uma alegria toda especial no último domingo: não há o que pague a alegria de ver o Brasil enfiar 3 na equipe de Riquelme, Tevez e Messi, cercado de argentinos por todos os lados. Nem de jantar um bife de chorizo com vinho argentino, vendo rostos desolados em todas as mesas, que nem tentavam se justificar, tão soberba foi a vitória da seleção brasileira.

 

O custo de uma irresponsabilidade

Décio Luiz Gazzoni

 

Na semana passada comentei sobre o projeto de modernização que elaborei para o SENASA argentino. Por vezes se discute, em teoria, os enormes cuidados que se deve ter ao movimentar vegetais, animais ou solo entre diferentes países. Pode parecer coisa de burocrata desocupado, com o objetivo é perturbar a vida de passageiros, porém o comércio internacional de frutas e hortaliças é o que envolve o maior valor de transações financeiras no agronegócio e também é o que apresenta as restrições fitossanitárias mais intensas. Há cerca de quatro anos um fruticultor argentino visitou pomares em outro país. E ficou excitadíssimo com a diversidade de variedades e a qualidade dos frutos, comparado ao que produzia na Argentina. Não teve dúvidas, cortou alguns ramos para servir de estacas e “melhorar” o seu pomar, na volta para sua fazenda. Só que, junto com as estacas, contrabandeou um vírus, denominado Plum Plox Virus (em inglês) ou Sharka (em espanhol), ou ainda PPV na sigla internacional.  

Danos

O PPV é o vírus mais importante que ataca frutos de caroço (ameixas, damascos, nectarina, pêssego), em escala mundial. Provoca sérios danos, diminuindo a produtividade e causando perda da qualidade organoléptica, visual e aromática das frutas. É muito agressivo, espalhando-se rapidamente através de pulgões. Além da perda de produção e qualidade, o mercado internacional se fecha para os países que não mantêm a doença sob controle. Assim que o vírus foi detectado na Argentina, o SENASA iniciou um programa de combate ao vírus. Como o custo é muito alto, e não havia previsão orçamentária para este combate, diversos outros programas (igualmente prioritários) tiveram que ser interrompidos.

 

 

Custo

No programa que elaborei para controle da doença, com recursos do BID, a previsão orçamentária para os próximos 5 anos é de 10 milhões de dólares (apenas com gastos de equipamentos, insumos e coleta de amostras, afora os custos fixos de laboratório, pessoal, energia, destruição de pomares infectados, etc). A Argentina possui um estoque estimado de 14 milhões de plantas de frutos de caroço. Nos próximos 5 anos, 25% destas plantas serão analisadas em laboratório, em amostras compostas de duas plantas, ou seja, 1,75 milhões de análises. Todos os pomares infectados terão que ser erradicados e queimados. Este é o custo estimado da irresponsabilidade de uma pessoa, se o programa de controle for bem sucedido. Caso contrário, o custo aumenta terrivelmente, com o fechamento do mercado internacional para a Argentina.

 

 

Queimada da cana
Décio Luiz Gazzoni 

O Ministério do Trabalho está exigindo dos produtores de cana o registro formal de todos os trabalhadores e o fim da remuneração por produtividade. Em S. Paulo, está em vigor a Lei 11.241, que proíbe a queimada antes da colheita, em diversas situações. Em ambos os casos, a legislação é moderna e justa, porém incentiva a colheita mecanizada. A lei estadual prevê que, a partir e 2020, não haja mais queima no canavial. Logo, toda a colheita de cana passa a ser mecânica, pois na colheita manual de cana crua o desgaste físico do trabalhador é muito maior que na cana queimada, fazendo com que a sua capacidade diária seja menor, podendo chegar a valores de 47 a 72% de decréscimo, como mostram alguns estudos

Linha do tempo

São 13 anos até 2020 e os avanços serão graduais. Por exemplo, a lei prevê que a colheita mecanizada pode ser realizada em terrenos com declividade máxima de 12%. Portanto, para áreas com declividade superior a essa, o prazo para extinção das queimadas foi estendido até 2031, o que confere mais tempo para resolver o problema do emprego. A preocupação é o que fazer com mão-de-obra substituída pelas máquinas. A solução mais viável é o deslocamento para a construção civil. O nível de penosidade do trabalho é quase o mesmo entre os dois setores, exigindo muita resistência física dos trabalhadores. Mas, a automação e a mecanização também vão chegar na construção civil, estreitando ainda mais a margem de emprego. 

Solução

O avanço na área de cultivo da cana tem atraído investidores que buscam maximizar os lucros de seu investimento. Entre outros aspectos, a questão tecnológica recebe especial atenção. No caso, a colheita mecanizada faz parte dos planos de negócios de todos os novos investimentos. O conflito de interesses está formado, pois os ambientalistas e o Ministério Público também defendem a colheita mecanizada para preservar o meio-ambiente. o MST e assemelhados preferem o emprego, mesmo que duro e parcial. Questionam o impacto econômico que a falta dessa renda poderá trazer às comunidades de regiões como o norte de Minas e o semi-árido, que normalmente fornecem esse tipo de mão-de-obra para as áreas produtoras de cana-de-açúcar. Por isso, essa questão deve ser tratada com amplitude para que não deixe de atender aos interesses dos produtores que buscam eficiência, redução de custos e lucratividade do negócio; que contemple o atendimento dos reclamos ambientais; e que não contribua para aumentar ainda mais os problemas sociais no Brasil.

Agroenergia e o setor sementeiro
Décio Luiz Gazzoni 

 

Escrevo de Buenos Aires, onde participo do Congresso da Seed Association of the Americas, entidade que reúne os produtores de sementes das três Américas. Fui convidado para analisar a evolução histórica da agroenergia no Brasil, em especial as perspectivas futuras e o impacto do avanço da produção de agroenergia sobre o setor sementeiro nas Américas. Obviamente, a questão não é fácil de responder, a não ser através de cenários que explorem as diferentes variáveis intervenientes. E uma delas, muito importante, é considerar que, se outros atores (especialmente EUA e Europa) investirem mais em produção de energia (que, no momento, remunera melhor o produtor que produzir alimentos), alguém terá que produzir alimentos. Aí entram em ação as vantagens comparativas de Brasil e Argentina, que dispõem de área para expansão, clima adequado, setor de agronegócios organizado e mão de obra disponível e barata. Logo, o impacto sobre o setor de sementes terá que considerar ambos os produtos do agronegócio. Ou seja, o conflito, que se avizinha, entre produção de energia ou alimentos, para nós é um jogo de ganha-ganha, ou seja, o país ganha qualquer que seja a decisão dos demais países produtores agrícolas. Obviamente, isto implica em que os preços dos produtos agrícolas vão subir, revertendo uma tendência de queda continuada dos últimos 30 anos. Para isto não há solução, alguém vai ter que pagar mais para que o agricultor possa produzir energia além de alimentos, e a conta terá que ser paga pelos consumidores de alimentos e energia.   Milho
Na mesma mesa redonda também participa o Dr. Esteban Uranga da Pioneer Argentina, que vai abordar a produção de etanol de milho. Eu, particularmente, tenho manifestado profunda incredulidade quanto à viabilidade do milho produzido a partir de cereais. Em todas as análises que fiz, apenas encontro sustentabilidade energética e econômica quando o etanol de miho é produzido de forma integrada com as cadeias de cana de açúcar e de carne. Ou seja, o milho é aproveitado para produzir etanol no período de entressafra da cana (dezembro – abril), utilizando a mesma estrutura industrial e o bagaço da cana para fornecer energia à usina. Além disso, a torta obtida do milho após extrair o etanol (DDGS), de alto conteúdo protéico, deve ser utilizada para arraçoamento animal, junto com soja e o próprio milho. Em um sistema desta ordem, pode ser que as questões energéticas e econômicas sejam equacionadas e o conjunto possa ser sustentável.

 

Graças a Deus!
Décio Luiz Gazzoni

 

Temi pelo pior: poderiam sufocar a voz do mais bem sucedido representante do agronegócio brasileiro, quiçá mundial. O nobre senador Renan Calheiros foi vítima de uma torpe conspiração política e de um conluio da imprensa que envolveu jornalistas na redação e fora delas. Felizmente, o Senado brasileiro é composto de cidadãos íntegros e probos, que não se deixaram levar por invencionices e baixarias.

 

Falta de apoio
O que mais me espantou neste episódio – que continuará insepulto por muito tempo, pois seus detratores inventaram outras três denúncias inverídicas – é que nenhuma liderança do agronegócio defendeu o companheiro Renan. Sequer um pecuarista teve a altivez de amparar o colega bem sucedido. Ao contrário, lembro de algumas lideranças do agronegócio duvidando que fosse possível tamanho sucesso na exploração pecuária. Levantaram dúvidas sobre a capacidade de um pecuarista que venceu nas terras inférteis e áridas das Alagoas, num estado dominado pela febre aftosa, que sequer pode vender carne fora de suas fronteiras. Cá com meus botões, acho que enquanto os inimigos conspiravam, os pecuaristas e agricultores se mordiam de inveja por nunca conseguir roçar o sucesso do senador. Concluo que os pecuaristas nunca aceitaram que uma vaca pudesse parir mais de uma vez por ano. Jamais acreditaram na geração espontânea, aquele milagre da multiplicação das cabeças de gado. Por isto se dão tão mal no negócio, ainda acreditam em Pasteur e outros cientistas de dois séculos atrás que criaram a teoria infundada que todo o ser vivo tem que ter um pai e uma mãe. Ora, ora, assim continuarás pobre para todo o sempre!
  Apóie agora
Felizmente os nobres pares do senador repuseram a verdade. Alguns brasileiros propuseram Renan para Ministro da Agricultura. É muito pouco. Se for para retê-lo no Brasil, sugiro que se funda o Ministério da Fazenda, do Planejamento, da Reforma Agrária, da Agricultura e assemelhados, para melhor aproveitarmos suas habilidades. Mas eu penso mesmo que deveríamos lutar para ter Renan na Direção Geral da FAO. Em menos de dois anos, com suas habilidades pecuaristas, acabaria a fome e o desemprego no mundo, e os agricultores forrariam a guaiaca de ganhar dinheiro. Bastava seguir suas recomendações zootécnicas. E, glória das glórias, acabando com a fome do mundo, seria imbatível para receber o Prêmio Nobel da Paz. Ah, sim, também apóie o cargo de senador vitalício para todos os atuais senadores que nos propiciaram este momento de glória suprema. Meu coração de brasileiro tem orgasmos de orgulho.

 

Desenhando o futuro
Décio Luiz Gazzoni

 Em 2023 a Embrapa estará completando 50 anos de existência. Simbolicamente, este ano foi escolhido como o marco para a elaboração dos cenários que servirão de base para a elaboração do próximo plano diretor e do planejamento estratégico da Embrapa (2007-2023). Para tanto, foram convidadas 50 personalidades da pesquisa agropecuária, de outras áreas da ciência e do agronegócio para elaborarem os cenários com maior probabilidade de ocorrer nos próximos 16 anos. Nos reunimos em São Carlos, uma cidade que respira ciência e em condições de conferir uma inspiração superior para o grupo, porque a tarefa é árdua.

 

Certezas
Para elaborar cenários é necessário fixar algumas premissas e contemplar as incertezas de maior impacto, combinando-as entre si de forma coerente, o que é um esforço de fundir a cuca de qualquer super-computador, que dizer de nós mortais. Porém, a primeira peneirada já fizemos. O grupo de cientistas entendeu que, nos próximos 15 anos, a sociedade vai ficar cada vez mais exigente na qualidade e inocuidade dos alimentos. As inovações incluem variedades resistentes a pragas e que exijam menos adubos. O sistema de produção precisa permitir esta condição, a ser comprovada por rastreabilidade e certificação. O mundo também será muito exigente com sistemas produtivos que sejam ambiental e socialmente corretos. A agroenergia é um fenômeno que veio para ficar e vai dividir o palco, a área e os insumos com a produção de alimentos e fibras. As mudanças climáticas vão exigir novas variedades, tolerantes à seca. A integração lavoura-agroenergia-pecuária será um dos sistemas produtivos dominantes do Brasil.
  Incertezas
Os preços das commodities agrícolas saltaram de patamar. Isto é definitivo? Aí permanecem quantos anos? Depois sobem? Descem? Os países do Primeiro Mundo despejam bilhões de dólares no desenvolvimento da biotecnologia. Aqui, as ONGs fazem gato e sapato para impedir que a ciência evolua, tornando inócuas as inovações geradas nas instituições de pesquisa. Será assim por mais 5 anos? Será que represarão a Ciência mais 7 anos? Conseguiremos os avanços que a sociedade exige, no tempo certo, sem biotecnologia? Nunca antes na História recente da Humanidade houve crescimento econômico tão intenso. Ele continuará? As pessoas que passaram a ter acesso a alimentos permanecerão neste patamar? A China continuará a ser o motor da economia mundial? Quanta energia e alimentos este país demandará? Estas são as respostas que a Embrapa precisa para balizar sua programação de pesquisa.

 

Mudanças climáticas

Décio Luiz Gazzoni

 

Se você não entendeu o discurso do presidente Bush em 31 de janeiro, quando propôs substituir 20% da gasolina americana por fontes renováveis, lembre que ele teve informações privilegiadas sobre os relatórios do Painel das Mudanças do Clima. isto explica a sua aparente contradição entre não assinar o Tratado de Kyoto e estabelecer metas tão arrojadas. Nos relatórios, os cientistas demonstram que o aquecimento global está se acelerando, devido, especialmente à queima descontrolada de combustíveis fósseis. A temperatura média global subiu 0,7º C entre 1901 e 2005. Os dois anos mais quentes registrados até hoje foram 1998 e 2005. Mas a situação pode piorar muito. Na estimativa mais otimista, o aumento da temperatura ficará entre 1,8 e 4,0 graus no século 21. O nível do mar pode subir até 59 centímetros e há a possibilidade de o gelo do pólo Norte derreter por completo até o fim do século.  

Efeito Homem

O relatório do IPCC afirma haver 90 por cento de probabilidade que atividades humanas são responsáveis pelas mudanças, que deixaram de ser uma especulação sobre o futuro para ser um fato do presente. O fenômeno pode ser observado, por exemplo, no derretimento de geleiras e na diminuição da calota polar do Ártico. Prepares-se para um acirramento dos extremos climáticos e com intensidade mais forte. Altera-se o padrão de chuva, com secas e tempestades violentas, e níveis mais elevados nos mares. Isto tudo é conseqüência de um desenvolvimentosujo”, com excesso de uso de combustíveis fósseis, mostrando que a poluição antrópica, na forma de gases estufa (como dióxido de carbono, metano, hidrofluorcarbonos, perfluorcarbonos e hexafluoreto de enxofre) está na base do aquecimento global.

 

 

Impactos

nãomais como fazer a roda do tempo voltar, os impactos sobre o clima estão contratados. Apenas para mitigar os impactos futuros (ou seja, evitar que o cenário seja pior ainda), a ONU estima ser necessário investir 3% do PIB mundial, ou US$600 bilhões. Apenas para mitigar! Muita coisa vai mudar no dia a dia, como aeroportos fechados, ruas inundadas, desconforto térmico no ambiente de trabalho, ventanias e furacões, nevascas extemporâneas, ondas de frio e de calor intensas. No campo a situação também não será fácil. Muda o zoneamento climático, os veranicos serão mais freqüentes e mais fortes, as perdas por falta ou excesso de chuva serão maiores. Sem fortes investimentos em pesquisa para enfrentar a situação, um dos efeitos das mudanças climáticas será o aumento da fome no mundo.

 

 

Agroenergia x Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

 

Hoje apresento uma conferencia no Congresso Internacional de Energia, promovido pela União Pan-americana de Engenheiros. O tema da conferencia é o conflito entre produção de alimentos e de energia, derivados da agropecuária. A depender do Presidente da República, o conflito não existe. Na prática o tema é muito complexo e não existe resposta única. Ao menos três macro parâmetros precisam ser analisados para responder a esta pergunta: a localização geográfica, os cultivos e o horizonte de tempo.

 

O quê e onde

Analisando exclusivamente o abastecimento interno do Brasil, seguramente produziríamos toda a energia e o alimento necessários, até 2050 ou além, sem conflitos. Ocorre que o Brasil é um caso único, por dispor de mais de 100 milhões de ha para expansão da agricultura, e que pode aproveitar outros 100 milhões aumentando a lotação da pecuária de corte de 1 para 2 cabeças por hectare (o que ainda é ridiculamente baixo). Já 90% dos demais países não têm esta alternativa, especialmente os grandes consumidores de alimentos e energia (EUA, UE, Japão, China, Índia, Indonésia, etc.). Sob o aspecto das culturas, uma coisa é falar de cana-de-açúcar - uma dádiva divina do ponto de vista energético - e outra, totalmente diferente, é analisar a soja ou o girassol. A cana produz, hoje, 170 GJ/ha de energia, enquanto a soja atinge 20 GJ/ha. Ou seja, a relação é 8,5:1, favorável à cana. Um exemplo prático: para substituir os 24 bilhões de litros de gasolina que o Brasil consome seriam necessários, hoje, pouco mais de 5 milhões de ha de cana. Já para substituir os 40 bilhões de litros de diesel seriam necessários cerca de 75 milhões de ha de soja. Ocorre que cana-de-açúcar é privilégio de países sub-tropicais e tropicais, como o Brasil. Os demais dependem de matéria prima de baixa densidade energética – como a soja, o trigo ou o milho!

 

Quando

O maior problema ocorre quando se projeta a demanda no tempo. Quanto mais cresce a população mundial e quanto maior a renda per cápita, maior a necessidade de energia e comida. Assim, no futuro, poderemos até produzir etanol (potencial de 550 GJ/ha da cana) sem maiores conflitos, mas teremos problemas para compatibilizar a produção de óleos e gorduras para biodiesel (potencial de 35 GJ/ha de soja) com a demanda alimentar. De 2001 a 2007, a cotação dos óleos vegetais no mercado internacional subiu mais de 100%, demonstrando que o mercado crê em conflito entre produção de energia e de alimentos. A recente disparada do preço a soja embute, parcialmente, a mesma sinalização.

 

 

Agroenergia no longo prazo

Décio Luiz Gazzoni

 

Hoje participo, em Cuiabá, do Painel “Biocombustíveis, o papel de Mato Grosso nesta nova era”. Meus companheiros de Painel serão o Ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes e o Presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Ainda não sei, exatamente, o que dirão as autoridades, mas sei o que eu vou dizer. Sei que o Mato Grosso teria um papel muito importante a desempenhar, não apenas para o mercado doméstico, como para o comércio internacional de biocombustíveis. Tem a seu favor terra em abundância, clima adequado e empresários de primeira linha. Mas existem oportunidades e ameaças.

 

Oportunidades

Não tenho dúvidas que a produção de agroenergia movimentará o maior volume financeiro no contexto do agronegócio. Não apenas com etanol e biodiesel, mas com os combustíveis de segunda geração, como bio-óleo e derivados de gás de síntese. O etanol celulósico vai dar um salto tecnológico sem precedentes na tecnologia da agroenergia. O conceito de biorefinarias promete conferir competitividade e sustentabilidade ao setor. A idéia é produzir, além de biocombustíveis, diversos produtos químicos de alto valor agregado, substituindo o petróleo não apenas como combustível, mas no filé mignon que é a petroquímica. Este é o “ás na manga” dos países da União Européia, que não têm terra disponível ou clima adequado, podendo produzir biocombustíveis com alto custo, que seria absorvido pela produção de especiarias químicas, de alto valor. Assim, biodiesel a US$2 ao litro seria compensado por aldeídos a US$100 ao litro! Até neste caso o MT pode ganhar, pois com a Europa produzindo menos alimentos, abriria mais espaço para os produtores do estado.

 

Ameaças

Para transformar suas vantagens comparativas em competitividade, o Mato Grosso (e qualquer outro estado brasileiro) necessitará dispor de tecnologia na fronteira da ciência, o que implica em que já deveríamos estar investindo agressivamente nesta área, como o fazem os países centrais, que estão colocando bilhões de dólares nos laboratórios de seus países, com o objetivo de liderar a produção e o comércio internacional de biocombustíveis. Igualmente o MT (e o Brasil) precisam retirar os entraves à competitividade agrícola, resolvendo o crônico endividamento agrícola; oferecendo taxas de juros civilizadas; adequando a taxa de câmbio; e criando logística de armazenamento e transportes, que hoje é obra de ficção – o que havia foi destruído nos últimos cinco anos. Sem resolver estas questões, a nova era será jogada para a próxima geração.

 

As outras revoluções

Décio Luiz Gazzoni

 

Tanto se fala na revolução da agroenergia, que esquecemos que outras revoluções estão em curso. Nunca antes na História Universal o mundo acumulou tanta riqueza quanto nos últimos 5 anos. A gente não nota tanto no Brasil porque, apesar dos nossos erros internos, pegamos carona no crescimento mundial. Além da taxa de crescimento populacional do planeta (em torno de 2%), a renda per cápita cresce cerca de 4%, os países pobres crescendo 5 a 10%. Assim vivemos diferentes revoluções.

 

Países Ricos

Lá a população está convenientemente alimentada e o incremento de consumo concentra-se em frutas e proteínas animais, com outra revolução já em curso: parte do excesso da renda vai para produtos orgânicos e para flores e plantas ornamentais. Aí estão três nichos de altíssimo valor agregado que, porém, são intensivos em tecnologia e impõem pesadas exigências sanitárias. Os segmentos de frutas e ornamentais também são intensivos em mão de obra, enquanto a agricultura orgânica se concentra na propriedade familiar, pelas peculiaridades da produção. Sem esquecer que é nestes países que se concentra o rico filão da agroenergia.

 

Países Pobres

Aqui o negócio é o seguinte: cada real a mais na renda familiar vai para comida. Toda aquela balela de acabar com a fome no mundo produzindo mais comida está sendo desmascarada. A fome acaba quando a população tem renda para comprar comida – esta é a dura regra do mundo capitalista. Com o crescimento econômico em países pobres aumenta, num primeiro instante o consumo de produtos básicos como arroz, feijão, milho, mandioca e trigo. Na seqüência vem a revolução da qualidade. Já é possível notar o aumento do consumo de proteína animal no mundo emergente, especialmente de frango, com a carne de porco e bovina na esteira. É neste segmento que vamos vivenciar um forte aumento na demanda, nos próximos anos. Ao contrário da Revolução Verde, que aumentou a oferta e diminuiu preços, a revolução da carne deriva do aumento da demanda. Nos próximos anos, o consumo anual de carnes vai crescer mais de 2%, liderado pela China. Pode parecer pouco, porém para o Brasil é muito, pois somos o líder em produção e exportação de carne e pouquíssimos países do mundo podem incrementar a produção. Logo, o incremento da nossa venda externa vai girar em torno de 5%. Com a demanda de área por outros produtos agrícolas, os ganhos tecnológicos na pecuária farão toda a diferença entre ganhar muito com a pecuária ou vender a terra para um produtor mais eficiente.

 

Está chegando a hora
Décio Luiz Gazzoni

Em 13 de janeiro de 2008 entra em vigor a lei que obriga a adição de 2% de biodiesel ao petrodiesel. Esta mistura é chamada de B2. Em 2013 a mistura obrigatória será de 5% (B5). É hora de fazer um balanço dos preparativos. Do ponto de vista da capacidade instalada, a iniciativa privada respondeu com um “overshooting”, ou seja, em excesso. No momento, já temos capacidade para produzir mais de 1,5 bilhão de litros de biodiesel no Brasil, o que equivaleria a 3,8% do consumo de diesel. E ainda existem solicitações pendentes de aprovação da ANP. Ou seja, se dependesse da indústria de transformação, o programa seria um sucesso. Além da mistura obrigatória, empresas como a Vale do Rio Doce e de transporte de massa estão implementando programas para uso de B20 e B30, ampliando ainda mais o mercado.

 

Matéria prima
O Governo temia pela resposta adequada da iniciativa privada, receando que não houvesse capacidade de produção suficiente para a implementação do programa. Entretanto, não houve o mesmo cuidado com a garantia de fornecimento de matéria prima. A única tentativa foi o fomento do plantio de mamona, mais voltado para um programa de assistência social que para uma política energética. A mamona possui baixa capacidade produtiva – na média nacional produz 400 L de óleo por hectare. Por hipótese, para atender o programa B2 seriam necessários 2 milhões de hectares de mamona. O mesmo óleo poderia ser obtido com 150.000 ha de dendê! Além disso, o óleo de mamona é muito viscoso e, a alta concentração de ácido ricinoleico, provoca reações químicas indesejáveis na câmara de combustão, desaconselhando o uso do óleo de mamona como combustível.

 

Custo
Mas o problema não é apenas a falta de uma política interna de garantia de matéria prima, houve desleixo na coordenação das políticas públicas entre os diferentes países, que as emitiram ao mesmo temo, de forma anárquica, pressionando fortemente a demanda de óleo vegetal. Logo, o mercado precificou esta demanda e fez o preço dos principais óleos dispararem no mercado internacional. Portanto, vamos viver o paradoxo de sermos um país líder na produção de óleos, mas que enfrentará problemas sérios para encontrar meras 800 mil toneladas de óleo para produzir biodiesel. Como o percentual de adição é baixo, os preços ao consumidor não serão afetados. Porém espera-se que o Governo aprenda a lição e tenha uma política séria para garantir a oferta de óleo em 2013, quando a demanda será de 2 milhões de toneladas de óleo.

 

Cassel & Bebel
Décio Luiz Gazzoni

 

Os aloprados do PT alopraram de novo. O Presidente Lula, que nada sabia, deu entrevista ao Jornal Nacional dizendo que “...meu governo não barganha cargos e verbas, político que quiser aderir ao governo deve fazê-lo por convicção programática”. Já o Diário Oficial publicou a assunção de apadrinhados políticos na Direção da Petrobrás, a fim de convencer os padrinhos a aprovarem a famigerada CPMF na Câmara dos Deputados. O Diretor que saiu, Ildo Sauer (brilhante professor da USP), reverberou, em sua entrevista, o sentimento de todo o mercado. Disse que vai faltar óleo para a mistura de 2% de biodiesel ao diesel, pois o óleo vegetal saltou de US$400 para US$850 por tonelada, pelo descasamento entre demanda e oferta.

 

Cassel
O Ministro do MDA foi escalado pelo Governo para responder (com discurso, não com ações). Afirmou na entrevista (terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1945125-EI6579,00.html): 1) “Fechamos agora a colheita 2006-2007, a primeira safra inteira do biodiesel, com a inclusão de 100 mil famílias de agricultores, especialmente no Nordeste.”; 2) “Para o biodiesel, estamos produzindo especialmente mamona.” 3)” Já temos combustível suficiente para garantir B2 e até B3.”. Bem, isto é o oposto do que se comenta no mercado, portanto melhor tirar as dúvidas com números do Governo. Para ganhar um salário mínimo por mês, o agricultor deveria produzir 11 t de mamona por ano (a CONAB informa o preço de R$25,00/saco). De acordo com o IBGE, a produtividade de mamona no Brasil, em 2007, foi de 611 kg/ha (queda de 9% sobre 2006). Logo, cada família precisaria de 18 ha, no total 1,8 milhão de ha. Mas o IBGE afirma que a área de mamona foi de 157.000 ha (12% mais que 2006). Para garantir B3 (1,2 bilhão de litros), precisaríamos de 5 milhões de ha de mamona, produzindo 3 milhões de toneladas. O IBGE afirma que só produzimos 94 669 t, logo faltam 2.905.331 t. Como os números afrontam a entrevista do Ministro, parece que os aloprados não só aprontaram para o Lula, mas também para o Cassel, passando informações erradas para o Ministro.
  Bebel
A Globo tem muito mais empatia com o povo que os políticos. O final de Paraíso Tropical, com a Bebel virando exclusiva de Senador, traduz exatamente o que o povo pensa dos políticos e de suas instituições, o que é profundamente lamentável. Como a Globo não fala abobrinhas, mas manda recados, estou aqui pensando na tal CPI dos biocombustíveis. Será que no Brasil além de ecologia e biodiesel, tem algo que só eu e a torcida do Corinthians não sabemos?

 

Bolsa Agrônomo
Décio Luiz Gazzoni

 FHC criou meia dúzia de programas de apoio social – tinha até uma bolsa gás. Lula juntou as diferentes bolsas do Governo anterior e plasmou a bolsa família. A vantagem é a visibilidade, afinal são, em média, R$74,00 por família, o que rende uma popularidade que se transforma em votos decisivos, como vimos na última eleição. O eleitor não se importa em saber que o dinheiro da tal bolsa família vem dele mesmo. Senão vejamos: com uma carga tributária média de 38%, de um salário mínimo o Governo se apodera de R$144,00. Com o dinheiro dos impostos, o Governo devolve R$74,00 para o mesmo assalariado e este fica feliz e agradecido. Tão contente que vota pela manutenção do sistema perverso e nem percebe que o Governo depois lhe toma, em impostos, R$28,12 da bolsa!

 

Mais comida
Com os agrônomos é diferente. O leitor já viu algum agrônomo pedindo votos porque cumpriu sua missão? Claro que não. Mas, bem que poderia se apropriar de seus feitos para galgar a escada do poder. Até eu poderia, pois coloquei minha gota no oceano de esforço dos agrônomos para aumentar a oferta e reduzir o preço dos alimentos. Ao contrário dos políticos, os agrônomos não prometem, apenas cumprem. Vamos aos números que mostram como os agrônomos ajudaram a diminuir a pobreza e a fome no Brasil. O primeiro número é a produtividade agrícola. Nos últimos 30 anos, a área cultivada no Brasil cresceu 23%, enquanto a produção aumentou 179%. O segredo da “mágica” está no trabalho de agrônomos, pesquisadores e extensionistas, que fizeram a produtividade agrícola crescer 130%! E, com as novas tecnologias, especialmente as baseadas em biotecnologia, a produtividade continuará crescendo muito nos próximos anos.

  Preço mais baixo
Tamanha fartura no campo redundou em enorme ganho para a sociedade, na área urbana ou rural. Se tomarmos o custo da cesta básica no ano de 1975 e conferirmos a ela o índice 100, veremos que, em 2007, este índice está em cerca de 20. Ou seja, a cesta básica custa 20% do que valia há 32 anos. Ou, dito de outra forma, o mesmo dinheiro compra 5 vezes mais alimentos. Como uma cesta básica vale R$238,00, cada família está poupando R$952,00. Este é o valor de uma bolsa agrônomo, entregue a cada família brasileira – pobres, ricos e remediados - todo o mês. Uma bolsa agrônomo vale 12,8 bolsas família. Ainda bem que agrônomo prefere trabalhar a pedir seu voto! Dia 12 de outubro é o dia do Agrônomo. Se você conhece um profissional de Agronomia, não se esqueça de agradecer-lhe pela bolsa agrônomo e por não pedir nada em troca.

 

Soybeans Conference
Décio Luiz Gazzoni

 Participei, recentemente, como conferencista na Soybeans Conference, pela primeira vez realizada na América do Sul. A Conferência objetivou prospectar o comportamento de médio e longo prazo da cadeia produtiva de soja e suas interfaces, como agroenergia e produção animal. O evento foi excelente e teria muito a contar para os leitores. Porém, vou me ater a algumas colocações que presenciei durante a Conferência, que me chamaram muito a atenção, e que merecem profunda reflexão. Em próximas colunas, comentarei outros aspectos importantes do evento.

 

China e Índia
Definitivamente, não se fazem mais comunistas como no século passado! Ao menos na China (maior país comunista(?) do mundo) e na Índia. A China enfrenta o dilema de como alimentar sua população, que se urbaniza e enriquece rapidamente. Para tanto, o Governo chinês estabeleceu um decálogo para recuperar e modernizar a sua produção agrícola, o qual enrubesceria qualquer formulador de políticas de um país ultra-liberal. Por questão de espaço, vou pinçar três pontos do decálogo: 1) privatizar e vender as pequenas propriedades agrícolas para ampliar o tamanho das unidades rurais, promovendo a economia de escala e impulsionando a produtividade; 2) destinar as áreas agricultáveis, preferencialmente a produtos de maior valor econômico e aumentar a importação de produtos de menor valor; 3)apoiar cada vez mais as pesquisas biotecnológicas. Na Índia, os governos provinciais dominados pelo partido comunista, proibiram greves para evitar perda de competitividade.
  Novos tempos
O decálogo deve ser referendado pelo colegiado do Partido Comunista Chinês, que se reuniu esta semana, em Beijing. Sua implementação significa que: 1) a China promoverá a privatização dos meios de produção agrícola, como havia feito com a produção industrial; 2) a China implementará a anti-reforma agrária, concentrando a terra para buscar eficiência produtiva; 3) o produtor chinês será estimulado a cultivar produtos de alta valor agrícola, destinados a alimentar a “elite” (inclusive chinesa), abandonando produtos da alimentação básica; 4) a China havia estabelecido a meta de liderar a geração de biotecnologias nesta década e agora se propõe a liderar o mundo, até o final da próxima. Quando se examina, sem part pris, o pragmatismo do Governo chinês (comunista), entendemos porque a China cresce 10% ao ano, há 20 anos, enquanto outros países, que estacionaram nos conceitos da Guerra Fria, ficaram na rabeira do crescimento mundial.

 

Tolerância à seca

Décio Luiz Gazzoni

 

Não imagino a agricultura da próxima década sem cultivares, variedades e híbridos tolerantes à seca. Primeiro, porque as melhores terras, com clima e solo ideais, estão no limiar do esgotamento; logo, as próximas incorporações de terra serão em condições abaixo do ideal. Em segundo lugar, porque as mudanças climáticas globais colocarão em situação de risco climático grande parte da área utilizada para agricultura. E, sob risco climático, pode significar inundação ou seca. Precisamos entender melhor como é a relação entre planta, água e solo, buscando soluções práticas e viáveis para enfrentar os problemas de estresse hídrico, enquanto há tempo.

 

Hormônios

Este tema me trouxe à Europa esta semana, onde estamos reunindo um grupo de cientistas, na Freie Universität Berlin. A idéia é dimensionar o problema, verificar como os hormônios vegetais podem auxiliar na sua solução, e qual o papel da Biologia Molecular neste contexto. Os hormônios desempenham papéis importantes na bioquímica e na fisiologia vegetal. Entre estes papéis está o controle de estresses, como a falta de água. A quase totalidade dos mecanismos de tolerância à seca é controlada geneticamente. Entretanto, fatores externos podem acentuar essa capacidade, bem como a aclimatação e a ocorrência de um estresse anterior (desde que benigno), que melhora a condição de tolerância da planta. Igualmente, substâncias químicas podem deflagrar ou potencializar a capacidade da planta de suportar estresses hídricos.

 

Citocinina

Nos vegetais, a regulação da divisão celular, a diferenciação da parte aérea e das raízes, assim como o alongamento celular e a senescência, sofrem interferência do hormônio citocinina. A divisão celular nos vegetais é mediada pela citocinina e pela auxina, cuja associação também promove a diferenciação de raízes ou gemas. Sabe-se que quando esses hormônios se encontram em altas taxas, induzem a formação de raízes. Assim, pode-se acelerar a formação do sistema radicular, aprofundando-o mais rapidamente do que ocorreria em condição normal, pela indução de maior atividade de citocinina, através de agentes externos. Com isso, a planta pode buscar água em profundidades maiores, suportando veranicos e sendo menos propensa à perda de produção, dentro de determinados limites de estresse hídrico. Esta é uma das soluções mais imediatas que podem ser buscadas pelo agricultor, enquanto os biologistas moleculares produzem variedades transgênicas que possam tolerar estresses hídricos mais fortes.

 

 

Cidadania

Décio Luiz Gazzoni

 

Sem qualquer pedantismo, circular pelo Primeiro Mundo nos obriga a pensar nos contrastes com a nossa forma de encarar os problemas e os desafios. Na semana passada, estando na Alemanha, aproveitava o final da tarde, após sair da Universidade, para circular pela cidade. Assim o fiz em Berlin e em Freiburg. Diversos aspectos me chamaram a atenção. Um deles já é antigo e se refere ao excelente serviço de transporte público, o qual se utiliza com alegria, além do conforto, da agilidade, da confiabilidade e da praticidade. Um verdadeiro convite a deixar o carro na garagem. Ou simplesmente não ter carro, embora recursos financeiros para tanto não faltem aos alemães!

 

Cidadania

Porém o que me surpreendeu positivamente, e me leva a compartilhar a reflexão com os leitores, foi a instalação de enormes painéis visuais, iguais aos nossos painéis que informam a temperatura. Na Alemanha, eles informam a concentração de gases de efeito estufa, naquele momento e naquele local. Um verdadeiro exercício de cidadania, chamando a atenção da sociedade para a responsabilidade individual e solidária com a qualidade de vida atual e das futuras gerações. Por futuras gerações leia-se os SEUS filhos e os SEUS netos. Com o acúmulo de evidências científicas e factuais das mudanças climáticas em curso e com a demonstração cabal da relação de causa e efeito entre a concentração de determinados gases na atmosfera e as mudanças climáticas, o cidadão não pode alienar-se e apenas aguardar que governos ou corporações tomem atitudes. É necessário que cada um faça a sua parte e este é o sentido dos painéis que mostram a cada segundo a concentração de gases de efeito estufa nas cidades alemãs. É um convite para consumir menos combustível ou usar fontes renováveis de energia.

 

Biocombustíveis

Esta atitude pró-ativa dos alemães, que reflete um sentimento generalizado na Europa, tem tudo a ver com o nosso agronegócio. Estamos com uma janela de oportunidade aberta, que eu estimo durará 30 anos (de 2000 a 2030), porque os vilões das emissões de gases de efeito estufa são os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás). Até a década de 30, os biocombustíveis são a melhor opção de que dispomos para substituir os fósseis, até que sejam viabilizadas outras fontes de energia renovável, como energia fotovoltaica ou eólica. O tempo está passando, 7 anos já se foram, e se quisermos aproveitar o sentimento cidadão do europeu, temos que ser altamente eficientes para ocupar o espaço de mercado, antes que outros países nos passem a perna.

 

Cadê a produção?
Décio Luiz Gazzoni

 

O INCRA anuncia que, até 2007, já assentou mais de 1,5 milhão de famílias, que ocupariam uma área de 63 milhões de ha. Achei os números muito elevados e fui verificar a série histórica de área cultivada e produção colhida no Brasil, disponíveis na FAO, no IBGE e na CONAB. Em 1977 a área de grãos foi de 37 milhões de ha e a produção foi de 47 milhões de toneladas. Em 1987, os números foram 42 M ha e 65 Mt; em 1997, 37 M ha e 68 M t; e, em 2007, 46 M ha e 131 M t. A produtividade média de grãos foi de 1.258 kg/ha em 1977 e de 2.837 kg/ha em 2007, ano em que a produtividade média de cultivos anuais foi de 3.575kg/ha. Ou, seja, em 30 anos a área cultivada e produtiva (reconhecida pela FAO, IBGE e CONAB) aumentou apenas e tão somente 9 M ha. Concordamos até aqui?

 

Reforma Agrária
O INCRA alega que o PIB da agricultura familiar equivale a 50% do PIB da agricultura brasileira. Se este índice for extrapolado para os assentamentos, alguma coisa não está batendo. Ou a FAO, o IBGE e a CONAB estão totalmente errados (ou estariam mentindo?); ou o INCRA não gerou assentamentos para 63 milhões de hectares. As contas? Imaginemos, hipoteticamente, que todo o acréscimo de área cultivada dos últimos 30 anos veio de assentamentos (o que não é verdade). Ainda faltariam 54 milhões de ha. Na área faltante, pela produtividade média do Brasil, deveriam ser produzidos mais 193 M t de produtos agrícolas. Cadê a produção? Não é um volume que possa ser escondido ou sonegado, pois significaria aumentar em 147% a produção brasileira. As hipóteses: a) Nunca foram assentados 63 milhões de ha, sequer 10% disto; b) A produtividade dos assentados é ínfima, servindo só ao auto-consumo; c) Os assentados recebem a terra e não produzem nada, vivendo de bolsa família e cesta básica; d) os assentamentos viraram área de lazer. Alguém, por favor, me explica?
  População rural
A FAO informa que, a partir de 2007, moram mais pessoas nas cidades que no meio rural. Em 20 anos, apenas um terço da população mundial estará no campo. Em 2007, no mundo desenvolvido, 94% da população é urbana. O presidente Lula, que tanto admira o Primeiro Mundo, poderia determinar um estudo sério, isento, preferencialmente de uma universidade estrangeira de prestígio, para analisar o custo-benefício da reforma agrária brasileira (passada e futura). Provocação: não sairia mais barato para o contribuinte - e mais justo para o sem terra - perceber, eternamente, um salário mínimo, a receber um lote de terra e nada produzir, perenizando a miséria?

 

Alguém explica?

Décio Luiz Gazzoni

 

Terça feira participei do evento Cenários Técnicos e Logísticos da Produção e Uso de Biocombustíveis, promovido pelo Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis, no Rio de Janeiro. A princípio pensei em escrever um resumo da minha conferencia no evento. No entanto, prefiro comentar os resultados do Leilão de Biodiesel da ANP, realizados dias 13 e 14. Mais que surpresa, causou estupefação a todo o público presente no evento o fato de dezenas de milhões de litros de biodiesel serem vendidos a R$1,85 ao litro. Ou tudo o que eu sabia sobre microeconomia está errado, ou nunca antes na História deste país tantas pessoas estão dispostas a perder tanto dinheiro!

 

Prejuízo certo

O óleo de soja, base do biodiesel, está cotado hoje em torno de R$1,90 ao litro. Para obter 1 m3 de biodiesel gasta-se R$1.900,00 de óleo, R$180,00 de insumos e mão de obra, R$ 100,00 de amortização (construção e equipamentos), mais R$218,00 de impostos. Total R$2.398,00. Com lucro de 5%, iríamos a R$2.517,90, ou R$2,52 por litro. Aí o sujeito vai no leilão e oferece o biodiesel a R$1,85 para a ANP. Imaginemos que ele seja um patriota e ambientalista devotado e abra mão do lucro. Seu custo: R$2,40 por litro (valor máximo que a ANP havia fixado para o leilão). Imaginemos que além disto ele seja sonegador de impostos. Valor do biodiesel: R$2,18. Mas ele vende a R$1,85, realizando prejuízo de R$0,33 por litro. Não há mais como baixar o custo, porque o investimento está realizado, o BNDES não perdoa os juros, os vendedores de matéria prima e insumos não vão abrir mão do valor.

 

Alguém explica?

Alguma coisa está muito errada e não imagino o que seja. Já vi muito superfaturamento de preços. Agora, perder deliberadamente dinheiro, isto não consta do meu cardápio de opções sérias de negócio. Para vender o biodiesel a R$1,85 ao litro, o preço do óleo de soja teria que estar a R$1,20 ao litro, o que não ocorrerá nem em 2008 nem nunca mais. Porque, mesmo que a cotação do óleo diminua no mercado internacional, a taxa de câmbio não continuará tão defasada quanto hoje. Alguém pode dizer que para quem produz o óleo não custa R$1,90. Correto, mas ele poderia vender o óleo a este preço, com lucro, ao invés de deixar de ganhar dinheiro com biodiesel a baixo preço. Tem cheiro de coisa errada. Contadores, economistas, administradores, alguém pode me explicar o que está ocorrendo? Ou, parlamentares sérios, alguém poderia solicitar uma investigação oficial para explicar este comportamento suicida de empresários?

 

Exportação de biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

 

A Europa precisará de 20 bilhões de litros de biodiesel na próxima década e de 40 bilhões após 2020. Finalmente, a UE concluiu que é impossível produzir todo este biodiesel na Europa e que vai precisar de ajuda do Brasil. Para verificar se o Brasil pode cumprir as suas exigências de sustentabilidade, a União Européia contratou a Universidade de Wageningen. No contexto do estudo, foi realizado no dia 19/11, na cidade de The Hague (Holanda) o seminário Quality and sustainability of biodiesel for export from Brazil. A Universidade nos convidou para fazer uma apresentação sobre o tema, a fim de embasar a sua discussão. Minha palestra demorou uma hora, mas a discussão tomou duas horas!

 

Sustentabilidade

Convencer os europeus que o Brasil pode produzir esta quantidade de óleo, dadas as garantias contratuais de demanda, não foi muito difícil. Discutir as especificações técnicas do biodiesel, e como vamos cumpri-las, também não foi difícil. A parte empedernida ocorreu na discussão das questões ambientais e sociais. As ONGs baseadas no Brasil – financiadas pelo Primeiro Mundo – se encarregam de veicular uma imagem muito distorcida do que ocorre no Brasil. Fui questionado sobre desmatamento na Amazônia; soja ou pastagem no lugar da mata; soja e milho que provocam erosão e poluem os rios; trabalho escravo na Amazônia ou nos canaviais; o balanço de carbono e a emissão de gases de efeito estufa dos cultivos energéticos e dezenas de outros tópicos. Pelo balanço final do evento, acho que respondi, convenientemente, a todas as questões - ao menos é o que ficou registrado. Não deixar dúvidas sobre a sustentabilidade ambiental e social da nossa agricultura passou a ser o busílis da questão e é importante que não percamos esta perspectiva para o médio e longo prazo.

 

Troco

Mas eu sou do tipo que dá um boi para não brigar e uma boiada para não fugir da briga. Lembrei os companheiros europeus que, primeiro eles destruíram as suas florestas; e agora nos forçam a destruir a nossa, pois pagam preços altíssimos pela madeira nobre contrabandeada da Amazônia; que podemos investigar se há trabalho escravo aqui, mas se este for o critério, terão que fechar as importações da China. E que a principal razão do descaso ambiental dos produtores agrícolas dos países emergentes é o alto subsidio agrícola do Primeiro Mundo, que derruba os preços dos produtos, deixando o agricultor sem capital para produzir, quanto mais para preservar. Não alivia a nossa responsabilidade, mas ao menos empata o jogo!

 

Etanol sustentável
Décio Luiz Gazzoni

 

No dia 26/11, apresentei à área internacional da Petrobras uma visão sobre a sustentabilidade do uso de etanol como biocombustível global, no médio e longo prazos. A Petrobras, verdade seja dita, embora gestada no berço do “Petróleo é nosso”, percebeu que os negócios do futuro estão na energia de forma ampla e não apenas no petróleo, ouro negro em extinção. A multinacional brasileira amplia sua atuação em diversas formas de energia, filões rentáveis das próximas décadas. A suportar esta estratégia, seu departamento de pesquisas, o CENPES, orgulho nacional tanto quanto a própria Petrobras. O qual, aliás, registrou sua 1000ª. patente, com um processo de hidrólise enzimática de celulose para produzir...etanol!

 

Etanol
Impossível resumir quase duas horas de apresentação e debates nesta coluna, mas a linha mestra que defendi é que o etanol será a jóia da coroa dos biocombustíveis, no primeiro quarto deste século. No início, da forma como o que conhecemos. Na próxima década, como etanol celulósico, abrindo as cortinas para a 2ª. geração de biocombustíveis, que encerrará a carreira do etanol e do biodiesel, porém abrirá o palco para uma série de novas substâncias químicas, de mais alto valor energético, mais seguras, de maior diversidade de usos. Nossos filhos falarão de DME, Syngas, HTU ou FTDiesel, e outros produtos, com a mesma naturalidade com q   ue falamos hoje de biodiesel e etanol. São os novos biocombustíveis derivados de biomassa, que povoam as bancadas dos cientistas hoje e que estarão nas indústrias amanhã. Tudo isso tem data para ocorrer: até a década de 30, quando energias como eólica e fotovoltaica passarão a dominar o cenário, juntamente com o bio-hidrogênio. Há um porém: este cenário somente se concretiza com muito investimento em pesquisa e se o obscurantismo que impede o avanço de ramos da ciência, como a biotecnologia, forem apenas ranços do passado.
  IPEA
Quero associar-me ao repúdio geral da imprensa livre brasileira, que denuncia, insistentemente, a expulsão de quatro brilhantes cientistas do IPEA, por discordarem da orientação da política econômica do Governo. No auge da ditadura, no final do século passado, os generais não ousaram tanto. Se a mesma imprensa livre perscrutar o patrulhamento que grassa em outros centros intelectuais como o IPEA (de tantas conquistas), pode surpreender-se em verificar que não se trata de uma exceção. Atitudes como estas caem bem em ditadores como Chavez, mas são anacrônicas em uma democracia plural como o Brasil.

 

Boas novas

Décio Luiz Gazzoni

 

Semana passada participei em Brasília do Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel, da qual sou coordenador. Impressiona o que evoluímos no campo científico, em apenas 3 anos de pesquisa intensiva de biodiesel. Os resultados começam a sair dos laboratórios e campos experimentais para a realidade da produção. Na área agronômica chama a atenção o esforço na busca de novas oleaginosas, de mais alta densidade energética. Uma das que mais tem recebido atenção dos agrônomos é o pinhão manso, espécie ainda selvagem, que estamos procurando domesticar. O difícil está sendo segurar a ansiedade dos produtores, que gostariam de expandir a sua produção, sem dispor de um sistema de produção que minimize os riscos do produtor.

 

Imprensa

Já nesta segunda feira participei em São Paulo, junto com o Ministro Reinhold Stephanes, de um seminário exclusivo para jornalistas. Foi uma experiência muito interessante, que permitiu, da nossa parte, expor os nossos números e a nossa visão dos fatos, em especial a visão de futuro. Mas foi particularmente enriquecedor discutir com editorialistas, chefes de redação e demais jornalistas, sob a ótica da angústia de quem precisa informar corretamente a população e se sente premido entre fontes com visões conflitantes e números que não são consistentes. Acho que todos nós saímos enriquecidos, não apenas pelas duas palestras e pela discussão que se seguiu, mas, especialmente da conversa informal ao final do seminário. Quem ganha é o cidadão, que passa a ser mais bem informado.

 

 

Corinthians x Chávez

A semana começou com duas excelentes notícias: Corinthians rebaixado e Chavez derrotado. Companheiros corintianos, desejo um breve e feliz retorno à série A. Porém, os deuses do futebol entenderam que o clube deveria purgar os pecados da sua administração, que roubou e aprontou, inclusive usando o esquema de lavagem de dinheiro de conhecidos políticos. Ao menos os cidadãos brasileiros sérios terão aquela sensação de que nem tudo está perdido e, no futebol, ao contrário dos mensaleiros, aloprados, sanguessugas, renans e assemelhados, aqui se fez e aqui se paga. Quanto aos companheiros venezuelanos, derrotar a proposta de constituição ditatorial stalinista foi uma enorme contribuição à democracia mundial e, especialmente, sul americana. Seguramente, quem tem impulsos ditatoriais de perpetuação no poder, usando o populismo para manipular miseráveis, vai pensar duas vezes, porque ficou claro que o povo também pensa.

Mercado de etanol

Décio Luiz Gazzoni

 

 

Costumo afirmar que não visualizo o biodiesel sendo produzido em grandes quantidades, na ordem de centenas de bilhões de litros. Este não é o caso do etanol, cuja produção em larga escala pode ser sustentável no longo prazo. Esta foi a tese que defendi em Buenos Aires, em seminário lá realizado na semana passada. Dois fatores permitem fazer esta afirmação: primeiro que a cana é uma dádiva divina, uma usina de energia viva e estamos explorando menos de 5% de seu potencial energético. Quando explorarmos uns 60% de seu potencial, será possível produzir mais de 17.000 litros de etanol por hectare (fora a eletricidade). O segundo aspecto é o advento do etanol celulósico, que permitirá extrair, no limite, quase 30.000 litros de etanol por hectare. Porém, para aqueles países que Deus não aquinhoou com as condições climáticas para produzir cana, a celulose pode ser obtida de quase tudo: resíduos agrícolas, pastagens, florestas, etc. Desta forma, em 30 anos poderemos estar produzindo uns 400 bilhões de litros de etanol, que representa uns 30% da gasolina consumida hoje no mundo (equalizado o poder energético da gasolina e do etanol).  

Comércio internacional

Alguns países produzirão apenas para o mercado doméstico (Europa, EUA) e ainda terão que importar etanol. Com o advento do etanol celulósico, países que possuem pouca expressão agrícola poderão alavancar uma produção razoável de etanol. O Brasil não só se auto-abastecerá como será o grande exportador. Outros países, em especial africanos, têm um potencial enorme para produção de álcool, a partir da década de 20, quando resolverem seus problemas de saneamento, saúde pública, tecnologia, logística, guerras tribais, etc. E tudo isto será possível sem grandes impactos no abastecimento de alimentos, ao contrário do que Chávez mandou Fidel Castro alardear.

 

 

Chávez

 

Falando no próprio, encontro-o no saguão do Hotel em Buenos Aires, concedendo entrevista para as emissoras de TV. Além das piadas de mau gosto que ele faz com o Lula nas reuniões de chefes de Estado, Chávez é um criador de factóides, para permanecer na mídia e roubar a festa - no caso, ofuscar a posse de Cristina Kirchner. Quanto ao escudeiro de Chávez, Evo Morales, Lula tem razão: ele é a cara da Bolívia! Tem a cara e o viés de seus antecessores, que lutam denodadamente para derrubar quem está no poder e, quando assumem, não sabem o que fazer do poder além de lá tentar perenizar-se, apelando para o populismo ou para instrumentos ditatoriais.

 

Custo da Soja

Décio Luiz Gazzoni

 

O custo de produção fotografa um momento e congela todos os preços. Se algum dos preços se altera, é preciso recalcular o custo. Pesquisadores da ESALQ e da FGV estabeleceram que o custo de produção de soja transgênica resistente ao glifosato, no Mato Grosso do Sul, é quase 15% mais baixo que produzir soja convencional, para a presente safra. O estudo completo pode ser obtido na Revista de Economia e Sociologia Rural e os autores são Ana Menegatti e Alexandre Mendonça de Barros. A conclusão dos autores é que o cultivo da soja transgênica poupa herbicidas e mão-de-obra. Os resultados concordam com as previsões dos principais analistas de mercado.  

A tecnologia

O controle de plantas daninhas é um dos custos mais relevantes na produção de soja. Além disto, a complexidade da operação obriga a observar diversos parâmetros como a composição das plantas daninhas, o banco de sementes do solo, a idade das plantas, o clima, a composição do solo, entre outros. Isto torna o controle muito complicado e sujeito a riscos na sua eficiência, além de elevar o custo de produção. O surgimento de cultivares transgênicas resistentes a um herbicida de ação total tornou a operação de controle de plantas daninhas muito mais simples, o que levou a uma rápida adoção da tecnologia, mesmo quando não estava liberada pelo Governo.

 

A pesquisa

Os autores levantaram os dados em cerca de 60 propriedades em Dourados, Maracaju, Sidrolândia e São Gabriel do Oeste, observando a tecnologia utilizada e os respectivos custos dos insumos, bem como os preços de venda da soja. Para analisar os resultados, foram elaboradas planilhas contendo todas as informações fornecidas pelos agricultores, desde o preparo do solo até a comercialização da soja. A metodologia de cálculo obedeceu a padrões internacionalmente aceitos, e as referências utilizadas foram planilhas e metodologias de cálculo de custo de produção da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Segundo o trabalho, o custo total por hectare para as culturas convencional e transgênica foram, respectivamente, R$ 1.530,77 e R$ 1.333,41. Há espaço para cultivar soja convencional e transgênica, e a associação entre custo de produção e mercado consumidor, definirá qual a melhor opção para o agricultor. Para definir se a soja transgênica será mais competitiva que a convencional, esta última deverá oferecer um prêmio médio de 10% sobre a cotação da soja transgênica.

 

Um bom momento

Décio Luiz Gazzoni

 

Depois dos anos de turbulências, frustrações de safras e baixos preços no mercado internacional, a expectativa é de um bom momento para os agronegócios. Tirante o ambiente interno, onde pouca coisa deve mudar (logística deficiente, câmbio desfavorável, tributos em alta, endividamento por resolver), o panorama internacional mostra-se auspicioso. O grande indicador são os preços praticados no comércio internacional. Vínhamos de quase 30 anos de tendência baixista (afora as oscilações entre anos), que deve ser revertida no futuro breve. De onde vem a força que vai mudar o patamar de preços?  

Crescimento da demanda

Os preços podem subir por baixa oferta, como nas frustrações de safra, ou por aumento da demanda, como é o caso presente. Preços que sobem por aumento de demanda são mais sustentáveis, porque normalmente se estabelece um novo patamar, que só se retrai em função de grandes catástrofes ou de recessões amplas e profundas. O mundo segue bafejado por um dos períodos de crescimento econômico mais intenso da História recente. No Brasil não se percebeu este alento, porque nosso crescimento nos últimos cinco anos foi pífio, abaixo da média mundial. Mas outros países vêm crescendo consistentemente, em especial países emergentes. Além do crescimento econômico, há também o fator populacional, que incrementa a demanda por alimentos.

 

A origem da demanda

Países ricos já têm suas necessidades alimentares atendidas. Assim mesmo, nestes países cresce o mercado orgânico, bem como de frutas, carnes e plantas ornamentais. É também onde explode o mercado de biocombustíveis (etanol e biodiesel). Já nos países emergentes, observa-se tanto o crescimento da demanda de grãos, raízes e tubérculos quanto de produtos mais sofisticados, como proteínas animais (carne e leite), frutas e hortaliças. Muitos destes países também estão implementando programas de substituição de carvão e petróleo por biocombustíveis. Aí entram as vantagens comparativas do Brasil, como área para expansão, topografia e clima adequados, capacidade empresarial e mão de obra farta. Examinando os números da FAO sobre o potencial de expansão da agricultura, o Brasil detém mais de 20% das áreas de expansão. Parte ponderável da área de expansão se encontra na África, que terá muitos problemas para expandir a agricultura no curto prazo. O conjunto destes dados indica que o Brasil ruma para ser o grande formador de preços do mercado agrícola internacional, ainda na próxima década. Imagine se o governo ajudasse, resolvendo os problemas internos!

 

   

 

Matar aula dá nisso!

Décio Luiz Gazzoni

 

Atenção estudantes: matar aula leva a pessoa a cometer besteiras como profissional. Aprendam a lição com o Presidente do FMI, do Banco Mundial, da FAO, da Nestlé, da Unilever, o oficial da ONU para o direito à alimentação,  o Primeiro Ministro da Inglaterra, entre outros. Passaram os últimos 15 dias a falar besteiras, afirmando que os biocombustíveis eram responsáveis pelo aumento do preço da comida. Levaram respostas a altura – até caneladas – do Presidente Lula, que esfregou na cara de todos eles que um dos fatores responsáveis pelo aumento do preço dos alimentos são os subsídios agrícolas. Por quê? Ao subsidiar sua produção de alimentos e a exportação dos excedentes, os países ricos tiram a oportunidade de países pobres que, por vezes, tem apenas a possibilidade de vender alimentos no comércio internacional.

 

Ninguém no mundo conseguiu rebater até hoje, um dos meus argumentos - e já o utilizei em inúmeros foros, com gringos de todos os matizes presentes. O mundo planta 1,25 bilhão de hectares. Existem outros 600 milhões de hectares por plantar. Biocombustíveis, somando Brasil, EUA, Europa e Sudeste Asiático, mal chegam a 12 milhões de hectares. Algum estudante (que não matou aula) poderia explicar como 0,64% da área agrícola mundial com culturas energéticas pode acarretar aumentos superiores a 100% no preço dos alimentos? Matar aula, meus jovens amigos, dá nisso. As pessoas não aprendem a fazer contas ou a usar o raciocínio lógico. Expõem-se ao ridículo.   Como se expôs ao ridículo o Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, que anunciou uma força-tarefa das Nações Unidas para apresentar soluções coordenadas para a crise provocada pelo forte aumento dos preços dos alimentos no mercado internacional. Segundo Ban, o mundo enfrenta o risco de fome generalizada, problemas relacionados à má nutrição e distúrbios sociais. Ele estima que 100 milhões de pessoas já foram atingidas pela recente escalada no preço dos alimentos em todo o mundo, e que o Programa Mundial de Alimentos precisará de mais U$ 755 milhões neste ano para lidar com o número cada vez maior de pessoas que necessitam de ajuda.

 

É nisto que dá matar aula de Economia e de Geografia. O Presidente Lula, que se orgulha de não haver terminado o primeiro grau, deve ter ficado envergonhado de ouvir do Secretário Geral da ONU duas besteiras colossais. Em primeiro lugar, Mr. Ban Ki-moon, há décadas existe mais de 1 bilhão de pessoas passando fome no mundo (não apenas 100 milhões) e os países ricos nunca se importaram com isto. Se tivessem sensibilidade social, não teriam subsidiado sua agricultura e matado a oportunidade dos países pobres. Em segundo lugar, colocar mais US$ 755 milhões para comprar comida só vai ter um efeito: aumentar o preço da comida, porque, até as próximas colheitas, a comida que existe é esta que está aí, nos armazéns. Se eu detivesse um estoque de comida, o que faria? Não venderia mais, até que a ONU começasse a colocar mais dinheiro na praça pois, com mais dinheiro e a mesma quantidade de mercadoria, o preço unitário sobe. Há milênios sabemos disto! Só não sabe quem mata aula.

 

 

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