Espetáculo do retrocesso
Décio Luiz Gazzoni

 

A crer no discurso, vivenciamos o espetáculo do crescimento e do emprego, jamais dantes experimentado. Na prática, os números mostram que o Brasil está retrocedendo, não em números absolutos, porém relativamente ao contexto da América Latina - ironicamente um dos continentes pobres do mundo. Esta é a conclusão possível a partir dos números consolidados pela Comisión  Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), órgão das Nações Unidas (http://www.cepal.org/).

 

Triênio
Entre 2003 e 2005, a América Latina crescerá, na média dos 23 países, 12,6%. O Brasil ocupará a 20ª. posição, superando, apenas o Haiti, a República Dominicana e El Salvador. Nosso pífio desempenho se resume a 7,7%, abaixo dos 10,2% da Bolívia e 11% do Paraguai. Comandando o espetáculo do crescimento – da economia e do emprego – están nuestros hermanos argentinos, com ensurdecedores 27,8% de crescimento no período. Falando através de metáforas futebolísticas, significa um clássico 4 x 1, devolvendo com juros o resultado da final da Copa das Confederações. Não seria o caso de chamar o Parreira ou o Zagallo (vocês vão ter que me engolir!) para termos o mesmo desempenho no desenvolvimento, que temos no futebol? Ou, ao menos, para que nos tirem da zona do rebaixamento para a segunda divisão?
  Desempenhos anuais
Em 2003, houve o menor crescimento econômico no sub-continente (1,9%), arrastado ao fundo do poço pelos péssimos desempenhos da Venezuela do companheiro Chavez (-7,7%), da República Dominicana (-1,9%), do Brasil (-0,2%) e do Haiti (0,5%). Repito: Brasil com -0,2% (IBGE), demonstrando que o Haiti, que cresceu mais, não é aqui! O espetáculo do emprego ficou reservado para a Argentina com 8,8% de crescimento, seguida do conjunto de micro-países do Caribe, com 6,5%. Ancorados no espetacular crescimento internacional, em 2004, nosso desempenho foi cantado em prosa e verso, como uma grande conquista: atingimos 4,8%, subindo da 19ª para a 11ª. posição, ainda assim abaixo da média continental, que foi de 5,9%. Também abaixo da média mundial e da média dos países em desenvolvimento. Alavancada na elevação de 50% no preço do petróleo, no mesmo ano a Venezuela emplacou 17,7%. O Uruguai cresceu 12,3% e a Argentina (sempre ela!) 9%, causando inveja até para a China!

 

 

2005
A cada mês, os órgãos que projetam o crescimento do PIB do Brasil, para o ano de 2005, vêm reduzindo suas projeções, que abriram em janeiro em 5% e, no início de agosto, se situavam em 2,8% (IPEA/SEPLAN/PR). A prosseguir nesse ritmo, o Brasil corre o sério risco de crescer menos da metade da projeção para o sub-continente, estimada pela CEPAL em 4,3%. Adivinhem quem ponteia o espetáculo? Si, los hermanos argentinos, una vez más! Na terra de Carlitos Tevez, a economia deve crescer 7,3%, ganhando de 3x1 do Brasil!
  Diferença
A esta altura o leitor deve estar se perguntando: pero, que tienen los argentinos que hace falta a nosotros? Arrisco responder, sem julgamento de valor: um presidente que cumpriu o que prometeu nas urnas, especialmente o rompimento com as amarras do FMI e assemelhados, aplicou um calote de 90% na dívida interna e externa, e investiu o recurso poupado no desenvolvimento do país. Economistas estimam que, nos dois anos de recessão, após o fracasso de Menen, a Argentina perdeu 15% de seu PIB. Nos três anos seguintes, recuperou os 15 e botou mais 12 em cima. Será que o crime do calote compensa?
  Agronegócio
A outra pergunta que se impõe é: no seio da economia brasileira, qual setor fez a diferença? E eu respondo com outra pergunta: e alguém tem dúvida que foi o agronegócio? Quando o Brasil afundou -0,2%, em 2003, a agropecuária cresceu 5%. Não fora o agronegócio, teríamos mergulhado numa recessão de -2%. No período 1990-2005, o agronegócio cresceu, sustentadamente, 6% ao ano. Em 2005, apesar do mau humor de São Pedro, o agronegócio lidera, uma vez mais, o esforço exportador, sendo o seu superávit da balança comercial superior ao conjunto das exportações. Ou seja, mesmo com a economia mundial a todo vapor, o Brasil não consegue crescer nem na média do mundo. Falta o restante da economia brasileira mirar-se no exemplo do agronegócio.

 


Plano Nacional de Agroenergia
Décio Luiz Gazzoni

  Não se questiona a finitude das reservas de carbono fóssil, com o ocaso da era do petróleo, seguindo-se o gás natural e o carvão mineral. O esgotamento das reservas, aliado à crescente voracidade energética da sociedade contemporânea, provoca a ascensão sustentada de preços e o conflito pela posse das últimas reservas, concentradas em alguns poucos países do mundo, o que potencializa os conflitos e polariza as coalizões estratégicas, contaminando outras áreas de interesse do cenário internacional.  

 

O Plano
O Brasil possui a maior participação de energia renovável em sua matriz. Também opera o mais arrojado e ambicioso programa de biocombustíveis do mundo, conduzido de forma sustentável, sem subsídios e com balanço de energia positivo, que é o programa do álcool combustível. Alicerçado nessa experiência, bem como analisando-se os diversos países do mundo, verifica-se que o Brasil é o que dispõe das maiores vantagens comparativas para tornar-se o líder do mercado internacional de agroenergia. O desafio energético, de consolidar a sustentabilidade da matriz energética, no longo prazo, propicia a oportunidade de executar outras políticas, de cunho social, ambiental e econômico, além de alinhar-se com ações de caráter estratégico, como comércio ou acordos internacionais. Foi esse o mote da elaboração do Plano Nacional de Agroenergia, lançado pelo Ministro Roberto Rodrigues, dia 14/10, em Piracicaba.
  Políticas públicas
O Plano lastreia-se em um cenário ambicioso, cuja concretização pressupõe o alinhamento de diversas políticas governamentais, como política tributária, de abastecimento, agrícola, agrária, creditícia, fiscal, energética, ambiental, industrial, de comércio internacional e de relações exteriores e, quando for o caso, o seu desdobramento em legislação específica. Exemplos desse alinhamento podem ser encontrados nos modelos tributários que privilegiem, na fase embrionária, projetos de agroenergia que necessitam de escala para sua viabilização. Ou a fixação de metas de conversão das frotas, máquinas e motores dos órgãos e empresas públicas, para utilização de biocombustíveis.

 

Futuro
No Brasil de 2035, vislumbra-se a produção de agroenergia equivalente a mais de 100 milhões de toneladas de petróleo, anualmente. Para a consecução de metas ambiciosas, o Plano de Agroenergia pressupõe investimentos ponderáveis em logística (transporte e armazenamento), uma política aguerrida de atração e fixação de capitais internacionais, a segurança patrimonial e contratual dos investidores, as condições para ampliação da oferta de matéria prima e uma ambiciosa política de Pesquisa e Desenvolvimento, que consolide o Brasil na fronteira da tecnologia do agronegócio tropical. Essas condições necessitam ter perenidade, pois a maturação das metas ocorre, necessariamente, no longo prazo. A competitividade dos produtos da agroenergia, no nosso mercado interno, e do Brasil no mercado internacional, é função direta dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, logística e crédito.
  Geopolítica
No plano internacional, além da atração de investidores, a diplomacia brasileira, em conjunto com órgãos governamentais e a iniciativa privada, necessita assumir a liderança da formação de um portentoso mercado internacional de bioenergia, diversificando compradores e vendedores, assegurando continuidade da oferta e condições para o cumprimento de contratos de longo prazo, uniformizando padrões e incentivando a expansão do mercado, inclusive através de políticas conexas e acordos internacionais. Igualmente, além da concatenação das ações da agroenergia com a política ambiental brasileira, é importante o alinhamento com os dispositivos dos acordos internacionais (no momento representados pelo Protocolo de Quioto), pelos seus desdobramentos econômicos (como o mercado de carbono) e pelos desdobramentos possíveis da estratégia geopolítica do governo brasileiro.



Desastre anunciado

Décio Luiz Gazzoni

Qual pai ou mãe não tenta evitar o acidente com o filho: não corra que você cai, fogo queima, saia de perto do buraco... Senso de risco de criança não está desenvolvido. Vira e mexe o pirralho apronta uma e a primeira reação é: - Mas eu te avisei tantas vezes! Ora, com criança dá para entender, mas com um Governo não dá!   Se forem enumerados todos os alertas e avisos enviados ao núcleo central do Governo (Presidente da República, Ministro da Fazenda, do Planejamento, da Casa Civil) de que a conseqüência da falta de recursos para a Defesa Agropecuária teria um custo alto, eles passariam de centenas. Do Ministro da Agricultura às lideranças setoriais, da imprensa aos funcionários do Ministério, dos órgãos de classe às autoridades estaduais, o alerta vinha sendo renovado.

  Até que...
Até que o desastre anunciado aconteceu. Foi em Eldorado, mas poderia ser em qualquer outro lugar. E ainda bem que foi com aftosa, uma enfermidade vagabunda, fácil de prevenir, que tem o condão de denunciar o mau pecuarista e o mau governo. Porque há outras enfermidades, mais sérias e mais virulentas, inclusive zoonoses, que podem ter conseqüências mais devastadoras. Já chegam a quase 50 os países que embargaram a carne proveniente do Mato Grosso do Sul ou de outros estados, devido ao foco de aftosa, o que pode significar perdas que ultrapassam a casa de um bilhão de dólares. Só não será maior porque não há como substituir, de imediato, a carne brasileira por produtos de outro país. Porém, o prejuízo interno será ainda mais dolorido: quem ressarcirá os pais de família que perderam o emprego? Quem arcará com o ônus do fechamento dos frigoríficos? Quem responderá pela pobreza generalizada na região afetada? Por enquanto o que se vê são desculpas difusas, ações pontuais e emergenciais, mas nada que indique que a lição foi aprendida e que os erros não se repetirão.

 

Lições
As lições não aprendidas pelo Governo são: o investimento em defesa agropecuária é ínfimo se comparado aos prejuízos econômicos, sociais e negociais decorrentes de um foco; o dono é responsável pelo seu rebanho, mas o Governo é responsável pelo patrimônio nacional representado por um elevado estado sanitário; o foco pode ser debelado, porém a mancha negra na imagem pode desbotar mas permanece. E o que é pior: a seqüência de focos consolida uma imagem de que temos problemas sistêmicos no setor, o que não é verdade. O problema é que o Governo sonega recursos financeiros dos órgãos de sanidade agropecuária, apesar de esses contarem com bons profissionais, processos adequados e estreita integração com o sistema produtivo. Quando o Governo corta recursos de áreas essenciais lembra a piada do português que foi reduzindo, a cada dia, a ração do cavalo. Quando o cavalo se acostumou a não comer, morreu!
  Lição principal
Mas a principal lição parece que não será aprendida: o Brasil tornou-se um importante ator no comércio agrícola internacional. Nossos concorrentes escafruncham o palheiro à cata de uma agulha que possa minar nossa competitividade. Assim, ficamos expostos à barreiras sanitárias, sociais ou ambientais. Um foco de aftosa é azeitona na empada dos concorrentes. É preciso criar a Agencia de Defesa Agropecuária e dotá-la de condições para ser a melhor agencia do mundo – afinal, o Brasil está condenado a ser o principal produtor mundial de produtos agropecuários. Não há como retardar a implantação de programas de certificação e rastreabilidade. Não podemos mais ser condescendentes com trabalho infantil ou trabalho escravo, nem com invasão de terras. Não pode haver concessão nas questões ambientais ligadas à produção agrícola, sejam matas ciliares ou reservas legais. Ou seja, a liderança do agronegócio mundial cobra um preço. Se o Governo insistir em não pagar o preço natural – como qualquer empresário paga por seus custos e tributos – caminhamos para outro desastre anunciado: a subida rumo à liderança mundial é íngreme e difícil, mas na descida todo o santo ajudará.

 



Gripe aviária
Décio Luiz Gazzoni

 

Diz o matuto que gato escaldado tem medo de água fria e cachorro mordido de cobra foge de lingüiça. Depois do fiasco com a febre aftosa, quando, após 10 anos de ações firmes, o país já se encaminhava lépido para conseguir o status de país livre, a menção da gripe aviária nos faz colocar as barbas de molho.  No caso, o risco é de duas ordens: uma epidemia de gripe aviária entre as aves e o risco de uma mutação do vírus H5N1 – o mais comum, atualmente – que possa infectar seres humanos e ser transmitido entre eles.

 

Vírus
A atual epidemia da gripe do frango é causada pela estirpe H5N1 de um vírus que ocasiona influenza em aves, detectado, inicialmente, em 1925. Para entender o código, o "H" vem de hemaglutinina e o "N" vem de neuroaminidase. Ambas são proteínas presentes na superfície do vírus. Existem 15 variantes da primeira proteína e 9 da segunda, permitindo as combinações que compõem o código utilizado pelos cientistas (HxNy). O vírus é letal para as aves e também pode afetar o ser humano, normalmente por contato direto com as aves infectadas. O primeiro caso de infecção humana foi relatado em 1997, em Hong Kong. Desde então, há registro de 138 pessoas infectadas na Ásia, com 68 óbitos. Nas zoonoses – doenças humanas presentes em animais ou por eles transmitidas – as restrições sanitárias são ainda mais sérias, bloqueando integralmente a exportação dos países atingidos.
  A evolução
Até recentemente, a influenza aviária (nome técnico da gripe do frango) estava restrita à Ásia, em especial o Sudeste Asiático. Porém, em outubro de 2005, o vírus foi detectado em diversos países do Leste Europeu, como Rússia, Turquia, Romênia e Grécia. Houve suspeita de um caso na Colômbia, pendente de confirmação. A expansão da epidemia está muito associada às aves migratórias, que se deslocam a grandes distâncias, transportando o agente causal. O vírus é altamente patogênico e de alta capacidade reprodutiva, podendo um único vírion, ao infectar um frango, levar o animal à morte em curto período de tempo. Considerando que a criação comercial de frangos ocorre em ambiente confinado, as condições são altamente propícias à rápida expansão da enfermidade, em prazos muito curtos.

 

 

Humanos
Há uma polêmica estabelecida entre os experts no tema. Existem correntes que consideram alta a probabilidade de vir a ocorrer uma mutação patogênica no H5N1, que contamine seres humanos e que possa ser transmitido entre as pessoas. No oposto, há cientistas que consideram como ínfima a probabilidade de ocorrência desses eventos. No primeiro caso, o mundo enfrentaria uma epidemia de proporções graves, semelhante à gripe espanhola de 1918, porém em condições de transmissão e contaminação muito mais propícias, dadas as facilidades de viagens intercontinentais e o intenso fluxo de pessoas em viagem pelo mundo. Portanto, tudo pode acontecer, desde nada até uma catástrofe com dezenas de milhões de mortos.
  Providencias
Planos de contingência devem ser elaborados e implementados com urgência. É importante que os sistemas sanitários possam operar com o máximo de eficiência, tanto aqueles ligados à saúde humana, quanto os zoosanitários. Sistemas de monitoramento, vigilância, inspeção e quarentena devem ser otimizados e operados próximos do erro zero. A capacidade instalada de produção de medicamentos e vacinas deve ser adequada aos cenários previstos nos planos de contingência. E, principalmente, o dinheiro dos nossos impostos deve ser dirigido, prioritariamente, para proteger a saúde dos brasileiros e os empregos ligados com a cadeia de avicultura.

 



Agroenergia de resíduos da agroindústria
Décio Luiz Gazzoni

 

Co-geração é a transformação de uma forma de energia primária em outras formas mais facilmente aproveitáveis, chamadas de secundárias. A partir de resíduos produz-se energia mecânica (movimentar máquinas, equipamentos e turbinas de geração de energia elétrica) ou térmica (geração de vapor, frio ou calor). A co-geração apresenta maior eficiência energética, reduzindo o desperdício de energia térmica que é utilizada em processos industriais. Obtém-se energia elétrica pela combustão de resíduos agrícolas, ou pela transformação de resíduos e dejetos em biogás. Os melhores exemplos são os resíduos madeireiros, da industria arrozeira e da cana-de-açúcar, que apresenta, no curto prazo, o maior potencial de co-geração.

 

Alternativas
Resíduos da agropecuária ou da agro-indústria eram (e, em grande parte, ainda são) vistos como um passivo econômico ou ambiental. Ou seja, trata-se de material sem valor econômico, que apresenta um custo para dar-lhe um destino final, e que possui um grau de impacto ambiental. Incluem-se entre os resíduos as palhadas, as cascas de grãos ou de árvores, os ponteiros de plantas, os galhos e troncos finos, os restos de serraria, as madeiras e restos de troncos não aproveitáveis, entre outros. Nessa categoria também entram dejetos, como é o caso do esterco. Na década de 80 houve diversas tentativas de aproveitamento de esterco para a obtenção de biogás, que pode ser utilizado como combustível em turbinas ou motores. A tentativa não foi bem sucedida pela inadequação do tipo de biodigestor, desenvolvido para otimizar a produção de adubo orgânico.
  Alternativas
Resíduos da agropecuária ou da agro-indústria eram (e, em grande parte, ainda são) vistos como um passivo econômico ou ambiental. Ou seja, trata-se de material sem valor econômico, que apresenta um custo para dar-lhe um destino final, e que possui um grau de impacto ambiental. Incluem-se entre os resíduos as palhadas, as cascas de grãos ou de árvores, os ponteiros de plantas, os galhos e troncos finos, os restos de serraria, as madeiras e restos de troncos não aproveitáveis, entre outros. Nessa categoria também entram dejetos, como é o caso do esterco. Na década de 80 houve diversas tentativas de aproveitamento de esterco para a obtenção de biogás, que pode ser utilizado como combustível em turbinas ou motores. A tentativa não foi bem sucedida pela inadequação do tipo de biodigestor, desenvolvido para otimizar a produção de adubo orgânico.

 

 De custo a lucro
O aproveitamento de resíduos retorna à baila com o aumento do preço do petróleo, com a conscientização do fim da era do carbono fóssil e com os impactos no clima das emissões de gases de efeito estufa, pela queima de petróleo e carvão. O Plano Nacional de Agroenergia, lançado pelo Ministro Roberto Rodrigues, aponta nesta direção. Um dos exemplos palpáveis é a geração de energia elétrica, a partir da queima de cascas de arroz, que abastece Uruguaiana (RS). Outros exemplos começam a pipocar pelo Brasil.

 

Cana-de-açúcar
O álcool obtido pela fermentação do caldo da cana de açúcar representa um terço do potencial energético, estando o restante contido na palhada e pontas da planta e no bagaço. Logo, a co-geração movimenta uma cadeia energética com potencial de dobrar a energia obtida pela produção do álcool. Estima-se que a co-geração respondeu por 3,6% da energia elétrica produzida no Brasil entre 1985 e 1992. Até recentemente, na indústria sucro-alcooleira, o bagaço, era utilizado para geração de calor, substituindo a lenha. Atualmente, o bagaço é utilizado para gerar vapor, o qual produz calor, eletricidade ou tração. O aumento do custo da energia, seja elétrica ou de petróleo, tornou mais atraente a utilização do bagaço para co-geração de energia. Como ainda estamos no alvorecer do processo, existe um grande espaço de melhoria tecnológica para maximizar a eficiência da co-geração na cadeia da cana-de-açúcar.
  O peso dos resíduos
Segundo o Balanço Energético Nacional (2003), a participação da biomassa na matriz energética brasileira é de 27%, a partir da utilização de lenha ou carvão vegetal (11,9%), bagaço de cana-de-açúcar (12,6%) e outros (2,5%). O potencial autorizado para empreendimentos de geração de energia elétrica, de acordo com a ANEEL, é de 1.376,5 MW, quando se consideram apenas centrais geradoras que utilizam bagaço de cana-de-açúcar (1.198,2 MW), resíduos de madeira (41,2 MW), biogás ou gás de aterro (20 MW) e licor negro (117,1 MW). Em 2005, três novas centrais geradoras (bagaço de cana) entraram em operação comercial no País, com potencia de 59,44 MW. Projeções da Agência Internacional de Energia indicam que o peso relativo da biomassa (incluindo resíduos) na geração mundial de eletricidade deverá passar de 10 TWh, em 1995, para 27 TWh em 2020



      Nanotecnologia
       Décio Luiz Gazzoni

 

Você pode imaginar um mercado de 1,5 trilhão de dólares daqui a dez anos, quando hoje ele, praticamente, inexiste? Imagine tinta que não risca, embalagens que mudam de cor quando o alimento estraga, plásticos biodegradáveis e mais resistentes que o aço, tecidos que não mancham, não suja, e podem aquecer ou esfriar – automaticamente! – em reação aos sinais vitais do usuário e ao clima ambiente? Você pode imaginar nanorobôs andando pelo seu sangue? Cruzando com nanocâmeras de vídeo ou nanolaboratórios de análises clínicas? Pois comece a imaginar!

 

Velocidade da luz
Quem não se acostumar, vai estranhar cada vez mais. A velocidade com que a Ciência descarrega novos produtos e ferramentas no nosso cotidiano acelera-se a taxas impensáveis. Nem bem esgotamos totalmente a discussão sobre biotecnologia e já somos chamados a discutir a nanotecnologia. E não há muito tempo para digerir os conceitos, porque logo seremos exigidos a nos posicionar contra ou favoravelmente. E com rapidez, por que em seguida surgirá outro paradigma científico que ocupará o espaço dominante.
            Para deixar bem claro meu posicionamento, esclareço liminarmente que, em minha visão de futuro, os próximos 15 anos serão dominados por um conjunto de ferramentas que envolve tecnologia da informação, biotecnologia e nanotecnologia. E não apenas no agronegócio e na saúde, porém em inúmeros aspectos do dia a dia do nosso mundo real.
 

Conceito
            Nanotecnologia é um conjunto de ferramentas emergentes que nos permitirá criar e manipular materiais e estruturas no plano molecular, muitas vezes no nível atômico. Consideram-se como nano as tecnologias que se valem de estruturas entre 1 e 1000 nm. Por exemplo, os nanotubos de carbono são moléculas cilíndricas de carbono, com propriedades que os tornam potencialmente úteis em aplicações mecânicas e eletrônicas em escala microscópica. Eles apresentam descomunal resistência mecânica, propriedades elétricas únicas e são eficientes condutores de calor.

 

 

Tabela 1. Do nano ao macro

Tamanho

Exemplo

Escala

0,1 – 0,5 nm

Ligações atômicas

Atômica

0,5 – 1,0 nm

Pequenas moléculas, poros em zeolitas

Molecular

1 – 1000 nm

Proteínas, DNA, mesoporos, nanopartículas inorgânicas

Nano

1 – 10 µm

Canais micro fluídicos, células vivas, componentes de chips de silício

Micro

> 10 µm

Poeira

Macro

 

 

Como no caso da biotecnologia, os cientistas que lidam com ferramentas nanotecnológicas nada mais fazem que inspirar-se na Natureza que, há milhões de anos, lida com eventos nanotecnológicos. Por exemplo, através do arranjo de átomos e moléculas, os sistemas biológicos combinam eventos da química em ambientes aquosos com a eletro-química, formando a base da vida. Inspirando-se nos nanosistemas naturais, a Ciência está desenvolvendo materiais e estruturas de autocontrole, auto monitoramento ou auto-ajuste.

 

Microfluídos
Vejamos apenas dois exemplos. Para desenvolver uma das aplicações da nanotecnologia, os cientistas observaram que a viscosidade dos líquidos é alterada na nanoescala. Por exemplo, no espaço intercelular os líquidos comportam-se como se fossem mais viscosos. Quando dois ou mais canais micro fluídicos convergem, seus conteúdos não se misturam facilmente, pelas propriedades do fluxo laminar. Assim, esta propriedade pode ser usada para construir micro-canais fluídicos, úteis em biologia celular, permitindo diagnósticos exatos, testes precisos de novos medicamentos ou agrotóxicos, manipulação ou processamento de DNA, monitoramento de alimentos, suprimento de água, controle da sanidade vegetal e saúde animal e controle ambiental. Exemplos atuais são o seu uso na fertilização in vitro e a tecnologia de análise química de micro-amostras (Lab-on-a-chip).
  Biomáquinas
Os cientistas já desenvolvem bombas, rotores, sensores e alavancas, na escala micrométrica, sendo questão de tempo a sua miniaturização. A sua integração com sistemas biológicos permitirá a captura ou a liberação de nanopartículas nos organismos vivos. Um dos usos em desenvolvimento são os biochips, que descortinam a integração da biotecnologia com a informática, na escala nanométrica. Outra aplicação é a bioengenharia de ácidos nucléicos, ou seja, ao invés de moldar o silício inorgânico (matéria prima dos chips), os cientistas utilizarão ácidos nucléicos como “tijolos” das biomáquinas, modelando biofios e biomembranas isolantes, com infinitas aplicações no agronegócio.

 

O futuro
A agricultura é uma das atividades humanas que mais será beneficiada pelo avanço da nanotecnologia. Suas aplicações incluem a redução de impacto ambiental, a detecção de patógenos ou insetos pragas, o desenvolvimento de sistemas de produção animal e vegetal mais precisos, o bioprocessamento, a biossegurança, conduzindo a sistemas agrícolas sustentáveis. Igualmente, o processamento de produtos agrícolas será muito beneficiado com a nanotecnologia, permitindo a produção de alimentos de elevada qualidade e atendendo as exigências de inocuidade. Portanto, seja benvindo a um mercado de 1,5 trilhão de dólares!



Nanotecnologia II
Décio Luiz Gazzoni

 Continuamos a discussão da semana passada. Através de ferramentas na nano escala, é possível montar um sistema de “entrega” de substâncias no interior do organismo, da mesma forma que o sistema interligado de correios permite enviar uma encomenda entre dois pontos da Terra, com extrema eficiência, desde que o endereço esteja correto. Por exemplo, havendo uma infecção localizada no organismo de um animal, será possível utilizar o sistema para enviar um “pacote” contendo um antibiótico, que somente será liberado quando atingir o local da infecção, nas doses programadas.

Nanointeligência
Ademais, além das características da liberação do medicamento (dose e tempo) serem pré-programáveis, o sistema pode ser tele-monitorado ou prever sistemas de decisão inteligente do próprio mecanismo, em função de mudanças no contexto. Por exemplo, caso ocorra aumento do índice de infecção, o próprio mecanismo poderá aumentar a dose; se a infecção for superada, a liberação do antibiótico poderá ser suspensa.

 

  Nanobioprocessamento
O bioprocessamento é conceituado como o uso de processos biológicos naturais para criar determinado composto ou material, a partir de alguma matéria prima, como restos ou dejetos da produção agropecuária (animal ou vegetal). O nanobioprocessamento é uma derivada desse conceito, utilizando a escala nanométrica para aumentar a eficiência desses processos. O uso de sensores que monitorem o avanço das reações de bioprocessamento, o desenvolvimento de nanoequipamentos que permitam uma rápida identificação de micróbios, presentes na matéria prima a ser processada, ou a combinação de nanoequipamentos com catalisadores específicos, são exemplos das possibilidades de aumento da eficiência do bioprocessamento.
  Nanomateriais
Os nanomateriais podem ser materiais que já existam, como as nanopartículas do solo (argilas, zeolitas, óxidos de ferro ou manganês), ou novos materiais, que serão criados com o uso de ferramentas nanotecnológicas. Os nanomateriais possuem o potencial de manipular estruturas ou outras partículas na nanoescala, controlando e catalisando reações químicas. Por exemplo, nanomateriais podem ser introduzidos em fibras (como o algodão), que reajam aos sinais vitais do usuário das roupas confeccionadas com a fibra, alterando as propriedades do tecido. Considerando que o solo e a água são compostos de nanopartículas, vislumbra-se que a agricultura do futuro será mais eficiente e com menor impacto ambiental, com o uso de ferramentas nanotecnológicas.

  

Superfícies bio-seletivas
Considere-se que qualquer superfície (peles dos animais, mucosa intestinal, ou superfície das folhas dos vegetais, por exemplo) representa o espaço onde a maior parte das interações químicas e biológicas ocorre. Assim, podem ser desenvolvidas superfícies com propriedades que permitam incrementar ou reduzir a capacidade de reação com determinadas substâncias químicas, ou ainda capturar ou repelir determinadas moléculas ou microorganismos. As superfícies bio-seletivas são consideradas importantes para o desenvolvimento de biosensores, detectores, catalisadores, biorremediares e para servir como nanofiltros, separando ou purficando misturas moleculares, como no processamento e empacotamento de alimentos.
  O futuro
A agricultura é uma das atividades humanas que mais será beneficiada pelo avanço da nanotecnologia. Suas aplicações incluem a redução de impacto ambiental, a detecção de patógenos ou insetos pragas, o desenvolvimento de sistemas de produção animal e vegetal mais precisos, o bioprocessamento, a biossegurança, conduzindo a sistemas agrícolas sustentáveis. Igualmente, o processamento de produtos agrícolas será muito beneficiado com a nanotecnologia, permitindo a produção de alimentos de elevada qualidade e atendendo as exigências de inocuidade.

  


Pós capitalismo
Décio Luiz Gazzoni

 Todo empresário sabe que, enquanto administra seus negócios no presente, precisa manter um olho no retrovisor que relembra as experiências do passado e os dois olhos no pára-brisas que lhe antecipa o futuro, ou seja, como tornar-se ainda mais competitivo no seu negócio. Em agosto passado esteve no Brasil Stuart Hart, autor do livro Capitalism at the Crossroads (algo como capitalismo chegando no cruzamento das estradas). Pode ser paradoxal, porém Hart é reconhecido como um dos maiores entendidos em desenvolvimento sustentável, ao tempo em que atua como consultor em estratégias de negócio. Segundo ele, não há futuro para o capitalismo sem incluir os pobres. Por pobres, entenda-se não os pobres de Primeiro Mundo, com renda superior a US$2.000,00/mês, mas os pobres dos países periféricos, na faixa de renda de US$700 a 1.800/ano. Sem inclusão, as alternativas são o terrorismo, as correntes migratórias, a explosão populacional e a degradação da qualidade de vida.

 Tecnologia
Durante conferencia proferida na FGV (Oportunidades de negócios na base da pirâmide), no Rio de Janeiro, Hart salientou que é necessário apontar os laboratórios de pesquisa para as necessidades de mais de quatro bilhões de pobres. Pobres, mas com demandas específicas. De quebra, a inserção social significa uma radicalização na proteção ambiental, como o uso de bioenergia ou tecnologias poupadoras de insumos. O raciocínio é simples: incluir mais 80% do planeta, com os hábitos predatórios dos outros 20%, significa antecipar o desastre já anunciado. O padrão de desenvolvimento necessita ser outro, o que já é percebido por algumas empresas, que estão mirando na classe média baixa, com padrões próprios de consumo.
  Responsabilidade empresarial
Diversas empresas globais já estão atentando para a nova realidade. Na área financeira, já se solidificam os programas de micro-crédito, em funcionamento há mais de uma década. A inclusão social significa que essa parcela da população terá mais acesso à informação, mudando seu padrão alimentar. Isso significa impacto nas cadeias do agronegócio. Também significa que, no médio prazo, cresce a empregabilidade e a renda, com uma nova onda de impacto no agronegócio. É importante considerar esses fatores no planejamento estratégico do agronegócio nacional, seja na produção de alimentos, fibras, flores, ornamentais ou energia.

Responsabilidade empresarial
Diversas empresas globais já estão atentando para a nova realidade. Na área financeira, já se solidificam os programas de micro-crédito, em funcionamento há mais de uma década. A inclusão social significa que essa parcela da população terá mais acesso à informação, mudando seu padrão alimentar. Isso significa impacto nas cadeias do agronegócio. Também significa que, no médio prazo, cresce a empregabilidade e a renda, com uma nova onda de impacto no agronegócio. É importante considerar esses fatores no planejamento estratégico do agronegócio nacional, seja na produção de alimentos, fibras, flores, ornamentais ou energia.
  Responsabilidade do agronegócio
Uma parcela da inclusão social fica por conta do agronegócio. Para tanto, alguns conceitos precisam ser exercitados como agregação de valor, tecnologia adequada, assistência técnica, educação e treinamento, crédito adequado entre outros. Sei que o leitor torcera o nariz, dizendo que os programas de assentamento de reforma agrária do governo, via de regra, redundam em fracasso. E que a falta de atenção governamental com o campo, acaba expulsando pequenos produtores do campo, aumentando a exclusão social.

  Brasil Ecodiesel
Mas, existe um belo exemplo na linha do pós capitalismo: a junção do empreendedorismo, da busca do lucro, com a inclusão social. Trata-se de um projeto de reforma agrária privada, conduzido pela Brasil Ecodiesel (http://www.brasilecodiesel.com.br/), pelo qual estou torcendo com todos os meus bons fluídos, pois representa a esperança de associar desenvolvimento, progresso e justiça social. A empresa compra terras em glebas de 10.000 ha, no Nordeste do Brasil, onde são alocadas 1.000 famílias que, após cultivar a terra por 10 anos, passam a ser proprietárias do lote. Enquanto isso, recebem insumos, assistência técnica, treinamento, escola de adultos e crianças, cultura, lazer, garantia de compra e preço mínimo, seguro rural, organização para comercialização dos produtos, ou seja, tudo o que é necessário para que o empreendimento tenha sucesso. Sua única obrigação é plantar 70% da área com mamona e entregá-la à Brasil Ecodiesel para produção de biodiesel, aos preços contratados. O Deutsche Bank acreditou no modelo e adquiriu 30% das ações da Brasil Ecodiesel. E eu torço para que o modelo dê certo e seja replicado em todo o Brasil.

 


 Prioridades Estratégicas
Décio Luiz Gazzoni

 No próximo dia 20/12, o Ministro Roberto Rodrigues submete ao Conselho do Agronegócio do Ministério da Agricultura, a sua proposta de prioridades estratégicas. Justamente por tratar de temática estratégica, a reunião do CONSAGRO ganha importância, pois suas decisões terão uma influencia que se estende além do período do atual Governo.

Sanidade e qualidade
O Ministro propõe reforçar o processo de erradicação da febre aftosa, ampliando também a sua atuação em outros temas sanitários (ferrugem da soja, doença de newcastle, sigatoka, vaca louca, etc.). Propõe integração estreita entre o MAPA e as secretarias estaduais, a revisão da legislação sanitária e o aprofundamento do trabalho de educação sanitária. Na mesma linha, é proposto um aprofundamento do trabalho de controle de resíduos químicos e biológicos, melhorando a inocuidade e a rastreabilidade dos produtos. Também serão fomentados os programas de Indicação Geográfica e Denominação de Origem Controlada.
  Tecnologia
A integração pesquisa e sanidade agropecuária é um dos pontos altos da proposta, consolidando a idéia de que todo o sistema sanitário deve ter uma sólida base científica e tecnológica. Estabelece-se, como uma das diretrizes mais importantes, o domínio e as aplicações da biotecnologia (como genômica, transgenia, biossegurança) e da nanotecnologia, conjuntamente com o desenvolvimento de tecnologias para produção orgânica e produção integrada. O Ministro assinala a importância da criação da Agência de Inovação e da agilização da transferência de tecnologia para os setores do agronegócio.
  Agroenergia
Consciente que a agricultura de energia representará o segmento que mais crescerá no conjunto do agronegócio mundial, o MAPA aponta para as ações que devem assegurar ao Brasil a liderança setorial.  Uma das primeiras ações será a criação da Embrapa Agroenergia e a formação do consórcio para conferir ao trabalho de P&D em agroenergia a magnitude necessária. Também compõe o conjunto de diretrizes um esforço agressivo para promoção da imagem internacional do Brasil como grande usuário e fornecedor de etanol, bem como grande fornecedor potencial de biodiesel.

  

Negociação internacional
Ampliar o espaço do Brasil no comércio internacional é o grande desafio. Prevê-se a celebração de acordos comerciais e sanitários, o combate a apoios domésticos distorcidos e a supressão de barreiras comerciais e sanitárias, através de uma participação mais efetiva do MAPA nas negociações internacionais. O Ministério investirá na elaboração de estudos e informações qualificadas para subsidiar os negociadores brasileiros em fóruns internacionais, em especial no tocante à qualidade e sanidade dos produtos agropecuários.

 

 

  Política agrícola
A política agrícola é o conjunto de instrumentos utilizados pelo poder público para propiciar os meios de que a iniciativa privada necessita para ser competitivia no mercado. Para tanto será apresentada uma nova legislação para o resseguro e o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural, permitindo a sua consolidação e adoção pelos produtores. O MAPA também pretende ampliar a oferta de crédito privado, com prospecção de novas fontes de financiamento, além da garantia de preços mínimos e de preços futuros ao complexo do agronegócio.

 

 

  Interlocução
O canal comunicante entre o poder público e o setor privado, no âmbito do agronegócio é o Conselho do Agronegócio e o conjunto de 25 câmaras setoriais e 4 temáticas. As câmaras se constituem no foro privilegiado, onde a iniciativa privada e o poder público negociam e encaminhar soluções para as principais questões de política agrícola, a fim de contribuir para o sucesso do agronegócio nacional. Essa interlocução aberta, que tem sido uma das marcas do atual Ministro da Agricultura, deverá ser reforçada e consolidada, para ampliar a participação do agronegócio  brasileiro na economia nacional e no comércio internacional.

 


Sobre vagalumes e carneiros
Décio Luiz Gazzoni

 Corria o ano de 1985. O prefeito de Londrina era o Dr. Wilson Moreira, de tão grata lembrança. Eu estava como Chefe Geral da Embrapa Soja, na ocasião em que construíamos a nossa sede própria, o que exigia contatos freqüentes com o Prefeito, que muito nos ajudou na empreitada. O prefeito, famoso pelo cuidado com o dinheiro público, havia “contratado” um rebanho de carneiros para cortar a grama dos jardins que beiram o Igapó, que se transformou no símbolo da sua cultura de uso criterioso do dinheiro público.

 

Vagalume

À época, biotecnologia mais era ficção científica do que, propriamente, uma ferramenta para melhorar a vida das pessoas. Contei ao Dr. Wilson que, entre os experimentos bem sucedidos, estava a introdução, em algumas plantas, do gene da luciferina – a proteína que provoca a luminescência no vagalume. Os pequenos olhos castanhos do Prefeito brilharam (mesmo sem luciferina!) e ele fez a pergunta:

- Então plantas podem brilhar no escuro?

- Podem, respondi. De bate pronto, ele enfiou a próxima pergunta:

- Poderiam até iluminar uma rua?

Percebi onde o engenheiro, com senso prático, preocupado com custos e produtividade queria chegar: Queria substituir a arborização da cidade por plantas com luciferina, desligando a iluminação pública, poupando recursos da Prefeitura e os impostos do contribuinte. Fiquei imaginando a Avenida Higienópolis feito um grande palco iluminado por castanheiras, espatódias e cibipirunas, piscando durante toda a noite. Depois viriam outras avenidas, transformando a noite de Londrina em um Natal perpétuo. Muito romântico!

 

Luciferina
Infelizmente, Dr. Wilson, mesmo hoje não é possível ter uma planta com luciferina substituindo a energia da Copel. O
espetáculo néo-natalino do pisca-pisca dos vagalumes ocorre pela oxidação da luciferina, na presença do ATP, sendo o processo mediado pela enzima luciferase. Hoje, 20 anos depois, a Unesp de Rio Claro é uma das escolas de ponta no mundo, em estudos de aplicações de luciferase, como biossensores bacterianos vivos, contendo o gene da luciferase clonada. Para que serve? Ainda não realiza o sonho do Dr. Wilson, de iluminar a Higienópolis, mas permitirá denunciar a presença de substâncias tóxicas na água ou para bioprospecção de bactérias em alimentos. Como os pesquisadores já identificaram enzimas que fazem com que a luciferina produza diferentes cores (azul, amarelo, verde, vermelho), é possível não apenas denunciar o alimento estragado, como identificar qual patógeno está presente.
  Mais biotecnologia
No inicio de dezembro, a revista Nature publicou um artigo que detalha, com precisão, como ocorre o processo de metástase de tumores malignos humanos. Uma proteína é liberada de uma célula tumoral e migra para a parede celular de células da medula óssea. Esta é induzida a dirigir-se para um tecido vital, onde prepara o terreno para a instalação de células do tumor original, criando os tumores secundários (metástase). Agora, conhecendo-se a proteína responsável pela mestástase, será fácil desenvolver medicamentos para bloqueá-la. O mesmo princípio poderá ser utilizado para bloquear a instalação ou progressão de algumas enfermidades degenerativas de animais ou plantas, sofisticando a tecnologia do agronegócio.

Nanotecnologia
Se a conversa com o Dr. Wilson fosse hoje, preferiria discorrer sobre nanotecnologia. Por exemplo,
já temos tecnologia nacional de nanotubos de carbono - peças minúsculas só vistas com potentes microscópios eletrônicos - medindo de 1 a 3 nanômetros de diâmetro e até 1.000 nm de comprimento. Sabe o que isso significa? Pegue um fio de cabelo e corte-o, longitudinalmente, em 50.000 fios. Para que serve? Dr. Wilson, não dá para substituir a canalização da Sanepar, mas servirá para aplicar, de forma controlada, medicamentos em animais ou agrotóxicos em vegetais. Cientista não é, propriamente, um Papai Noel, mas a forma de lhe desejar Feliz Natal, mesmo longe do Natal, é tecnologia que melhora a sua qualidade de vida.



Inovações em 2006
Décio Luiz Gazzoni

 Algumas inovações fitoterápicas interessantes estarão maturando no próximo ano. Mais do que os avanços pontuais, importa perceber que, cada vez mais, a ciência farmacêutica se inspira na Natureza para produzir medicamentos, abrindo perspectivas de nichos interessantes no seio do agronegócio. 

Artemísia
A
Artemisia annua é uma planta da família das Asteráceas, que também inclui o absinto, o estragão e o piretro. Trata-se de um arbusto natural da China e do Vietnã, onde é usado há muitos séculos, em forma de chá, para tratamento da febre da malária. Estima-se que, em 2005, o número de brasileiros infectados por malária aumentará de 400 para 600 mil. Na ausência de vacinas, um dos tratamentos recomendados utiliza medicamentos derivados da artemisinina, o princípio ativo extraído da artemísia. O produto até hoje é importado. Porém, pesquisadores da Unicamp desenvolveram um medicamento genuinamente nacional, a partir das folhas da artemísia. Para tanto, será necessário cultivar plantas de Artemísia, especialmente selecionadas, com conteúdo de artemisina superior a 1,2%, para posterior extração e fabricação do medicamento anti-malárico.

  Orégano
Este, quem não conhece? No país em que a pizza costuma selar o fim dos “imbróglios”, impossível não conhecer orégano. Talvez o leitor não conhecesse as suas propriedades carminativas, anti-oxidantes e anticancerígenas. Pesquisadores da Unicamp identificaram substâncias anti-oxidantes no orégano, entre elas o kaempferol, além do ácido quínico, conhecido anti-cancerígeno. A propriedade anti-oxidante evita o ataque de substâncias com poder oxidativo, no DNA das células, uma das causas de tumores malignos. Também retarda o envelhecimento dos tecidos humanos. As principais espécies estudadas foram Origanum dictamus, O. vulgare e O. marjorana, esta conhecida como manjerona. Impulsionados pelo sucesso com o orégano, os pesquisadores buscaram compostos em outros temperos, como o alecrim, onde encontraram o ácido rosmarínico, com propriedades anti-oxidantes e anti-bactericidas. As próximas plantas da lista são canela, cravo-da-índia, salsinha e noz-moscada.

 

Cipó
Os caiçaras conhecem o efeito analgésico do cipó-cravo (Tynnanthus fasciculatus), usado como remédio caseiro para combater a má digestão e as dores de estômago. Recentemente, os pesquisadores da Unifesp comprovaram as propriedades terapêuticas da planta. Os testes mostraram que o cipó tem efeito anti-oxidante, inibindo a ação dos radicais livres no cérebro e no restante do organismo. A toxicidade da planta foi medida por meio da administração oral de diferentes doses do extrato em camundongos. Os resultados demonstraram ausência de toxidez (mortes ou perda de peso) em todos os casos estudados.

 

Analgesia

Os efeitos analgésicos do cipó-cravo foram avaliados por dois métodos. Um grupo de camundongos recebeu doses do extrato da planta, conseguindo permanecer sobre uma chapa metálica aquecida, sem demonstrar incômodo. Outro experimento mostrou que os animais que consumiram 500 mg/kg de cipó-cravo reduziram em 50% as contorções abdominais, o que comprova a ação analgésica da planta nesses animais. As próximas avaliações clínicas sobre a ação farmacológica da planta deverão ser realizadas em seres humanos, para que a substância se torne reconhecida e seja liberada comercialmente, como um produto fitoterápico.

 Sucesso
Um dos casos de sucesso é o Acheflan (Laboratório Ache), anti-inflamatório produzido à base de erva-baleeira ou maria milagrosa (Cordia verbenacea), que hoje disputa a liderança do mercado com o conhecidíssimo Cataflan. Porém, para chegar a esta situação invejável, a parceria entre a Ache e a Universidade Federal de Santa Catarina consumiu sete longos anos de trabalho e dedicação. Seguramente, estes exemplos de sucesso, com o aproveitamento da biodiversidade, significará novos mercados para o agronegócio nacional.



Ano Novo. Vida Nova?
Décio Luiz Gazzoni

 Qualquer análise que eu fizesse significaria duvidar da inteligência dos leitores. De acordo com a CEPAL (www.cepal.org), em 2005 o mundo cresceu mais de 4%, um dos maiores crescimentos sustentados das últimas décadas. Os países emergentes, em média, cresceram 5,6%. A América Latina cresceu 4,3%, índice que seria maior se não tivesse sido puxado para baixo pelo Brasil. O Caribe, um conjunto de ilhas apenas privilegiadas pelas belezas naturais cresceu 4,1%.Veja a estimativa das taxas de crescimento de 2005, para a América Latina, em que o Brasil supera apenas o Haiti, a Jamaica e a Guiana.  

 

País

%

 

País

%

Venezuela

9,0

 

Bolívia

3,8

Granada

9,0

 

Bahamas

3,5

Argentina

8,6

 

Guatemala

3,2

Santa Lúcia

8,0

 

México

3,0

Trinidad e Tobago

7,0

 

Paraguai

3,0

Rep. Dominicana

7,0

 

Equador

3,0

Chile

6,0

 

Belize

3,0

Panamá

6,0

 

Granadinas

3,0

Peru

6,0

 

Dominica

3,0

Uruguai

6,0

 

Barbados

2,8

Suriname

5,2

 

El Salvador

2,5

Colômbia

4,3

 

BRASIL

2,5

Costa Rica

4,2

 

Haiti

1,5

Honduras

4,2

 

Jamaica

1,4

Nicarágua

4,0

 

Guiana

-2,9

 

 Seria possível nossa economia, em 2006, ter um desempenho ainda mais ridículo que este? A crer na CEPAL, em 2006 cresceremos pífios 3 %, superando apenas a República Dominicana!!! Vamos permitir, bovinamente, que o fiasco se repita? Entre 2003 e 2005 o Brasil perdeu carona num dos maiores ciclos de crescimento do mundo. Se o crescimento mundial continuar em 2006 (talvez seja difícil), você vai concordar que o nosso futuro continue a ser comprometido?

 


Freio de mão puxado

Décio Luiz Gazzoni

 

Foram inúmeros os contatos por conta da coluna de 6/1, que abordou a baixa taxa de crescimento do Brasil, em 2005. Renegamos um dos maiores ciclos mundiais de crescimento dos últimos tempos, em vigor há 3 anos, e que pode acabar em 2006. Os ciclos são da essência do capitalismo e, normalmente, são de curta duração. O ciclo atual é sustentado por algumas locomotivas emergentes (China, Índia, Rússia). Outro ciclo benéfico advirá no futuro, só não se sabe quando, quanto durará e qual sua intensidade. Quem aproveitou a oportunidade agora (caso de 95% dos países) usufruirá dos benefícios. Os demais guardarão a bandeira no armário, até o próximo campeonato.

 

Descaso com o social

Na edição de 1 de janeiro, o jornal El País (Espanha) apontou o óbvio: nos últimos três anos o governo brasileiro tanto esmerou-se em provar que o PT não era o lobo mau – um devorador dos mercados financeiros - que esqueceu-se do povo e do desenvolvimento do país. Os novos empregos (cerca de 25% das necessidades do país) restringem-se aos menores salários. Logo, em 2005 o salário real do brasileiro foi 11,2% inferior ao de 2002. Para 8,7 milhões de famílias mais pobres o governo reservou a Bolsa Família (em média R$1,50 por família, por dia).

  Já os banqueiros comemoram R$ 146 bilhões de juros pagos em 2005 sobre a dívida pública de R$ 1 trilhão, razão dos maiores lucros dos bancos em toda a Historia do Brasil. O insuspeito Prof. Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES na era Lula) lembra que R$ 110 bilhões dos juros destinam-se a apenas 20 mil rentistas. Para o social, sobraram R$ 7 bilhões, a dividir por 8,7 milhões de famílias, um caso didático de concentração de renda.

 
 

Sucateamento

Dois grandes equívocos emolduram a liberação atropelada de R$ 400 milhões para tapar buracos. O primeiro é a proposta eleitoreira de tapa-buracos: antes da primavera, os buracos estarão todos de volta, e com juros!. Sem trocadilhos, é a herança maldita para o próximo governo. O segundo é o valor, pois, apenas para recuperar as estradas, seria necessário 50 vezes mais (conforme a Autoban, foram gastos, em 2005, R$ 800 milhões para restaurar e manter os 90 quilômetros entre São Paulo e Campinas!). Já, para destravar o progresso do país, no mínimo 100 vezes mais. O leitor acha muito? Bem, compare com o que foi pago de juros em 2005! De onde viria o dinheiro? Poderia ser dos R$100 milhões pagos aos deputados para não trabalhar no recesso.

  Porém, saiba o leitor que corre no STF um mandado de segurança, para obrigar o governo federal a aplicar os recursos da CIDE na sua destinação constitucional - infra-estrutura de transportes e projetos de preservação ambiental. A ação pede o mesmo para os recursos arrecadados pelo Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações e da taxa cobrada pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Ou seja, aquele dinheiro que o governo toma dos cidadãos com a desculpa de investir no seu bem estar, e depois repassa em juros aos banqueiros. Apenas de CIDE, em 2005, o Governo Federal arrecadou R$7,7 bilhões! Portanto, dinheiro não falta.

 
 

Esperança para 2006?

Será diferente em 2006? Mesmo em ano eleitoral, não espere expansão de investimentos governamentais, pois o superávit de 4,25% do PIB e altas taxas de juros são dogmas. Ao invés de financiar saúde, educação e segurança, os nossos impostos continuarão migrando para o bolso dos rentistas. Se o Governo assim baliza o cenário, o que esperar dos privados? Pesquisa da Ciesp (dezembro/2005) mostrou que, no final de 2004, 80% dos empresários entrevistados estavam otimistas e prometiam investimentos em 2005.

 

Agora, 56% não prevêem expansão para 2006. Sem investimento governamental ou privado nacional, não se forma o lastro para captação de investimentos estrangeiros. Assim, 2006 se limitará ao crescimento medíocre, próximo a 2,5%, lastreado, quase integralmente, nas exportações para os países que estão capitaneando o crescimento do mundo.



Salvação da Pátria
Décio Luiz Gazzoni

 Pois é, crescemos pífios 2,5% em 2005, migalhas escorridas das mesas dos países de elevado desempenho, como China ou Argentina. Mas o que teria sido do Brasil, se as exportações não tivessem explodido nos últimos três anos? Mas, elas continuarão em alta, apesar do real super-valorizado? Essas e outras perguntas tiram o sono dos agentes do agronegócio, no limiar de 2006.

 Mercado internacional
Analisar o mercado internacional é um tema fascinante, pela sua complexidade. Porém, de forma estereotipada, é possível identificar três variáveis diretrizes, que possibilitaram a expansão das trocas comerciais entre os países. Uma delas já completou uma década – o advento da OMC. Não pela instituição em si, mas pelo clima criado de desoneração e facilitação de trocas comerciais, destarte a posição de cabeçudos dos europeus, que insistem em subsidiar sua produção e exportação agrícola. As razões mais recentes do aumento do comércio são o déficit comercial americano (excesso de compras no exterior) e o aumento das importações de países emergentes, de crescimento acelerado, mormente China, Índia e Rússia.
   Transnacionais
O mercado internacional tem crescido a taxas muito superiores ao crescimento da economia mundial. O mundo cresceu quase 15% nesta década, enquanto o aumento das transações comerciais aumentou quase 60% em valor, de acordo com a OMC. Aqui aparece outra justificativa para o crescimento acelerado do comércio internacional. Lembra daquela frase vetusta “Yankees, go home”? Ela significava a xenofobia, incorporada no ideário político de alguns partidos de esquerda. Os mesmos que, chegando ao poder, fazem uma sutil mudança para “Yankees, come home” – vinde a nós os vossos capitais e empregos!. Ocorre que, em um mundo globalizado, as empresas multinacionais procuram extrair o máximo das vantagens competitivas oferecidas por cada país. Assim, componentes correm o mundo, para serem montados nos locais mais propícios, e vendidos a quem tem saúde financeira.

 

Transnacionais
Quando se fala em transnacionais, pensa-se nos EUA, na Europa e no Japão. Ledo engano. As empresas do antigo terceiro mundo estão seguindo a receita de sobrevivência dos países centrais. Ainda em dezembro passado assistimos ao fechamento de diversas empresas calçadistas no Rio Grande do Sul, cujas linhas de montagem foram transferidas (junto com seus empregos!) para a China. Lá, uma das vantagens competitivas é o custo absurdamente baixo da mão de obra. Vale também para a Petrobrás, que instala refinarias abroad e para os agentes do agronegócio que produzem suco de laranja nos EUA ou negociam álcool a partir do Caribe. Nos últimos 15 anos, as exportações mundiais de bens e serviços cresceram 200%, devendo superar US$12 trilhões em 2005. Desse total, mais de 35% é representado por transações entre filiais de empresas transnacionais.
   Brasil
Os números francamente favoráveis ao Brasil, no curto prazo, embutem uma armadilha de longo prazo. O segmento exportador foi o único setor da economia brasileira que se aproveitou do ciclo de crescimento mundial. Podemos fechar 2005 com algo como 120 bilhões em exportações (1% do mercado mundial), e um recorde no saldo comercial de quase US$44 bilhões, que nos dão folga para respirar, recompr as reservas e pagar, antecipadamente, empréstimos do FMI e do Clube de Paris. Mas, onde está a armadilha? Uma pista é dada pela previsão do Banco Central de que, em 2006, o saldo comercial será menor (US$ 36 bilhões). Caso o saldo menor seja resultado de um aumento das importações, estaríamos na trilha saudável de reduzir a valorização do real, conjuminada com maior capacidade de compra, o que seria um indicador de aumento da atividade econômica. Entretanto, se o menor saldo se referir a uma redução nas exportações, pode estar se esgotando o modelo exportador unilateral, apesar dos fatores contrários (alta taxa de juros, câmbio desfavorável, tributação elevada), associada com a exigência de reciprocidade por parte dos demais países, que impõem contrapartida de exportação para suas importações.



Açúcar e álcool

Décio Luiz Gazzoni


Para os consumidores, o futuro próximo não será muito agradável. Já, sob a ótica da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, os próximos anos serão de alegria igual a pinto no lixo. Como em outras situações, faltou ao governo enxergar os sinais claríssimos que o mercado e o entorno social e ambiental enviaram, para elaborar uma política setorial de ajuste entre oferta e demanda. Faltou visão de futuro, planejamento e uma política agro-industrial congruente – ou trata-se de ideologia ultra-liberal, selvagem, entronizando o mercado como deus único? Na falta de estoques, o ajuste dos preços se dará pelo alto. Ótimo para quem produz álcool e açúcar, nem tanto para quem consome. Conformemo-nos: pior seria a falta de mercado ou preços altos por incapacidade de ofertar.


Mercado
No mercado perfeito, a demanda de um produto cresce proporcionalmente ao crescimento da população e da renda per cápita. Saltos eventuais, de aumento ou redução de demanda, ficam por conta de novidades, como produtos concorrentes com maior competitividade, ou o desenvolvimento de novos produtos, que ampliem a base do mercado consumidor. Ou ainda, como é o caso, eventos fortuitos que ajustam o mercado às pressões sociais, ambientais ou a novos regulamentos. No caso do açúcar, era previsível a redução da produção de açúcar na União Européia, fruto da demanda do Brasil junto à OMC, contra os subsídios à exportação. Ora, como o Brasil foi o demandante, se havia algum governo no mundo que deveria acreditar na queda dos subsídios era, justamente, o Brasil. Talvez porque a demanda na OMC era parte da “herança maldita” do governo anterior, não foi levada em consideração. Ou, então, foi incompetência mesmo!


Açúcar
O fato é que a OMC determinou à União Européia a redução dos seus subsídios à exportação de açúcar. No futuro, creiam, a UE terá que reduzir também os subsídios à produção. Sem subsídios, o açúcar de beterraba europeu possui custo de produção equivalente ao dobro do açúcar de cana brasileiro. A medida entra em vigor em julho próximo e, para o verão europeu, projeta-se uma redução de 15% na produção de açúcar europeu (17,4 milhões ton em 2005). No limite da redução de subsídios, deve abrir-se um mercado de mais de 7 milhões de toneladas, que deverá ser preenchido, em grande parte pelo Brasil, que é o maior produtor e exportador mundial e o que tem o custo de produção mais competitivo. Deduz-se que, até que o mercado se ajuste, o preço do açúcar estará em alta.


Álcool
No caso do álcool, o movimento do mercado era tão previsível quanto (ou mais) que o do açúcar. Primeiro fato: o lançamento, há três anos, dos carros flex-fluel. Segundo fato: a enorme aceitação da tecnologia, levando a que, em março de 2006, mais de 80% dos veículos leves nacionais sejam bicombustíveis. Terceiro fato: a pressão da sociedade do primeiro mundo por sucedâneos de combustíveis fósseis, que sejam menos agressivos ao ambiente. Resultado: a demanda explodiu, muito acima da oferta. Os sinais haviam chegado aos empresários do setor, que passaram a apostar na ampliação da capacidade de oferta. Entretanto, a expansão do mercado está sendo tão intensa, que outros investidores estão sendo atraídos, inclusive mega-investidores estrangeiros, dispostos a produzir, exclusivamente para exportação, volumes vultosos de álcool.


Expansão
Dos males o menor. Preço mais alto, porém mercado firme, expansão da produção primária e da indústria de transformação. O atual pólo sucro-alcooleiro (PR, SP, MS, GO, MG) está no limite do esgotamento e abrem-se novos núcleos no MT, PA, MA, TO e PI. Com isso, descongestiona-se o sul do país e abrem-se novas oportunidades em regiões mais pobres. Este movimento é, por sua vez, um sinal: será necessária toda uma logística de transporte, estocagem, portos, etc., nas novas áreas. Será o próximo governo tão míope quanto o atual, para enxergar a sinalização óbvia?



Uma espiada lá na frente

Décio Luiz Gazzoni

 Mapeando o futuro global é o nome do documento  produzido pelo Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, que reúne as 15 agências de inteligência do país e é coordenado pela CIA. O estudo tem por objetivo traçar um cenário base de trabalho para o governo americano, especialmente como lidar com a nova ordem mundial, no horizonte que se estende até 2020.

Cenário
China, Índia, Brasil e Indonésia, individualmente ou em aliança podem ser responsáveis por grandes transformações na geopolítica nos próximos 15 anos, à semelhança da ascensão da Alemanha (séc XIX) ou dos EUA e do Japão (séc XX). O desgaste dos EUA e a necessidade de a UE adaptar sua força de trabalho e fugir do risco de estagnação econômica, abrem espaço para os novos emergentes. Instituições como a ONU, o FMI ou o BIRD poderão perder espaço no novo cenário, a menos que se ajustem aos paradigmas do novo tempo. A China e a Índia já respondem por parcela ponderável do atual ciclo de crescimento econômico, abrindo espaço para um crescimento organizado da Ásia, com  uma extensão para o Brasil e a América Latina, lastreados na força de trabalho de suas grandes populações e nos recursos naturais privilegiados.

 

Geopolítca
Embora os quatro países tenham, individualmente, um impacto geopolítico limitado, o crescimento econômico de cada um e a formação de um bloco coeso pode criar uma forte sinergia. A ambição da China e da Índia é a liderança tecnológica, o que atrai multinacionais para esses países e para o Brasil. Este movimento dará mais sentido aos termos multinacional ou transacional, com as empresas perdendo qualquer vínculo a uma nação, aproveitando, seletivamente, as oportunidades do mundo globalizado. Neste cenário, conceitos atuais como os conflitos Leste e Oeste ou Norte e Sul, alinhados e não-alinhados, desenvolvidos e em desenvolvimento, perdem sentido, bem como os atuais agrupamentos geográficos perderão destaque nas relações internacionais.

 

Brasil
A vocação do Brasil é o aproveitamento da biodiversidade, do clima, do solo, e da extensão geográfica, conjuntamente com a modernização tecnológica e a capacidade empresarial, inovativa e de gestão. O agronegócio e seus tentáculos econômicos e comerciais será a grande ponte do Brasil rumo ao futuro. Do ponto de vista dos EUA, o Brasil consolidaria sua posição de parceiro natural dos países ricos (EUA, EU e Japão), visão reforçada pela identidade de política econômica das gestões dos presidentes Bush e Lula. Entretanto, o Brasil deve buscar, cada vez mais, alianças e acordos comerciais com potências emergentes, como Indonésia, Rússia, China e Índia, além de surgir no horizonte como a grande potencia da agroenergia, a ponte para uma nova matriz energética do final do século XXI. O grande desafio do Brasil será compatibilizar crescimento econômico com desenvolvimento social, meta que ficou mais distante com o baixo crescimento econômico dos últimos três anos e com a concentração de renda derivada da política monetária do Governo.

 

Evolução

O cenário prevê crescimento do PIB mundial de 80% até 2020, a renda per capita crescerá 50% e, tanto a Rússia quanto o Japão e a UE, terão uma população fortemente envelhecida, com inúmeros problemas de gestão dos programas de previdência. Enquanto a China contém sua população (1,4 bilhão em 2020), a Índia estará se aproximando dessa multidão. Já o PIB chinês será o segundo maior do mundo, logo abaixo dos EUA, com a Índia rivalizando saúde econômica com as nações da UE. A previsão dos analistas americanos é que o crescimento populacional será acompanhado de desenvolvimento social, com ganhos de qualidade de vida da população. Tanto o Brasil quanto a Indonésia têm potencial para inflexionar a curva de crescimento econômico relativo, voltando a superar o PIB de muitos países ricos. Com tamanha geração de riqueza, não é muito difícil prever uma expansão do agronegócio, tanto nas vertentes de agroenergia, quanto de alimentos, fibras e plantas ornamentais, explicando a enorme oportunidade de crescimento do Brasil.



No limite da ficção

Décio Luiz Gazzoni

 Primeiro você enfrenta uma fila enorme para conseguir a autorização de exame. Depois, uma fila maior para a coleta de sangue, com jejum, abstinência de carne e outras. Aí, espera muitos dias, angustiado, pelo resultado. Agora imagine se, ao invés de tudo isso, você tivesse apenas que passar por um umbral, igual àqueles de fiscalização de raio X de aeroporto e, numa fração de segundo, já recebesse a dosagem de colesterol ou de glicose no sangue?

 Análise em linha
Parece ficção, difícil de acreditar. Se ainda não chegou tão longe, o colega Luiz Alberto Colnago (Embrapa Instrumentação Agropecuária) está desenvolvendo um equipamento que chega muito perto do descrito acima. Ao menos para alimentos, como lingüiças e salsichas, picanha, soja, vinho ou frutas. A sua inovação consiste em colocar, na correia transportadora de uma fábrica de alimentos, um equipamento que fornece, instantaneamente, os teores das substâncias que o fabricante queira efetuar um controle de qualidade. Na seqüência, a correia pode ter um desvio (igual a um desvio ferroviário), separando os produtos que estejam abaixo ou acima de determinados teores.

Ressonância Magnética Nuclear
O nome pomposo dá um calafrio, mas não se preocupe, é tecnologia do bem. O princípio científico é o mesmo utilizado nos laboratórios de análises clínicas, para examinar o corpo de pacientes em busca de detalhes ínfimos de importância médica, como é o caso da tomografia computadorizada. Sabe-se que qualquer átomo responde à presença de um campo magnético poderoso. Na ausência de magnetismo, os átomos estão dispersos, dispostos ao acaso. Ao passarem pelo campo magnético, eles se alinham em uma mesma direção, como agulha de bússola. Para melhor entender, imagine um punhado de limalha de ferro sobre uma mesa: os filetes apontam ao acaso, em qualquer direção. Quando se coloca um imã próximo da limalha, imediatamente elas se alinham seguindo as linhas da força magnética.

 Análise
E daí, pergunta o leitor? Ocorre que quanto menor a molécula, maior é a sua agitação, quando submetida ao magnetismo. Como a ciência sempre opera com base em diferenças, o que o pesquisador fez foi associar as substâncias que pretende analisar com o tamanho da sua molécula. Depois, calibrou o equipamento, para que os sinais magnéticos provenientes das diferenças na “dança” dos átomos pudessem ser precisamente associados a determinadas moléculas. Assim, o equipamento inicialmente diferencia o tamanho da molécula, a partir dos sinais recebidos do alimento em exame. Na seqüência ele associa esse tamanho de molécula com determinada substância, constante do seu banco de dados. E, pela intensidade do sinal, o equipamento fornece o teor dessa substância, com grande precisão.

 Certificação
O consumidor moderno exige qualidade e inocuidade dos alimentos. As duas palavras chaves para o sucesso no agronegócio globalizado do futuro são certificação e rastreabilidade. Ninguém vai conseguir se manter em um negócio lucrativo se não puder garantir a qualidade do que vende. Deve também, em caso de não conformidade, poder voltar atrás em toda a cadeia produtiva e descobrir exatamente onde o processo apresentou desvios, para que possam ser corrigidos.

 

Garantia
É na etapa de certificação que o equipamento de ressonância magnética nuclear desenvolvido pela Embrapa garante a qualidade dos produtos. Ele pode medir o teor de gordura da carne e processados, o teor de óleo da soja, o açúcar das frutas ou o álcool do vinho. Os exemplares que fogem da especificação podem ser descartados, antes da etapa de embalagem. E as aplicações podem ir mais longe. Podem ser utilizadas na análise da qualidade de água em processos sensíveis. Por exemplo, poderia ter evitado a morte de inúmeros pacientes de clínicas de hemodiálise do Recife, controlando a qualidade da água do processo. Os interessados podem obter mais informações pelo email sac@cnpdia.embrapa.br



Peixes e peixes

Décio Luiz Gazzoni

 Semana santa é tempo de peixe. Deveria, também, ser o tempo de uma de minhas pescarias, mas a agenda não está permitindo. Como o Santos ganhou o Campeonato Paulista, viva o peixe! Não tem nada a ver com o peixe, mas como o Grêmio ganhou o Campeonato Gaúcho, três vivas ao Grêmio. Mas, o que tem mesmo a ver com o peixe é o agronegócio do peixe.

 

Mercado
O mercado de carnes é muito mutante. Vide que, durante os últimos cinco anos, passamos por ciclos diversos. O mercado da carne bovina foi afetado por problemas sanitários, como a BSE na União Européia e a febre aftosa no Reino Unido. Depois veio a BSE nos EUA. Neste meio tempo, focos de aftosa espocaram no Brasil e na Argentina. Para coroar, desde o ano passado vivemos o sobressalto da Gripe Aviária – este sim, potencialmente um enorme problema, não apenas para a avicultura, mas também para a saúde pública. Enquanto isso, o mercado de peixes manteve sua participação, mas as possibilidades de ampliação do mercado são sempre crescentes. Nem tanto pela pesca extrativista, pois os cardumes estão, progressivamente, se esgotando, porém na criação de peixes - o chamado rebanho aquático. Dentro deste nicho, a tilápia vem ganhando espaço em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde é considerada o frango dos peixes. 
  Cadeia
A cadeia dos peixes é diversificada e envolve diversas etapas, com oportunidades democráticas para diversos atores. Em todos eles, as questões tecnológicas e sanitárias constituem os temas centrais. Embora o nosso nível tecnológico nos criatórios finais ainda deixe a desejar, nas fases iniciais da cadeia nada ficamos a dever ao estado da arte mundial. Como em outros segmentos do agronegócio, o Brasil reúne todas as condições para ser o líder mundial da produção de peixes em cativeiro, com destaque para a liderança na produção de tilápias. Para tanto temos água doce em abundância, disponibilidade de terras, clima adequado, capacidade empresarial, mão de obra barata e matéria prima abundante para a produção de rações. Ou seja, em breve estaremos seguindo a senda da avicultura e da suinocultura, galgando elevados padrões sanitários e tecnológicos, rumo à liderança mundial de um mercado altamente remunerador.

Oportunidades
Existem oportunidades profissionais, como para médicos veterinários e biólogos. Há oportunidades empresariais, como a criação de alevinos; de criação e engorda de peixes; de criação consorciada com arroz; de integração com lazer (pesque e pague, parques temáticos). Aqui mesmo, pertinho de Londrina, temos o maior criatório de alevinos do Paraná, com 12 ha de lâmina d´água, que produz mais de 2 milhões de alevinos por mês, distribuídos para todo o Estado. Além da alevinagem, a empresa descobriu o nicho do criatório para abastecimento de frigoríficos, o que garante rentabilidade ainda maior. Isto porque o milheiro de alevinos vale R$90. Já o peixe criado pode ser um negócio bem mais atraente.
  Números
No segmento de lazer é difícil quantificar valores, pois se imiscuem diversos produtos como iscas, lanches, bebidas, almoços, serviços de limpeza de peixes, etc. Já na criação comercial, em um hectare de lâmina d´água a produção ascende a 20-30 t/ano (compare com a produtividade do gado de corte, que atinge 0,7 t/ha/ano!). A recomendação é que um criatório tenha, no mínimo, 5 ha de lâmina de água, o que significa entre 100 a 150 t/ano. Com tecnologia adequada, uma tilápia pode ser comercializada aos 6 meses, com peso de 700 g. De acordo com a época do ano, o valor de venda flutua entre R$2-3,00/kg. Ou seja, na menor produção, com o menor preço, obtém-se R$200.000,00/ano, para uma área de 5 ha. O que, convenhamos, é um valor remunerador. Aí entram os temas tecnologia, gestão e sanidade, para garantir que a margem seja satisfatória. Pense nisso, durante a semana em que, tradicionalmente, mais se consome peixe no mundo ocidental.

 

Guyana

Décio Luiz Gazzoni

A convite do Governo da Guiana, estamos desenvolvendo um projeto de fomento à exportação de produtos agrícolas não tradicionais, que será financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Lá estive em duas oportunidades, para contatos com o Governo e iniciativa privada, a fim de formular um diagnóstico da situação e efetuar propostas para incrementar o comércio internacional do país, a qual devo apresentar ao Governo do país brevemente.

 

A Guiana
Ao saberem que estive no país, a primeira pergunta que todos me fazem é qual Guiana. Ora, Guiana, sem adjetivo só existe uma, a ex-possessão inglesa, de capital Georgetown, que faz fronteira com o nosso estado de Roraima. Trata-se de um país com 214.000 km2, cerca de 2,5% da área do Brasil, ä mesma área do Paraná. Porém, a diferença entre o desenvolvimento e a saúde econômica dos dois países é brutal. A agricultura responde por 25% do PIB da Guiana, porém fortemente concentrada em dois produtos (arroz e açúcar). A Guiana até agora foi beneficiada pelo sistema de cotas preferenciais para venda de açúcar e arroz na UE, por se tratar de ex colônia inglesa. Isto significa que os preços recebidos são duas ou três vezes a cotação de mercado. Entretanto, no bojo das negociações da OMC, a Guiana (e as demais ex-colonias européias), perderão esta concessão, o que significa uma bomba recessiva que pode explodir a qualquer momento.
  Artificialismo
A situação da Guiana é didática. Posto que produtores, processadores e exportadores têm mercado garantido, a preços artificialmente inflados, para o arroz e para o açúcar, para que se preocupar com competitividade, com eficiência, com redução de custos? É o que ocorre nas áreas irrigadas que cercam Georgetown. Além disso, para que diversificar, se o negócio atual está dando lucro? Porém, como os tempos de artificialismo estão chegando ao fim, o Governo entendeu ser estratégico preparar o país para os novos tempos da realidade do comércio internacional, sem preferências ou protecionismos.
  Solo e clima
A Guiana tem algumas vantagens comparativas que lembram o Brasil. Parte de seu território é coberto por matas, em cujas clareiras podem ser divisadas as evidencias do garimpo de ouro e diamantes. A derrubada florestal, felizmente, não é intensa e o país não vive os conflitos da Amazônia brasileira. Existe uma região chamada de savana intermediária, que é o prolongamento do cerrado de Roraima em direção ao Caribe. À beira mar, estão os Coastal Plains, planícies incrivelmente planas, com grande facilidade para irrigação. O clima é bom, com estações de chuva e de seca marcadas, embora estas não sejam tão intensas quanto no Centro Oeste brasileiro.

 

Problemas
Lá, como cá, a infra-estrutura é limitante. Mais lá do que cá. Existem duas estradas asfaltadas em todo o país, uma que sai em direção sul, porém alcança menos da metade do caminho até o Brasil. E outra margeia a costa, de Georgetown ao Suriname. Avançando para o interior, os desafios são semelhantes aos enfrentados pelos pioneiros mato-grossenses, sem estradas que justifiquem os altos impostos que pagam. Existem problemas de energia, comunicação, associativismo, clima negocial na iniciativa privada, apoio de agroindústria (frigoríficos, packing houses, etc).
  O futuro
O desafio que me foi posto é encontrar fórmulas de incrementar exportações, no médio prazo, contornando as dificuldades apresentadas. A idéia é deixar produtos de grande apelo e facilidade para o mercado resolver. Ao governo caberá incentivar setores não tradicionais, como criação de gado de corte, frutas e hortaliças. Não há tempo para pesquisar localmente, razão pela qual estamos sugerindo importar pacotes tecnológicos completos do Brasil. Os demais serviços governamentais, em especial de sanidade agropecuária serão reforçados, para sustentar o esforço de exportação de produtos de alta qualidade. Com o projeto em andamento, temos certeza que haverá um novo impulso para o agronegócio da Guiana, inclusive atraindo investidores brasileiros.




Erros velhos e novos

Décio Luiz Gazzoni

 O Ministro Palocci criou uma frase de efeito tão a gosto dos atuais governantes: “Este governo só comete erros novos!”. O tempo mostrou que, ao menos na economia, este Governo sói repetir velhos erros. Também comete erros novos, raros, por conta da paradeira do Brasil. A notícia de um erro repetido veio no dia 24/2: em 2005, o crescimento do PIB brasileiro foi de ridículos 2,3%.

 

Barberagem
Foi necessário um tremendo esforço governamental para impedir que o Brasil realizasse o seu potencial de crescimento. Em condições externas muito adversas (como na década de 90), o Brasil conseguiu crescer a taxas iguais ou superiores a essa. Vivemos, neste exato instante, uma das quadras de maior crescimento econômico da História. E, praticamente todos os países aproveitaram seu potencial para expandir sua riqueza, distribuí-la, gerar desenvolvimento. Já o nosso Governo fez um esforço enorme para abortar um crescimento natural de 8 ou 10%. Vamos à metáfora (também do gosto dos nossos governantes): crescer 2,3% equivale à seleção brasileira completa vencer a das Ilhas Falklands, desfalcada, por mísero 1 x 0. Pode? 
  O mundo
Pode! O mundo cresceu 4,3%, quase o dobro do Brasil. Países com problemas sérios de recursos naturais (terra, água, energia, clima) cresceram o que o Brasil deveria crescer. Exemplos: China (9,9 – apesar da falta de terra, água e energia); Rússia (6,4 – apesar das nevascas); Índia (7,1 – apesar da seca); Indonésia (5,8 – apesar do tsunami); Argentina (9,1 – apesar do calote), Israel (4,2 – apesar da intifada). Se o mundo cresceu 4,3% (e já é o terceiro ano consecutivo), o Brasil deveria ter crescido 30% nos três anos. Entrementes, mal chegamos a 7%! Podemos nos consolar argumentando que é preciso muita competência para fazer com que um carro de fórmula 1 (o Brasil!) ande apenas a 30 km/h. Realmente, não é qualquer piloto que consegue a proeza!

 

América Latina
Em 2005 nos consagramos tri-campeões na modalidade redução da média de crescimento da América Latina (4,3%). Já havíamos ficado lá na rabeira e, em 2005, repetimos o velho (ou novo) erro. Cuba (apesar de Fidel) cresceu 11,8%; Granada (89.000 habitantes, 344 km2!) 9,2%; Venezuela (apesar do histrionismo do companheiro Chaves) 9,0%; Argentina (eles de novo enfiando 4 x 1 na gente!) 9,1%; Trinidad & Tobago (1 milhão de habitantes, 5.000 km2) 7%. Então não ganhamos de ninguém? Ganhamos sim, Apenas do Haiti (onde o Brasil participa da intervenção militar) e da Guyana que, pelo terceiro ano consecutivo teve suas lavouras de cana e arroz arrasadas pelas enchentes.
  Iniqüidade
Crescimento do PIB não é um número frio, sem desdobramentos. Maior crescimento significa progresso, desenvolvimento, mais recursos para educação, saúde, segurança, infra-estrutura, empregos. Permite até diminuir os gastos com bolsa família porque a esmola é dispensável quando o emprego está disponível. Perder a oportunidade de crescimento de uma janela que pode se fechar a qualquer momento é um crime de lesa-pátria.
  Descaso com o social
Nem todos estão descontentes. O desenvolvimento social não está na agenda prioritária do Governo. Os novos empregos (cerca de 25% das necessidades do país) restringem-se aos menores salários. Logo, em 2005 o salário real do brasileiro foi 11,2% inferior ao de 2002. Para 8,7 milhões de famílias pobres o governo reservou a Bolsa Família (R$1,50 por família, por dia). Porém, os banqueiros comemoram R$ 146 bilhões de juros sobre a dívida pública de R$ 1 trilhão, o maior lucro dos bancos em toda a Historia do Brasil. O insuspeito Prof. Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES na era Lula) lembra que R$ 110 bilhões dos juros destinam-se a apenas 20 mil membros da elite. Para o social, sobraram R$ 7 bilhões (8,7 milhões de famílias), um caso didático de concentração de renda. Como disse o macaco Simão, para o andar de baixo a bolsa família; para a cobertura, a bolsa Miami.

  

 

Agroenergia, o futuro que vem aí

Décio Luiz Gazzoni

 A demanda de energia no mundo aumentará 1,7% ao ano, entre 2000 e 2030. Neste último ano, se toda a energia consumida na Terra fosse convertida em equivalentes energéticos de petróleo, o mundo estará consumindo o absurdo de 15,3 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo por ano. Sem alteração da matriz energética, os combustíveis fósseis atenderiam 90% do aumento na demanda. Não é necessário ser expert no assunto para concluir que esse cenário é absolutamente insustentável.

Insustentabilidade
Em 2030, ainda deverá haver petróleo suficiente para atender a demanda, embora já em vias de esgotamento. O busílis da questão é outro: o mundo está cada vez mais temeroso dos impactos negativos dos combustíveis fósseis sobre o clima. Verifica-se que os extremos climáticos (secas, cheias, furacões, etc.) tornaram-se mais freqüentes e mais severos. Recentemente, o Dr. Eduardo Assad, da Embrapa, elaborou modelos matemáticos que projetam alterações profundas na temperatura do planeta e desastrosas conseqüências para o agronegócio. As alterações do clima acarretam modificações na incidência de pragas agrícolas, com sérios impactos econômicas, sociais e ambientais. O cenário fitossanitário atual seria significativamente alterado, expondo a vulnerabilidade da agropecuária a essas mudanças e a necessidade de desenvolver estratégias adaptativas de longo prazo.

 

Novo paradigma
Os principais fatores que impulsionam o desenvolvimento tecnológico para aproveitamento da biomassa energética são:

a.    a crescente preocupação com as mudanças climáticas globais que, no ponto futuro, convergirão para políticas globais de redução da poluição;

b.    a importância da energia de biomassa para a transição para uma nova matriz energética, substituindo o petróleo como combustível ou insumo para a indústria química;

c.    os países em desenvolvimento demandarão 5 TW de energia nova, nos próximos 40 anos, sendo inadmissível imaginar que essa energia possa ser proveniente de fontes fósseis, pelo seu alto impacto ambiental, pelo custo financeiro crescente e pelo esgotamento das reservas;

d.    além do aumento natural de preços, devido ao esgotamento das reservas e aos conflitos regionais, os custos ambientais serão paulatinamente incorporados ao preço dos combustíveis fósseis, através de tributos progressivos e punitivos, tornando-os cada vez mais caros;

e.    o preço crescente, em função das disputas políticas e bélicas pelas últimas reservas disponíveis, tornarão inseguros os fluxos de abastecimento e o cumprimento de contratos de fornecimento de petróleo;

f.      cresce, em progressão logarítmica, o investimento público e privado no desenvolvimento de inovações que viabilizem fontes renováveis e sustentáveis de energia;

g.    cresce o número de investidores internacionais interessados em contratos de largo prazo, para o fornecimento de biocombustíveis, como o álcool, o biodiesel e outros derivados de biomassa;

h.    a energia será um componente importante do custo de produção agropecuário e da agroindústria, tornando atraente a geração de energia dentro da propriedade.

 

Oportunidade
De acordo com o velho provérbio chinês, é na crise que surge a oportunidade. Dentro desse novo paradigma, há um espaço enorme para o crescimento da energia gerada a partir de biomassa, em especial da cana-de-açúcar (álcool e co-geração), oleaginosas (biodiesel), florestas (lenha, briquetes, carvão, licor negro), e resíduos e dejetos da produção agropecuária, em especial pela gaseificação. Os cenários futuros do agronegócio passam a contemplar com nitidez, a participação cada vez maior da agricultura de energia. Uma boa aposta é que, até a metade deste século, o volume de recursos movimentado pela agricultura de energia será superior ao conjunto dos demais componentes do agronegócio (alimentos, fibras e ormamentais).


Mais clones

Décio Luiz Gazzoni

 

Os mais novos xodós dos biotecnologistas da Embrapa são duas bezerrinhas, gêmeas e clones. Potira e Porã foram clonadas a partir de uma célula de uma vaca, e hoje pastam céleres no Campo Experimental de Sucupira, em Brasília. O que elas têm de especial? Bem, em primeiro lugar são clones gêmeas, um evento raro e difícil, que muito depõe a favor da excelência científica da Embrapa. Em segundo lugar, porque a vaca doadora pertence à raça Junqueira, em extinção, com apenas 100 exemplares catalogados . A Embrapa é responsável pela conservação dos recursos genéticos agropecuários brasileiros, e a clonagem se mostra uma ferramenta essencial para a manutenção de material genético raro.

 

Conservação

A Embrapa investe na conservação de raças de animais domésticos, ameaçadas de extinção, desde 1980, em parceria com outras instituições de pesquisa, universidades e criadores. Essas raças, que envolvem as espécies bovina, suína, caprina, ovina, asinina, bubalina e eqüina, encontram-se no Brasil desde a época da colonização e, por isso, podem ser consideradas verdadeiros tesouros genéticos para programas de melhoramento. É nelas que estão as características de rusticidade, adaptabilidade e resistência a doenças e parasitas adquiridas ao longo dos séculos.

  Muitas delas encontram-se em risco de extinção, pois foram sendo substituídas por outras consideradas mais produtivas, ainda que menos adaptadas. A raça bovina Junqueira é uma das que mais preocupa os pesquisadores, pois se encontra, atualmente, em alto risco de desaparecimento. Trata-se de uma raça desenvolvida no interior de São Paulo, por volta dos séculos XVIII e XIX, com aptidão para carne, e possui uma característica muito interessante: seus longos chifres foram muito usados no passado para a fabricação de berrantes.

 

 

O projeto

O projeto de conservação coordenado pela Embrapa está organizado em núcleos de criação distribuídos por todo o país e também sob a forma de sêmen e embriões congelados, mantidos em um Banco Genético, que conta hoje com cerca de 52 mil doses de sêmen de diversas espécies, especialmente bovinos, e aproximadamente 200 embriões. Esse material fica conservado em botijões de nitrogênio líquido a uma temperatura de 196°C abaixo de zero.

 

Tecnologia

No total foram transferidos 42 embriões para 35 “mães de aluguel”. Porã, nasceu pesando 25 kg depois de 292 dias de gestação, e Potira com 29 kg e 290 dias de gestação. Ambas foram clonadas a partir de um pedaço da orelha da vaca doadora, quando ela tinha nove anos de idade. A técnica vinha sendo desenvolvida desde o primeiro clone bovino da América Latina, a fêmea da raça Simental, "Vitória da Embrapa", em 2001, e da bezerra "Lenda da Embrapa", que foi clonada a partir de células de uma vaca já morta, dentre outros.  As duas bezerras gêmeas nasceram de parto normal, saudáveis, e vêm sendo monitoradas desde a gestação pela equipe da Embrapa quanto aos aspectos comportamentais, genéticos e de desenvolvimento e pela equipe da. Faculdade de Medicina Veterinária da UnB, quanto aos aspectos clínicos. A empresa Genomax realizou os testes de DNA que comprovaram que o perfil genético das bezerrinhas é igual ao da vaca doadora, e diferente dos perfis das mães de aluguel.

 

 Sucesso

O pesquisador responsável pelo programa de clonagem na Embrapa é o Dr. Rodolfo Rumpf, que coleciona inúmeros sucessos na área. De acordo com ele, o principal motivo da inclusão da clonagem por transferência nuclear no programa de pesquisa se deve ao fato de ser uma tecnologia potencialmente importante para os programas de conservação e melhoramento genético animal. Com o sucesso da clonagem, é possível  conservar células somáticas de animais representativos de cada raça ameaçada, mantendo-as em nitrogênio liquido, juntamente com o sêmen, o ovócito e embriões. A pesquisa está sendo desenvolvida com a espécie bovina, mas no futuro esta tecnologia poderá ajudar também na conservação de espécies silvestres, com grandes ganhos na conservação e aproveitamento da biodiversidade.




As mudanças na matriz energética

Décio Luiz Gazzoni

 

Estamos sendo testemunhas de uma das mais rápidas transições climáticas da história do nosso planeta. Normalmente, o tempo geológico não é medido em dias, meses ou anos, porém em milhares ou milhões de anos. Se rebuscarmos os alfarrábios que tratam de mudanças climáticas, associadas às eras geológicas, veremos que essa é a medida usada para as glaciações e aquecimentos da Terra.

 

Mudanças climáticas globais
Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, uma mudança silenciosa e traiçoeira passou a ocorrer na atmosfera. A sua composição química que vinha evoluindo lentamente, ao longo de milhões de anos, é a grande responsável por manter a média da temperatura anual do globo em 15º. C. Trata-se de um processo complexo, chamado efeito estufa, que é muito sensível à mudança quantitativa nos gases que compõem a atmosfera. Com a queima cada vez mais intensa de combustíveis fósseis, aumentou a concentração de gases (especialmente gás carbônico) na atmosfera, ocasionando progressivas mudanças climáticas. Essa é a explicação de fundo para o excesso de chuvas ou secas, para as ondas intensas de frio e calor, para os furacões e tornados, para o derretimento da calota polar e para a subida de nível dos oceanos, que estamos assistindo nos últimos anos.

 

Variáveis diretrizes
No longo prazo, a mudança da matriz energética mundial é indiscutível. Entrementes, existem diversos condicionantes (tecnológicos, políticos, culturais, econômicos, sociais, psicológicos, comerciais e ambientais) que podem apressar ou retardar os câmbios. Considerando a agroenergia como um segmento importante do agronegócio do futuro, a análise das seguintes variáveis permitem melhor entendimento do mercado:

a.    o preço dos combustíveis fósseis é crucial para apressar a transição e para estender a duração das reservas, tornando a transição menos turbulenta. Com preços moderados de combustíveis fósseis, poucas fontes de energias renováveis são competitivas. Com o preço do barril de petróleo acima de US$35,00, viabiliza-se o álcool e, a partir de US$60,00, o biodiesel;

b.    os custos de obtenção de energia são vinculados às condições locais. Logo, as regiões de menores custos serão exploradas em primeiro lugar, gerando diferenciais competitivos regionais;

c.    acordos internacionaiscomo o Protocolo de Quioto – ou intrablocos – como a Diretiva para Obtenção de Eletricidade de Fontes Renováveis, do Parlamento Europeusão poderosos indutores do uso de energias renováveis e criam reservas de mercado para a agroenergia;

d.    o apoio intenso, garantido e continuado aos programas de Pesquisa e Desenvolvimento constituirá a pedra angular para acelerar a taxa de utilização de energias renováveis. Inovações têm o condão de viabilizar técnica e economicamente as fontes renováveis de energia, permitindo a exploração comercial, o ganho de escala e a redução de custos;

e.    a co-geração de energia se constituirá em um diferencial importante para a viabilização econômica de fontes de bioenergia. A técnica é utilizada na produção de álcool, porém pode ser estendida para outras fontes, incluindo a utilização energética de resíduos e dejetos.

 

Tecnologia
A expansão da agricultura de energia não poderá ocorrer à custa da contração da oferta de alimentos, nem de impactos ambientais acima da razoabilidade, sob pena de forte reação contrária da sociedade, o que inviabilizaria o negócio agroenergia. Ao contrário, entende-se que haverá uma tríplice associação entre energia, alimento e indústria química. Essa é uma das considerações estratégicas que motivaram a determinação do Ministro Roberto Rodrigues para a criação da Embrapa Agroenergia. Trata-se de uma nova unidade de pesquisa da Embrapa, a ser instalada ainda em 2006, que terá como missão, o desenvolvimento tecnológico das culturas energéticas e a compatibilização da produção de agroenergia e de alimentos, com custos ambientais mínimos e com ganhos ponderáveis para a sociedade brasileira.

 
 

Biofortificação

Décio Luiz Gazzoni

 

Cerca de 840 milhões de pessoas no mundo não têm suas necessidades nutricionais mínimas atendidas. Um número ainda maior (3 bilhões) sofre as conseqüências de desbalanços nutricionais, pois seu orçamento familiar não comporta a aquisição de alimentos para compor uma dieta balanceada. Particularmente, mulheres e crianças sofrem os efeitos desse desequilíbrio, sobretudo deficiências de vitamina A, ferro, zinco e iodo, aumentando o risco de morte prematura, reduzindo a esperança de vida e prejudicando suas habilidades cognitivas.   Ação positiva
Já dizia o filósofo da velha guarda que o inferno está cheio de boas intenções. A cada instante surge um salvador da humanidade, com um discurso forte e apaixonante, com propostas para resolver o problema da fome no mundo. O tempo passa e quando o balanço é feito, o resultado é zero: a situação piorou e a prioridade nunca passou de discurso ou propaganda. Uma das idéias para combater a desnutrição funcional, causada pela ausência de componentes essenciais, como vitaminas ou minerais, é a biofortificação de preparados alimentares. Entretanto, esta estratégia é barrada pela falta de infraestrutura de distribuição dos alimentos e pelo maior custo.

 

 

Biofortificação
Uma nova abordagem está sendo introduzida pelo International Center for Tropical Agriculture (CIAT) e pelo International Food Policy Research Institute (IFPRI), com financiamento da Danish International Development Assistance, introduzindo ou aumentando o teor dos nutrientes essenciais mais carentes na dieta humana. A idéia não é substituir programas de combate à fome e à desnutrição, porém complementá-los e solidificá-los. Os formuladores da estratégia entendem que, se os nutrientes ausentes da dieta forem incorporados, diretamente, nos alimentos básicos da população, cria-se um atalho para reduzir a magnitude do problema, a um custo acessível.
  Cultivos
Inicialmente, o objetivo é aumentar os teores de Vitamina A, ferro e zinco em variedades biofortificadas de milho, feijão, arroz, mandioca, batata doce e trigo. Numa segunda etapa, seriam criados genótipos biofortificados de banana, caupi, amendoim, lentilha, milheto, guandu, ervilha, batata, sorgo e inhame. Os cientistas estão entusiasmados, pois existe suficiente variabilidade genética nos cultivos a serem melhorados; as características que se pretende introduzir possuem alta herdabilidade e são de fácil seleção; essas características são estáveis em diferentes condições ambientais e os genótipos apresentaram alta produtividade.

 

 

 Transferência de tecnologia
Pretende-se que as novas cultivares mantenham as características fenotípicas e organolépticas com as quais os produtores e consumidores já estejam acostumados. Não serão alteradas a aparência, o sabor, a textura ou as características de cozimento do alimento, para evitar restrições à nova tecnologia. Para júbilo dos pesquisadores, observou-se que, plantas com maiores teores de minerais na semente também apresentavam maior produtividade, em igualdade de condições ambientais, o que facilitaria a adoção pelos agricultores.
 

Solução definitiva?
Os estrategistas que formularam e coordenam o esforço de pesquisa tem clareza que o problema da fome e da desnutrição não tem solução única, nem pode basear-se apenas na alimentação básica. Entretanto, posta a gravidade do problema, entendem que, no médio prazo, não será possível aumentar a renda das populações famélicas, para que possam ingressar no mercado onde existe oferta de alimentos para compor dietas balanceadas, em especial produtos caros, como carnes, frutas e hortaliças. Logo, enquanto a justiça social não se esparrama pelo mundo, a contribuição que pode ser feita é a melhoria da qualidade dos alimentos aos quais as populações pobres têm acesso, através da biofortificação.

 

Alimentos biofortificados

Décio Luiz Gazzoni

 

Está em curso um ambicioso programa de pesquisa, objetivando aumentar o valor nutritivo de alguns alimentos vegetais, aumentando os teores de vitamina A, ferro e zinco. A idéia é reduzir a desnutrição causada pela deficiência de nutrientes, em alguns alimentos.

 

Feijão
O programa de melhoramento está focado na melhoria dos teores de ferro e zinco. Para tanto, mais de 2000 acessos do banco de germoplasma do CIAT foram escrutinados, à cata de genótipos com teor mais elevado desses minerais. Já foram obtidas novas variedades, com concentrações de ferro 70-100% superiores às convencionais. Nas variedades convencionais, a absorção de zinco e ferro é baixa devido aos antinutrientes, ou seja, substâncias que se ligam aos metais, reduzindo a sua biodisponibilidade. Os pesquisadores estão reduzindo o teor de polifenóis do feijão, com isso aumentando a absorção dos metais. A vitamina C facilita a absorção, razão pela qual os pesquisadores querem aumentar seu teor no feijão.
  Arroz
O banco de germoplasma do IRRI é a base da prospeção de genótipos de arroz com alto teor de zinco e ferro. Para aumentar o teor de vitamina A, estão sendo usadas técnicas de biotecnologia. Os pesquisadores também procuram concentrar os nutrientes no endosperma, para evitar a sua perda no processamento industrial. O objetivo dos cientistas é dobrar o teor dos minerais no arroz, o que garantiria mais de 50% das necessidades nutricionais destes elementos.

 

Mandioca
O Brasil também participa do esforço mundial para aumentar o teor de pró-vitamina A na raiz da mandioca, que visa reduzir o índice de cegueira que atinge até 250.000 crianças por ano. O material básico para o melhoramento é a mandioca amarela, que contém maior proporção de pró-vitamina A. A idéia é introduzir esta característica em materiais comerciais já aceitos pelo agricultor, e adaptados nas regiões de cultivo.
  Milho e trigo
O Brasil faz parte da rede mundial que busca elevar o teor de pró-vitamina A no milho, que é o alimento básico de 1,2 bilhões de pessoas. Os trabalhos preliminares estão sendo conduzidos no IITA (Nigéria) e CYMMIT (México). Os materiais genéticos estão sendo desenvolvidos principalmente para uso na América Latina e África. A coordenação mundial da pesquisa de trigo localiza-se no CYMMIT, porém os trabalhos de campo estão distribuídos, com grande contribuição da Índia e do Paquistão. A estratégia é aumentar os teores de zinco e ferro em variedades altamente produtivas e resistentes a doenças, adaptadas a esta parte do mundo. Utilizando trigos primitivos e um parente próximo do trigo, foi possível obter genótipos com teor de zinco e ferro 40-50% superior às cultivares tradicionais. Também está sendo usada a biotecnologia para introduzir o gene da ferritina, que aumenta o teor de ferro no grão. Os pesquisadores estimam que, a partir de 2007, os novos genótipos estarão disponíveis para programas de melhoramento, em todo o mundo.

 

 

  Batata doceA batata doce é um alimento importante para muitas populações que vivem no Centro e no Leste da África, onde a deficiência de provitamina A é endêmica e situa-se entre as mais altas do planeta. Os pesquisadores objetivam aumentar o teor do nutriente na batata doce, de maneira que ela possa suprir, no mínimo, um terço da demanda diária. Para tanto, os cientistas estão analisando diversas variedades nativas da África, para identificar as que possuem teores mais elevados do nutriente.  

 

 Perspectiva

Com o esforço concentrado de mais de 50 instituições de pesquisa agropecuária de primeira linha, em todo o mundo, atuando em uma rede integrada, prevê-se que, até 2010, os agricultores dos países pobres, onde a fome e a desnutrição são endêmicas, terão à disposição variedades melhoradas, adaptadas à sua região e do agrado do consumidor, porém com teores de minerais e pró-vitamina A superiores às convencionais.



Invadiram a Embrapa (novamente!)

Décio Luiz Gazzoni

Já perdi a conta de quantas unidades da Embrapa foram invadidas pelos companheiros do MST. Algumas delas mais de uma vez. Agora, novamente, invadiram a fazenda experimental da Embrapa em Ponta Grossa, a maior área de produção de sementes de alta qualidade do Brasil. Até agora, não ousaram promover a quebradeira que ocorreu com os laboratórios de uma empresa privada de reflorestamento no Rio Grande do Sul ou, com uma empresa de pesquisa de sementes no Oeste do Paraná.

Sem surpresas
Não me surpreende o ato de esbulho do MST – é do seu DNA!

Não me surpreende a solidariedade envergonhada e a apatia do Governo Federal: afinal José Rainha não apenas garante apoio à re-eleição do Presidente da República, como reivindica espaço oficial para o MST no comitê de campanha.

Não me surpreende a inércia do Governo Estadual, a atitude se repete sempre que um patrimônio privado na área rural é invadido e expropriado, não interessa qual sua importância econômica, social ou ambiental.

Com surpresas
Porém me preocupa a falta de reação dos beneficiários das tecnologias da Embrapa. Não vi uma reação pública dos produtores rurais, das cooperativas, dos órgãos sindicais e associativos. Também não vi uma reação da população em geral. Afinal, o orçamento da Embrapa, em grande parte, vem do suado dinheiro dos nossos impostos e deve retornar em benefícios para a sociedade, ao invés de ser privatizado para um grupo de esbulho. Parece que a população não se deu conta que, se a oferta de alimento continua crescendo, e o seu preço caindo, muito disso se deve à Embrapa. Se o Brasil está batendo recordes sucessivos de exportação, muito se deve à Embrapa. Se cresceu o emprego no interior do país, no campo ou nas cidades pólos de agronegócio, muito se deve à Embrapa. Parece que a acomodação e a indiferença que cerca a falta de repúdio e de clamor popular, reagindo à absolvição dos mensaleiros, que se apropriaram de recursos públicos, se estendem aos atos condenáveis do MST. Temo pelo futuro de um país que assim procede!

Exceção

A exceção é o comentário de Arnaldo Jabor, na rádio CBN, em 18 de abril, que transcrevo ipsis litteris abaixo:

 

"No Paraná, 200 integrantes do Movimento dos Sem-Terra bloquearam a entrada de uma fazenda da Embrapa, a celebrada empresa estatal que pesquisa tecnologias agropecuárias. O protesto é parte da campanha nacional do MST lembrando os dez anos do massacre de militantes em Eldorado do Carajás, no Pará. Segundo a Embrapa, dos 800 hectares da fazenda, 500 são destinados à pesquisa com soja. É a maior área do sul do país em produção de sementes.

É espantoso o efeito paralisante que o MST tem sobre a consciência política do país. Um movimento que surgiu de forma legítima, espontânea, mas que foi seqüestrado por aventureiros como Stédile e Rainha, com o apoio dos bispos ignorantes da Pastoral da Terra.

As opiniões ficam perplexas, as bocas fechadas, todos com medo de serem chamados de reacionários, de anti-povo. Agora, o MST está diante da Embrapa, a entidade mais respeitada do mundo científico internacional. É uma ameaça à ciência, à inteligência, e ninguém pune nada.

Atacam caminhões, saqueiam, insuflados por esses comunas tardios, que os comandam com tolerância do governo. "Ah, são pobres, foram massacrados em Carajás...". Foi terrível, mas agora estão sendo usados, ouvindo palavras de ordem de loucos que dizem que vão acabar com o agronegócio e com o capitalismo internacional, apoiados pelo governo, como fez o Miguel Rosseto o tempo todo.

Eles podem fazer o que quiserem, com apoio da fé e da consciência culpada dos intelectuais. Pois o bispo dom Tomáz Balduíno não declarou hoje que o MST é o único movimento patriótico do país e que a Aracruz devia calar a boca, pois fizeram bem em destruí-la? Pois é. E tudo sob as bênçãos de Deus."

 

 


 Fair Trade

Décio Luiz Gazzoni

 Os últimos 10 anos ocasionaram uma revolução nas regras, padrões, usos e costumes do comércio internacional que, pelo padrão histórico, tomariam mais de um século – dependendo de qual século estamos falando! A força bruta está sendo substituída por mecanismos mais difusos, que conseguem atingir os mesmos objetivos.

 

OMC
O advento da OMC ocorreu no bojo conceitual da liberalização do comércio. Nada de quotas, nada de parceiros mais privilegiados, nada de subsídios, nada de protecionismo, nada de barreiras para-alfandegárias, nada de sobretaxas, nada de diferença entre fornecedor interno e externo. Bem, o nada deve ser entendido como a projeção levada ao infinito, na linha do tempo. O mais correto é dizer “slow phasing out”, alguma coisa como desaparecimento suave. Tão suave que não prejudique as exportações dos países ricos, nem abra demasiadamente seu mercado interno.
  Ricos
Os subsídios estão desaparecendo gradativamente, ao som de muito espernear dos ricos. Mas o desaparecimento não significa dispensar mecanismos de proteção ao mercado. Eles estão sendo dirigidos para promoção comercial, transferidos para as instituições de pesquisa agropecuária (tecnologias mais competitivas)e para os órgãos sanitários (menos riscos sanitários). Nesse último caso também significa que os países ricos estão sofisticando seus métodos de detecção e análise de pragas e contaminantes biológicos e químicos, exigindo a sua adoção no plano internacional. Isto implica em que países como o Brasil tenham que também investir maciçamente em PD&I, e em laboratórios de análises altamente sofisticados, se quiserem manter seus mercados em países ricos.

 

Fairtrade
A coisa não termina aí. Pipocam organizações que impõem padrões sociais e ambientais ao comércio. Se não têm força de lei, estas ONGs organizam o incentivo ou boicote diretamente junto ao consumidor, estimulando ou vetando produtos de países que, a seu critério, não se enquadram em seus quesitos. Uma dessas ONGs é a
Fairtrade Labelling Organizations International (FLO), autodenominada Certificadora de Padrões de Comércio Justo, atuando em 50 países. Tudo muito bonito, mas é difícil separar o que é, efetivamente, comércio justo e o que é barreira comercial disfarçada. Seria comércio justo jogar centenas de bilhões de dólares em subsídios a uma agricultura ineficiente dos países ricos, para sufocar agricultores competitivos dos países emergentes?
  Poder
Melhor jogar nas regras deles. Em 2005, foram gastos US$1,2 bilhão de dólares para comprar produtos certificados pela FLO. A idéia antecede a OMC e, inicialmente, ajudava pequenos produtores a reduzir o uso de agrotóxicos e não empregar trabalho infantil. Ficou em baixa por 30 anos, mas ressurgiu na era OMC, com crescimento consistente de até 30% ao ano. A linha de certificação inclui café, vinho, chás, cacau, entre outros.

 

  Brasil
Depois de um início turbulento, sem o devido pagamento das contrapartidas, a certificação de comércio justo foi implantada no Brasil há 8 anos, reunindo 17 associações de produtores, que exportaram US$2 milhões em 2005. Por exemplo, importadores alemães e austríacos pagam um prêmio de US$100,00/t de suco de laranja certificado à Associação de Citricultores do Paraná, em troca de eliminação do trabalho infantil. Aos interessados, segue a lista de exigências da FLO: i) produtores organizados em associações livres; ii) prestações de contas transparentes; iii) fim da discriminação racial ou sexual; iii) baixo uso de agrotóxicos; iv) ausência de trabalho escravo ou infantil. Aos interessados, o endereço da FLO é http://www.fairtrade.net.

 

Embrapa 33 anos

Décio Luiz Gazzoni

Escrevo logo após a cerimônia de aniversário da Embrapa, com a presença do Vice-Presidente da República, de vários Ministros de Estado e outras autoridades do Brasil e do exterior. Para nós que fizemos a Embrapa a cada dia dos seus 33 anos, a revoada de autoridades faz todo o sentido pois, como disse o ex-presidente FHC "...os demais ministros invejam o Ministro da Agricultura, pois todos gostariam de ter uma Embrapa em suas pastas!".

 

Cézar Mesquita
Para mim a cerimônia teve um sentido especial – na realidade um motivo de "penta" orgulho para todos os londrinenses. Anualmente, a Embrapa confere o Premio Frederico Menezes Veiga, algo como o Nobel da pesquisa agropecuária brasileira. O vencedor deste ano foi meu particular amigo e brilhante cientista, Cézar de Mello Mesquita. Com o seu premio, somos cinco pesquisadores da Embrapa Soja a receber o galardão, em suas 30 edições. Cézar dedicou grande parte de sua vida profissional para gerar uma inovação completa em termos de colhedora de grãos.
  Nova colhedora
A Embrapa Soja se associou à Rota Indústria Ltda, de Cambé, para desenvolver a "bolação" do Dr. Cezar. Trata-se de um conceito completamente diferente para a colheita de grãos pois, enquanto estes são recolhidos, o restante da planta permanece no campo. As vantagens são múltiplas: menor custo de aquisição e de manutenção, menor gasto de energia, maior agilidade e rapidez, menos perdas na colheita, menos quebra de grãos, maior simplicidade de operação – entre outros! Qualquer produtor rural sabe o quanto vale uma tecnologia deste porte.

 

Ciência para a Vida

A 5ª edição da exposição da Embrapa, chamada Ciência para a Vida, permite ao público urbano conhecer e valorizar a contribuição da pesquisa agropecuária. A vedete da feira é a Agroenergia: soja, dendê, coco, babaçu, girassol, canola e amendoim são alimentos e, também, matérias primas para a produção de biodiesel. Para o Ministro Roberto Rodrigues " está passando o trem da história na nossa porta – e o Brasil é a locomotiva!". O Plano Nacional de Agroenergia (que também foi concebido em terras londrinenses) estabeleceu quatro grandes grupos de cadeias produtivas para a Agroenergia: florestas, biodiesel, etanol e resíduos. O Ministro lançou um novo Centro de Pesquisa da Embrapa – a Embrapa Agroenergia (também gestada em Londrina). Sobre ela falo na próxima semana.

Balanço Social
As tecnologias desenvolvidas e transferidas pela Embrapa e seus parceiros geraram para a sociedade brasileira benefícios no valor de R$ 12,9 bilhões em 2005, o que equivale a 14 vezes a sua Receita Operacional Líquida ou a 28 vezes os investimentos com pessoal. Ou seja, cada real aplicado na Embrapa gera, para a sociedade brasileira, 14 reais. O resultado consta do Balanço Social 2005, disponível na Internet (www.embrapa.br). Para este ano, a Embrapa deverá dispor de um orçamento superior a R$ 1 bilhão. A sociedade brasileira pode esperar um retorno superior a R$14 bilhões.
  EPE
No evento do aniversário foi anunciado um novo modelo de gestão de parceria com a iniciativa privada, mais ágil e flexível. Esta é a proposta inédita feita pela Embrapa, com a criação de Empresas de Propósito Específico (EPE) para Pesquisa e Desenvolvimento, no âmbito da Lei de Inovação. Trata-se de uma forma de associação de interesses, entre sócios, pela constituição de acordo empresarial entre entes privados ou públicos e privados, constituindo empresas nos moldes de sociedade anônima ou de sociedade limitada. A nova figura possibilita a associação de Instituições de Ciência e Tecnologia à iniciativa privada na busca de recursos para a construção de empresas que irão trabalhar em ciência e tecnologia já desenvolvida para obtenção de produtos ou processos inovadores.

 

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