Organismos geneticamente modificados: o verso e o reverso.

Décio Luiz Gazzoni

A sensação de quem examina os agronegócios a partir do ponto de vista da biotecnologia é a de estar no olho do furacão: tudo parece calmo onde se pisa, mas há sempre o temor que basta um passo em falso e o mundo desabará. Nos momentos de revolução da humanidade, seja ela artística, cultural, científica, tecnológica, ou de domínio e poder, o sentimento de insegurança e as opiniões polêmicas e frontalmente antagônicas sempre constituíram o cardápio principal.   A visão do cientista
Por formação e vocação, o cientista quer desvendar o desconhecido. Não seria cientista se assim não agisse, transitando na fronteira da ciência. É um progressista por natureza, porém examinando com atenção as repercussões e os efeitos não desejados de um novo produto ou processo. A formação do conhecimento científico pressupõe justamente a agregação constante de novas informações que permitem um avanço na direção de um objetivo pré-determinado. Da informação gera uma aplicação em benefício da sociedade. É a motivação progressista que o leva a transformar o mundo pela via do avanço tecnológico. Produzir OGMs para o benefício da sociedade é uma das missões do cientista.
  A visão do empresário
Por formação e por vocação, o empresário busca as melhores oportunidades para a aplicação do seu capital, seja ele financeiro ou intelectual. A biotecnologia representa para o empresário um diferencial competitivo para melhor inserção no mercado, seja através de um microorganismo com melhor capacidade de fermentação, ou uma variedade mais produtiva. A utilização de variedades resistentes a herbicidas representa justamente uma destas oportunidades de produzir a mais baixo custo. É da índole do empresário não deixar escapar uma oportunidade de posicionar-se em melhores condições no mercado.

 

A visão do governo
O governo tem o papel mais complexo neste processo, porque é uma de suas atribuições promover o avanço do conhecimento e a melhoria da condição tecnológica. Além disso, atua como parceiro do setor produtivo, busca o progresso, a melhoria da renda e da condição social do povo. Porém também é seu dever regular os atos sociais, como forma de garantia da sociedade. No caso específico da biotecnologia, uma das funções do governo é a constante preocupação com a saúde pública e o bem estar social, sem que essas ações signifiquem uma trava ao desenvolvimento científico e tecnológico, ou ao avanço dos agronegócios.
  A visão do órgão de sanidade agropecuária
Agente do governo responsável por resguardar a saúde pública em função de produtos e processos utilizados na exploração agropecuária, os órgãos de defesa sanitária devem revestir-se de um caráter conservador e uma postura crítica em relação a efeitos colaterais e indesejados desses produtos e processos. Por esta razão, esses órgãos costumam dispor de uma legislação altamente restritiva em relação aos produtos potencialmente perigosos à saúde humana ou ao meio ambiente. No caso de OGMs, a sociedade espera que os órgãos de sanidade agropecuária atuem como guardiões da saúde pública.

Regulação de OGMs no Paraná
Ao criar a Comissão Estadual Técnica de Biossegurança - CTEBio, com representantes de instituições públicas e privadas das áreas de agricultura, saúde, meio ambiente, ensino, pesquisa, assistência técnica e organizações não governamentais, o Secretário da Agricultura do Paraná criou um foro democrático para regular o tema. Foi além, ao levar em consideração o Regulamento 1813/97 da União Européia, que obriga a explicitar no rótulo dos produtos alimentícios, se forem fabricados a partir de soja ou milho geneticamente modificados. As exportações brasileiras para a União Européia perfazem 68% do total das exportações de soja (US$ 676 milhões/ano); 75% do total de farelo de soja (US$ 484 milhões/ano) e 60% das exportações agrícolas (US$ 21 bilhões/ano). Não podemos expor esse mercado, por eventuais e futuras restrições impostas pelos países importadores de grãos, seus produtos, sub-produtos, enzimas e produtos de origem animal, cujos animais tenham sido tratados com os referidos grãos (oriundos de OGM).
  Ao futuro, com segurança
As visões do processo e do rumo que o mesmo tomará dependem do papel que o ator desempenha na comunidade. No caso da revolução provocada pela biotecnologia, não haveria de ser diferente. O processo em si significa um "break through" científico comparável aos mais importantes já registrados na História da Humanidade. A humilde opinião desse escriba é a de que o mundo nunca mais será o mesmo, após o surgimento da biotecnologia, que será a mola propulsora do progresso nas ciências biológicas, e nas tecnologias que dela dependem. É louvável a posição serena dos técnicos da SEAB ao acompanhar de forma fundamentada os estudos científicos e a produção agropecuária no âmbito do estado do Paraná, buscando proteger a saúde pública e os agronegócios, ao tempo em que incentivam os estudos sobre avanços biotecnológicos e os eventuais efeitos colaterais que seus produtos ou processos possam causar.

Senhor Governador, a agropecuária agradece

Décio Luiz Gazzoni

No dia 2 de julho passado, nesta mesma coluna, efetuamos um pedido patético ao Governador Jaime Lerner, para que adequasse o quadro de profissionais do Departamento de Fiscalização da Secretaria de Agricultura. No dia 29 de julho, através do Decreto 4640, o governador do Paraná nomeou 100 médicos veterinários e 40 engenheiros agrônomos, aprovados em concurso público. Qual é a importância deste fato? Porque as lideranças agropecuárias do Paraná tanto insistiram com o Governador do estado para a designação de fiscais, que irão justamente fiscalizar a produção e a agro-indústria?

Novas regras comerciais
Vamos relembrar: A assinatura do acordo de Marraqueche, o qual criou a Organização Mundial do Comércio, significa um divisor de águas no comércio internacional. Muitas coisas mudaram a partir da criação da OMC, pelo compromisso dos países signatários em tomar atitudes positivas para incrementar o comércio internacional de produtos. A redução das tarifas de importação, que tanto incomoda o produtor rural brasileiro é uma delas. A eliminação de barreiras burocráticas, de cotas de importação, licenças prévias de importação, barreiras técnicas - que se limitavam a representar travas ao comércio, e eram fórmulas que os governos encontravam para reduzir o volume de importações, eliminação de subsídios à produção, permissão para efetuar inspeções prévias ao embarque dos produtos. O governo brasileiro negociou muito mal o ingresso do Brasil na OMC, por falta de experiência, por não acreditar que o acordo "seria para valer", pela ausência da iniciativa privada nas negociações, etc. Mas, o fato é que o Brasil agora necessita cumprir o que assinou.

  Sobrou uma grande restrição
Todos os países concordaram que a conformidade aos padrões de sanidade agropecuária era uma condição inegociável. Tanto que, em círculos leigos, tem sido afirmado que a sanidade agropecuária é a barreira que restou no comércio internacional. O que não é uma verdade absoluta, porque não se pode utilizar a sanidade como barreira. Não se pode impor condições sanitárias para importação de forma arbitrária e unilateral. O que os países avençaram é a possibilidade de emissão de regras que sirvam para proteger o consumidor, ou o espaço de produção agropecuária, devendo ser fundamentada cientificamente, e resistir à argumentação também científica dos parceiros comerciais que se sentirem prejudicados pela nova regra. Soberania condicionada é a denominação deste processo: os países associados da OMC são obrigados a emitir sua legislação sanitária conforme padrões internacionais. Aí está a razão pela qual os sistemas de sanidade agropecuária necessitam das melhores condições operacionais e técnicas para desempenhar suas funções, em especial técnicos em número suficiente, e altamente preparados!

A parceria para aumentar a competitividade
O discurso de proteção ao mercado interno está fadado a desaparecer. Os governos perderam a prerrogativa de criar novos mecanismos protecionistas, e devem, gradualmente, abolir os que já existem. No grande mercado globalizado competitividade é fundamental para disputar não apenas o comércio exterior, mas o próprio mercado interno. Neste mercado altamente competitivo ou se adequa e cresce, ou desaparece. Nesta adequação o que se necessita é um sistema de defesa agropecuária moderno, que atenda integralmente os compromissos internacionais, e que tenha condições de cumprir o que a sociedade exige: proteger a saúde do cidadão e o estado sanitário da agropecuária paranaense.
  As conseqüências de um quadro de pessoal adequado
O ato do governador representa um passo essencial para inserir o Paraná com muita força no mercado globalizado. Significa qualificar-se para disputar a parte nobre do comércio de produtos agropecuários, aquela que é exigente na conformidade dos produtos, mas que compra sempre, paga bem e em dia. Dispondo de pessoal quantitativamente adequado, o próximo desafio é a qualificação de todo o quadro funcional do Departamento de Fiscalização. Também é premente a associação e a parceria entre o governo e a iniciativa privada. A iniciativa privada, primeira beneficiária deste processo, está consciente desde o primeiro instante desta necessidade. Esta é a razão pela qual as lideranças privadas pediram ao governo mais fiscais. E agora vão lutar para que eles disponham da melhor qualificação possível. Porque a sanidade agropecuária do Paraná pode ser a diferença entre crescer ou desaparecer, no mercado globalizado.

No que vamos melhorar?
Vamos começar pela vergonha das vergonhas: o Paraná ainda não é, oficialmente, área livre de febre aftosa, apesar de completar 40 meses sem registro de foco. A União Européia e outros países de Primeiro Mundo somente aceitam importar carne de países oficialmente livres de febre aftosa. Área livre de febre aftosa significa ter abertas as portas do mercado mais rico do planeta, grande consumidor de carne, fiel a seus fornecedores, que paga o preço teto do mercado internacional, e que dispõe de recursos para pronto pagamento. Agora, com a contratação dos técnicos, desapareceu uma das maiores restrições da Organização Internacional de Epizootias para reconhecer o Paraná como área livre. Mas melhoraremos não apenas na erradicação da febre aftosa, porém de todas as outras enfermidades restritivas ao comércio, no trabalho de prevenção ao ingresso de novos problemas sanitários, na educação em saúde, no treinamento de pessoal, na inteligência quarentenária, na certificação de origem e de processos, etc.
  Senhor Governador, muito obrigado!
A sensibilidade do Governador do estado, ao entender as razões das lideranças agropecuárias, carimbou o passaporte do estado para o futuro, cumpriu seu dever de estadista e demonstrou novamente sua vocação desenvolvimentista. Cabe agora ao Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária, o foro criado para materializar a parceria governo e iniciativa privada, dar continuidade ao esforço de inserir o Paraná no ambiente altamente competitivo do mercado globalizado.

Parcerias agropecuárias

Décio Luiz Gazzoni

Financiamento da atividade agropecuária sem o custo escandaloso dos juros bancários? Sem precisar entregar as sobras de uma safra frustrada para o banco? Este é o sonho que qualquer produtor agropecuário. E este é o sentido da parceria agrícola: somam-se os fatores de produção, dividem-se os lucros (ou os prejuízos). Na busca de preços mais competitivos, a redução de custos passa a ser uma exigência sine qua non, e eliminar o peso dos juros bancários pode ser um passo muito importante.

A busca do investidor urbano
Diversas empresas tem investido em publicidade na parceria agrícola, na criação de gado, aves ou suínos. No entanto, há um espinho que perturba todo o potencial investidor: como colocar seu recurso em uma atividade não regulamentada, não fiscalizada? Muitos investidores urbanos sacrificaram o quesito segurança em função da elevada rentabilidade oferecida pela Gallus Agropecuária, em um negócio é respaldado unicamente por um contrato de adesão entre as partes, com rentabilidade pré-fixada. A relação era pura e simplesmente de confiança. Em cima de uma boa idéia, o sócio proprietário da Gallus perpetrou uma das maiores picaretagens recentes do mercado, arriscando queimar em definitivo o que poderia ser uma ótima idéia para alavancar um novo ciclo de progresso na agricultura.
  A preocupação do governo
Às voltas com escândalos financeiros como quebras de bancos, e empresas imobiliárias, como o caso da Encol, o governo tenta evitar que esta venha ser uma trilha explorada por aventureiros sem lastro, ou que não apliquem os recursos na atividade pactuada, criando as famosas pirâmides que necessitam cada vez mais de novos ingressos para honrar os compromissos antigos. Que foi exatamente o estratagema utilizado pela Gallus para enganar investidores incautos. O próprio sucesso futuro do negócio - caso o mercado recupere a credibilidade após a falcatrua da Gallus - pode atrair mais ovelhas negras que poderiam desvirtuar uma boa idéia.
  Como fica a regulamentação
Fontes do governo dão conta que, pela proposta em gestação no Ministério da Fazenda, o Ministério da Justiça, que nada entende de investimento ou de agropecuária sai de cena, passando a fiscalização das empresas para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado de capitais. A medida provisória altera o conceito de valor mobiliário, cabendo, então à CVM regulamentar este mercado, que passa a ser um competidor das outras formas de aplicação da poupança do investidor médio urbano, como caderneta de poupança, fundos de renda fixa ou de ações. Tratar-se-ia tipicamente de um investimento de renda variável, com os conhecidos riscos da atividade agropecuária.

As adaptações das empresas
As idéias que circulam na CVM incluem a obrigatoriedade de abertura do capital das empresas de parceria agropecuária, submetendo-as à Lei das Sociedades Anônimas, o que inclui a publicação de balanços e demonstrativos, auditados por empresas independentes, conferindo transparência ao negócio. Além disto, haverá necessidade de outras adaptações para equiparar-se às formas tradicionais de investimento.
  Os índices de rentabilidade
Índices atraentes de rentabilidade tem causado espécie a produtores agropecuários tradicionais, que acreditam não serem capazes de atingir os mesmos índices. Em se tratando de renda variável, não há como pré-fixar a rentabilidade. A CVM vai exigir a apresentação de estudos realizados por terceiros, que fundamentem os índices de rentabilidade oferecidos. E a propaganda terá que ater-se aos princípios éticos de cumprimento das promessas contidas na publicidade. O abalo devido ao escândalo do boi-papel, em que a Gallus Agropecuária entrou no mercado captando ponderáveis recursos de investidores, sem condições de honrá-los no momento do resgate, é a comprovação de que não há possibilidade de pré-fixação da rentabilidade. É uma lástima que pessoas desqualificadas e movidas por má-fé possam solapar uma idéia que possui um grande potencial de alavancamento de negócios agrícolas.
  Fé no futuro
É importante que sejam resolvidas rapidamente as questões pendentes, bem como a CVM possa atuar rapidamente na regulamentação do mercado, não apenas efetuando os ajustes nos atuais operadores, mas agindo preventivamente e evitando o ingresso de aventureiros e pessoas ou organizações de má fé, que possam distorcer uma ótima idéia. A parceria agrícola pode ser a alavanca propulsora de um incremento na produção agropecuária do Brasil, carreando uma parcela expressiva do investimento da classe média urbana para aplicação na agropecuária. Além do que, passaria a comprometer o investidor urbano com a necessidade de instrumentos para garantir o sucesso do negócio agrícola, criando uma saudável aliança entre as lideranças do setor agropecuário e o restante da sociedade.

 Boa terra, bons negócios

Décio Luiz Gazzoni

Diz o velho ditado que cavalo encilhado não passa duas vezes. A oportunidade de um bom negócio também. Pelas iniciativas que está tomando o governo da Bahia, se você está procurando uma boa oportunidade de negócio na agricultura, talvez seja o momento de visitar Juazeiro, no médio São Francisco. Eu, pessoalmente, já estive lá uma dúzia de vezes, e não me canso de voltar: me lembra muito a Califórnia, Canaã ou a Mesopotâmia. A semelhança está no fato de que, em pleno deserto, é possível fazer correr rios de leite e mel, como prega a Bíblia. Não exatamente leite e mel, mas água de irrigação que faz brotar tomate e aspargo, uva e melão, frutas e hortaliças, enchendo as burras de produtores e agro-industriais.   Um laboratório no sertão
Juazeiro faz parte dos projetos pioneiros de irrigação no sertão, uma demonstração da potencialidade do sertão nordestino. Eliminada a restrição da falta de água, a produtividade das culturas nos perímetros irrigados explodiu, com o bônus adicional da possibilidade de três ou quatro cultivos por ano, mediados pelo controle do fornecimento de água. A necessidade de precisão levou ao desenvolvimento de fórmulas de fornecimento de insumos, entre eles fertilizantes e agrotóxicos, através da água de irrigação. Na esteira da produção, o empresariado desembarcou na região para a montagem de um polo de agroindústrias de transformação, que incorpora valor aos produtos agrícolas, carreando recursos para o re-investimento regional. Para comprovar esta afirmativa, é só recuperar a reportagem recente da revista Exame, que pesquisou as cidades brasileiras com as melhores oportunidades de negócios: Juazeiro é o melhor polo da Bahia, o terceiro do Nordeste e um dos mais importantes do Brasil.
  Suporte
A Embrapa tem no polo Petrolina-Juazeiro uma de suas maiores unidades de pesquisa (o Centro de Pesquisa Agropecuária do Semi-Árido) e uma unidade de produção de sementes básicas. A universidade está presente na área agropecuária, com uma Faculdade de Agronomia dedicada ao desenvolvimento regional, e preparando profissionais adaptados à realidade regional. O governo estadual está presente através da EBDA, que trata da pesquisa agropecuária e da assistência técnica e do DDA, que garante a sanidade agropecuária. A Hidrovia do São Francisco permite uma integração regional até Minas Gerais, através do porto de Juazeiro, operado pela iniciativa privada, e conectado à ferrovia, também privatizada.

A pujança industrial
A par das indústrias já instaladas na região, novos investimentos estão aportando. A Agrovale, está ingressando de maneira agressiva na produção de açúcar e álcool. Recentemente, o Curtume Campelo, o sétimo do país, instalou-se na região, para processamento de peles de boi e de cabra, para exportação ao Mercado dos Estados Unidos; a Picadilly, um dos maiores fabricantes de calçados do país também optou por instalar uma unidade industrial em Juazeiro.
  Agricultura
O São Francisco é considerado o rio da integração nacional, atravessando regiões com deficiência hídrica, servindo não apenas para irrigação como para produção de energia. A poucos quilômetros de Juazeiro se encontra a barragem de Sobradinho, um dos maiores lagos artificiais do país. Além de produzir energia, atua como uma garantia de fornecimento de água para os projetos de irrigação da região. O projeto de "Salitre", desenvolvido pela Coodevasf, e prestes a ser colocado em operação consolida Juazeiro como a capital da irrigação do Nordeste. As grandes oportunidades de negócios se encontram justamente na produção agrícola, em especial frutas e hortaliças, de alta qualidade e grande aceitação nos mercados exigentes. E na agroindústria de transformação, com mercados promissores, tanto no Brasil quanto no exterior. Região em desenvolvimento, Juazeiro apresenta custos altamente competitivos, quando comparados com outras regiões do país, com o mercado altamente explorado. Como sempre, as melhores oportunidades estarão disponíveis para quem chegar primeiro em Juazeiro.

 Defesa Sanitária: agregando valor à agropecuária

Décio Luiz Gazzoni

Nos próximos anos, o ritmo e a melodia da competitividade dos agronegócios serão fornecidos pelo dueto tecnologia e defesa agropecuária. Sem uma orquestração perfeita entre estes dois parâmetros, não será possível acompanhar o coreto da competitividade em um mercado globalizado. A audiência, ou seja, o consumidor, está criando um padrão global de exigência, que obriga a uma permanente redução de custos e melhoria de qualidade, sob o risco de eliminação do mercado. A regra vale tanto para o produtor individual, para uma comunidade, ou para um estado e em especial para um país. Ou nos adaptamos às exigências dos novos tempos, ou a vergonha nacional de nunca transformar nossa vocação e nosso potencial agropecuário em realidade, se constituirá em novo vexame às portas do III milênio.   O avanço tecnológico
Não é mais possível a um país ou uma empresa em particular aventurar-se pela trilha negra da acomodação tecnológica. A tendência do mercado globalizado é a de operar em larga escala, e em alto padrão tecnológico. Desta forma, viabilizam-se tecnologias que não se encaixavam num mercado de pequeno porte, delimitado geograficamente, e protegido pelas famosas barreiras que procuravam resguardar o produtor de determinado país ou região, da exposição direta à competição intsernacional. Por outro lado, a competição de preços vai ocorrer ao nível do centavo, o que exige uma modernização permanente das estruturas, dos sistemas de operação e da tecnologia de produção, estocagem, transporte e comercialização. O desaparecimento da já fluída separação entre mercado interno e externo determina a necessidade de disputar o mercado mais próximo, o que só será possível com elevada competitividade.
  A valorização da defesa agropecuária
No processo de desregulamentação e facilitação do comércio internacional de bens e serviços, a questão da defesa agropecuária foi tratada de forma diferenciada, desde o início das negociações da Rodada Uruguai do GATT. Todos os representantes dos países envolvidos no processo entenderam que o risco da disseminação de pragas e doenças de plantas e animais deveria ser reduzido, ao tempo em que se incrementará o volume do comércio internacional. Isto porque o próprio processo de globalização se encarrega de aumentar os riscos de ingresso de novos problemas quarentenários, pela maior exposição a novos produtos e novos fornecedores. Também ficou claro que todos os governos pretendem aumentar o nível de proteção de seus cidadãos, melhorando a qualidade sanitária dos produtos agropecuários, a partir de uma exigência da própria sociedade, que não admite mais padrões inferiores de qualiade.

 

Uma exceção nos ventos do liberalismo
Enquanto os governos acordavam em reduzir taxas alfandegárias, barreiras técnicas ou para-arancelárias, e tomar medidas positivas para o incremento do comércio internacional, diversos acordos prevêem que não serão possíveis exceções ou concessões quanto à qualidade dos produtos agropecuários, que devem ter seus níveis de contaminação química ou biológica progressivamente reduzido ao longo do tempo, a partir de parâmetros internacionais de segurança e proteção dos rebanhos e culturas, bem como dos consumidores finais dos derivados de produtos agropecuários. Para tanto, será necessária uma adequação das estruturas governamentais e uma consciência dos empreendedores privados e de suas lideranças, da inevitabilidade da associação com o governo nas ações de defesa agropecuária.
  O casamento perfeito
Não há como separar o avanço e a informação científica, o desenvolvimento tecnológico e o processo operacional de defesa agropecuária. Nos principais países do mundo os dois sistemas já passaram da etapa de interface para uma fase posterior, de integração entre os sistemas. Os processos de análise de risco, os avanços na detecção precoce de pragas, as novas técnicas de controle de pragas, entre outros, são campos de atuação comum dos sistemas de ciência e tecnologia e de defesa agropecuária. Chega-se numa etapa estratégica, que estamos denominando de inteligência quarentenária, que busca antever o futuro e preparar o sistema produtivo para eventuais alterações no status sanitário, para garantir a estabilidade e a melhoria da condição de competividade dos agronegócios.

Agronegócios cibernéticos

Décio Luiz Gazzoni

 Pasmem os senhores! diria um velho professor dos meus tempos de Universidade. Pois, primeiro levamos o susto da clonagem de animais, que na realidade assustou apenas os leigos, pois os cientistas sabiam que tudo se resumia a uma questão de tempo e aperfeiçoamento do processo, e um dia seria possível clonar um animal, como se clonam vegetais há centenas de anos. Agora, mais uma notícia bombástica: foi criada em laboratório a primeira célula vegetal artificial de que se tem notícia. Sim, criada a partir de componentes "mortos", sem derivar de outra célula, e que, no entanto, é capaz de executar a fotossíntese, ou seja, "criou-se" vida vegetal a partir de substâncias inertes.   Recompensa de anos de investimento
Na realidade, o assunto espanta quem não é obrigado, por força da profissão, a estar em contato permanente com o que corre nos bastidores da ciência mundial. Sabia-se do esforço que vinha sendo conduzido neste sentido, por equipes multidisciplinares da França e dos Estados Unidos, que tentavam produzir uma célula - a qual vem sendo chamada de "célula biônica" - a partir de seus tijolos básicos, e cujo parâmetro de sucesso deveria ser a capacidade de realizar fotossíntese. Foram mais de dez anos de estudos e de muito investimento financeiro, até que, no ano passado, os cientistas atingiram o seu objetivo. Agora, produzir vida, cada vez mais passou a ser uma possibilidade concreta da ciência.

 

O que é a célula biônica?
Não precisa ter o formato de uma célula, nem foi intenção dos cientistas "plagiar" uma célula vegetal, com todos os seus aspectos anatômicos e fisiológicos. A questão toda era bioquímica, ou seja, pretendia-se uma estrutura tal que pudesse ser produzida em escala industrial, e que executasse a mesma seqüência de reações bioquímicas que existem nas plantas, e que permitem, a partir de elementos brutos como carbono, nitrogênio, oxigênio e hidrogênio e outros como o fósforo. Na presença de energia radiante, deveria produzir substâncias bioquímicas chamadas de fotossintatos. Estes fotossintatos são a um tempo o "material de construção" dos vegetais, e também a sua "bateria", ou o reservatório de energia. Aí está o ponto mais interessante: a produção de adenosina tri-fosfato, o ATP, que é uma "bateria vegetal", ou um repositório de energia, que pode ser acionada a qualquer momento, e que, através de reações químicas, libera energia. No caso da célula biônica, foi possível armazenar 4% da energia radiante para convertê-la em ATP, mas ninguém duvide que no futuro próximo, ela será muito mais eficiente.
  Afinal, para que serve uma célula biônica?
Cada vez menos se faz ciência pela ciência. Os organismos financiadores estão sempre atentos às possibilidades de utilização de novas descobertas científicas em benefício da humanidade, que possam ser a base de um negócio. Assim como comentamos neste mesmo espaço que num futuro breve o pecuarista poderia se tornar em um produtor de medicamentos e de órgãos para transplantes, poderemos ter em breve um tipo de "agricultor cibernético", ou seja, instalações industriais, equipadas com conjuntos de reatores, contendo "células biônicas", que passariam a produzir em escala também industrial, determinados produtos bioquímicos, para uso farmacêutico, agropecuário, cosmético, etc., a um custo muito inferior à utilização de complicadas plantas industriais, que exige dezenas de processos intermediários para se chegar ao produto final, encarecendo seu custo. A produção de alimentos poderá ser revolucionada, a partir da possibilidade da síntese de cadeias complexas de carboidratos, gorduras e proteínas, o que obrigará a repensar a própria agropecuária. É a radicalização da biotecnologia, ou seja a mudança do paradigma químico para o biológico.
  Automóvel movido à célula vegetal?
Parece ficção científica de terceira categoria, não? Mas não é, ao contrário uma possibilidade ao alcance da mão. Produção de energia acumulável e de descarga controlável, a partir da energia solar e de elementos contidos no ar (carbono, nitrogênio, oxigênio, hidrogênio estão no ar) ou na água (hidrogênio e oxigênio), com uma fonte de fósforo e alguns catalizadores recicláveis. Energia farta, barata e limpa, como é o sonho da Humanidade, acabando com a crise potencial que sempre existirá enquanto as fontes de energia de uso intensivo não forem renováveis. Não deve ser coisa para a minha geração, mas os meus filhos ainda verão automóveis, computadores, elevadores, etc. movidos a energia produzida por ATP, nas futuras fazendas cibernéticas. O futuro acabou de bater na nossa porta!

O computador com cheiro de terra.

Décio Luiz Gazzoni

A sigla do sistema é SIARCS, e serve para analisar folhas e raízes de plantas. Fotografias ou vídeos são analisadas num programa de computador e informam ao técnico qual o estágio de desenvolvimento das plantas, o nível de compactação do solo, necessidade de proteção contra erosão, distribuição de gotas d’água, porosidade do solo, doenças foliares e até o nível de ataque de determinadas pragas. O sistema substitui a análise tradicional, feita com a abertura de trincheiras (raízes) ou por contagem manual de folhas danificadas. Além da precisão e da simplicidade, a grande vantagem é a economia de tempo, pois cada amostra é analisada em 5 minutos, ao invés das 4 horas tradicionais.   Aplicações
O sistema foi utilizado pela Universidade de Londrina e pelo Instituto Agronômico de Campinas, com as culturas de soja, cana-de-açúcar, milho, citros, café e aveia preta. O programa está sendo usado em trabalhos de campo e empresas privadas de reflorestamento; algumas companhias e institutos com preocupações ambientais estão utilizando o sistema para avaliar o estado da vegetação nativa. Mas não é só isso: a Alumar, empresa mineradora de alumínio instalada no Maranhão, vem utilizando o SIARCS para monitorar a vegetação sob efeito de dejetos do beneficiamento do alumínio, por exemplo. A Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos também encontrou aplicação na análise da vegetação de encostas sujeitas a escorregamentos, como a da Serra do Mar, no litoral paulista.
  Ótimo para cooperativas e sindicatos
Para um pequeno ou médio agricultor, o programa SIARCS pode ser super-dimensionado, justamente por sua alta capacidade de análise. Mas é perfeito para organizações de agricultores, como cooperativas ou sindicatos, que além do computador e do programa, precisam de equipamento de fotografia ou filmagem. O programa tem duas versões: o SIARCS 2.0 para DOS custa R$650,00 e o SIARCS 3.0 para Windows 3.1 ou 3.11 e 95 custa R$2.500,00, sendo que as instituições públicas de ensino e pesquisa têm desconto de 30 %.

Sistema para o Controle de Rebanho Leiteiro
O nome deste outro programa é Lactus - Sistema para o Controle de Rebanho Leiteiro - e dois novos aplicativos já estão em desenvolvimento: Sistema de Gerenciamento de Fazendas e Sistema de Controle de Rebanho Bovino de Corte. O principal objetivo é fornecer aos produtores e extensionistas rurais ferramentas de gestão para a obtenção rápida e confiável de informações sobre seu processo produtivo. A informação a ser processada pelo elenco de aplicativos é tanto de natureza gerencial, para a condução dos negócios da propriedade rural, quanto de natureza estatística, para fins de planejamento da atividade agrícola por parte das diferentes organizações envolvidas nesse importante setor. Este projeto contou com o apoio financeiro e de infra-estrutura da Olivetti do Brasil S/A.
  Medidor de espessura de toucinho por ultra-som
Desenvolvido pela Embrapa, em São Carlos, este aparelho é fundamental para uso em animal vivo, já que as informações sobre a qualidade de carcaça dos animais disponíveis são indispensáveis aos programas de seleção e melhoramento genético. Em média, cada suíno produzido (90kg) economiza 0,72kg de ração para cada milímetro a menos de espessura de toucinho. Utilizando técnica de ultra-som para obtenção de medidas, o instrumento apresenta as seguintes vantagens: fácil manuseio, diminuindo em 80% o tempo de medida; medida direta, de forma rápida, precisa e não-invasiva, com leitura digital; ausência de risco de contaminação dos animais.
  Tomógrafo computadorizado portátil
Também desenvolvido por pesquisadores da Embrapa, o Tomógrafo de Campo é pioneiro no mundo auxilia no estudo de solos e de deficiências em árvores. Compõe-se de uma fonte emissora de radiação, que atravessa a amostra e é captada por um sensor. Após varrer a amostra, os dados obtidos são coletados por um sistema de aquisição e, através de um programa de computador, reconstrói-se a imagem tomográfica. Pode-se observar a penetração de raízes no solo, a compactação e umidade, e pode-se enxergar através de uma árvore ou um pilar de concreto, sem ter de destruí-los. O Tomógrafo de Campo surgiu da necessidade de se obter imagens no local de testes, de forma não-destrutiva. Uma vez instalado, trabalha automaticamente. Finalmente, o computador passou a ter cheiro de terra!

Os agronegócios e a crise financeira

Décio Luiz Gazzoni

Tudo começou com os tremores com epicentro na Tailandia, Filipinas, Indonésia e arredores, em julho do ano passado. O terremoto se espalhou pelo sudeste asiático, outros países da Ásia, desnudou o Japão, causou coceira e irritação na Europa e nos EUA, e obrigou o governo brasileiro a lançar o pacote 51, afinal nunca cumprido, à exceção da decolagem dos juros para a estratosfera dos 40%. Os reiterados anúncios de que a crise asiática era a ponta de um iceberg, a denunciar falhas estruturais no modelo capitalista do momento, e falhas conjunturais nas economias de diversos países, não foi suficiente para uma ação organizada a fim de debelar a crise pela raiz.

A raiz da crise
As crises episódicas são da lógica capitalista. É o momento em que as placas tectônicas do sistema se ajustam, buscando um novo ponto de equilíbrio, para acomodar-se até a próxima crise. Porém existem crises e crises. E existe a mãe da crises, a de 1929, cujos efeitos nefastos – incluindo a gestação da Segunda Grande Guerra - são lembrados até hoje. E, aparentemente, a crise atual é séria, global, possui causas diversificadas e profundas, e não passará simplesmente como a gripe após três espirros. Não existe uma causa única – a raiz da crise – mas sim trata-se de um sistema fasciculado, onde os componentes podem assemelhar-se, porém mudam de importância conforme o país que se analisa. Porém, em todos eles, percebe-se a especulação financeira e os artificialismos e desequilíbrios.
  O sudeste asiático
Enredado num cipoal de subsídios, sistemas autoritários, economias sem a devida transparência, com ramificações subterrâneas mal explicadas, ativos super-valorizadas, concentração excessiva da economia em poucos produtos de exportação, dependência exagerada da economia japonesa, fragilidade fiscal, são ingredientes da mistura explosiva que detonou o terremoto que se espalhou pela região, derrubando as bolsas de valores, exigindo o aumento das taxas de juros, obrigando a uma desvalorização acentuada das moedas, com incursões pelo controle do câmbio. No comércio exterior, estes países ganharam uma sobrevida no seio da crise, pela vantagem comparativa que obtiveram na paridade com o dólar, permitindo a colocação de seus produtos a custos mais competitivos. Porém, o reverso da medalha é a dificuldade de importação, inclusive de alimentos, pelo encolhimento da renda interna, e pelo encarecimento do custo das mercadorias em dólares.
  Japão
Um dos motores da economia mundial, este país até então dinâmico deixou entrever a banda podre escondida nas relações incestuosas do governo com o sistema bancário, e a sobrevalorização de garantias, gerando uma crise financeira que está a exigir um PROER maior que o PIB brasileiro. Arredio por natureza, o japonês escondeu-se na poupança do medo, forçando o encolhimento do PIB, a desvalorização da moeda e dificultando a retomada do crescimento. O Japão é um país rico, que importa mais da metade dos alimentos que consome, e não se espera que vá reduzir suas importações por conta da crise.

Rússia e Leste Europeu
Dos países da ex União Soviética, apenas a Hungria, a Polônia e a República Checa estão se erguendo pelos cabelos, buscando adaptar-se à duras penas ao selvagem mundo capitalista. Quatro gerações viciadas em uma economia centralizada e um sistema político ditatorial, sem as instituições de livre mercado, a perestroika soviética foi um remédio tão amargo que pode matar o paciente. A Rússia e os países que ainda giram à sua órbita enfrentam uma crise generalizada, onde falta tudo, de dinheiro a comida, de combustível à roupa. Por falta de renda, estima-se uma carnificina em termos de fome e frio no inverno que se avizinha. Muitas cotações de commodities agrícolas estão sendo derrubadas pela ausência destes países, dependentes de exportações, do mercado internacional.
  Brasil
País fechado ao exterior, com desvios protecionistas de toda a ordem, o Brasil abriu fulminantemente seu mercado, sem os cuidados de organizar um processo de abertura lenta, gradual e segura. Escancarou-se o mercado, em especial o agrícola. Some-se a isto que o Plano Real possui um pecado original que não se apaga – a defasagem cambial – que foi a mãe do déficit fiscal, embalado pela falta das reformas previdenciária, fiscal e tributária, e temos a receita para a instabilidade institucional que a crise financeira está expondo. Com alguns países se retirando da posição de compradores, pode-se esperar um acirramento na competição e uma queda no preço das cotações da pauta de exportações do Brasil.
  De novo o Marraqueche II
Já comentamos que os países filiados à OMC equacionaram convenientemente as questões econômicas e comerciais, porém deixaram um grande flanco exposto ao subestimarem duas decorrências da livre circulação de mercadorias e capitais: o impacto social negativo, emoldurado pelo desemprego, e os capitais especulativos que estão destruindo nações. O alerta deve ser permanentemente renovado: Ou os países se unem de forma emergencial para corrigir estas duas distorções (falta de políticas sociais compensatórias e controle do capital errante) ou teremos em 1999 um bis de 1929. O molho picante desta história é que o líder da maior potência, que deveria conduzir esta negociação, está enredado nos lençóis de uma tal Monica Lewinsky, e não pode dedicar atenção a um mundo à beira do precipício.

O elefante que não conhece a própria força

Décio Luiz Gazzoni

As estimativas do valor do Produto Interno Bruto (PIB) do setor de agronegócios do Brasil para o ano de 1998 ultrapassam os U$350 bilhões. O que significa 40% do PIB do Brasil, superior ao PIB de qualquer país da América Latina, à exceção da Argentina e do México ao qual eqüivale, e sem dúvida superior à disparada maioria dos países do Mundo, se considerarmos que o Brasil é uma das 10 maiores economias do planeta. Este é o somatório das riquezas geradas pela indústria de insumos, pela produção agropecuária e pelo complexo de processamento, aliado aos setores que interfaceiam este conjunto.

Ao que parece, uma política de longo prazo
Além de produzir alimentos, o setor de agronegócios desempenhou papeis importantes ao longo da história do Brasil, quase sempre como transferidor de renda para alavancar outros setores, como ocorreu nas décadas de 60 e 70, e mais recentemente, quando foi alcunhado de âncora verde do real, ao garantir o cumprimento de algumas metas macro-econômicas do plano. Destarte sua importância, nunca obteve das autoridades o devido apoio e reconhecimento para impor-se como mola propulsora do progresso e do desenvolvimento do país. Agora, parece que o Governo Federal resgata esta dívida ao criar o Conselho do Agronegócio, a partir de uma proposta do Fórum Nacional da Agricultura.
  Um projeto global para o agronegócio
Foram dois anos de muito suor e fosfato, muita negociação e exercício para produzir o projeto entregue ao Presidente da República. Como não poderia deixar de ser, a marca da proposta é a da competitividade setorial. A abertura de mercados parece um fato irreversível, e sobre este pano de fundo busca-se inserir o Brasil no mercado mundial. O lado social foi abordado com as propostas de geração de emprego e renda no campo e na agroindústria. O entorno produtivo também foi abordado, ao avançar nas questões de tecnologia, união e organização de produtores, visão sistêmica das cadeias agro-produtivas e infra-estrutura de transporte. Especial ênfase foi concedida às questões relativas ao financiamento da produção, um crônico calcanhar de Aquiles nas atividades agropecuárias.
  Acabou o protecionismo
O projeto assume definitivamente a faceta da vaga modernizadora que, a bem da verdade, o Brasil vinha assumindo, por força das contingências internas, desde o final da década de 70. Além da tendência (e da exigência) internacional, o Estado brasileiro não tem mais como bancar o jogo pesado do protecionismo, pelas ineficiências internas que gera no sistema produtivo, pelos desbalanços que provoca, e pelas oportunidades de desvios e corrupção que a ele se atrelam. O projeto investe explicitamente na competitividade ao buscar-se a lógica do mesmo, embutida no entendimento de que o agronegócio somente avançará com consistência e solidez se os seus componentes forem vencedores em uma disputa efetuada com lisura, no mercado internacional.

O setor privado
É necessário atentar para a perfeita administração dos fatores de produção, e para a necessidade de escala adequada, da apropriação da tecnologia mais avançada, da redução de custos, tudo isto com um tempero de qualidade impecável no produto final. Os tempos que se avizinham são bicudos se considerarmos que as regras deverão ser as mesmas para todos, e todos estarão disputando um mesmo espaço de negócios, com o que desaparecem os conceitos de mercado interno e mercado externo, substituídos pelo mercado global. Os produtores incapazes de competir serão alijados do processo pela fria realidade do mercado.
  O setor público
Regulador e fiscalizador por definição, cabe ao setor público outros dois aspectos fundamentais no processo. O primeiro deles trata das políticas sociais, destinadas a compensar os efeitos devastadores da ação impiedosa do mercado sobre o sistema produtivo. Ao menos durante o período de transição, ao governo caberá manter o guarda-chuva sobre a pequena agricultura, a agricultura familiar e os assentamentos de reforma agrária. Condenados pela fria lógica do mercado, estes assentamentos são uma exigência para a paz social e para a manutenção do nível de renda e emprego nas classes menos favorecidas, e deverão ser bancadas pela sociedade, através de seus governos.
  A questão tecnológica
A segunda intervenção governamental deverá ser na área de ciência e tecnologia. No curto prazo, uma pesada espada se aproxima do pescoço das instituições de pesquisa que alavancaram o progresso do agronegócio ao longo das últimas décadas: é a transformação em organização social, uma exigência da reforma administrativa. Se por um lado esta nova situação livra as instituições das pesadas amarras do serviço público, por outro desata o laço de união institucional com o governo, deixando-as à mercê de políticas conjunturais e de curto prazo e, pior ainda, ao arbítrio da sensibilidade do governante de plantão para a questão. O Fórum Nacional da Agricultura reivindica do Presidente da República a criação da figura do Instituto de Pesquisa, para preservar a estabilidade institucional necessária à manutenção do apoio das instituições de pesquisa ao progresso do agronegócio.

Marraqueche II

Décio Luiz Gazzoni

Entre 1982 e 1994 ocorreu uma série de reuniões de negociação, chamada Rodada Uruguai do GATT, culminando com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), com 150 países filiados, cuja missão é promover o livre comércio internacional. O antigo GATT, criado com o intuito de estabelecer regras para o comércio internacional, foi útil até a década de 70, quando os ventos liberalizantes delinearam um novo panorama internacional. A inadequação do GATT, pela ausência de instrumentos reais de atuação para regular o comércio entre as nações, propiciou o surgimento da OMC. A maior preocupação dos negociadores foram as questões financeiras e econômicas (preço, valor justo, taxas, tributações, travas ao comércio, pirataria, práticas desleais, propriedade intelectual). A OMC dispõe de mecanismos para promover a expansão do comércio, regulá-lo, mediar administrativamente conflitos comerciais, arbitrar questões e pendências não resolvidas no âmbito administrativo, e poder coercitivo para impor sanções aos países que descumprirem suas determinações.   Subsídios e sanidade agropecuária
Dois aspectos interessantes ressaltam dos acordos da OMC: Os subsídios à produção e/ou ao comércio, de qualquer forma ou ordem, devem ser extintos até 2004, não podendo ser criados novos (diretos ou disfarçados), à exceção de alguns programas humanitários e de investimentos para a agricultura de subsistência; e a sanidade agropecuária, com regras estritas de conformidade, em especial da qualidade dos produtos, estabelecidas para proteger o ambiente dos agronegócios e a saúde do consumidor.

 

E a questão social?
Não constava entre as prioridades dos negociadores as questões sociais, vinculadas ou decorrentes de alterações nos movimentos comerciais. Durante este século, cada país tratou de proteger seu mercado interno, uma das razões da criação da OMC. A abertura dos mercados expôs facetas encobertas que agora vem à tona, em decorrência da competitividade selvagem para sobreviver no mercado globalizado, sem barreiras e sem protecionismo. Relegada a um segundo plano, as questões sociais começam a preocupar as lideranças mundiais e entram na agenda da discussão internacional.
  Marraqueche II
Em nosso modesto entendimento, breve surgirá uma nova rodada de discussões e negociações, que deverão desembocar em um novo tratado (que pode ser assinado em Marraqueche, para usar o ícone), que aborde as questões comerciais sob um prisma de preocupação social. Pontos principais da agenda: o desemprego estrutural que está sendo ocasionado pela necessidade de elevada competitividade, pela inovação tecnológica e pelas fusões empresariais; a condenação à pobreza de regiões e países que não conseguem acesso ao clube globalizado; o acirramento do diferencial de nível de vida entre países centrais e periféricos; o diferencial de proteção à sociedade e às empresas entre países pobres e ricos; a qualidade de vida, hoje deprimida pelo stress causado pelas preocupações com emprego e renda. E também uma revisão da facilidade com que se movem os capitais piratas ao redor do mundo, arrasando países e economias, destruindo sociedades e empregos, precipitando crises que, apenas em agosto, evaporaram quase 5 trilhões de dólares da riqueza mundial! O mundo somente se move por crises. A crise social que se acirra em todos os países levará, fatalmente, a um reordenamento nas relações comerciais no mundo, focando no bem estar do Homem. É nossa antevisão do Marraqueche II, uma fatalidade de um futuro cada vez mais próximo precipitado pela crise global que vivemos.

Por um comércio exterior mais agressivo

Décio Luiz Gazzoni

O bordão nacional já foi "exportar é o que importa". Na época, havia necessidade de exportação por uma questão contábil de fechamento das contas de transações com o exterior. Agora, esta pressão também existe, estamos desesperadamente precisando trazer divisas "sérias", mas talvez não seja o fator mais importante que deve nos impulsionar em direção ao mercado. O que importa agora é ser competitivo em um grande mercado globalizado. Não há mais espaços para pequenos negócios, o mercado se torna cada vez mais exigente e seletivo em relação aos fornecedores.

Crescer ou crescer
Pois este é outro bordão, que se aplica sob medida para a situação atual. Em todos os setores da economia a mega-tendência do momento é a expansão vertical ou horizontal dos negócios. Ou bem se cresce por incorporação de outras companhias similares, ou ajustam-se parcerias estratégicas para disputar determinado segmento de mercado. Concorrentes seculares conseguem, pragmaticamente, associar-se em determinadas circunstâncias, para ganhar competitividade em um nicho específico do mercado. Ou então, juntam-se os pontos fortes de duas ou três corporações, que anulam mutuamente seus pontos fracos, para competir em melhores condições.
  O fim do mercado interno
A principal razão para a expansão dos negócios ultra-fronteiras, é que os antigos conceitos de mercado interno e mercado externo estão fadados ao desaparecimento. Conforme são reduzidas as barreiras comerciais, desaparecem os protecionismos, as cotas, os subsídios e as barreiras técnicas, reduzem-se as alíquotas de importação, começa a fazer sentido prático a palavra globalização. Ou seja, a convergência para um grande mercado planetário, em que não fará mais sentido o adjetivo "externo" ou "interno", faces regionais de um mesmo mercado. Que possuirá as mesmas exigências. Assim, não dá mais para contar com o mercado cativo, o finado "mercado interno", para a sobrevivência e expansão dos negócios. Precisamos estar preparados para a competição globalizada.
  Por um Ministério das Exportações
Este caminho não pode ser trilhado exclusivamente pela iniciativa privada. A sociedade precisa exigir do governo um apoio explícito ao comércio exterior, dentro de regras universalmente aceitas, como fazem todos os governos dos países desenvolvidos. Precisamos de negociação profissional no âmbito da OMC, para proteger os interesses nacionais. Precisamos definir uma estratégia de reciprocidade, evitando a abertura exagerada, sem contrapartida, que provocou a invasão de produtos agropecuários e seus derivados no mercado brasileiro. Pode ser que não exista escala para criar-se um Ministério específico para as exportações, porém necessitamos urgentemente de uma Agência de Comércio Exterior para que os negócios brasileiros criarem alicerces sólidos no mercado.

Criar a imagem Brasil
E que lute para que "made in Brazil" seja um sinônimo de qualidade, o fator de competitividade mais importante nesta passagem de milênio. Investir, como o fez a Colômbia, que vende o café colombiano. As marcas comerciais seguem na esteira da promoção que o país faz de seu produto. Porque não associar futebol, música, pilotos, voleibol, etc., setores onde o Brasil possui penetração mundial, para vender a imagem de qualidade de produtos brasileiros? 
  Um trabalho de parceria
Empresas privadas que já operam no mercado internacional, podem ser utilizadas para a alavancagem de outras organizações brasileiras, por associações, joint ventures ou aproveitamento da infra-estrutura já existente. E, em especial desenvolvendo um trabalho de parceria estratégica, em que o governo pode contribuir com as grandes estatais presentes no exterior, como é o caso da Petrobrás. Ou através de escritórios de promoção comercial, conduzidos também em parceria com a iniciativa privada.
  A simbiose
O governo está precisando de bons resultados na balança comercial, para melhorar seu portfólio e para equilibrar o balanço de pagamentos com outros países. Também está precisando atingir certas metas econômicas e sociais, como a expansão do emprego. Sem contar no aumento da arrecadação tributária. Por outro lado, a iniciativa privada busca as mesmas metas permanentes de lucro, através da conquista e consolidação de mercados, que lhe garantam o necessário lucro. Esta aí uma bela oportunidade de todos saírem vencedores.

   Agropecuária, uma das saídas para o desemprego

Décio Luiz Gazzoni

Temos insistido no vexame que representa a estagnação da produção agropecuária nacional, derrapando há 12 anos entre 70 e 80 milhões de toneladas. Enquanto o Brasil deixa de realizar sua vocação para a agropecuária, não produzindo sequer as 100 milhões de toneladas de grãos que a FAO recomenda para que o Brasil saia da faixa considerada como de fome crônica, a China ingressa no próximo milênio anunciando que necessita importar cerca de 200 milhões de toneladas de alimentos para o ano 2000. Um verdadeiro negócio da China, só que nós não poderemos participar do banquete, porque sequer produzimos para alimentar os irmãos brasileiros.

 

Agropecuária e ocupação de mão de obra
    Os países centrais, em especial a Comunidade Européia, os EUA/Canadá e o Japão tem apenas 2 a 3% de sua força de trabalho na agricultura. A principal razão foi a forte atração que o setor industrial exerceu sobre a mão de obra, especialmente jovem, deslocando-a do campo para a cidade, nas últimas décadas. Por outro lado, o Brasil possui um quarto de sua população economicamente ativa no campo. Entretanto, este dado não é estático, pois o fato de estarmos estacionados no mesmo patamar produtivo há mais de uma década, junto com a geração sempre crescente de tecnologias poupadoras de mão de obra, tem expulsado cerca de um milhão de brasileiros por ano, que buscam as pequenas e médias cidades em busca de emprego, sem qualificação para tanto, gerando imensos problemas sociais. Não se trata, portanto, de uma atração para um polo de emprego.
  Êxodo rural, uma fatalidade?
    Será inexorável a fuga de irmãos brasileiros, do campo para a cidade? Será que teremos que conviver com este drama social durante as próximas gerações, sem condição de equacioná-lo adequadamente? Será insolúvel a ponto de transformar-se em dogma da sociedade tecnológica, da globalização de mercados? Está o Brasil condenado à marginalidade agrícola no contexto mundial? Que triste ironia enfrentar este questionamento, repousando sobre 450 milhões de hectares de terras agricultáveis, apenas 10% explorados. Situadas na região tropical e subtropical, podendo cultivar-se duas ou três safras por ano. Com um dos maiores volumes de água doce do mundo, com capacidade de irrigar centenas de milhões de hectares. Com estoque de tecnologia que se ombreia aos principais países do mundo! A resposta é não, precisamos incentivar fortemente a geração de emprego e renda no campo.

Recordes de produção, uma realidade tangível.
    Data venia do Senhor Ministro da Agricultura, o patamar de 100 milhões de toneladas de grãos que se estabelece para o início do próximo milênio não resgata a dignidade nacional. É o mínimo que se espera de um país, ou seja, ser auto-suficiente em alimentos básicos, o que o Brasil ainda não o é. Basta apenas eliminar o desperdício, as perdas no campo, na colheita, no transporte e no armazenamento, para atingir este patamar. Basta associar a isto o estoque de tecnologia não utilizado, porém disponível nos institutos de pesquisa, para ultrapassar 130 milhões de toneladas, sem necessidade de ampliação de área. E basta lançar mão do que Deus nos deu como herança e patrimônio - terra, sol e água - que poderemos alimentar, em pouco tempo, os chineses que necessitam de mais 200 milhões de toneladas. Sem falar em coreanos, japoneses, indonésios, tailandeses, russos e outros povos que não possuem mais capacidade de expansão da produção e da produtividade.

 

Crescer ou desaparecer, eis o desafio
    Na sociedade globalizada do século XXI não há espaço para incompetentes. Ou iniciamos já, imediatamente, sem mais delongas, um grande plano de médio e longo prazo para realizar o potencial da agropecuária nacional, ou seremos engolidos por outros concorrentes, que não possuem as vantagens comparativas naturais que Deus nos deu, mas que estão sabendo extrair o máximo de suas limitações para impor-se no mercado internacional. Temos plenas condições de crescer a 10-15% ao ano, ao invés do crescimento negativo (que humilhação!) da última safra. Criando empregos no campo!
  Desenvolvimento agropecuário e emprego
    A insônia de 9 entre 10 presidentes de nações do mundo é causada pelo desemprego (a do outro é a Monica Lewinsky). Busca-se todo o tipo de fórmula para enfrentar a onda generalizada de desemprego que ocorre com a busca desenfreada de competitividade. Felizmente, o Brasil tem esta grande saída, que é o estímulo à agropecuária, invertendo o ciclo de êxodo rural para uma expansão de negócios no campo, que redundará em absorção de mão de obra. Porque emprego no campo custa 20-30% do emprego na cidade. Resta às lideranças políticas e setoriais brasileiras enxergarem o óbvio e colocarem a agropecuária brasileira no trilho do futuro.

Assestando a mira para o próximo milênio

Décio Luiz Gazzoni

As próximas décadas representarão um desafio muito complexo para as instituições responsáveis pelo estabelecimento de políticas no setor agropecuário, não sendo diferente o cenário para as organizações de produtores, responsáveis por orientar o setor produtivo na direção das melhores oportunidades. A grande questão que se coloca é a disponibilidade de alimentos e o acesso aos mesmos. As taxas de crescimento da produtividade agrícola, na maioria das nações e para a maioria dos produtos, é francamente decrescente, desde o início dos anos 80. O Brasil é uma exceção, parcialmente pelo nosso atraso tecnológico até a década de 70, e em especial pelo excelente trabalho realizado pela Embrapa, IAPAR e outras instituições de geração de tecnologia. O progresso na redução da fome no mundo é pouco palpável, apesar do crescimento de 7% a.a. na quantidade de calorias per cápita ingerida nos países sub-desenvolvidos. Estima-se em quase 200 milhões o número de crianças com menos de 5 anos que sofrem de fome crônica.   Caem os preços, cai o estímulo
Preço é função de oferta e demanda, cujo piso é o custo de produção. A clara tendência de queda de preços de commodities agrícolas no mercado internacional indica que a demanda efetiva está sendo suprida pela oferta atual. A razão é que a demanda nos países ricos está estabilizada, pela saturação do consumo e pelo crescimento populacional em taxas próximas a zero. Por outro lado, em quase todo o mundo sub-desenvolvido (exceção da África sub-Saahra e sul da Ásia), as taxas de crescimento populacional são declinantes. A composição da dieta também se altera, pelo aumento da renda e a urbanização.

 

Duas realidades
Os cenários que procuram incorporar as melhores estimativas para fixar tendências que antecipem o desempenho da agropecuária no próximo milênio são comuns em projetar a atual constatação: teremos países centrais (USA/Canadá, União Européia e Japão) e alguns países com perspectivas de rápido crescimento, que estarão bem servidos de alimentos, pela oferta adequada, pelos preços relativamente baixos e pelas políticas sociais implementadas. Do outro lado estarão países pobres, com múltiplos problemas econômicos e sociais, sem condições de garantir a seguridade alimentar ou mesmo reduzir a desnutrição. Aliás, o Prêmio Nobel de Economia deste ano foi para um cientista que descobriu que não há falta de oferta ou dificuldade de produção de alimentos. O que falta é renda para aplacar a fome.
  Paradoxo
A iniquidade social das frias equações econômicas estará novamente exposta. Como sempre, projetada sobre a média das safras, a oferta estará adequada à demanda de alimentos, aparentando uma situação de equilíbrio, de necessidades atendidas. Puxando o véu, o que vemos é a injustiça social de que "fome não é mercado". Ou seja, haveria um enorme espaço para o crescimento da oferta de alimentos, caso políticas adequadas de melhoria da condição humana fossem implementadas. Quem sabe, com o fim da Guerra Fria, e a redução da pressão por orçamentos militares mastodônticos, não sobre algum recurso para investimento na melhoria da condição humana dos povos?
  O fluxo de mercado
Não há qualquer indicador no momento, de que as lideranças mundiais, ou mesmo a voz rouca das ruas, vá se sensibilizar e buscar saídas para a fome no mundo. O cenário que os economistas traçam é de um grande crescimento nas transações comerciais de produtos agropecuários, impulsionado pela criação da Organização Mundial do Comércio e o estabelecimento de novas regras comerciais, porém restrito aos países que podem produzir, e países que tem dinheiro para comprar. A tabela abaixo é a estimativa de crescimento do mercado internacional para alguns produtos agropecuários, com a qual trabalha o Instituto Internacional para a Pesquisa de Políticas em Alimentos:

 

Produto

Toneladas comercializadas

Variação percentual

 

1990

2020

Anual

Período

Carne de frango

1.602

5.242

4,03

227

Carne de gado

3.020

8.679

3,57

187

Carne de ovelha

986

1.820

2,07

85

Carne de porco

1.467

2.403

1,66

64

Arroz

10.097

24.152

2,94

139

Soja

25.076

55.433

2,68

121

Grãos forrageiros

24.653

39.991

1,62

62

Trigo

86.410

138.944

1,60

61

Milho

55.732

76.383

1,05

37

Raízes e tubérculos

26.960

34.901

0,85

29

A jóia da coroa, ou seja, as melhores oportunidades na pecuária se encontram no frango e no gado de corte. A tendência de dietas light está reduzindo a procura por carne de porco. Entre os produtos vegetais, as melhores oportunidades estão com o arroz (consumo humano direto) e a soja (formulação de rações). O patinho feio está reservado para raízes e tubérculos, que tenderão a estabilizar sua participação no mercado mundial.

MAS O QUE É MESMO ESTA TAL DE ÓEMECÊ, TCHÊ?

Décio Luiz Gazzoni

Como se não bastasse o ITR, o PRONAF, o MST, o MCR, o IOF, a TJLP, a CONAB, o IRPJ, para me dar nó nos miolos, agora me aparece esta tal de ÓEMECÊ dizendo que, ou eu a decifro ou ela me devora. Me falaram que ela vai mexer com todos os meus negócios. Que se eu não vacinar contra a aftosa, o boi vai ficar no pasto porque ninguém vai querer comprar. Que se eu não usar semente certificada, não vou ter produtividade suficiente para competir no mercado. Eu não acredito, mas ouvi no rádio que os americanos e europeus vão parar de proteger agricultor ineficiente. Dizem até que a tal de ÓEMECÊ manda mais que o Presidente da República, que tem que pedir a sua benção para fazer as leis do país. Bueno, tem algum vivente por aí que pode me contar direitinho essa história?

O comércio internacional

Pois é, abanque-se e vá mateando, que nós temos que voltar um pouco no tempo. Comércio internacional sempre foi jogo de gente grande, envolvendo interesses poderosos, tentativas de domínio de mercado, palco de monopólio, cartéis, dumping e outras práticas para afastar concorrentes e poder impor o seu preço.

Por outro lado, os governos dos diferentes países buscaram sempre fórmulas de proteger o seu mercado interno e os seus próprios produtores, limitando o acesso a este mercado por parte de competidores. As limitações se davam através de taxas de importação, de cotas de importação, de privilégios que discriminavam entre países exportadores, de sobretaxas aplicados no preço do produto, de barreiras técnicas e burocráticas diversas, de medidas sanitárias que na realidade se destinavam a criar dificuldades para a importação de produtos de outros países. Ou seja, todo mundo queria exportar mais, ninguém queria aumentar sua importação.   Na prática as coisas quase se anulavam e, além de energia, muito dinheiro dos impostos dos contribuintes estava sendo gasto para artificializar o comércio de produtos agropecuários. E, também, prejudicando os países em desenvolvimento e países pobres, que não podem bancar o jogo pesado do protecionismo, como é o caso do Brasil. O que aconteceu foi que os consumidores acabaram pagando a conta, seja através do aumento de preços ou da redução da qualidade por falta de competição.   Foi aí que mais de 100 países do mundo, os mais ativos no comércio internacional, se reuniram durante 8 anos na Rodada Uruguai, para discutir novos rumos e novas regras para o comércio internacional. Foi neste encontro que se gestou a criação da Organização Internacional do Comércio - a tal OMC -, finalmente parida através da Convenção de Marraqueche, assinada em abril de 1994.

O que é a OMC?
A OMC, localizada em Genebra (Suíça) é o único organismo internacional que lida com as relações comerciais entre as nações. O seu poder emana de 17 acordos assinados pelos países membros, os quais estabelecem as regras básicas para o comércio internacional. Estes acordos obrigam os governos a manter as suas políticas comerciais dentro de limites universalmente aceitos, e fixados nos acordos. Embora o compromisso seja dos governos, o objetivo é auxiliar os exportadores, importadores e produtores de bens e serviços, a conduzir melhor seus negócios.

As principais funções da OMC são:

® Administrar os acordos comerciais firmados entre os países;
® Constituir-se em fôro para negociações comerciais;
® Julgar as disputas comerciais;
® Monitorar as políticas comerciais das nações;
® Propiciar assistência técnica para os países em desenvolvimento;
® Cooperar com outras organizações internacionais.

Os princípios básicos da OMC
A convenção de Marraqueche reza que todos os países membros devem efetuar esforços positivos para incrementar o comércio internacional. Baseado neste fundamento, a OMC tem alguns princípios fundamentais, que sustentam o seu arcabouço de regras, quais sejam:

® Não discriminação - um país não pode ter regras diferentes para países diferentes e, especialmente, tem que aplicar as mesmas regras para a produção local e para os produtos importados. Não é mais possível impor exigências mais pesadas para os produtos importados, como também não se pode ser mais leniente com os produtores locais. Caso seja concedido um benefício comercial a um país, ele deve ser estendido aos outros países. A exceção à esta regra existe somente para os países componentes de um bloco comercial formal, como é o caso do Mercosul;

® Liberalização - As barreiras à importação, atualmente existentes, devem ser abolidas gradativamente. As tarifas de importação devem ser reduzidas até um patamar mínimo negociado entre os países;

® Previsibilidade - Os governos de outros países, as empresas estrangeiras, os investidores devem ter a garantia de que as barreiras comerciais não serão elevadas arbitrariamente, nem serão criadas novas barreiras, permitindo a negociação de contratos comerciais de longo prazo;

® Competitividade - Ao desencorajar práticas desleais de comércio como subsídios à produção e à exportação, e o recurso do "dumping" como estratagemas para ampliar o espaço de mercado, a OMC sinaliza que o novo ambiente está assentado na competitividade;

® Países menos desenvolvidos - Atenção especial é dada aos países mais pobres, ao conferir-lhes mais tempo para promover ajustes, maior flexibilidade na implantação de novas regras comerciais ou sanitárias, privilégios especiais, e a possibilidade de receber assistência técnica de seus parceiros comerciais.

Os Acordos da OMC

A OMC em si não teria sentido prático algum, se não fossem os 17 acordos firmados pelos países membros, e que cobrem as áreas de bens, serviços e propriedade intelectual. Através deles se materializam os princípios da liberalização do comércio descritos acima. A redução de tarifas de importação e a abertura comercial se expressa através dos acordos, que, adicionalmente, fixam os procedimentos para a solução de conflitos e disputas comerciais.   Os países signatários também acordaram o princípio da soberania condicionada, que faz com que as políticas comerciais de cada país se subordinem aos princípios gerais negociados nos acordos. Cria-se o mecanismo da transparência, através da exigência de notificação à OMC (que transfere aos demais membros) toda a nova legislação de um país que possa causar impacto no comércio internacional.   Interessam de perto ao agronegócio alguns dos acordos firmados no âmbito da OMC, como o Acordo sobre Agricultura, o Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias, o Acordo sobre Barreiras Técnicas, o Acordo de Inspeção Pré-Embarque e o Acordo sobre Propriedade Intelecutal. Como é que estes acordos podem afetar o seu negócio?

Acordo sobre Agricultura

Os acordos antigos sobre agricultura permitiam aos países usar medidas protecionistas como cotas de importação e subsídios, distorcendo completamente o mercado internacional. Os países signatários do Acordo buscaram uma política geral orientada para o mercado, prevendo uma redução de subsídios a ser atingida em 6 anos (países ricos) ou 10 anos (países em desenvolvimento). Os países mais pobres não tem obrigação de reduzir tarifas ou subsídios. Existe também um dispositivo que prevê a continuidade das negociações de reduções de subsídios após a implementação deste Acordo. As novas regras se aplicam às diversas formas de restrição de acesso a mercados, os subsídios à produção, os programas de garantia de preços artificialmente altos e de garantia de renda dos agricultores, os subsídios à exportação e outras formas de protecionismo. Aos países é dado o direito de transformar as diferentes formas de protecionismo em tarifa de importação de valor equivalente. A Tabela abaixo torna mais claro o processo de redução de subsídios:   Algumas formas de apoio à agricultura não são atingidas por este acordo de redução, como a pesquisa agropecuária, os sistemas de sanidade agropecuária, os investimentos em infra-estrutura, os programas de segurança alimentar, os programas de proteção ao ambiente e os programas de assistência à pequena produção, de apoio às comunidades mais pobres nos países em de-senvolvimento, neste caso limitados a 10% do valor da produção.

Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias

Esse acordo passa a ser a bíblia dos sistemas de sanidade agropecuária de cada país, uma vez que os países membros da OMC concordaram em estabelecer as suas legislações seguindo as orientações deste acordo geral. Fica estabelecido que os países membros devem emitir a sua legislação interna exclusivamente para proteger o seu ambiente produtivo - as lavouras e criações - e o consumidor de produtos agropecuários. Ou seja, os governos não podem mais esconder medidas protecionistas atrás de supostas regras destinadas a proteger o Homem, os animais ou os vegetais.   Para evitar confusão no comércio internacional, os países se comprometem a harmonizar a sua legislação, utilizando padrões universais para as suas medidas de conformidade. Caso um país deseje estabelecer um padrão diferente daquele estabelecido pelas organizações internacionais, deve justificar a medida através de fundamentos científicos irrefutáveis. Aliás, esta é uma exigência geral que os países se auto-impuseram: qualquer legislação na área sanitária deve, necessariamente, ser fundamentada em evidências científicas, mesmo as que já existiam antes da criação da OMC. E qualquer país que se sentir prejudicado, pode exigir que o outro país demonstre que sua legislação se destina exclusivamente à proteção da sociedade ou da agropecuária, e que está fundamentada em evidências científicas.

A ferramenta universalmente aceita para estabelecer o nível de proteção ao ambiente agropecuário e aos consumidores passa a ser a análise de risco. Através desta metodologia, são considerados todos os fatores técnico-científicos, econômicos, sociais e ecológicos que podem ser afetados pela importação de determinado produto agropecuário, no que se refere ao risco de introdução de novas pragas que não existiam anteriormente no país.   Também este acordo prevê o reconhecimento de uma determinada área de produção como área livre de uma praga ou uma enfermidade, evitando considerar todo o país como sendo afetado por esta praga ou enfermidade. Se assim não fosse, os produtores deste país seriam prejudicados pela dificuldade de acesso a mercados mais exigentes, sendo mais afetados os países com maior dimensão geográfica, como é o caso do Brasil.

Acordo de proteção intelectual

Esse é um dos temas mais controvertidos, pois favorece especialmente os países ricos, que investem mais fortemente em ciência e tecnologia. Como tal, são os países que detém a maior quantidade de patentes. Envolve também temas ainda polêmicos como é o caso do patenteamento de seres vivos e de genes. Mas também cobre as patentes de insumos químicos, em especial agrotóxicos, desenhos industriais de máquinas agrícolas, marcas comerciais, etc. Ou seja, cria um diferencial de competitividade que favorece aqueles países que vislumbram na evolução científica e tecnológica o atalho para o seu desenvolvimento.   Para o integrante do agronegócio tocam mais de perto dois temas. O primeiro diz respeito à legislação de proteção de cultivares, ou seja, a lei que garante à empresa ou instituto que cria uma nova cultivar a sua propriedade e o direito de cobrança de "royaltees" sobre a comercialização desta cultivar. O segundo trata da exclusividade da denominação de origem. Como exemplo pode-se citar que nomes como "Champagne", "Scotch", "Tequila" ou "Roquefort" passam a ser exclusivos de alguns produtos, originários de re-gião geográfica demarcada, identificando um produto que teve origem na região e que segue um determinado processo de produção. O país que desejar proteger uma denominação de origem precisa estabelecer um processo de negociação, com base nos acordos da OMC, para conseguir esta proteção.

 

  O limiar de um novo tempo
Emblematicamente, a entrada do novo século em 2001 também significa o alvorecer de uma nova era, com um ambiente que irá, progressivamente, distanciar-se das práticas comerciais vigentes ao longo da História da Humanidade, especialmente dos sistemas protecionistas que marcaram as relações comerciais do século XX. Para sobreviver, e para crescer no novo ambiente, não há alternativa fora da competitividade, em especial suportada por produtos de elevada qualidade. E o segredo para conseguir vencer num mercado globalizado que se antecipa disputado e competitivo, repousa em duas pilastras fundamentais: operar em um ambiente de elevada condição sanitária, e fazer uso da tecnologia mais adequada. Estar fora dessas condições significa que, na realidade, o produtor estará fora do mercado!
 

 

E agora me passa esse mate que depois desta trova toda, secou a garganta do gaudério!

 

 Os EUA precisam de um choque de liberalismo comercial

Décio Luiz Gazzoni

A proteção ao mercado interno, a possibilidade de tornar este mercado cativo dos produtores locais, constitui-se na polêmica comercial deste fim de século. Fórmula simples para resolver alguns problemas políticos e econômicos domésticos, cede-se ao lobby dos interessados em manter o status quo, encobrindo a ineficiência do sistema produtivo. O medo da competição externa foi a matriz geradora dos protecionismos, em especial subsídios à produção, ao produtor e à comercialização, quotas, sobretaxas e o instituto de "país mais privilegiado".

A cruzada pelo livre comércio
Fortemente protecionistas, os Estados Unidos, a União Européia e o Japão são países líderes do movimento pela liberalização do comércio internacional, e pela retirada dos artificialismos comerciais. Nada mais lógico, fazer justiça aos países emergentes(como o Brasil), que se encontravam estagnados em seu comércio internacional, perdendo espaço relativo a cada ano, pela excesso de protecionismo dos países centrais. Nosso país ingressou no processo de discussão do livre comércio - que redundou na criação da OMC - encerrando uma contradição: por um lado, os negociadores brasileiros não acreditavam que o processo fosse bem sucedido. Por outro, abriram o mercado brasileiro em alta velocidade, sem a proteção de salvaguardas. Sem uma abertura controlada e harmoniosa, não houve a adaptação do sistema produtivo e comercial, para competir adequadamente com o exterior.
 

A permanência do sistema protecionista
O Brasil abriu seu mercado e nada exigiu em contrapartida. Os erros foram descobertos rapidamente, o que obrigou a tomada de medidas que não se encontravam ao abrigo da nova legislação internacional. Nos resta o consolo de que a lição foi aprendida, pois nas discussões da ALCA os negociadores brasileiros tem se mostrado duros e inflexíveis, exigindo contrapartidas equivalentes. Já os países centrais, que mais batalharam pela retirada das medidas artificiais de comércio internacional, não avançaram um passo no sentido de fornecer uma contrapartida às medidas adotadas pelos chamados "países emergentes", que de imediato responderam às negociações internacionais. No hemisfério Norte, ainda impera o sistema de protecionismo acirrado do mercado interno e, passados quase metade do tempo concedido para a eliminação das travas e subsídios ao comércio, os mastodontes comerciais do mundo insistem em não se mover.

 

Alguns exemplos
Os Estados Unidos são useiros e vezeiros em por a boca no trombone e criar um alarido infernal quando julgam que um processo comercial não é "fair", de acordo com seu julgamento. Quando se trata de ser "fair" com os parceiros comerciais, os EUA são a antítese da promoção do livre comércio. Senão vejamos:

a. Suco de laranja: Para cada tonelada importada pelos EUA, o Brasil necessita pagar US$444,00. Ou seja, para que nos comprem uma tonelada de suco, precisamos presentear os americanos, um país que necessita da caridade internacional, com 3 toneladas de soja!!!
b. Calçados: Em média a tarifa de importação é de 14,8%, porém pode chegar a 48%, um absurdo em tempos de liberação do comércio.
c. Carnes e aves: Com a desculpa da baixa condição sanitária dos rebanhos, os EUA proibiram o ingresso de carne bovina crua ou congelada proveniente do Brasil.
d. Frutas e legumes frescos: As restrições são de tal ordem, e para eliminá-las o processo é tão caro, que, na prática, não há importação do Brasil.
 
  e. Fumo: Até 31 de julho de 1999, os EUA importam apenas 80 mil toneladas do Brasil.
f. Téxteis: Aplica-se uma tarifa fixa de 38% e mais uma tarifa variável em função do produto e do peso.
g. Derivados de petróleo: Com a alegação de danos ao meio ambiente, os EUA boicotam a importação de gasolina brasileira.
h. Produtos siderúrgicos: Os EUA aplicam uma dura política anti-dumping (nunca comprovada), encarecendo o produto brasileiro.
i. Álcool: Este produto é taxado em 3% sobre o valor FOB e sobre ele aplicada uma sobretaxa de US$0,1427 por litro.
j. Açúcar: Os EUA nos impõem uma cota de 293 mil toneladas, com tarifa de US$14,00 por tonelada. Acima desta cota, a sobretaxa eqüivale a US$350 por tonelada. Novamente, para exportar uma tonelada de açúcar precisamos presentear a sofrida nação americana com duas toneladas de soja!!!

 

O risco futuro

Luz amarela no painel! Não queremos aqui taxar qualquer país de, intencionalmente, assinar um compromisso internacional sem intenção de cumpri-lo. Mas, desejamos alertar que existe um prazo para a eliminação de todos os artificialismos ao comércio internacional, em especial quotas, subsídios, sobretaxas, tarifas de importação, barreiras técnicas, etc. Olhando de forma macro, não nos parece que os produtos brasileiros tenham menos restrições, ou sofram menos concorrência desleal do que há cinco anos, antes da criação da OMC. A luz amarela é a necessidade de revisão das volumosas concessões que o Brasil efetuou, sem receber tratamento equivalente dos países centrais.

 Cogumelos, um agronegócio da China!

Décio Luiz Gazzoni

Os cogumelos representam uma fonte de alimentos utilizada desde a Antigüidade, em especial no Oriente. Inicialmente extrativista, a produção de cogumelos evoluiu e sofisticou-se. Iniciada na China, a produção de cogumelos expandiu-se para o Japão e Estados Unidos, e atualmente se encontra nos principais países do mundo. Faz parte das receitas mais sofisticadas tanto da culinária oriental quanto da ocidental, e é presença obrigatória na cozinha italiana e francesa. Possui mercado garantido nos países mais ricos do mundo, sendo seu preço altamente compensador. É particularmente indicado para exploração em pequenas propriedades, porém requer muito treinamento e preparo do produtor.   O consumo no Brasil
Inicialmente, o consumo se restringia a algumas trigos indígenas, em especial os Samma-Yanomami e os Awaris, que se utilizavam de 22 espécies nativas de cogumelos. O consumo se expandiu com o crescimento das colônias orientais como os chineses, os japoneses e os coreanos. O hábito também foi assimilado pelos brasileiros, e hoje é um componente muito utilizado no preparo de pratos do cotidiano, porém especialmente dos pratos mais sofisticados. Neste caso, a principal espécie utilizada é o Agaricus bisporus, o chamado cogumelo de Paris, um produto relativamente caro, e pouco produzido no Brasil.
  Jun Cao
Jun Cao é uma técnica moderna de cultivo de cogumelos. Foi desenvolvida nos anos 70, na China. Sua principal característica é a utilização de gramíneas, adicionada de outros nutrientes essenciais, para o cultivo dos cogumelos, em substituição às técnicas clássicas de cultivo, que utilizam troncos de madeira e serragem como substrato. As vantagens são encontradas no campo financeiro (mais barato) e no campo ambiental, pois evita a derrubada de árvores para servir como substrato. Com a utilização desta técnica, os chineses aumentaram em quase três vezes a sua produção, no início desta década. As principais espécies cultivadas são o shitake, Lentinus edodes, o hiratake, Pleurotus ostreatus e o próprio champignon (A. bisporus).

 

A pesquisa no Brasil
A pesquisa tecnológica sobre cogumelos no Brasil está recém iniciando, e está a cargo do Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Embrapa, localizado em Brasília. O Cenargen tem se dedicado a identificar novas espécies de cogumelos, criando um banco de germoplasma para centralizar o estudo com estas espécies, em diferentes projetos de pesquisa. Também está sendo estudado o substrato ideal para proporcionar o melhor crescimento e o melhor rendimento de cogumelos. Entre outras, espécies de Brachiaria, Andropogon e Cameron estão sendo estudadas, para serem utilizadas como substratos. Também está sendo estudada a adaptação dos cogumelos a diferentes condições de solo e clima, que produzam a maior rentabilidade.
  Treinamentos
Para os interessados, existem boas oportunidades neste mês de Novembro. Inicialmente, será realizado em Brasília um Workshop denominado "Cogumelos no Brasil - Alimentação, Saúde e Meio Ambiente". Ele é destinado a um público amplo, que inclui pesquisadores, extensionistas, nutricionistas, profissionais de saúde, profissionais da agro-indústria, farmacêuticos e bioquímicos, estudantes, produtores, etc. Também se espera um público eclético constituído de professores, profissionais da gastronomia, entidades ligadas ao meio ambiente, além de lideranças políticas e setoriais. O período de realização será em 9 e 10 de novembro de 1998. Em seguida, no período de 11 a 13 de Novembro, está programado pelo Cenargen a realização de um curso denominado "Cultivo de Cogumelos", que será voltado especialmente para os empreendedores, como produtores já instalados ou interessados em ingressar no negócio. Porém também estará aberto para professores, pesquisadores, extensionistas e estudantes de pós graduação que queiram dominar as técnicas de cultivo do cogumelo.

Novidades em defesa agropecuária

Décio Luiz Gazzoni

Estamos chegando do Estados Unidos, onde participamos da edição 1998 dos congressos americanos de Entomologia e Fitopatologia, que aconteceram concomitantemente em Las Vegas. Os dois eventos em conjunto reuniram mais de 5.000 cientistas. Deste total, cerca de 10% provenientes de outros países, em especial da União Européia. Tanto o congresso de entomologia quanto de fitopatologia são precedidos de grande expectativa, pois constituem-se em eventos que balizam o rumo das respectivas ciências, conferindo o tom para os principais avanços científicos e tecnológicos nestas áreas.

Preocupação com as pragas exóticas
Um dos pontos que se sobressaíram em ambos os eventos foi a crescente preocupação dos cientistas, do governo e da iniciativa privada norte-americana em relação ao ingresso de novas pragas nas lavouras e pomares do país. O crescimento do comércio internacional, com maior movimento de cargas com produtos agropecuários ao redor do mundo, e a diversificação dos parceiros comerciais, fazem com que aumente o risco de disseminação de novas pragas para regiões anteriormente livres do problema. Os EUA estão efetuando um esforço ímpar de treinamento de seu pessoal da área de inspeção e correlatas, para reduzir o risco de ingresso de novas pragas. Também se percebe um investimento muito intenso para aprimorar os sistemas de detecção precoce de problemas fitossanitários, e de controle eficiente das mesmas logo após a sua detecção. A análise das condições de adaptação das novas pragas no território americano tem sido objeto de estudos, e missões de cientistas americanos singram os sete mares para investigar a condição das pragas exóticas nos países onde se encontram estabelecidas. A idéia é não ser apanhado de surpresa com um problema para o qual a agricultura americana não esteja preparada.
  Intensos investimentos na ciência
Consolida-se uma tendência já observada anteriormente, de preparar o sistema de produção para conviver com os novos problemas sanitários, ao tempo em que se investe para melhorar a condição sanitária das lavouras atualmente em desenvolvimento. Na base deste conceito está um investimento intenso na busca de resistência genética a pragas e moléstias, eleita como a pedra angular do esforço do futuro próximo no controle de pragas. As conferências e palestras mostraram uma preocupação com a identificação de fontes de resistência a pragas e a doenças e a sua transferência para variedades comerciais, seja através do melhoramento genético convencional ou através de processos biotecnológicos. Para tanto, observa-se um esforço muito grande no entendimento dos processos de resistência, na forma como se expressam, e nos mecanismos para transferência da resistência para o maior número de cultivos. Pelo investimento presente, é possível antecipar grandes mudanças no material genético à disposição dos agricultores no início do próximo século.
  Programas de manejo de pragas
Enquanto as novas variedades comerciais mais resistentes avançam no campo, pode-se observar uma preocupação com a sustentabilidade dos sistemas de produção, sob o ponto de vista dos cuidados fitossanitários. As novas gerações de agrotóxicos tem apresentado características mais interessantes que os produtos antigos, em relação ao menor impacto sobre animais de sangue quente e sobre o ambiente em geral. Os programas de manejo tem conseguido reduzir os problemas de saúde pública associados ao uso de agrotóxicos, e os produtos mais seletivos tem se mostrado aptos a coexistirem com outros métodos de controle, em especial com agentes de controle biológico, pelo impacto diferenciado que tem apresentado sobre as pragas e sobre os inimigos naturais. Os estudos básicos sobre os requerimentos biológicos e ecológicos das pragas, e os estudos de interação entre as pragas e as plantas, e entre as pragas e os seus predadores e parasitas, tem permitido um refinamento cada vez maior dos programas de manejo, com enormes ganhos sociais e ecológicos.

Liberalismo comercial

Tivemos a oportunidade de repetir em inglês o que vimos insistindo em português: entrevistados por uma emissora de TV, conseguimos chamar a atenção para um pronunciamento do presidente Clinton, em que ameaçava a imposição de sobretaxas alfandegárias para produtos provenientes de países emergentes, com a desculpa de que "...os EUA não tem vocação para lata de lixo do mundo..." Tamanha irritação (verdadeira ou artificial) ecoava os reclamos da iniciativa privada americana em relação à entrada nos EUA de produtos agropecuários a preços inferiores aos produzidos no mercado interno.   Procuramos insistir que os EUA tem sido pródigos em pregar o liberalismo comercial ao redor do mundo, desde que seja do tipo "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Quando os EUA exportam a preços competitivos (via de regra obtidos com forte protecionismo), rechaçam nossos reclamos com o argumento de que estamos "defasados tecnologicamente". Quando ocorre a situação inversa, buscam rapidamente formas de proteger seu mercado interno, com o argumento (nunca devidamente provado) de que estamos praticando dumping. É a política de dois pesos e duas medidas que tem caracterizado a relação dos EUA com seus parceiros comerciais.

O Brasil não é a Rússia

Décio Luiz Gazzoni

E não pode transformar-se na Rússia. Ou em qualquer dos ex-países soviéticos. Este é o bordão, que tem sido repetido à exaustão pelas autoridades da área econômica do governo, para caracterizar o diferencial de risco financeiro representado pelo Brasil, a fim de atrair e manter investidores internacionais. Objetivo de curto prazo, reverberado por autoridades internacionais, membros de governo e de órgãos financeiros como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Não se pode discordar da premissa (o Brasil não é a Rússia), porque realmente existem diferenças estruturais e conjunturais que suportam esta afirmativa. E também não se pode discordar do objetivo (sustar a fuga de capitais), para evitar uma hemorragia nas reservas internacionais do país, que seriam fatais, e inviabilizariam o país, levando-o a uma capitulação e a uma crise de conseqüências mórbidas. Mas, e se assestarmos o periscópio para o médio prazo, para outros setores da vida nacional, será que o exemplo da crise pela qual passam os países da ex-União Soviética não teriam utilidade para o nosso país?   Terra arrasada
Em setembro passada estivemos participando de um congresso científico internacional na República Tcheca, país ex-comunista, anexado à força à ex-URSS, cujos anseios de liberdade capitaneados por Alexander Dubcek foram afogados na hoje famosa Primavera de Praga (1968), pelos tanques de Moscou. Além das atividades normais do congresso, aproveitamos a oportunidade para conversar com cientistas russos, ucranianos, sérvios, poloneses, eslovenos e de outras nacionalidades, para ouvir o depoimento de quem viveu um regime que conhecemos apenas por relatos apaixonados e antípodas. À exceção da própria República Tcheca, da Polônia e da Eslováquia, que estão conseguindo erguer-se do pântano puxando os próprios cabelos, os demais vivem um drama humanitário de graves proporções. O fato já chamou a atenção dos líderes mundiais, mas ainda não sensibilizou a grande mídia e a opinião pública mundial. Neste caso estaríamos assistindo a uma operação de solidariedade de grande magnitude, para socorrer irmãos vitimados pela irresponsabilidade de seus governos.

 

A Rússia hoje
Em nada lembra a superpotência, um dos pólos da Guerra Fria (hoje já se duvida de que possuía o arsenal atômico que alardeava), que usava programas ‘politicamente corretos’ qual apoio ao esporte (um líder olímpico mundial), em saúde, educação e saneamento como paradigma do sucesso do modelo de planejamento central e da necessária ditadura política para manter o modelo vivo. Um cientista russo senior percebe um salário mensal de US$150,00. Percebe, mas não recebe, porque a denúncia é de que salários no serviço público não são pagos desde janeiro. A maioria da população vive (vive!?) com menos de US$10,00 mensais... O desemprego grassa no país, as instituições socialistas foram devastadas, roídas internamente pela podridão, pela corrupção, pela ineficiência, sem que fossem substituídas por novas organizações. A agricultura foi arrasada, perderam-se os referenciais, o bloco ex-comunista tornou-se o maior importador mundial de alimentos, condição hoje periclitante, por falta de divisas para pagamento. Os colegas cientistas russos previam o pior inverno da era moderna, com russos morrendo de fome (não há alimentos suficientes) e de frio (há petróleo, mas não há renda interna para adquirí-lo)! Uma calamidade de proporções vulcânicas. A máfia russa, uma das heranças malditas dos bastidores do poder comunista, se apropriou da ajuda humanitária de US$ 1,1 bilhão proveniente da UE e dos EUA, vendendo a comida doada no mercado negro, para quem ainda dispõe de alguns rublos para adquirí-la.
  O esforço internacional
Não nos iludamos: a motivação da ajuda não é apenas humanitária. Os países ex-comunistas ainda possuem um arsenal atômico apavorante, e o medo dos líderes mundiais é a convulsão social, que leve ao poder fanáticos despreparados, liderando uma massa manipulável, que nada mais tenha a perder, e que apoie uma chantagem bélica de proporções continentais ou mundiais. A estabilidade social no Leste Europeu é, acima de tudo, um fator de equilíbrio no tabuleiro estratégico mundial. Além da doação de comida, os países do Primeiro Mundo estão tentando auxiliar o bloco ex-comunista a reintegrar-se ao mundo, através de programas de reconstrução dos setores produtivos. Especialmente na área de agricultura, uma comissão de alto nível, integrada por cientistas, dirigentes governamentais e oficiais da FAO prepara um plano ambicioso, com metas de médio e longo prazo, objetivando instalar uma agricultura sustentada naqueles países. Nada que lembre a ineficiência das fazenda coletivas, onde a falta de estímulo e perspectiva levou a que cada russo esperasse que o vizinho trabalhasse pelos dois, porque, na ausência da propriedade privada, o governo tudo podia e tudo provia. As primeiras tentativas de joint ventures com grupos de investidores europeus foram mal-sucedidas, porque as máquinas agrícolas levadas para os campos russos foram roubadas pela máfia ou depredadas por grupos de bandoleiros, afastando os empresários.
  O Brasil não pode ser a Rússia
Resolver os problemas financeiros de curto prazo não basta. O Brasil não pode continuar com indicadores econômicos e sociais negativos, sem perspectivas no médio prazo. Precisamos de uma política desenvolvimentista, precisamos apoiar o crescimento interno, a expansão da economia, a reversão do desemprego, buscar o aumento da renda interna. Em nosso setor, precisamos urgentemente de uma política clara que privilegie os setores agropecuário e agro-industrial, nossa vocação natural. Precisamos de apoio à geração de tecnologia, ao investimento no campo. Não podemos continuar reféns de uma produção estacionada em 70 milhões de toneladas de grãos. Não podemos continuar importando alimentos básicos, como trigo e leite. Não podemos conviver com juros 1000% superiores aos americanos e europeus, cujos agricultores dispõem de subsídios equivalentes a 50% de seu custo de produção. Não há como suportar a defasagem cambial que impede de colocar nossos produtos lá fora, e para cá atrai exportadores de todo o mundo. Não podemos desmontar nossa estrutura produtiva, arriscando ser a Rússia de amanhã.

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