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Coluna da Semana

Arroz dourado

Décio Luiz Gazzoni

 

  O arroz dourado é um arroz transgênico que contém altos teores de beta-caroteno, o precursor da vitamina A. Ele foi desenvolvido para auxiliar a reduzir a mortalidade ou a cegueira causadas pela deficiencia de vitamina A nos países pobres, cuja alimentação básica é o arroz. Entretanto, ele possui um potencial de mercado invulgar nos países ricos. Seu desenvolvimento representou não apenas um sucesso científico mas uma quebra de conceitos entre dois pólos: o senso humanitário e a necessidade de lucros.     Perda de nutrientes
O arroz que compramos no supermercado sofre um processamento que elimina as camadas externas do grão, restando apenas o endosperma. Este é composto de amido e algumas proteínas. A eliminação da parte externa, a aleurona, rica em óleo, evita a rancificação do arroz. Ocorre que o processamento não elimina apenas o óleo, porém diversos nutrientes presentes nesta camada, inclusive a pró-vitamina A. Essa é a causa principal da deficiência de vitamina A nas populações que têm no arroz a base de sua alimentação.

 

Melhoria
Os agrônomos vinham tentando, há muito tempo, aumentar o teor de vitamina A no endosperma do arroz. Como não existe nenhuma variedade cultivada ou selvagem, que produza vitamina A no endosperma, apenas a biotecnologia pôde melhorar o arroz. Isto foi possível porque a técnica de regeneração do arroz está completamente dominada, bem como a bioquímica da produção dos carotenóides precursores da vitamina A é conhecida. O genótipo transgênico recebeu os genes psy e lyc, clonados de Narcissus pseudonarcissus e cryt1, clonado de Erwinia uredovora. A primeira planta produz uma flor muito bonita (daffodil) do Norte da Europa, enquanto E. uredovora é uma bactéria, porém ambos expressam altos teores de pró-vitamina A. Os cientistas também adicionaram a esse genótipo um gene que aumenta, consideravelmente, o teor de ferro no grão de arroz. Assim, além da deficiência em vitamina A, o novo genótipo também combate a anemia ferro-priva.
 

Propriedade intelectual
Através da biotecnologia, é possível introduzir características desejáveis, que não são encontradas nos genótipos do organismo em estudo, antecipando em muitos anos o lançamento de novas cultivares melhoradas. Entretanto, gerar uma nova variedade transgênica não é tarefa fácil, muito menos barata. No caso do arroz dourado, foi necessário formar um time de cientistas de primeira linha, envolvendo diversas universidades e empresas privadas. Cada qual entrou com o seu conhecimento, seus equipamentos, suas patentes e suas fontes de financiamento. Ao final, obteve-se um genótipo com as características desejadas, cuja propriedade pertencia tanto a entidades públicas como a empresas privadas. Como fazer para tornar este genótipo, com alto custo de pesquisa, acessível às populações carentes e necessitadas?

  Acordo
A Syngenta, empresa privada que participou do projeto, abriu mão dos roialties sobre as variedades transgênicas, desde que cultivadas em países pobres. Em contrapartida, ela pode cobrar roialties de cultivares desenvolvidas nos países ricos, cujos consumidores podem pagar pelo arroz melhorado. Existe um Painel Humanitário, que se reúne regularmente, e que autoriza o acesso do material genético aos países pobres. A partir de 2001, o IRRI (International Rice Research Institute), baseado nas Filipinas, está autorizado a desenvolver novas cultivares de arroz dourado, apenas para os países pobres. O Instituto recebeu em seus laboratórios pesquisadores vietnamitas, que melhoraram suas antigas variedades. A China, maior consumidor mundial de arroz, também deve se beneficiar deste genótipo. Outros países do Sudeste Asiático, da África e da América Latina também são elegíveis para receber o material, isento de roialties, uma vez demonstrada a necessidade e a dificuldade de seus cidadãos para pagar os roialties. Este acordo marca uma nova era no tratamento dispensado às patentes tecnológicas, trazendo para o mundo real a responsabilidade social das empresas.

 


Células de combustível

Décio Luiz Gazzoni

 

    As emissões veiculares de dióxido de carbono, monóxido de carbono, chumbo, óxidos de enxofre e óxidos de nitrogênio crescem 2,5% por ano, em especial nos países desenvolvidos,  como nos EUA, onde existem 484 carros por 1.000 pessoas, comparados com 32 na América do Sul. As células de combustível surgem como a grande esperança de combustível limpo, mas acredito que o hidrogênio terá que vir da biomassa, abrindo outra grande oportunidade no agronegócio. Se o uso de carros é maior no Norte, será no Sul que produziremos o combustível.

 

 

Termodinâmica
Os motores de combustão interna queimam combustível para produzir energia mecânica, com grande desperdício de energia, pela dissipação do calor e pela fricção interna dos motores. A eficiência das células de combustível é duas vezes maior que a dos motores de combustão interna. Mas a sua maior vantagem é a emissão zero de poluentes. As células de combustível são micro-usinas de geração de energia elétrica, baseadas em reações químicas. Assemelham-se a baterias (que são células eletroquímicas), possuindo dois pólos externos (um positivo e outro negativo) e contêm, internamente, um eletrólito que transporta os elétrons entre os eletrodos.

 

 

  Célula de hidrogênio
A mais promissora das células de combustível é a que utiliza hidrogênio, apesar de duas grandes dificuldades: Não existe hidrogênio puro (H2) disponível na Terra; e o custo energético de sua obtenção por eletrólise é muito alto. Os cientistas tentam viabilizar o etanol, metanol ou mesmo açúcar como fonte de H2. A primeira reação da célula ocorre no compartimento negativo, produzindo dois elétrons por molécula de H2. Os elétrons são transportados pelo eletrólito até o pólo positivo, onde ocorre redução do O2 atmosférico. O fluxo de elétrons das reações produz a energia elétrica. A intensidade da corrente pode ser aumentada com eletrodos de difusão gasosa, que são permeáveis aos gases reagentes. Desta forma, aumenta a freqüência das reações químicas, gerando maior eletricidade por unidade de tempo.

 

 

Sub-produtos

As reações químicas geram calor, vapor d’água e CO2 em proporção muito inferior à queima de combustíveis fósseis. E, ao utilizar biomassa, o CO2 liberado na atmosfera havia sido absorvido anteriormente pelas plantas, portanto não há aumento da sua quantidade no ar. Já o CO2 do petróleo havia sido retido no subsolo há milhões de anos e a sua queima aumenta a concentração de gases na atmosfera. Obviamente, deve-se gastar muito menos energia na geração de um produto com energia potencial acumulada, do que a energia que será liberada para uso, a partir desse produto. As células de hidrogênio têm excelente eficiência de conversão de energia, comparadas aos motores a combustão.

 

 

Fonte de hidrogênio
É fundamental contar com fonte de H2 abundante e barata, como a biomassa. O etanol, o metanol ou o açúcar podem ser estas fontes. Uma das técnicas desenvolvidas é a quebra molecular de substâncias vegetais por bactérias. Recentemente, foi descoberta uma forma mais rápida e eficiente de conseguir hidrogênio. O processo é simples e consiste em aquecer uma solução de açúcar a 200º C para decompor o açúcar em hidrogênio e dióxido de carbono, com o auxílio de um catalisador à base de platina. A eficiência é alta, pois apenas 25% do hidrogênio produzido é gasto no próprio processo, enquanto 75% são utilizados para geração de energia.
  Aplicação
As células de combustível representam a grande esperança da ciência para um poderoso salto tecnológico, permitindo a junção dos conceitos de geração e armazenamento de energia. Sua aplicação não se restringe aos automóveis. Ao contrário, as primeiras aplicações deverão estar direcionadas a equipamentos de menor consumo energético, como calculadoras, handhelds, computadores, sistemas de som e vídeo e outras aplicações domésticas e de escritório. Sua viabilização técnica e econômica se constituirá em um poderoso incremento no agronegócio brasileiro.

 

 


Agronegócio e química fina

Décio Luiz Gazzoni

 

Tenho dito que o fim da era do petróleo não significará apenas o desaparecimento da gasolina e do petrodiesel. Na minha visão de futuro, sai o petróleo e entra a biomassa, como matéria prima para a indústria química. A associação entre biotecnologia e biomassa está se mostrando um caminho natural para inovações na área industrial, pela melhoria dos processos fermentativos, ou pela criação de OGMs, com propriedades industriais desejáveis. Um exemplo é a celulose produzida pela Acetobacter xylinum, uma bactéria encontrada em frutas em decomposição.

 

Celulose

       Além das plantas, algas, bactérias e invertebrados marinhos produzem celulose que, após o processamento, adquire grande resistência mecânica, impermeabilidade aos líquidos, e permeabilidade aos gases. A bactéria A. xylinum produz longas microfibras de celulose, criando uma substância gelatinosa chamada de zoogléia, entremeando fibras e bactérias, na superfície de líquidos. Este arranjo serve para melhorar a captação de oxigênio pelas bactérias. As microfibras de celulose são extraídas, purificadas, secas e compactadas, obtendo-se celulose pura.

Cientistas brasileiros estão investigando as aplicações industriais da celulose de A. xylinum, entre eles o uso da película de celulose como biocurativo cutâneo. Em perdas de pele por trauma mecânico ou úlceras crônicas, a película substitui a pele, temporariamente. O curativo é colocado sobre a lesão após a assepsia, não provocando rejeição ou efeito colateral. O biocurativo adere à lesão, protegendo o local e permitindo a regeneração da epiderme, após o que se destaca e pode ser removido com facilidade.

O curativo é permeável a gases e impermeável a líquidos, formando uma barreira séptica, porém permitindo que a área lesionada “respire”. Verificou-se a atenuação ou a eliminação da dor nos pacientes que receberam o curativo, e uma redução do tempo de tratamento e do custo das internações de doentes com queimaduras e com feridas crônicas.

 

 

 

Dura máter

Estudos apontam que a celulose bacteriana tem potencial para substituir, em casos de traumas ou tumores, a dura-máter - a membrana externa, espessa e fibrosa que envolve o cérebro e a medula espinhal. A pesquisa envolveu a substituição da dura-máter de 21 cães por películas de celulose, comparando as reações com a fáscia muscular (membrana fibrosa que recobre os músculos do crânio), outro substituto de membrana, empregado em neurocirurgia, com resultados encorajadores.

A película está sendo testada para revestir o stent , uma pequena malha metálica usada como sustentação mecânica para impedir que a artéria volte a se fechar durante a angioplastia, procedimento utilizado para desobstruir as artérias coronárias em processo de aterosclerose. O stent é introduzido fechado na artéria coronária e quando atinge o ponto exato do local do estreitamento da artéria, o balão em seu interior é inflado. Assim, o stent envolvido com celulose é liberado contra a parede da artéria. Dessa forma, ele atua contra um dos processos que causam a reestenose (uma complicação tardia do procedimento), que é a migração de células musculares lisas da parede do vaso para dentro da artéria.

Os testes in vitro e também com coelhos e porcos foram feitos durante três meses nos Estados Unidos e Canadá. Foram avaliadas a reação inflamatória e a hemocompatibilidade, demonstrando seu potencial para uso seguro em veias e artérias e no sistema tubular (tubo digestivo, estruturas tubulares do pulmão, brônquios, traquéia e uretra). Esse é um exemplo instigante das inovações que a associação entre biotecnologia, biomassa e biodiversidade nos reservam para o futuro.

 

Outros usos

A aplicação da celulose especial não se restringe à área médica, podendo ser usada em membranas para telas flexíveis luminescentes. Estas telas, com a espessura de uma folha de papel, reveste monitores de computador, cinescópios de televisores, DVDs e games portáteis, entre outros.

            A versatilidade da celulose bacteriana, em comparação com a vegetal, deve-se ao fato de que ela é quimicamente pura, isenta de contaminantes. Isso significa que a celulose não vem acompanhada de nenhum outro composto orgânico, como ocorre com a vegetal, dispensando o processo caro e complexo de separar a celulose da lignina e da hemicelulose.  A celulose bacteriana constitui-se em um polímero cristalino, o que a distingue de outras formas de celulose.

 

 

Jacas e queimaduras

 

Aos poucos a ciência resgata e comprova conhecimentos centenários, que compõem a cultura popular e a farmacopéia dos pajés. Recentemente, um cientista brasileiro isolou uma substância com propriedades anti-ofídicas, centenas de vezes mais potente que os soros convencionais. A substância foi extraída de uma das conhecidas “garrafadas” vendidas em feiras populares, indicada como antídoto antiofídico.

Uma equipe de pesquisadores da USP estuda um grupo de proteínas, as lectinas, e seu efeito sobre os mamíferos, há mais de uma década. Uma dessas pesquisas concluiu que uma proteína presente na semente da jaca, a lectina KM+, diminui o tempo de recuperação e evita a necrose de tecido em queimaduras de pele. A lectina KM+ provoca a concentração de células de defesa, quando em contato com algum ponto lesado do organismo.

Um dos pesquisadores envolvidos no estudo entendeu que deveria ser dado um sentido prático às descobertas científicas. Com este foco, os pesquisadores passaram a estudar a hipótese de que a concentração de células de defesa em uma lesão, quando em contato com a lectina KM+, poderia evitar as infecções oportunistas, decorrentes de queimaduras.

 

 

 

Cobaias

 

Estabelecida a hipótese, a mesma foi testada em ratos de laboratório. Os animais foram lesados com queimaduras e, sobre o local da ferida, foi aplicada uma pomada, preparada com as sementes de jaca, contendo a lectina KM+. Para gáudio dos cientistas, o tratamento foi tão eficiente, que ocasionava uma recuperação antes que houvesse uma infecção do tecido.

Verificou-se que a pomada acelerava a regeneração do tecido queimado, evitando a necrose. Aprofundando as pesquisas, os cientistas descobriram que a lectina KM+ induz maior multiplicação celular, assim como aumenta a produção de colágeno e estimula a formação de novos vasos sanguíneos, permitindo a irrigação do local afetado pela lesão.

 

 

 

 

 

 

 

Bônus

 

A natureza mostrou ser, mais uma vez, a grande fonte de inspiração da Ciência. Os testes foram repetidos inúmeras vezes, variando a intensidade das queimaduras provocadas nos ratos, com lesões de diferentes extensões e profundidades. Ao final, a pomada de jaca, contendo a lectina KM+, foi 80% superior aos resultados obtidos na sua ausência.

Os cientistas também foram agraciados com outra descoberta importante: ao contrário do processo natural de cicatrização, que recompõe a parte lesionada com células de tecido conjuntivo, a regeneração ocorre por multiplicação das células sadias do tecido remanescente no entorno das lesões, evitando o risco de surgimento de quelóides.

 

 

 

 

 

 

Larga escala

 

A primeira etapa da pesquisa está concluída, tendo sido comprovada a utilidade terapêutica de uma substância presente na semente da jaca. O próximo desafio é obter o produto em larga escala. A jaca não é uma fruta com cadeia produtiva organizada, que permita a garantia de oferta do produto ao longo do tempo.

Para resolver o problema, os cientistas do laboratório de Biologia Molecular de Plantas da USP identificaram o gene da jaca responsável pela lectina. Essa etapa já foi superada e o gene foi introduzido em uma bactéria, inócua aos seres vivos, e de reprodução fácil e barata em laboratório.

Assim, a bactéria passa a ser uma usina viva para produção do medicamento. Os estudos com a bactéria transgênica, que virou uma biofábrica de remédio, já iniciaram. Os testes prosseguem, usando a substância agora obtida da bactéria, inicialmente em ratos.

Posteriormente, serão utilizados voluntários humanos para comprovar o efeito medicamentoso observado nos ratos. Finalmente, se todas as pesquisas, inclusive de biossegurança, forem bem sucedidas, a tecnologia poderá ser adotada em larga escala, permitindo à sociedade auferir os benefícios de mais uma descoberta derivada da biotecnologia.



A inteligência natural

Décio Luiz Gazzoni

 

Presunçoso, o Homo sapiens julga-se o ser vivo com a prerrogativa da inteligência. Entomologista por formação, aprendi a respeitar a disciplina, a hierarquia e as capacidades de organização e de comunicação dos insetos. Agora me surpreendo com os mecanismos de sobrevivência do fungo causador da vassoura-de-bruxa do cacaueiro.

 

Desinteligência
Na coluna de 27/2/98, chamei a atenção para o descaso com as questões de sanidade agrícola, que levavam fome e miséria a diversas regiões do país. Um dos exemplos que citei foi a região cacaueira da Bahia que, por mais de um século, foi sinônimo de fausto, luxo e riqueza. Riqueza que permitiu desenvolver o restante da Bahia. Fausto e luxo que serviram de mote para Jorge Amado. Até que chegou à região o fungo Crinipellis perniciosa, agente causal da vassoura de bruxa, trazendo consigo choro e ranger de dentes. A falta de investimento em pesquisa e em medidas sanitárias permitiu ao fungo expandir-se com incrível rapidez, reduzindo a produção anual de 400 para 100 mil toneladas de cacau e a região passou de maior exportadora mundial para importadora de cacau!
Inteligência 1
Como em qualquer interação entre seres vivos, há os especialistas e os oportunistas. Para atacarem outros organismos, os oportunistas se valem de "brechas" na defesa da presa, como a depressão do sistema imunológico causada por má nutrição, fatores ambientais adversos ou ataque de outras pragas. Já os especialistas dispõem de um complexo arsenal para travar uma guerra contra o hospedeiro, em condições de vencê-la. O fungo C. perniciosa é um especialista no ataque ao cacaueiro. Ao infectar a planta, o fungo, inicialmente, entra em um estágio letárgico, com pouca atividade reprodutiva, que os agrônomos chamam de biotrófica. Nesse estado, o fungo libera substâncias químicas que induzem a planta a um crescimento hipertrofiado, formando ramos com múltiplos galhos. É o primeiro lance de estrategista do fungo.

 

 

Inteligência 2
A planta que, num primeiro instante apenas reagiu às substâncias químicas liberadas pelo fungo, "entende" que aquele ramo está, fatalmente, destinado a morrer, pela infecção do fungo. Com o jogo perdido, ela "decide" instalar um processo de apoptose (morte celular programada) no ramo infectado, para concentrar as energias nos seus ramos sadios. Porém, antes de "suicidar" o ramo, a planta transforma o nitrogênio contido nas proteínas do galho infectado em formas solúveis, como um aminoácido chamado asparagina. Este aminoácido começa a translocar-se para as partes sadias da planta, carregando consigo o nitrogênio e outros nutrientes do ramo infectado.
  Inteligência 3
Neste momento o fungo "acorda" e inicia a fase chamada necrotrófica, ou seja, ele mata o ramo infectado antes do suicídio pretendido pela planta, estrangulando a passagem da seiva. O resultado visível desse processo é a aparência de vassoura do ramo morto, donde o nome da doença de vassoura-de-bruxa. Assim, o fungo tem à sua disposição todos os nutrientes que a planta acumulou no ramo infectado, sem que esses possam ser translocados. O último lance de inteligência do fungo é aguardar as condições climáticas adequadas (sucessão de chuvas e dias quentes) para entrar em ritmo frenético de reprodução, gerando esporos que serão lançados no ar justamente quando os cacaueiros iniciam a emissão de novas brotações, por onde o fungo irá penetrar e infetar outras plantas.

Inteligência e desinteligência
O último lance de inteligência não é da planta nem do fungo, mas de cientistas da Unicamp e da UESC, que desvendaram o mecanismo completo das alterações bioquímicas e fisiológicas acima, publicadas no Journal of Experimental Botany. A desinteligência fica por conta dos Governos que não conseguem vislumbrar a relação direta entre pesquisa e sanidade e desenvolvimento, emprego, renda e qualidade de vida, pois continuam a restringir os recursos destinados a projetos de pesquisa ou sanidade agropecuária.



Celulose especial
Décio Luiz Gazzoni

  Comentamos, recentemente, a propriedade da bactéria Acetobacter xylinum de produzir celulose especial, que pode ser utilizado para inúmeras finalidades industriais, como biocurativos. A bactéria utiliza moléculas de glicose presentes na celulose e fabrica um tipo de teia que serve de proteção contra os predadores. A forma como a bactéria organiza as moléculas de glicose faz desta teia um material ultra-resistente. Depois de purificadas, secas e compactadas, essas microfibras transformam-se em finas películas de celulose, com potencial para uso na área médica. A equipe que vem desenvolvendo o estudo imagina ser possível sua aplicação em mais de 500 diferentes novos produtos. Entre os usos que estão sendo desenvolvidos, está uma película que serve como proteção contra projéteis de armas de fogo e o desenvolvimento de papéis especiais para documentos.  

 

Parceria
O desenvolvimento industrial da celulose bacteriana é uma parceria entre a Bionext Produtos Biotecnológicos, a Universidade de São Paulo (São Carlos) e a Universidade Estadual Paulista (Araraquara). No caso de blindagem contra projéteis, uma empresa especializada na fabricação de placas blindadas e coletes à prova de balas também participa da pesquisa. Os testes de balística mostraram que o material é altamente resistente, com grande potencial de uso na área. Outro uso do produto é na fabricação de papéis especiais, destinados à preservação de documentos históricos. A pesquisa inclui testes físicos com a película, que avaliam a resistência e a transparência do material. Só depois de ser submetido a testes de envelhecimento rápido para ver como se comporta, e analisado por laboratórios especializados em papel, é que poderá começar a ser usado para restaurar documentos históricos.
  Outros usos
A gama de aplicação deste produto é enorme e alguns usos são surpreendentes. Uma das possíveis aplicações é a fabricação de membranas de celulose para telas flexíveis luminescentes. Estas telas, com a espessura de uma folha de papel, tem muita aplicação na eletrônica, podendo ser utilizada em monitores de computadores, cinescópios de televisores, DVDs e aparelhos de jogos portáteis, entre outros. Os estudos envolvem a estrutura molecular do material, por meio de microscopia eletrônica, difração de raios X, análise térmica, além das propriedades mecânicas (resistência a tração, dureza, permeabilidade a líquido e a gases), propriedades dielétricas (isolantes de eletricidade) e luminescentes (de emissão de luz).

 

 

Polímero
A versatilidade da celulose bacteriana, em comparação com a vegetal, deve-se ao fato de que ela é quimicamente pura, isenta de contaminantes. Isso significa que a celulose não vem acompanhada de nenhum outro composto orgânico, como ocorre com a vegetal, dispensando o processo caro e complexo de separar a celulose da lignina e da hemicelulose. A celulose bacteriana constitui-se em um polímero cristalino, o que a distingue de outras formas de celulose.
 
  Obtenção
A pesquisa sobre a celulose bacteriana busca desenvolver e aprimorar o processo de produção fermentativa, envolvendo fatores como concentração de nutrientes, a temperatura, a acidez e o fornecimento de oxigênio, que influenciam o rendimento, a velocidade do processo e a qualidade do produto. A fermentação para a produção de películas de celulose é feita em meio líquido. Dependendo do produto final, todo o processo, que envolve fermentação, coleta de celulose, lavagem e secagem, demora até duas semanas.
 

Propriedade intelectual
Por se tratar de uma inovação em escala mundial, a patente da membrana já foi depositada no Brasil e está sendo estendida para Estados Unidos, Ásia e Comunidade Européia. Porém, antes de ser o fim da linha, estes novos produtos apenas apontam a trilha ainda indevassada da associação entre biomassa, biodiversidade e biotecnologia, um descortinar de oportunidades para o agronegócio do futuro.

 



Menos impostos, mais arrecadação
Décio Luiz Gazzoni

 

Tenho dito e repetido que a derrama tributária vale por duas das sete pragas que impedem o agronegócio brasileiro de realizar seu potencial pleno. Qualquer estudante do primeiro semestre de economia intui que sonegação somente compensa com impostos muito altos. E que as maiores arrecadações tributárias são obtidas com taxas tributárias razoáveis, suportáveis pela população e pela economia. Abundam nos manuais de economia exemplos demonstrando que taxas menores aumentam a arrecadação, diminuem a sonegação e a informalidade. Sabemos que a enorme carga tributária repousa apenas sobre os ombros dos honestos. Se os impostos baixassem, muitos abandonariam o risco da sonegação, todos pagariam menos – porém pagariam - e o governo arrecadaria mais.

 

 

Medalhe de bronze
Talvez até o final do Governo Lula, a continuar a derrama tributária, o Brasil conquiste a pole position, ou a medalha de ouro tributária. Por enquanto, conforme o Banco Mundial, ele é o terceiro colocado, encostado na Dinamarca e na Bélgica. As diferenças entre o Brasil e os companheiros de pódio são duas: a renda per capita brasileira é de US$2.920,00, enquanto os demais medalhistas têm renda de US$ 22 e US$30.000 por pessoa, ao ano. E – tão importante quanto – no Brasil, você paga um caminhão de impostos e outro caminhão para comprar os mesmos serviços já pagos através dos tributos (educação, saúde, transporte, C&T, etc.) No Primeiro Mundo, o contribuinte recebe serviços da mais alta qualidade em retribuição aos impostos. Mesmo quando você não é cidadão do país, recebe serviços de primeira linha e gratuitos, como ocorreu com este escriba quando necessitou de serviços médicos na Europa.

 

 

Álcool
Há tempos a mídia e outros setores da sociedade denunciam os abusos na comercialização do álcool. Devido às elevadas alíquotas de impostos, artimanhas de todo o tipo foram sendo engendradas nos subterrâneos do mercado, para escapar do garrote da Receita. Como toda a atividade ilegal, as estatísticas não são precisas, portanto melhor não falar em números e aceitar o que o mercado estima a meia voz: trata-se de um volume muito, muito grande. Com impostos altos, aumenta a sonegação e a economia informal, cria-se um mercado negro. E, quando se ingressa neste terreno pantanoso, o Governo arrecada menos e o consumidor fica sujeito a adulterações.

 

  ICMS
Atentos ao fato, os estados de São Paulo e do Paraná tomaram a decisão inteligente, embora tardia. Em S. Paulo, o ICMS sobre o álcool foi reduzido de 25 para 12% e, no Paraná, de 25 para 8%, no final de 2003. Alguma dúvida quanto à resposta do consumidor e do setor produtivo? Nenhuma, tudo aconteceu conforme estava escrito nas Escrituras Econômicas. Como reagiu o setor produtivo? Pagando mais impostos! Reduzindo a alíquota em mais de 50%, o Estado de São Paulo aumentou a arrecadação de ICMS sobre o álcool em 7%. Como reagiu o consumidor? Em S. Paulo, o aumento de consumo de álcool foi de 66% e no Paraná de 48%. O Governador Alckmin gostou tanto de arrecadar mais impostos, que também baixou o ICMS de artigos de couro de 18 para 12%.

 

 

 

Exemplo

Alguém poderia argumentar que o consumo de álcool aumentou em todo o país. Negativo, no Rio de Janeiro, no mesmo período, o consumo foi reduzido em um terço. O que fez a governadora, ipso facto? Reduziu o ICMS de 31 para 24%. Ainda é pouco. Se quiser arrecadar mais impostos, terá que diminuir mais a alíquota. O argumento do Governo do Rio é a equalização de alíquotas com Minas Gerais e Espírito Santo. Mesmo com a pequena redução, o preço na bomba deve cair mais de 10 centavos. Logo, o consumo aumenta e a arrecadação também. Portanto, não dou mais do que seis meses para que os Governos dos três estados emulem as alíquotas paulista ou paranaense. Não para beneficiar o consumidor, mas para arrecadar mais impostos. Elementar, meu caro Watson. Bem, ao menos para quem entende de economia.

 



Mensalão

Décio Luiz Gazzoni

  As denúncias sobre o pagamento a parlamentares (mensalões), a serem verdadeiras, mostram uma inversão entre hierarquia e pagamento. De acordo com o depoimento do empresário Jorge Moura (Veja nº 1909, de 15/6/2005), durante a gestão passada, alguns vereadores paulistanos receberiam mensalão de R$120.000,00. O governador de Rondônia denunciou no Fantástico a exigência de mensalão de R$50.000,00, por parte de alguns deputados estaduais. E Roberto Jefferson bradou aos ventos que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagaria um mensalão de R$30.000,00 a deputados federais, além do dinheiro que passou ao seu próprio partido, para despesas eleitorais. Em se comprovando os fatos denunciados, um vereador vale mais que um deputado federal!

 

Cidadania
Nesse lamaçal de denúncias de corrupção, não vi um único exercício de custo de oportunidade. Pode ser que tenha passado despercebido, porém algum analista de credibilidade poderia ter calculado quantas bolsas-família - aquelas de R$90,00 por mês – poderiam ser concedidas se, ao invés de ser entregue a deputados ou vereadores, o dinheiro houvesse sido aplicado para resgatar a dívida social. Quantas salas de aula, leitos hospitalares ou postos de saúde poderiam ter sido construídos? Quantas prisões federais – as mesmas prometidas pelo Governo há dois anos? Quantos quilômetros de estradas recuperados? Acho que tornaria o cidadão mais consciente de que está sendo duplamente achacado - por altos impostos e péssima aplicação de recursos.
 

Mensalão federal

Vou fazer um exercício na minha área, a pesquisa agropecuária. Há um ano luto para financiar um projeto de pesquisa objetivando desenvolver tecnologia para a produção de biodiesel a partir de diversas oleaginosas. Fiz as contas e concluí que, com escassos 250 mensalões federais, seria possível financiar um projeto que representará ganhos econômicos, sociais, comerciais e ambientais incomensuráveis. A crer em Roberto Jefferson, com os mensalões de quatro anos de uma legislatura, financiaríamos dez mega-projetos de pesquisa como o citado acima.



 

Mensalão estadual
Há dias participei de uma reunião em que discutíamos a viabilidade da cultura da mamona, como sustentáculo para a agregação de valor, na pequena propriedade e nos assentamentos da reforma agrária. Um colega do Maranhão fez um apelo emocionado e eloqüente, da necessidade de serem testadas cultivares de mamona no Maranhão. Os testes não eram executados por falta de recursos financeiros. Feitas as contas, escassos quatro mensalões denunciados pelo governador Ivo Cassol seriam suficientes para dois anos de ensaios em diversas localidades do Maranhão. Indicadas as cultivares adequadas, milhares de agricultores familiares poderiam se beneficiar, produzindo biodiesel no âmbito do Programa Brasileiro de Biodiesel.
 

Mensalão municipal
Deixei por último o caso mais pungente. O Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) atravessa a mais séria crise de sua profícua existência. O IAPAR é um dos principais responsáveis pela pujança do agronegócio paranaense – cujos líderes e população tanto louvam o fato de o Paraná produzir 25% dos grãos brasileiros. Apesar da enorme folha de serviços prestados, o IAPAR se esvai com a perda de quase um terço de seu quadro funcional. Feitos os cálculos (considerando os baixíssimos salários pagos aos funcionários do Instituto), meros de 60 mensalões paulistanos seriam suficientes para suprir, por um ano, a defasagem de pessoal. Imaginando os quatro anos da legislatura, os mensalões municipais permitiriam manter o quadro adicional do IAPAR por uns 24 anos, salvando-o da ruína!

Reflexão

Acho que a discussão da aplicação alternativa os recursos deveria ser seguida pelos formadores de opinião. Tenho ouvido que as denúncias de corrupção estão servindo para responder a pergunta que não queria calar: "Para onde vai o dinheiro dos meus impostos?". Entretanto, parece-me que o mais importante é demonstrar para os eleitores e contribuintes o uso alternativo e eficiente do dinheiro dos impostos.



Créditos de Carbono

Décio Luiz Gazzoni

Um pecador assumido vai ao confessionário e relata ao padre seus desvios de conduta. O rito confessional prevê o arrependimento, o propósito de não mais incidir na conduta errada e a purgação das penas – a penitência. Para quem é católico, vai soar como heresia, mas tente imaginar que esse pecador não se arrependa, não assuma qualquer compromisso de não reincidir nos mesmos erros, mas que, mesmo assim, almeje o perdão.


Papa João XXII

Para tanto - heresia das heresias – propõe ao clérigo que a penitência seja cumprida por outrem, em troca do vil metal. Ao que se sabe, a concessão de indulgências em troca de bens materiais (instituída por João XXII, no séc. XIV) já caiu em desuso.

 

Comércio
Heresia para os católicos, natural para os países ricos, poluidores confessos do Planeta Terra. Eles estão conscientes que seu modelo de desenvolvimento não é sustentável e que os impactos no meio ambiente, decorrentes de um modelo predatório dos recursos naturais, terá sérias conseqüências futuras. A fim de não alterar seu paradigma cultural e econômico, dependente de energia fóssil, e para não perder competitividade comercial, foi criado o conceito de "Créditos de Carbono", que também poderia se chamar de "Empurra com a barriga". Por ele, alguém é pago para não poluir, ou para despoluir, livrando a cara dos países ricos. O conceito está contemplado no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), integrante do Protocolo de Quioto (PQ). Até 2012, os países desenvolvidos, signatários do PQ, devem reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) a valores 5,2% inferiores aos de 1990.
  O gatilho
O PQ entrou em vigor este ano, após ser ratificado por mais de 55 países, que representam mais de 55% das emissões de CO2 do ano de 1990. Os 37 países com índices mais elevados de emissões, ao invés de cumprir diretamente a meta de redução dos gases de efeito estufa, podem pagar para que outros países, eliminem ou reduzam as emissões, ou seqüestrem GEE. A redução ou o seqüestro dos gases é chamada de "créditos de carbono", que são vendidos aos países ricos, através de Certificados de Emissões Reduzidas, permitindo a esses países comprovar a redução da emissão de GEE.

 

 

 

Projetos
Os créditos de carbono podem ser obtidos por redução de gasto de energia fóssil, utilização de fontes renováveis de energia e seqüestro ou imobilização dos GEE. A agricultura é um dos setores beneficiados por esse mecanismo, através da implantação de culturas permanentes, que fixem o CO2 atmosférico. Existem diversos critérios a serem atendidos para que uma atividade possa gerar créditos de carbono. O não atendimento desses critérios, apesar de a atividade redundar em emissões reduzidas ou nulas, ou mesmo em seqüestro do carbono, pode inviabilizar o seu reconhecimento e torná-la desprovida de valor no mercado do carbono.

 

  Financiamento
No âmbito dos regulamentos internacionais, cada país deve emitir suas próprias regras. O BIRD criou o Prototype Carbon Fund, que tenciona ser o paradigma do setor. Sua missão declarada é ser um fundo pioneiro no mercado de projetos destinados a reduzir os GEE, no âmbito do PQ. Objetiva induzir projetos em países emergentes, financiados com recursos provenientes de países constantes do Anexo I do PQ. Congruente com essa visão, o Banco oferece recursos de crédito, através da linha GEF (Global Environment Facility), para projetos elegíveis no âmbito do Protocolo de Kyoto.

 

 

  Fundos privados
Operações com créditos de carbono ainda são incipientes. Existem fundos ("private equity") sendo organizados para investir no setor. A idéia é amealhar recursos para investimento em projetos reconhecidos pelo MDL, que possam ser negociados com os "pecadores" interessados em pagar a alguém para cumprir sua penitência. A engenharia financeira já se apercebeu da oportunidade, criando "derivativos", mediante a entrega de certificados de crédito de carbono, para negociação no mercado. Já que não podemos mudar o rito do mercado, o melhor que podemos fazer, no Brasil, é aproveitarmos a oportunidade e investir fortemente em projetos que gerem créditos de carbono, para captação de recursos a serem investidos no país.



Inovação e segurança

Décio Luiz Gazzoni

A biotecnologia será o paradigma científico do século XXI, como a química e a física embasaram o avanço científico e o progresso do século XX. Entretanto, toda a revolução de usos e costumes - a substituição de um modelo dominante por um novo arquétipo - é acompanhada de turbulências, contestações e inseguranças. Este é um comportamento típico de seres humanos (e de outros animais também), que preferem transitar em um terreno que conhecem e dominam, a enfrentar o desconhecido, o que implica em novos desafios.

Filosofia da ciência
É importante filosofar em torno da questão, para melhor entendê-la, pois a ciência não é um fim em si mesma. Existem diversas motivações para a investigação científica. Uma é a curiosidade social (como as pirâmides foram construídas?); outra, a explicação de fenômenos (porque o ano tem estações?); ou ainda, entender como as coisas funcionam (como os insetos se comunicam?), entre outras. Entretanto, a maioria das vertentes converge para o atendimento de necessidades sociais.
  Filosofia da ciência
É importante filosofar em torno da questão, para melhor entendê-la, pois a ciência não é um fim em si mesma. Existem diversas motivações para a investigação científica. Uma é a curiosidade social (como as pirâmides foram construídas?); outra, a explicação de fenômenos (porque o ano tem estações?); ou ainda, entender como as coisas funcionam (como os insetos se comunicam?), entre outras. Entretanto, a maioria das vertentes converge para o atendimento de necessidades sociais.

Indutores do progresso
No meu entender, a Humanidade evolui movida por três grandes forças: necessidade, comodidade e ambição – nesta ordem. A necessidade de proteger-se do frio levou o homem pré-histórico a esfolar animais para vestir-se com sua pele. A ambição e a vaidade humana fizeram a glória dos ternos Giorgio Armani. A necessidade de comunicação criou os hieróglifos. A comodidade induz os cientistas a introduzirem, quotidianamente, novas ferramentas na Internet.

 

 

 

Progresso e risco
Não há progresso sem inovações científicas. Porém, existe um componente da inovação que é o risco de efeitos colaterais não desejados. Alimentos são nutritivos, essenciais à sobrevivência, porém podem conter princípios tóxicos ou provocar o acúmulo de LDL-colesterol no organismo, favorecendo acidentes cardio-vasculares. Por este motivo, a sociedade exige dos cientistas, com crescente veemência, a caracterização dos riscos associados a novas utilidades emanadas dos laboratórios.

Análise de risco
Fruto dessa pressão social, os novos avanços científicos e tecnológicos, embora mais revolucionários, complexos e mais excitantes no imaginário popular, tendem a ser mais seguros. Quando a sociedade conscientizou-se ex-post do perigo do lixo atômico ou de agrotóxicos, forçou a evolução e implementação da análise de risco. Trata-se de uma ferramenta que permite avaliar ex-ante os riscos associados ao uso de qualquer inovação, suportada por embasamento científico que seja inquestionável à luz do conhecimento atual e das dúvidas consideradas razoáveis.
  Custo/benefício
Assim, torna-se transparente para a sociedade o custo/benefício de novos produtos ou tecnologias e a delimitação precisa dos riscos associados com seu uso. Há um consenso entre os cientistas que, produtos derivados da biotecnologia têm uma probabilidade muito menor de embutirem perigos não detectáveis. Há um evidente contraste com tecnologias desenvolvidas há 50 anos, quando as técnicas de avaliação eram mais rudimentares e a pressão pela caracterização dos perigos e transparência na sua comunicação eram incipientes.

 

 

 

Qualidade de vida
A força dominante, que determina o foco das inovações científicas da atualidade, é a qualidade de vida. Mirando o passado, verifica-se que química e indústria farmacêutica andaram de mãos dadas, da mesma forma que física e tecnologia da informação são indissociáveis. As aplicações da biotecnologia associarão inovação e qualidade de vida no futuro próximo. No entanto, a biotecnologia interfaceará com outras ciências, sobretudo a química e a física, com um espaço de sombreamento entre elas.
  Como exemplo desta convergência pode-se citar o uso energético do etanol, novas variedades de plantas ou raças de animais, biomateriais e biofármacos como realidades. Já os bio-sensores e os bio-computadores estão na bancada dos cientistas e vão revolucionar nosso "way of life" da próxima década. Mas isto será tema de outra coluna, sobre nanotecnologia.



Pele vegetal
Décio Luiz Gazzoni

  Tenho dito que o fim da era do petróleo não significará apenas o desaparecimento da gasolina e do petrodiesel. Na minha visão de futuro, sai o petróleo e entra a biomassa, como matéria prima para a indústria química. A associação entre biotecnologia e biomassa está se mostrando um caminho natural para inovações na área industrial, pela melhoria dos processos fermentativos, ou pela criação de OGMs, com propriedades industriais desejáveis. Um exemplo é a celulose produzida pela Acetobacter xylinum, uma bactéria encontrada em frutas em decomposição, com inúmeras aplicações na área médica.

 

Celulose
Além das plantas, algas, bactérias e invertebrados marinhos produzem celulose. Neste caso, trata-se de uma substância que, após o processamento, adquire grande resistência mecânica, impermeabilidade aos líquidos, e permeabilidade aos gases. A bactéria A. xylinum produz longas microfibras de celulose, criando uma substância gelatinosa chamada de zoogléia, entremeando fibras e bactérias, na superfície de líquidos. Este arranjo serve para melhorar a captação de oxigênio pelas bactérias. As microfibras de celulose são extraídas, purificadas, secas e compactadas, obtendo-se celulose pura.

 

 

  Parceria
Formou-se uma parceria entre a Bionext Produtos Biotecnológicos, a UNESP e a USP, para investigar as aplicações industriais da celulose de A. xylinum, como o uso da película de celulose como biocurativo cutâneo. Em perdas de pele por trauma mecânico ou úlceras crônicas, a película substitui a pele, temporariamente. O curativo é colocado sobre a lesão após a assepsia, não provocando rejeição ou efeito colateral. O biocurativo adere à lesão, protegendo o local e permitindo a regeneração da epiderme, após o que destaca-se e pode ser removido com facilidade. O curativo é permeável a gases e impermeável a líquidos, formando uma barreira séptica, porém permitindo que a área lesionada "respire". Verificou-se a atenuação ou a eliminação da dor nos pacientes que receberam o curativo, e uma redução do tempo de tratamento e do custo das internações de doentes com queimaduras e com feridas crônicas.

Dura máter
Estudos apontam que a celulose bacteriana tem potencial para substituir, em casos de traumas ou tumores, a dura-máter - a membrana externa, espessa e fibrosa que envolve o cérebro e a medula espinhal. A pesquisa envolveu a substituição da dura-máter de 21 cães por películas de celulose, comparando as reações com a fáscia muscular (membrana fibrosa que recobre os músculos do crânio), outro substituto de membrana, empregado em neurocirurgia. Os bons resultados permitiram o seu uso em 25 pacientes como estudo clínico fase 1.
  Uso vascular
A película está sendo testada para revestir o stent , uma pequena malha metálica usada como sustentação mecânica para impedir que a artéria volte a se fechar durante a angioplastia, procedimento utilizado para desobstruir as artérias coronárias em processo de aterosclerose. O stent é introduzido fechado na artéria coronária e só quando atinge o ponto exato do local do estreitamento da artéria o balão em seu interior é inflado. Assim, o stent envolvido com celulose é liberado contra a parede da artéria. Dessa forma, ele atua contra um dos processos que causam a reestenose (uma complicação tardia do procedimento), que é a migração de células musculares lisas da parede do vaso para dentro da artéria.
  Potencial
Os testes in vitro e também com coelhos e porcos foram feitos durante três meses nos Estados Unidos e Canadá. Foram avaliadas a reação inflamatória e a de hemocompatibilidade, demonstrando seu potencial para uso seguro em todos os tipos de vaso (artéria aorta, das pernas, dos braços) e no sistema tubular (tubo digestivo, estruturas tubulares do pulmão, brônquio, traquéia e uretra). Este é um exemplo instigante das inovações que a associação entre biotecnologia, biomassa e biodiversidade nos reservam para o futuro.



Comércio de frutas
Décio Luiz Gazzoni

 

Nos últimos 15 anos elaborei dezenas de projetos de financiamento internacional, para governos de países interessados em melhorar a condição de seu agronegócio. Invariavelmente, nos projetos elaborados, sempre incluí como opções o cultivo de frutas e hortaliças, pelo seu alto valor intrínseco, pela oportunidade de agregação de valor, pelas alternativas de criação de empregos e geração e distribuição de renda. Entretanto, sempre chamei a atenção das autoridades que este é um mercado exigente em qualidade e inocuidade e próximo à saturação.   Mercado
O mercado consumidor de frutas se expande em um país quando as necessidades alimentares básicas estão satisfeitas. Os consumidores pertencem aos extratos de renda mais elevados, são conscientes e exigentes. Em 2004, as exportações mundiais de frutas frescas registraram US$20 bilhões. Sucos, vinho e outros derivados renderam um valor ainda maior. Do total, o Brasil participa com meros US$200 milhões. Nossas exportações enfrentam desafios de diversas ordens. Em primeiro lugar, não temos um viés exportador “endêmico”. Nossas iniciativas são pontuais, como o suco de laranja, o mamão papaia ou a manga. Em decorrência, o governo não prioriza o apoio à exportação (tributação, pesquisa, assistência técnica, logística). Finalmente, enfrentamos, como os demais países, um leque protecionista, que inclui barreiras técnicas, tarifárias e exigências sanitárias.

 

Inocuidade
Na questão sanitária, o tema central é a ausência de contaminantes físicos, químicos ou biológicos, que possam colocar em risco o estado sanitário das lavouras do país importador ou a saúde dos consumidores. Desde 1962 atua a a Codex Alimentarius Commission, uma ação conjunta da FAO e da Organização Mundial da Saúde, cuja missão é estabelecer padrões sanitários de alimentos. A comissão se compõe de 150 nações e um de seus principais produtos é o estabelecimento do nível máximo de resíduos de agrotóxicos nos alimentos. Assim, somente frutos de alta qualidade, livres de pragas e com resíduos dentro dos níveis exigidos internacionalmente, conquistam novos mercados.
  Sanidade
Na China e Coréia, enfrentamos uma proibição generalizada. Em outros países, há imposição de quarentena, inspeção na origem e destino, certificação sanitária e de qualidade, tratamento especial, além de exigências de embalagem e características específicas dos produtos. Exemplo didático foi o ocorrido com o Japão que, por quase 30 anos, manteve com o Brasil uma discussão estéril sobre a eficiência de métodos de eliminação de larvas de moscas de frutas das mangas.

Barreira
Minha experiência na área de sanidade agrícola internacional mostra que este é um campo fértil para impor barreiras comerciais disfarçadas, destinadas a proteger a produção interna de determinados países, que não obtêm competitividade comercial em um ambiente de competição aberta. Uma das fórmulas para impor estas barreiras é reduzir o nível de resíduos aceitável, impondo métodos de análises sofisticados, no estado da arte da tecnologia, que exigem equipamentos caríssimos e pessoal altamente qualificado. Naturalmente, apenas países ricos podem instalar e operar estes laboratórios, com os respectivos governos subsidiando o custo das análises para os seus produtores.
  Multiresíduos
A demanda pela análise de resíduos em frutas cresce na razão direta do aumento do volume exportado e do incremento nas exigências dos países importadores. Laboratórios brasileiros estão adaptando um método de análise multiresíduos de agrotóxicos, por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência e Cromatografia Gasosa, com base nos padrões internacionais. O método foi originalmente desenvolvido pelo laboratório oficial do Governo da Holanda e os primeiros testes, no Brasil, foram direcionados para a uva fresca. Com a validação do método e seu credenciamento junto às agências governamentais de regulamentação, os exportadores de frutas disporão de uma ferramenta avançada para conquistar novos mercados.



Biotecnologia e produção animal
Décio Luiz Gazzoni

Biotecnologia lembra plantas transgênicas ou células tronco para terapia humana. Correndo por fora está a biotecnologia aplicada à pecuária que começou com o auxílio à seleção genética, como testes de DNA e clonagem, e hoje se esparrama por diversos ramos. A realidade atual e as perspectivas futuras são fascinantes e os problemas técnicos ainda existentes serão superados no curto prazo.

 

Melhoramento
O melhoramento genético animal tradicional caracteriza-se pela morosidade, independendo se a característica desejada é precocidade, ganho de peso, índice de gordura ou produção de leite. Com biotecnologia, é possível expandir o foco para características, que sequer estão presentes na espécie. Por exemplo, o salmão transgênico possui uma taxa de conversão 15% superior aos não-transgênicos, redundando em rápido crescimento, e que está obtendo grande sucesso comercial. Os modelos animais destinam-se a estudos médicos, para utilização em transplantes, ou como biorreatores, para produção de fármacos, permitindo, por exemplo, a introdução, em animais, do gene "HLA-G", que reduz em até 70% a ação das células imunológicas do organismo que atacam o órgão transplantado.
  Biorreatores
Esta é uma das áreas mais excitantes, que permite expressar diversas proteínas em animais, introduzindo genes de outras espécies, como suínos transgênicos, com o gene da β-globina humana, expressas nas glândulas mamárias do animal. Dessa forma, além da globina, outras proteínas de interesse para a saúde humana, como κ-caseína e β-lactoglobulina, também são extraídas do leite. Outro exemplo é a expressão do fator IX de coagulação do sangue humano e a α1 antitripisina, produzidas no leite de ovelhas transgênicas. Em cabras transgênicas sintetiza-se o ativador de plasminogeno humano, enquanto a proteína C (anti-coagulante), além da hemoglobina humana foram produzidos em suínos.

Modelos
Os biotecnologistas da área vegetal usam Arabidopsis thaliana como modelo, onde as novas combinações gênicas podem ser testadas, antes da transferência para plantas de valor comercial. Na biotecnologia animal, camundongos têm sido usados como modelo, induzindo-se doenças como fibrose cística, arteriosclerose, osteogênese imperfeita, β-talassemia, obesidade ou AIDS. A face mais conhecida destes estudos é o entendimento de diversas formas de tumores malignos, a sua prevenção e terapia. Existem oncogenes, que causam diferentes tipos de câncer em camundongos transgênicos, os quais são inseridos nos animais de conformidade com o estudo desejado.
 

Modelos
Os biotecnologistas da área vegetal usam Arabidopsis thaliana como modelo, onde as novas combinações gênicas podem ser testadas, antes da transferência para plantas de valor comercial. Na biotecnologia animal, camundongos têm sido usados como modelo, induzindo-se doenças como fibrose cística, arteriosclerose, osteogênese imperfeita, β-talassemia, obesidade ou AIDS. A face mais conhecida destes estudos é o entendimento de diversas formas de tumores malignos, a sua prevenção e terapia. Existem oncogenes, que causam diferentes tipos de câncer em camundongos transgênicos, os quais são inseridos nos animais de conformidade com o estudo desejado.

 

  Sanidade
A vacinação dos animais objetiva mantê-los sadios e evitar a transmissão de doenças a outros animais. Apesar da revolução que ocorreu após a implantação dos processos imunizatórios, persistem casos em que não há vacinas eficazes, ou com janela imunológica longa (período em que o animal vacinado permanece desprotegido), ou ainda com problemas de biossegurança na sua produção. As vacinas usando DNA recombinante podem substituir, com vantagem, as vacinas tradicionais, já havendo diversos exemplos em desenvolvimento ou comerciais. Pela mesma técnica, podem ser produzidos medicamentos como antibióticos e antiinflamatórios, usando-se bactérias como biorreatores. Essa rota tecnológica permite reduzir o custo, assegurar a qualidade e reduzir os riscos de biossegurança. Finalmente, o uso da biotecnologia pode fornecer diagnósticos mais precisos, mais baratos e obtidos mais precocemente. Um dos exemplos é o kit de diagnóstico de PCR, usado na Inglaterra para detecção precoce da febre aftosa, depois da epidemia do inicio da década, que quase dizimou o rebanho de Sua Majestade.
 



Genoma café
Décio Luiz Gazzoni

 Estamos nos acostumando aos sucessivos mapeamentos cromossômicos, tecnologia dominada por grupos científicos brasileiros, o que nos coloca no estado da arte mundial no setor. Tudo começou com a visão de futuro dos dirigentes da FAPESP, que enxergaram longe e souberam entender a importância que o tema teria para a melhoria da qualidade de vida e para os negócios, no futuro que já bateu à nossa porta.

Pioneirismo
A bem da verdade, em 1986, na condição de chefe geral da Embrapa Soja,  propusemos um consórcio internacional (Brasil, FAO, China, Japão, EUA) para o mapeamento genético da cultura da soja. Para a época, era uma proposta ousada e muito avançada e, em parte, não foi entendida pelos parceiros. Porém, em parte, ela foi muito bem entendida, sim senhor(a), razão pela qual os países mais avançados preferiram fechar-se em copas a facilitar a vida dos emergentes. O insucesso do episódio foi uma lástima, pois teria permitido ao Brasil dez anos de antecipação nas pesquisas de mapeamento genético. Mesmo assim, a partir da rede ONSA, financiada pela FAPESP, foi possível criar diversas equipes de excelência, que nada ficam a dever às melhores do mundo.
  O sequenciamento
Parece um bicho de sete cabeças - mas não é tanto assim. Com equipamentos de última geração e cientistas experientes e bem treinados, é possível identificar as seqüências genéticas de um organismo, para melhor utilização de seus genes, em benefício da Humanidade. Na prática, a partir de material genético presente nas células de diversos tecidos do organismo alvo, efetua-se a extração do RNA, organizados em bibliotecas, sendo efetuado o sequenciamento, donde se obtém a ordem correta das bases que compõem o gene. As bases são adenina, timina, guanina, citosina, representadas pelas letras ATGC. Parece simples, mas trata-se de um estudo caro, demorado e que exige muito treinamento e experiência dos cientistas.

 

EST
Justamente por ser caro e demorado, diversos projetos optaram pela técnica denominada EST (Etiquetas de Seqüências Expressas). Na prática, significa que, ao invés de mapear integralmente todo o cromossomo, os cientistas fazem o mapeamento apenas daqueles genes que possuem interesse imediato. Por exemplo, podem ser aplicados estresses na planta, como redução da disponibilidade de água ou o ataque de uma bactéria, verificando, nos diferentes tecidos da planta, quais genes estão sendo expressos, ou seja, estão ativos. Com esta técnica, os estudos são mais bem focados, mais rápidos e com orçamentos compatíveis com a disponibilidade de recursos.
   

Café
Esta cultura sempre esteve presente na agricultura familiar, sendo um dos melhores exemplos de como obter sucesso em pequenas áreas. A Embrapa Café lidera o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, sendo um de seus projetos o mapeamento genético dessa planta. A partir de 2002, envolveram-se na empreitada, além da Embrapa, uma dezena de instituições de pesquisa. Ao final da etapa foi concluído o primeiro sequenciamento mundial do cafeeiro, cuja face visível é um banco de dados contendo 200 mil seqüências de DNA. A partir dessa biblioteca, foram identificados mais de 30.000 genes, responsáveis por diversos processos na planta.

 

 

  Benefícios
Obviamente que o sequenciamento é apenas uma etapa. De posse do conhecimento auferido pelo mapeamento genético, os agrônomos podem, agora, introduzir, com rapidez e facilidade, características no cafeeiro, que se constituam em demandas da cadeia produtiva. Por exemplo, será possível obter plantas mais produtivas, tolerantes à seca ou resistentes às pragas. Torna-se possível, também, melhorar a qualidade do produto, criando variedades que produzam bebidas com melhor sabor e aroma, com menos cafeína, ou com outras características nutritivas ou funcionais, de interesse do consumidor. Com o auxílio do seqüenciamento genético, poderemos antecipar esses benefícios em até 20 anos, justificando o investimento da sociedade na pesquisa.
 

 


Nutrição e biotecnologia
Décio Luiz Gazzoni

 

            Para entender o potencial da biotecnologia, é preciso enxergar além das cultivares de soja ou milho resistentes aos herbicidas ou aos insetos. No futuro, as grandes contribuições da biotecnologia estarão vinculadas, principalmente, a alimentos mais nutritivos, destinados a preservar a saúde.

            A saúde humana (e dos animais) depende, em larga escala, da qualidade nutricional dos alimentos. Apesar da picanha – que faz o gaúcho lamber os beiços e morrer por excesso de colesterol – é nos vegetais que encontramos as fontes primárias de vitaminas, sais minerais, aminoácidos, ácidos graxos, ácidos nucléicos e fitoquímicos, que são substâncias essenciais para o nosso metabolismo.

 

Fontes
            Os grãos fornecem macronutrientes como carboidratos, proteínas ou lipídios. Também apresentam vitaminas solúveis em gorduras, porém possuem baixas concentrações de cálcio e ferro. Os vegetais folhosos são boas fontes de vitaminas e sais minerais, porém são pobres em macronutrientes. As frutas contêm carboidratos, vitaminas solúveis em água e carotenóides. Entretanto, elas não dispõem de teores adequados de proteínas e certos minerais. Portanto, a recomendação é diversificar a composição da dieta.

Entretanto, nem sempre isto é possível. Pode ocorrer escassez sazonal de algum alimento. Outros tem preço inacessível para determinados extratos populacionais. Em alguns países ou regiões, a alimentação repousa em alimentos energéticos, como mandioca, arroz ou milho, causando desbalanços nutricionais. Tem mais: os nutrientes podem ser parcialmente perdidos no processamento ou cozimento.

 

Deficiência
            Para ilustrar o drama do desbalanço nutricional, o exemplo mais didático é aquele denunciado pela FAO, que estima haver 250 milhões de crianças com suprimento baixo ou nulo de vitamina A. Anualmente, entre 0,1 a 0,2% destas crianças com hipovitaminose A tornam-se cegas. Outros exemplos: a anemia ferropriva atinge um terço da população mundial, enquanto 25% da população sofrem com deficiência de iodo.

            Na maioria dos casos, a deficiência de nutrientes é intrínseca à espécie, não havendo variabilidade genética para melhorar o seu teor, pelo melhoramento tradicional. A solução encontrada pela ciência é a biotecnologia, que independe das barreiras taxonômicas e de compatibilidade sexual para possibilitar o cruzamento de espécies diferentes, tornando os nutrientes mais acessíveis à população.

 

  

Nutrientes essenciais
            Para atender a recomendação dos nutricionistas, a dieta humana precisa conter carboidratos, proteínas e lipídios, além de 17 minerais e 13 vitaminas. Alguns nutrientes não são sintetizados pela espécie humana, como os ácidos graxos linolênico e linoleico, assim como é necessária uma fonte externa para nove aminoácidos essenciais.
  Entretanto, o fato de determinada substância ou elemento estar presente no alimento, não significa que ele esteja disponível para o organismo humano. É o que os cientistas chamam de biodisponsbilidade, ou seja, a condição de determinado nutriente ser integralmente aproveitável pelo organismo. Um nutriente pode estar indisponível por complexas ligações químicas, que resistem à digestão. Existem alimentos com alto teor de ferro ou de cálcio, em que somente 5% do total é biodisponível, após a digestão, podendo causar sintomas de deficiência.

Melhorando os alimentes

Através da biotecnologia é possível produzir determinadas substâncias em plantas que não eram consideradas fontes deste nutriente. Também pode-se aumentar o teor das fontes tradicionais ou incrementar a biodisponibilidade. Nesse caso, a planta será melhorada para apresentar o mineral em forma diretamente disponível, ou com a incorporação de uma enzima que, durante o processo digestivo, libere o nutriente para uso do metabolismo humano.   Mas a nutrição do futuro incorpora integralmente o conceito de alimentos funcionais, onde a biotecnologia poderá fazer toda a diferença. Pesquisas recentes mostraram que existe um grupo de substâncias, denominados fitoquímicos, que exercem importantes funções no organismo humano. Este grupo compreende flavonóides, flavonas, fito-esteróis, fenóis e polifenóis, fito-estrógenos, glucosinatos e derivados do ácido indólico, entre outros. Estas substâncias atuam de diversas formas, quando absorvidos pelo organismo humano, sendo a mais importante a redução da taxa de risco de doenças, distúrbios orgânicos e tumores malignos.

 

Incrementando os teores de nutrientes
            Por vezes, não imaginamos quão complexo é o labor de um cientista que se dedica a melhorar a composição química dos alimentos. A concentração de minerais em uma planta depende de eventos fisiológicos e metabólicos. O processo se inicia com a absorção do elemento presente no solo, prossegue com o transporte através do xilema, a adequação das rotas de transporte do floema, finalizando com sua alocação nos tecidos da planta. O tema realmente é complexo. O cientista precisa levar em conta que existe uma faixa ótima de concentração do mineral na planta. Abaixo desta faixa, há deficiência do mineral e, acima dela, pode ocorrer fitotoxidez.
  Quando um cientista persegue a meta de aumentar o teor de um mineral, em uma espécie vegetal, ele necessita entender todo este processo abstruso, que vai da absorção à biodisponibilidade do mineral. No caso, a variabilidade genética não se resume a uma característica da planta, para que o teor de determinado mineral possa ser incrementado. Algumas vezes é necessário interferir em diversos processos metabólicos e fisiológicos da planta, o que seria impossível sem o apoio da biotecnologia.

             

Ferro, um exemplo
            A anemia ferropriva é um dos maiores problemas de saúde pública, em escala global, o que levou os cientistas a dissecarem os mecanismos de absorção e uso do ferro, pelas plantas. Embora encontrado nos vegetais em teores inferiores a 200 mg/kg de matéria seca, o ferro participa de diversos processos de oxidação e de redução, sendo essencial para a síntese da clorofila. Como o ferro é altamente reativo, ele pode catalisar a formação de radicais livres, que são perniciosos às plantas (e aos animais também), danificando ácidos nucléicos, lipídios e proteínas. Para evitar estes efeitos não desejados, as plantas regulam o teor de ferro livre, mantendo grande parte do ferro seqüestrado em formas não reativas. Esta é a gênese da bioindisponibilidade do ferro na cadeia alimentar.
  O leitor já percebeu que o desafio dos cientistas é enorme, pois é necessário tornar o ferro biodisponível para a dieta humana, sem ocasionar toxidez na planta. Além disso, a planta não pode conter radicais livres, que causariam problemas à saúde dos consumidores. Esta é uma das razões pelas quais, antes do advento da biotecnologia, as pesquisas buscando melhorar a qualidade dos alimentos apresentavam resultados pouco animadores.

Vitaminas
            As vitaminas são sintetizadas para cumprir determinadas funções na planta. A planta sintetiza a quantidade de vitaminas que necessita para seus próprios processos metabólicos. Portanto, quando um cientista busca aumentar o teor de vitaminas nas plantas, também enfrenta uma complexa seqüência de processos que precisam ser adequados.
   Os tocoferóis (precursores da vitamina E) são substâncias solúveis em lipídios que atuam como anti-oxidantes e somente são sintetizados por vegetais, razão do interesse dos agrônomos em aumentar seu teor nas plantas. Os genes responsáveis pela síntese de tocoferóis, carotenóides, folatos, tiaminas, biotinas foram identificados e estão sendo introduzidos em alimentos que sejam mais acessíveis à população. Como os tocoferóis são lipossolúveis, aumentar o seu teor também permite regular a quantidade de lipídios ingerida pelo consumidor, sem prejudicar a absorção da vitamina E.

  Outros nutrientes
            Considerações semelhantes podem ser feitas em relação a outras substâncias de importância nutricional. Com ferramentas biotecnológicas é possível incrementar teores de ácidos graxos, aminoácidos essenciais ou de fitoesteróis, bem como eliminar princípios alergogênicos. Com a importância crescente que estes princípios nutracêuticos assumem, para que a nutrição seja cada vez mais um componente de uma vida saudável, aumenta o interesse da população pelos alimentos funcionais que os contém. Como tal, aumentará a demanda por alimentos modificados geneticamente, que possam aumentar a esperança de vida e a qualidade deste bônus de terceira idade.
 

 



 

Mecanismos do Mercado de Carbono

Décio Luiz Gazzoni

 

A adesão da Rússia ao Protocolo de Quioto (PQ) sinaliza que, em breve, o mercado de carbono evoluirá do "grey market" do momento para um complexo mercado formal, representando possibilidades crescentes de investimentos para países em desenvolvimento, como o Brasil. Atenta à oportunidade para o Brasil, a Embrapa definiu as ações de suporte ao mercado de carbono como uma das três principais prioridades para 2005. O ponto focal é a Embrapa Meio Ambiente (sac@cnpma.embrapa.br), que lidera os estudos na área.

 

MDL

O impulso virá do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do PQ. O Protocolo prevê, para os países desenvolvidos, signatários da Convenção Quadro ("Países do Anexo I"), metas para suas emissões de gases de efeito estufa (GEE), entre 2008 e 2012, que devem ser reduzidas, em média, 5,2% abaixo dos níveis de 1990. Pelo MDL, os Países do Anexo I podem investir em projetos de países em desenvolvimento ("Países Não-Anexo I"), que minimizem a emissão, não emitam ou que seqüestrem GEE. A redução de emissão de GEE destes projetos gera os créditos de carbono.

CER
Finalmente chegamos ao negócio "mercado de carbono". Os créditos de carbono poderão ser convertidos em Certificados de Emissões Reduzidas ("CERs"), comercializáveis, que poderão ser contabilizados nas metas de redução dos Países do Anexo I. Os principais projetos elegíveis para CERs são os que tratam do aumento da eficiência energética, uso de combustíveis renováveis, adoção de melhores tecnologias e sistemas para o setor de transportes e para o processo produtivo de modo geral, resgate de emissões através de sumidouros e da estocagem dos gases de efeito estufa retirados da atmosfera, além de atividades como o reflorestamento.
  Projeto
A estrutura de um projeto de MDL requer a negociação de vários contratos complexos, dependendo da linha de ação adotada dentro do MDL. Na medida em que várias questões de interesse das partes ainda não estão definidas em regulamentação específica, a estruturação dos projetos envolverá uma grande flexibilidade contratual. São projetos de longo prazo e o MDL ainda não conta com um regulamento definitivo de elegibilidade e de cálculos de redução de GEE. Portanto, estas questões devem ser analisadas no início da estruturação do projeto e requerem assessoria especializada devido à complexidade das políticas internacional e nacional que lidam com as questões relativas à mudança do clima. Caso os critérios de elegibilidade não sejam atendidos, as reduções de emissão correrão o risco de não serem reconhecidas e, portanto, perderem o valor de mercado. Quem desejar operar nesse mercado deverá procurar uma empresa especializada na negociação dos contratos.

 

Mercado

Apesar da indefinição de regras, já existem negócios sendo realizados no âmbito deste mercado, especialmente em função do desconto que pode ser obtido no preço atribuído à tonelada de carbono, visando portfólios para negócios futuros. O Banco Mundial criou o Prototype Carbon Fund, cujo objetivo é fomentar projetos de MDL nos países em desenvolvimento, canalizando recursos públicos e privados dos países industrializados. O Banco Mundial dispõe de uma linha de crédito de US$ 2 bilhões (Global Environment Facility), para financiamento de projetos no âmbito do PQ, assunto também em estudo no BNDES. A estruturação de negócios no Brasil com fundos de private equity requer a análise de um planejamento societário, na medida em que o fundo torna-se sócio dos projetos que busca financiar. As instituições financeiras privadas nacionais também poderão participar como financiadores de projetos de MDL, seja por empréstimos diretos, por operações estruturadas de corporate finance, ou por fundos de investimentos abertos ao público em geral. Está aí um exemplo didático de como o sistema capitalista transforma uma bandeira ambiental em um negócio rentável.



O agronegócio brasileiro visto da Europa
Décio Luiz Gazzoni

 

Ao invés de escrever o artigo usual, considerei mais proveitoso repassar excertos de uma reportagem publicada pelo Financial Times de Londres (20/6/2005), com uma análise da potencialidade do agronegócio brasileiro, seus problemas e as queixas dos concorrentes. A situação atual reflete a guinada política, decidida em 1994, quando da criação da OMC e do novo ambiente de comércio internacional. Agora estamos colhendo os frutos do que plantamos – divisas e concorrentes irados!

 

Os fazendeiros brasileiros, apoiados por uma combativa campanha diplomática e legal feita por lideranças políticas e empresariais, estão virando de cabeça para baixo o mundo agrícola. Nesta semana, a União Européia (UE) propôs cortes profundos no preço de garantia do açúcar. Até a próxima semana, os EUA deverão anunciar a redução do apoio aos cotonicultores. Tais medidas se devem a ações tomadas pelo Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC).   Embora os produtos agrícolas representem só 10% do comércio mundial,o grande número de produtores rurais; uma OMC composta cada vez mais por países em desenvolvimento; e a questão altamente polêmica dos subsídios agrícolas das nações ricas, fazem do Brasil uma nação-chave para o futuro do comércio global. O Brasil está para a agricultura assim como a Índia está para o comércio exterior e a China para o setor de manufaturados: é uma potência agrícola, cujo tamanho e eficiência poucos competidores são capazes de se igualar.   Apesar de enfrentar uma das mais altas tarifas agrícolas do Ocidente - uma média de 30% é cobrada pelas nações que importam os produtos brasileiros - o país é o maior ou segundo maior produtor de açúcar, soja, suco de laranja, café, tabaco e carne bovina, e está ocupando, rapidamente, posições fortes na produção de algodão, frango e carne suína. Além disso, o Brasil conta com o maior superávit comercial agrícola do mundo --US$ 34 bilhões, ou 5% do produto interno bruto do ano passado, uma cifra que é a principal responsável por fazer com que o país tenha apresentado um saldo positivo na balança comercial. Para um país que luta para pagar a sua enorme dívida externa, as exportações agrícolas têm sido uma dádiva divina.

 

 Além dos seus 62 milhões de hectares de terras aráveis, o Brasil possui cerca de 170 milhões de hectares passíveis de serem aproveitados para atividades agrícolas --o que corresponde, aproximadamente, a toda a área agrícola dos Estados Unidos atualmente cultivada.

 

Viemos para vencer

A terra ao longo da costa brasileira vem sendo cultivada por gerações. Mas o futuro das fazendas brasileiras está no interior, em locais como o Mato Grosso. Até 30 anos, o cerrado despovoado se estendia da fronteira com a Bolívia, ao sul, até a Floresta Amazônica, ao norte. Agora, o Estado é um grande campo verde plantado com algodão e soja, além de bosques ocasionais de eucalipto utilizado para a produção de celulose. "O que está acontecendo aqui agora é o que aconteceu no meio-oeste norte-americano no século 19", afirma Chris Ward, um neozelandês que desenvolve atividades agrícolas no Mato-Grosso há 20 anos. "As pessoas não vêm para cá para ficarem paradas, mas para vencer".

 

Grande parte do solo brasileiro é bastante pobre em nutrientes, necessitando de intensa fertilização: segundo um ditado local a sua única função é dar suporte às plantas, mantendo-as de pé. Mas o país possui um clima quase perfeito, especialmente na área central --meses de chuva torrencial no verão, seguidos por invernos secos e quentes. Além disso, o Brasil conta com um grande sistema hidrográfico, terras cujos preços são baixos e uma grande reserva de mão-de-obra barata devido às desigualdades salariais e de distribuição das terras entre a sua população de 180 milhões de habitantes. Essas vantagens tradicionais se combinaram aos investimentos crescentes e ao apoio do governo à tecnologia nos últimos anos, para possibilitar o surgimento de fazendas de uma eficiência impressionante.   No setor açucareiro, por exemplo, estimativas do instituto nacional da cana-de-açúcar sugerem que, embora os custos de produção para os seus principais rivais tenham se mantido em torno de US$ 250 por tonelada, durante os últimos dez anos, os custos médios no Brasil são de US$ 158 a tonelada. O país dobrou a sua participação nas exportações mundiais de açúcar, que chegaram a mais de um terço do total na última década. Com o crescimento do interesse no álcool (etanol) como biocombustível limpo para motores, estima-se que a produção deste produto deva aumentar mais 25% nos próximos cinco anos.   A produção de soja, o maior produto de exportação brasileiro e importante matéria-prima para a alimentação de porcos e frangos, aumentou ainda mais rapidamente em meio a uma rápida globalização do mercado desse grão. A recente legalização da soja geneticamente modificada no Brasil deve se traduzir em maiores lucros.

 

 Dificuldades dos produtores

Os trunfos do Brasil não significam que tudo esteja correndo a favor dos produtores rurais. Eles enfrentam altas taxas de juros, uma moeda cujo valor aumenta e, para muitos, jornadas tortuosas ao longo de milhares de quilômetros de estradas arruinadas para fazer com que os seus produtos cheguem aos portos na costa.As despesas extras de fretes e financiamento custam entre US$0,20 e US$0,33 por quilo de algodão no mercado externo, fazendo com que o custo de produção se aproxime perigosamente das receitas.   Se o governo brasileiro conseguir reduzir as taxas de juros por meio da austeridade fiscal, e obtiver dinheiro suficiente para reformar a infra-estrutura de transporte, os produtores rurais do país poderão se tornar ainda mais competitivos no mercado internacional. Por maior que seja a produtividade, nenhum país se tornará rico cultivando e exportando apenas produtos básicos -- especialmente ao se levar em conta que os preços tendem a cair no longo prazo. Mesmo o impressionante aumento de produtividade do Mato Grosso fez com que o Estado contribuísse com apenas um pouco mais de 1% para o produto interno bruto do país.   Mas o Brasil está começando a acrescentar valor agregado aos seus produtos. Na Europa, destino de um terço das exportações brasileiras de frango, muitas companhias alimentícias se baseiam e investem na produção brasileira. Cada vez mais o valor agregado à cadeia produtiva vai para o Brasil, devido à ajuda de uma estrutura tarifária incomum da UE que impôs taxas de 75% sobre o frango cru, mas de apenas 10% sobre o frango cozido ou processado. O tikka masala de frango, que é vendido nos supermercados do Reino Unido, muitas vezes contém temperos acrescentados no Brasil, antes que o produto seja congelado e exportado.

 

Competição desleal

As exportações tradicionais do Brasil e a sua nova produção com valor agregado estão gerando tensões em todo o mundo. Assim como aconteceu com os manufaturados chineses e especialmente com os têxteis, o rápido crescimento de um concorrente que produz a baixos custos gera reclamações de outros países, que afirmam que a concorrência é injusta.   Em um estudo sobre a política comercial do Brasil, publicado no ano passado, a OMC conclui que apoio do governo à agricultura é modesto. Mas essa não é a visão dos aflitos concorrentes, especialmente os países ricos. Luther Markwart, presidente da Aliança Americana do Açúcar, diz que, ao contrário da avaliação da OMC, o sucesso do Brasil se fundamenta na competição desleal. "O Brasil faz uso de subsídios, de um programa estatal de álcool e de padrões trabalhistas e ambientais extremamente precários para se tornar o maior produtor mundial de açúcar", afirma.

 

 Markwart estima que os subsídios governamentais brasileiros ao álcool --todos os carros no Brasil são movidos a álcool ou a uma mistura de álcool e gasolina-- equivalem a cerca de US$ 1 bilhão por ano. Na Europa, os produtores têm reclamações semelhantes. Peter Bradnock, diretor-executivo Conselho Britânico de Produtos Avícolas, diz que os baixos padrões trabalhistas e ambientais brasileiros contribuem para que o frango produzido no Brasil custe a metade do frango europeu.   "Sob o aspecto tecnológico, somos capazes de criar frangos tão bem quanto eles", afirma. "Mas eles arcam com custos menores, e parte disse reflete os padrões reguladores segundo os quais nós operamos". Bradnock diz que autoridades reguladoras em países como Brasil e Tailândia possuem uma "vocação exportadora": eles farão tudo o que puderem, afirma, para garantirem que as regulamentações não atrapalhem as exportações. Mas Bradnock admite que é praticamente impossível argumentar que tais vantagens violam as regras da OMC.   Enquanto isso, no Brasil não se dá importância às reclamações quanto à suposta concorrência desleal, devido ao forte consenso político em favor da expansão do setor agropecuário, que conta com o apoio irrestrito dos governantes. E o Brasil vai se tornando o líder do agronegócio mundial.




 

Bálsamo de jaca
Décio Luiz Gazzoni

Aos poucos a ciência resgata e comprova conhecimentos centenários, que compõem a cultura popular e a farmacopéia dos pajés. Recentemente, um cientista brasileiro isolou uma substância com propriedades anti-ofídicas, centenas de vezes mais potente que os soros convencionais. A substância foi extraída de uma das conhecidas "garrafadas" vendidas em feiras populares, indicada para picada de cobra.

A pesquisa
A equipe liderada pela Dra. Maria Cristina Roque Barreira (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP), tem estudado o aproveitamento medicinal da jaca. Este time estuda um grupo de proteínas, as lectinas, e seu efeito sobre os mamíferos há mais de uma década. Uma destas pesquisas concluiu que uma proteína presente na semente da jaca, a lectina KM+, diminui o tempo de recuperação e evita a necrose de tecido em queimaduras de pele. A lectina KM+ provoca a concentração de células de defesa, quando em contato com algum ponto lesado do organismo. Um dos pesquisadores envolvidos no estudo entendeu que deveria ser dado um sentido prático às descobertas científicas. Com este foco, os pesquisadores passaram a estudar a hipótese de que a concentração de células de defesa em uma lesão, quando em contato com a lectina KM+, poderia evitar as infecções oportunistas, decorrentes de queimaduras.
  Cobaias
Estabelecida a hipótese, a mesma foi testada em ratos de laboratório. Os animais foram lesados com queimaduras e, sobre o local da ferida, foi aplicada uma pomada, preparada com as sementes de jaca, contendo a lectina KM+. Para gáudio dos cientistas, o tratamento foi tão eficiente, que ocasionava uma recuperação antes que houvesse uma infecção do tecido. Verificou-se que a pomada acelerava a regeneração do tecido queimado, evitando a necrose. Aprofundando as pesquisas, os cientistas descobriram que a lectina KM+ induz maior multiplicação celular, assim como aumenta a produção de colágeno e estimula a formação de novos vasos sanguíneos, permitindo a irrigação do local afetado pela lesão.

 

Bônus
A natureza mostrou ser, mais uma vez, a grande fonte de inspiração da Ciência. Os testes foram repetidos inúmeras vezes, variando a intensidade das queimaduras provocadas nos ratos, com diferentes extensões e profundidades de lesões. Ao final, a pomada de jaca, contendo a lectina KM+, foi 80% superior aos resultados obtidos na sua ausência. Os cientistas também foram agraciados com outra descoberta importante: ao contrário do processo natural de cicatrização, que recompõe a parte lesionada com células de tecido conjuntivo, a regeneração ocorre por multiplicação das células sadias do tecido remanescente no entorno das lesões.
  Larga escala
A primeira etapa da pesquisa está concluída, tendo sido comprovada a utilidade terapêutica de uma substância presente na semente da jaca. O próximo desafio é obter o produto em larga escala. A jaca não é uma fruta com cadeia produtiva organizada, que permita a garantia de oferta do produto ao longo do tempo. Para resolver o problema, os cientistas do laboratório de Biologia Molecular de Plantas da USP identificaram o gene da jaca responsável pela lecitina. Esta etapa já foi superada e o gene foi introduzido em uma bactéria, inócua aos seres vivos, e de reprodução fácil e barata em laboratório. Assim, a bactéria passa a ser uma usina viva para produção do medicamento. Os estudos com a bactéria transgênica, que virou uma biofábrica de remédio, já iniciaram. Os testes prosseguem, usando a substância agora obtida da bactéria, inicialmente em ratos. Posteriormente, serão utilizados voluntários humanos para comprovar o efeito medicamentoso observado nos ratos. Finalmente, se todas as pesquisas, inclusive de biossegurança, forem bem sucedidas, a tecnologia poderá ser adotada em larga escala, permitindo à sociedade auferir os benefícios de mais uma descoberta derivada da biotecnologia.



Os sinais do fim dos tempos
Décio Luiz Gazzoni

A polêmica sobre o fim do petróleo se resume em saber se durará menos ou mais que 50 anos. Os sinais estão evidentes: preço em alta e disputa aberta pelas últimas reservas, cujo ícone é a invasão do Iraque. Como crises coadjuvantes as ameaças ao Irã, o chavismo na Venezuela e a manipulação do nacionalismo para aparelhar o projeto de poder do cocaleiro Evo Morales, na Bolivia. Emoldurando o cenário apocalíptico, a emissão de gases de efeito estufa com a queima de combustíveis fósseis prenuncia uma crônica catástrofe climática, para os próximos anos.   Rumo ao fim
Há 150 anos, havia 1,3 trilhões de barris de petróleo no subsolo do planeta. Durante o século XX consumimos 50% das reservas. Logo, os outros 50% também durariam 100 anos? Ledo engano. O consumo anual, entre o início e o fim do século XX, aumentou centenas de vezes. E continua crescendo neste século, a taxas superiores à incorporação de novas reservas. No segundo choque de petróleo (1980), a cotação atingiu US$90/barril, ao valor do dólar de hoje. Portanto, os US$66,00 atuais sinalizam para o terceiro choque. Devemos fechar 2005 acima dos US$70,00 e analistas trabalham com cotação acima de US$110,00 a partir de 2012. Estrategistas propugnam uma hipertaxação do petróleo (US$180/barril), para compatibilizar oferta e procura. Será o fim?
  Nova era
A Ciência já nos livrou de catástrofes mais sérias, desde que antecipadas. Visualizemos que o sol é a fonte primária de quase toda a energia na Terra, exceção feita à energia nuclear e outras fontes menores. Petróleo, carvão e gás (80% da energia consumida no mundo) são restos orgânicos de priscas eras, fruto da fotossíntese, logo energia solar. O futuro que vislumbro contempla o aproveitamento direto ou indireto da energia solar, como células fotovoltaicas, aquecimento d’água ou energia eólica. Foi dada a largada e os cientistas dispõem de uns 50 anos para tornar essas fontes altamente eficientes, para que dominem a matriz energética da segunda metade desse século.

Transição
Todavia, é necessário chegar vivo e sem crises agudas, até a vigência do novo paradigma. Aí entra a agricultura de energia, atendendo à demanda de curto prazo. O álcool é a grande vedete da atualidade. O Brasil produzirá, em 2005, 16 bilhões de litros, próximo à capacidade instalada de 18 bilhões. Cerca de US$140 milhões estão sendo investidos, para aumentar a capacidade para 25 bilhões até 2010. Em 10 anos, deveremos ultrapassar 30 bilhões de litros que, emblematicamente, correspondem ao consumo anual de gasolina no Brasil. Destes, 15 bilhões serão exportados.

  Competitividade
Com a atual estrutura tributária o álcool equivale a US$35/barril, com o ICMS a 12%, como em São Paulo (nos EUA, o custo de produção, sem impostos, é de US$50/barril). Nosso custo de produção é fortemente competitivo, apenas a voracidade tributária dos governos pode atrapalhar. E tudo poderá ser ainda melhor, com a tecnologia em desenvolvimento pela Unicamp, que triplica a produtividade e reduz o custo de processamento. O segredo do processo é a extração do álcool à vácuo, antes de atingir 9% no caldo em fermentação. Acima dessa concentração ocorre a morte dos fermentos, reduzindo a produtividade. Com o método, é possível trabalhar com concentração de açúcar superior a 50%, muito acima dos 12% atuais.
  Biodiesel
Os biocombustíveis derivados de óleo vegetal tornam-se competitivos com o petróleo a US$60/barril, computada a estrutura tributária, sendo o custo de produção estimado em US$40/barril, pelo MME. Dependendo do interesse do Governo em, efetivamente, alavancar um programa consistente de bioenergia, instrumentos como política fiscal, política tributária, política agrícola e agrária e política de abastecimento devem ser acionadas, para conferir competitividade ao setor. Lembrando sempre que, além de solver um dilema energético, a produção de bioenergia implica em ganhos ambientais e sociais, em especial a geração de empregos e o aumento e melhor distribuição da renda.



Il n’y a plus de romantisme

Décio Luiz Gazzoni

 

Vinho é como arte: precisa enxergar através de. Degustar um vinho envolve um quê de misticismo, de subjetividade, de paixão, de fé, de amor. Se racionalizar, corre-se o mesmo risco da prostituição – o ato é igual, mas o sabor não é o mesmo! Portanto, como um dublê de cientista e apreciador de vinhos, entendo que há limites para a intervenção da ciência na enologia. Avançar sim, aprimorar sempre, porém sem perder a aura que cerca o néctar de Baco.   Enologix
A minha preocupação deriva do crescimento no mercado da empresa americana Enologix. Seu negócio é garantir a satisfação do vinicultor e do consumidor, a um custo mais baixo. E o que há de errado nisso? Nada, sob a lógica capitalista. Porém, arrisco dizer que se trata de um arremedo de prostituição, examinando sob o ângulo do misticismo que envolve a elaboração e a degustação de vinhos. A Enologix analisa a composição química dos vinhos mais consagrados do mundo, sejam eles franceses, italianos, argentinos, chilenos ou americanos. Valendo-se de uma escala (máximo de 100 pontos), desenvolvida por Robert Parker e James Laube, que classifica os vinhos de acordo com a sua qualidade, a empresa compara os vinhos em teste com os rótulos e safras que atingiram 100 pontos. Essa comparação é feita, exclusivamente, por análises químicas, constituindo um banco de dados poderoso, que é a base do seu negócio.

 

 

Qui s'inquiète de l'âme?
Talvez para Lula e Duda, que comemoraram após um debate eleitoral consumindo Romanée Conti de R$6.000,00 a garrafa, não faça muita diferença se ainda é o velho e bom Romanée Conti, ou um genérico saído da linha de produção automática - afinal, a análise química apresenta o mesmo resultado. Mais, et l´âme dans tout ça? (E a alma?). Para os compradores de suas informações, o proprietário da Enologix garante, com 95% de certeza, que o seu vinho vai reproduzir as características dos melhores terroirs. Afinal, o banco de dados da empresa ultrapassa 70.000 garrafas, cujas análises químicas orientam a produção de 15 casas vinícolas da Califórnia
  Et le romantism?
Será a era da arte commoditie? Se esse é mais um preço da globalização, está ficando muito caro. Quais dos meus prazeres será o próximo alvo? Talvez algoritmos matemáticos para gerar quadros de van Gogh ou composições de Beethoven? Reproduzir os termos mais usados por Sócrates e Descartes? Quiçá Jean Marie Voltaire? Para mim, arte e ciência possuem as mesmas limitações de imiscibilidade de religião e ciência.

 



Salinidade dos solos
Décio Luiz Gazzoni

Os solos podem ser salinos devido à formação geológica ou por manejo inadequado da irrigação. Quando uma planta sensível é cultivada em solos salinos, reduz-se, significativamente, a capacidade de absorção de água pelas raízes. A planta é submetida a um estresse osmótico, conduzindo à toxicidade iônica, que desnatura enzimas do citoplasma, vitais para a síntese de proteínas e para a fotossíntese. Já as halófitas são plantas adaptadas a solos salinos, que acumulam quantidades significativas de sais em seus tecidos, à exemplo de algumas palmáceas e da beterraba açucareira. A planta com essas características, que recebeu maior atenção dos cientistas brasileiros, é a forrageira erva-sal (Atriplex nummularia). Pode produzir até 26 t/ha de matéria fresca, sendo 80% aproveitado para alimentação animal. Do total de matéria verde, 1,2 ton/ha é composta de cinzas contendo os sais extraídos do solo.   Prospecção de genes
Um quarto das terras aráveis do mundo tem algum grau de salinidade. Na China, são 40 milhões de hectares salinos. Também ocorrem na África, Oceania e nas Américas. Plantas cultivadas tolerantes à salinidade através de transgênese, estão sendo desenvolvidas. Cientistas chineses isolaram de Erigeron acris os genes responsáveis pelos seqüestro de sal, introduzindo-os em A. thaliana, onde estão sendo estudados e avaliados, para posterior transferência para plantas de interesse comercial. Na primeira etapa do estudo foram investigados os mecanismos para conviver com a salinidade.

Desativando sais tóxicos
As plantas tolerantes acumulam o sódio nos vacúolos, enquanto o cloro é excluído nas células do sistema radicular. Algumas plantas direcionam os íons de sódio para glândulas localizadas nas folhas mais antigas, onde são imobilizados como cristais não tóxicos. A estratégia da planta, brilhantemente desenhada pelo Cientista Mor, é manter os sais tóxicos longe dos tecidos tenros do meristema e das folhas jovens, que estão iniciando o processo fotossintético.
  O futuro
Apesar do sucesso, os cientistas precisam resolver outros problemas, como o estresse oxidativo induzido pela seca ou pela salinidade. Estão sendo prospectados genes associados com a habilidade das células em administrar o estresse oxidativo, nas plantas de tomate e de arroz e os genes descobertos estão compondo uma biblioteca para uso futuro. Apenas em Arabidopsis, existem mais de 250.000 linhas transgênicas, onde estão sendo, garimpados genes para tolerância à salinidade. No entanto, é na biodiversidade que os geneticistas esperam encontrar um verdadeiro tesouro. Nas linhagens de trigo W4909 e W4910, desenvolvidas pelo USDA, os cientistas introduziram no trigo genes de um parente selvagem (wheatgrass), que sobrevive em ambientes salinos. Brevemente, essas novas linhas serão testadas no campo e de seu sucesso pode surgir um novo salto tecnológico na produção de trigo, beneficiando as populações pobres que habitam solos salinos, atualmente inaptos para a agricultura.



Genômica Nutricional
Décio Luiz Gazzoni

 

  A espécie humana (e seus ancestrais) co-evoluíram com as fontes alimentares, em especial os vegetais. A cada dia são efetuadas novas descobertas dos efeitos dos produtos fito-químicos sobre o organismo humano, associados com maior longevidade, menos distúrbios de saúde e menor propensão a doenças. Aceita-se, correntemente, que 17 minerais e 13 vitaminas são essenciais para uma vida saudável, ao lado de dezenas de substâncias pertencentes a diferentes grupos químicos. O desafio dos agrônomos é criar plantas que atendam as necessidades de nutrição e saúde da espécie humana.  

 

Mapeamento genético
O seqüenciamento de mapas genéticos é uma ferramenta potente para os melhoristas de plantas. Sob pressão social, os estudos estão migrando da produtividade e resistência a pragas para a qualidade dos produtos, plasmando um novo ramo da ciência, a "Genômica Nutricional", cujo objetivo é aumentar o teor ou introduzir nas plantas substâncias de importância para a nutrição e a saúde. O novo milênio nasce sob a égide da junção de três ramos da moderna ciência: a biotecnologia, a nanotecnologia e a informática, aplicáveis, transversalmente, sobre ramos tradicionais, como a biologia, a fisiologia, a bioquímica e a nutrição. Os cientistas descobriram que os caminhos bioquímicos são extremamente parecidos entre os organismos vivos, mesmo entre plantas e animais ou plantas e bactérias. Se os processos são similares e comandados por genes, é possível incrementar ou introduzir novos processos bioquímicos em outros organismos, a partir de "doadores". Na genômica nutricional, os cientistas escafruncham os bancos de genes, à cata de algum que seja importante do ponto de vista nutricional.
  Macro e micro nutrientes
Com ferramentas biotecnológicas modifica-se o teor de açúcar ou de óleo, introduz-se um novo aminoácido essencial ou muda-se o perfil de ácidos graxos. O mesmo se aplica, por exemplo, às vitaminas. Sabe-se que, destarte as plantas possuírem genes que codificam para todas as vitaminas (com exceção da B12), os alimentos não possuem teores suficientes para assegurar a necessidade diária. Porém, altos teores de vitaminas são encontrados em plantas não alimentares ou em bactérias e fermentos, cujos genes os cientistas transferem para arroz, milho, trigo, soja, batata. Assim, incrementam-se os teores de vitaminas, ou mesmo são sintetizadas em plantas cujo código genético original não contém esse gene. Os cientistas também estão buscando nos bancos os genes que codificam para carotenóides, flavonóides, tocoferóis, flavonas, isoflavonas e outras substâncias produzidas nas plantas e que são de interesse da nutrição e da saúde humana. Resultado: variedades melhoradas, contendo elevados teores de biotina, tiamina e vitamina E, sem falar do arroz dourado, rico em vitamina A e em ferro.

 

Futuro

Até recentemente, a melhoria substancial da qualidade nutricional seria ficção científica. Com as novas ferramentas, os limites estão sendo progressivamente rompidos. Será possível programar dietas lastreadas nos principais componentes alimentares (milho, arroz, feijão, trigo, soja, frutas e hortaliças), garantindo a oferta de macro e micro-nutrientes, incluindo o grupo dos fitoquímicos, cujo efeito no organismo humano era desconhecido até pouco tempo. Em conseqüência, as novas variedades terão um valor agregado, que permitirá um salto de patamar na rentabilidade do agricultor e na sustentabilidade do agronegócio.



Resistência a pragas
Décio Luiz Gazzoni

O desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas foi uma das primeiras aplicações práticas da biotecnologia, a ponto de cultivares Bt (que contém um gene da bactéria Bacillus thuringiensis) serem um ícone entre as cultivares transgênicas. Além controlar pragas com menor custo e reduzir o risco e a incerteza do agricultor, as cultivares resistentes reduzem os impactos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e o ambiente. Existem inúmeras cultivares transgênicas resistentes a pragas como vírus, bactérias, fungos, insetos e nematóides. Um dos primeiros sucessos comerciais foi o desenvolvimento de plantas de mamão resistentes ao mosaico, inicialmente cultivado no Havaí e hoje amplamente disseminado no mundo.  

Bactérias inseticidas
As bactérias do gênero Bacillus formam um esporo, com cristais protéicos (d-endotoxinas), as quais são codificadas por uma família de genes denominados cry. O B. thuringiensis é utilizado há 70 anos para o controle biológico de insetos. As proteínas (cristais) produzidas pelos genes cry possuem alta especificidade em relação às pragas, decorrentes de uma co-evolução de proteínas receptoras de superfície no intestino médio (mesentério) dos insetos suscetíveis. As d-endotoxinas ligam-se aos receptores protéicos, modificando sua conformação e causando vazamento de íons e dano osmótico às células, desintegrando o mesentério e causando a morte do inseto. Como esses receptores não estão presentes em outras espécies animais, a bactéria é inócua a inimigos naturais, ao homem e a outros insetos. Já foram identificadas inúmeras d-endotoxinas, produzidas por diferentes cepas de Bt. Para cada toxina, foram efetuados testes para avaliar o seu espectro de ação. Hoje há disponibilidade de toxinas de Bt para controle de diversos insetos, porém preservando sua seletividade para organismos benéficos e animais superiores.

Controle biológico transgênico
Os níveis e localização da expressão dos genes Bt na planta a podem ser regulados. Ao "desenhar" a planta, o pesquisador define se permitirá a presença da toxina em toda a planta ou somente em algumas partes, em que teores e em que épocas de seu ciclo. Os promotores permitem que os genes atuem somente nas partes da planta que o inseto ataca. Assim, para insetos desfolhadores, o gene é expresso nas folhas. Para brocas de caule, a expressão é no caule. A vantagem dessa técnica é que a toxina não é expressa em partes da planta que serão destinadas ao consumo humano ou de animais. No caso do milho, a toxina não é expressa no grão, o que é altamente desejável por questões de biossegurança e de tranqüilidade do consumidor.
  Menos agrotóxicos
Pesquisadores do USDA desenvolveram uma cultivar transgênica para resistir aos vermes da raiz (corn rootworm), que são larvas de insetos do gênero Diabrotica. Sabe-se que, individualmente, as larvas de Diabrotica spp., que atacam raízes do milho, demandam o maior volume de agrotóxicos para controle de insetos nos EUA, sendo também responsáveis pelo maior dispêndio financeiro dos agricultores com agrotóxicos. Surge, agora, a oportunidade para o agricultor americano livrar-se de dezenas de milhões de litros de agrotóxicos e poupar centenas de milhões de dólares com a dispensa de seu uso. Conforme seu uso se estender para outros cultivos e outros países, será cada vez menor a dependência do agricultor em relação aos agrotóxicos.



Haja paciência!
Décio Luiz Gazzoni

Participar de negociações de comércio internacional exige aquela paciência superior que sequer Jó dispunha. De 13 a 18 de dezembro ocorre a 6ª. Conferencia Ministerial da OMC, em Hong Kong. Antes disso, a diplomacia se esmera em terçar armas, buscando alinhavar propostas que possam ser aprovadas na reunião. Como sempre, o calo aperta mesmo é na questão agrícola. Por isso, diplomatas dos países interessados discutem, em Paris, numa seqüência de reuniões preparatórias, formulas para evitar que a reunião Ministerial desemboque em mais um fiasco.

Batalhas comerciais
O Brasil vem recolhendo vitórias nos foros internacionais, contra a hipocrisia primeiro-mundista de achacar países pobres, tolhendo seus mercados. Os episódios mais recentes foram as vitórias contra os subsídios do algodão (EUA) e do açúcar (UE). Entretanto uma coisa é vencer a primeira batalha e outra, totalmente diferente, é vencer a guerra. Não adianta uma decisão do foro da OMC condenando EUA ou UE se isso não se refletir em melhora das nossas exportações e maior mercado para o produtor brasileiro.
  União Européia
Todos sabemos que país rico só aceita liberar produtos em que são monopolistas ou altamente competitivos, sobretaxando os demais, em especial os produtos agrícolas. Por exemplo, nas negociações que estão em andamento, no momento, a UE só aceita reduzir suas tarifas agrícolas em 36 %. Mesmo assim impõe a manutenção de barreiras elevadas para 238 produtos, considerados por eles como "sensíveis". Isto inclui carnes, fumo, produtos lácteos e açúcar. Enquanto a UE aceita o teto de 100% para tarifas agrícolas de países desenvolvidos e 150% para os emergentes, o Japão recusa-se a discutir a proposta – por sinal apresentada pelo Brasil, através do G-20.
 

Estados Unidos
Os EUA, junto com a UE e o Japão constituem a tríade iconoclástica do protecionismo agrícola mundial. No momento, os EUA defendem uma proposta um pouco melhorada em relação aos europeus, com cortes nas alíquotas que podem chegar até 90%, embora o corte médio gire em torno de 45%, com tarifa máxima (independente do país) de 100%. Entretanto, quando se trata de discutir os subsídios internos para a produção agrícola, os negociadores americanos tornam-se seletivamente surdo-mudos!

 

Prós e contras
Na realidade, existem dissensões dentro dos blocos. Na Europa, o Reino Unido sempre foi mais liberal em termos de comércio internacional que os demais parceiros, enquanto a França é tida como o protótipo do protecionismo, aliada à Espanha. A expansão da União Européia para 25 países incorporou interessados em partilhar o portentoso orçamento da UE, em grande parte aplicado em subsídios agrícolas. Chipre – quem diria! é um dos países que estão vociferando contra os acenos liberalizantes.
  Emergentes
Do outro lado da mesa, os principais atores são a Índia e o Brasil, representando os interesses do G-20, que possui uma proposta elaborada. Se aceita na mesa de negociações, significaria um conjunto de cinco faixas de redução de tarifas, sem definir a taxa de redução em cada uma das bandas. Mesmo entre esses dois países existem diferenças de visão. Enquanto a Índia insiste em tarifas consolidadas acima de 100% (porque essas são as alíquotas operadas, atualmente, pela Índia), o setor privado brasileiro é mais ambicioso e pugna por uma redução mínima de 65%.
  Comércio e pobreza
A frieza dos números não permite vislumbrar todo o cenário que existe nos bastidores dessa discussão. Trata-se de uma peleja em que os países ricos tentam insistir nas barreiras e nos subsídios aos produtos agrícolas, por eles produzidos. Ocorre que, para países ricos, o agronegócio é marginal na economia. Enquanto isso, nos países emergentes, o agronegócio é a grande locomotiva da economia. É no agronegócio que estão as oportunidades de renda e os empregos. A insistência dos países ricos em manter altas as barreiras tarifárias e os subsídios tem, como conseqüência, a manutenção de um mundo segregado, com pouca mobilidade, perenizando a injustiça social.

 


 

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