Quando menos vale mais

Décio Luiz Gazzoni

     Tenho dito e repetido que a derrama tributária vale por duas das sete pragas que impedem o agronegócio brasileiro de realizar seu potencial pleno. Qualquer estudante do primeiro semestre de economia intui que sonegação somente compensa com impostos muito altos. E que as maiores arrecadações tributárias são obtidas com taxas tributárias razoáveis, suportáveis pela população e pela economia. Abundam nos manuais de economia exemplos demonstrando que taxas menores aumentam a arrecadação, diminuem a sonegação e a informalidade. Sabemos que a enorme carga tributária repousa apenas sobre os ombros dos honestos. Se os impostos baixassem, muitos abandonariam o risco da sonegação, todos pagariam menos – porém pagariam - e o governo arrecadaria mais.  

Medalhe de bronze
     Talvez até o final do Governo Lula, a continuar a derrama tributária, o Brasil conquiste a pole position, ou a medalha de ouro tributária. Por enquanto, conforme o Banco Mundial, ele é o terceiro colocado, encostado na Dinamarca e na Bélgica. As diferenças entre o Brasil e os companheiros de pódio são duas: a renda per capita brasileira é de US$2.920,00, enquanto os demais medalhistas têm renda de US$ 22 e US$30.000 por pessoa, ao ano. E – tão importante quanto – no Brasil, você paga um caminhão de impostos e outro caminhão para comprar os mesmos serviços já pagos através dos tributos (educação, saúde, transporte, C&T, etc.) No Primeiro Mundo, o contribuinte recebe serviços da mais alta qualidade em retribuição aos impostos. Mesmo quando você não é cidadão do país, recebe serviços de primeira linha e gratuitos, como ocorreu com este escriba quando necessitou de serviços médicos na Europa.

Álcool
    
Há tempos a mídia e outros setores da sociedade denunciam os abusos na comercialização do álcool. Devido às elevadas alíquotas de impostos, artimanhas de todo o tipo foram sendo engendradas nos subterrâneos do mercado, para escapar do garrote da Receita. Como toda a atividade ilegal, as estatísticas não são precisas, portanto melhor não falar em números e aceitar o que o mercado estima a meia voz: trata-se de um volume muito, muito grande. Com impostos altos, aumenta a sonegação e a economia informal, cria-se um mercado negro. E, quando se ingressa neste terreno pantanoso, o Governo arrecada menos e o consumidor fica sujeito a adulterações.

ICMS
    
Atentos ao fato, os estados de São Paulo e do Paraná tomaram a decisão inteligente, embora tardia. Em S. Paulo, o ICMS sobre o álcool foi reduzido de 25 para 12% e, no Paraná, de 25 para 8%, no final de 2003. Alguma dúvida quanto à resposta do consumidor e do setor produtivo? Nenhuma, tudo aconteceu conforme estava escrito nas Escrituras Econômicas. Como reagiu o setor produtivo? Pagando mais impostos! Reduzindo a alíquota em mais de 50%, o Estado de São Paulo aumentou a arrecadação de ICMS sobre o álcool em 7%. Como reagiu o consumidor? Em S. Paulo, o aumento de consumo de álcool foi de 66% e no Paraná de 48%. O Governador Alckmin gostou tanto de arrecadar mais impostos, que também baixou o ICMS de artigos de couro de 18 para 12%.

 

Exemplo
    
Alguém poderia argumentar que o consumo de álcool aumentou em todo o país. Negativo, no Rio de Janeiro, no mesmo período, o consumo foi reduzido em um terço. O que fez a governadora, ipso facto? Reduziu o ICMS de 31 para 24%. Ainda é pouco. Se quiser arrecadar mais impostos, terá que diminuir mais a alíquota. O argumento do Governo do Rio é a equalização de alíquotas com Minas Gerais e Espírito Santo. Mesmo com a pequena redução, o preço na bomba deve cair mais de 10 centavos. Logo, o consumo aumenta e a arrecadação também. Portanto, não dou mais do que seis meses para que os Governos dos três estados emulem as alíquotas paulista ou paranaense. Não para beneficiar o consumidor, mas para arrecadar mais impostos. Elementar, meu caro Watson. Bem, ao menos para quem entende de economia.



 

Questão agrária, a outra faceta

Décio Luiz Gazzoni

     Dia desses um amigo meu encontrou um ex-colega da Embrapa, agora proprietário rural. Brincou com ele: - Cuidado companheiro, que eu vou invadir a tua fazenda! O interlocutor respondeu de bate pronto: - Invadir é fácil, quero ver você tirar o teu sustento da terra!

Com terra, cada vez menos gente
   
Os produtores rurais eram quase 7 milhões de americanos pós recessão de 29, viraram 3,5 milhões na época do Woodstock e hoje giram em torno de 2 milhões – uma redução média de 1% ao ano. Na França, 2 milhões de agricultores sobreviveram à chacina hitlerista, mas não resistiram às pressões do mercado e hoje mal passam de 500 mil – contração de 1,2% ao ano. No restante da Europa a população agrícola contraiu espantosos 3% na era OMC. No Japão, os índices também são assustadores. No Primeiro Mundo, a agricultura é considerada "ocupação de velho ou duplo emprego". A agropecuária não possui o mesmo dom de atrair jovens, como no início do século passado. Apesar dos subsídios, a renda dos módulos máximos de 40 hectares das propriedades não é suficiente para o sustento familiar, obrigando o proprietário a ter outra fonte de renda, fora da agropecuária, apesar da idade avançada.
  Competitividade
   
A menos que o bom Deus abra uma concessão especial, vivo não estarei em 2050 para discorrer sobre um eventual novo paradigma para a questão agrária. Pode ser que até lá a coisa mude, porém, nos dias de hoje, a competitividade é fruto de alguns fatores essenciais como extensão da área, agregação de valor, tecnologia adequada, capacidade de gestão dos fatores de produção e habilidade negocial. A extensão da área é modulada pelo valor intrínseco do cultivo ou da criação. Nos extremos, grãos ou gado exigem enormes áreas, cogumelos podem ser cultivados no quintal. Porém, na ausência dos demais fatores, o empreendimento estará, inexoravelmente, fadado ao insucesso.

Os com terra e seus dramas
    Em toda a cadeia produtiva, agrícola ou não, o grande embate entre seus elos ocorre pela maximização da apropriação das margens. Qualquer ganho de produtividade, ou redução de custos, é disputado ferozmente no seio da cadeia. Normalmente, os elos mais fortes são constituídos (na ordem) pelo Governo, os processadores e os distribuidores. O Governo dispõe do poder de criar e aumentar taxas e impostos, drenando recursos do sistema produtivo até o limite de seu comprometimento. Os processadores aproveitam-se da agregação de valor para vilipendiar a matéria prima e valorizar o produto final. E os distribuidores dispõem da vantagem de serem poucos conglomerados, de grande porte, com enorme poder de negociação de preços e margens. Sem contar os produtores de insumos pois, para cada 10% de aumento no preço do produto agrícola, os insumos aumentam, no mínimo, 30%!
  Produtor e seus riscos
Não há outra atividade econômica que embuta tantos riscos quanto a agropecuária. Entre eles estão os riscos climáticos, os sanitários, a infra-estrutura inadequada, as externalidades comerciais ou políticas que deprimem preços, as poucas alternativas de financiamento da produção, entre outros. A concentração de atividades em alguns períodos do ano tira do produtor o poder de barganha; a sua dispersão geográfica conduz à falta de união e organização adequadas para o processo de compra de insumos e comercialização da safra.
  E os com-terra?
A competitividade do produtor moderno repousa em alguns itens, como descrito acima. Não há como fugir da escala, seja ela escala fundiária para produtos de baixo valor intrínseco, do cultivo de produtos de alto valor intrínseco ou a agregação de valor. Em todos os casos é fundamental o domínio da tecnologia agrícola, o que exige cada vez mas conhecimento, preparo e sofisticação. Por outro lado, sem o domínio de técnicas de administração de fatores de produção e de capacidade de negociação, o agricultor também estará fadado ao insucesso. Por isso, o corolário da pergunta lá do primeiro parágrafo é: E quem luta pela causa dos com-terra?



 

Nova era, ano Zero

Décio Luiz Gazzoni

Os jornais de ontem, aparentemente, só traziam notícias ruins. Estava nas manchetes que a renda do trabalho do brasileiro caiu 7,4%, em 2003 – o pior resultado em dez anos. Dizia também que a taxa de desemprego subiu para 9,7%, no ano 1 da era Lula. Tinha mais: O Brasil crescerá, em 2004 e em 2005, menos que o mundo. Menos também que os países emergentes, menos que a África. Só ganhará da Bolívia e do Paraguai.

Notícia boa

Mas tinha um notícia prá lá de ótima. Como diria a turma do Casseta e Planeta, os seus problemas acabaram! Ocorre que o Governo da Rússia decidiu ratificar o Protocolo de Quioto. Com isto, ele entra em vigor no próximo ano, conformando o que será uma das maiores fontes de investimento em países agrícolas: o mercado de carbono. O Brasil será o grande beneficiário deste mercado e, através dele, captaremos centenas de bilhões de dólares em investimentos para agricultura e energia, nos próximos anos.

 

Beneficiários

Cria-se um enorme mercado internacional de bioenergia, lastreado em biocombustíveis como álcool e derivados de óleos vegetais. Ganha impulso a silvicultura, que produzirá briquetes e madeira. A agricultura brasileira será reconfigurada totalmente, e será a locomotiva de uma era de desenvolvimento sem precedentes em nosso país. Desde que o governo e os empresários saibam aproveitar as oportunidades.

Oportunidades

E quais são? Uma plêiade delas e destacamos algumas a seguir:

Ambiental: O Brasil, como provedor de energia renovável, reduzirá o impacto ambiental em seu território e apropriar-se-á de recursos dos créditos de carbono para financiar o seu desenvolvimento. O rating ambiental do Brasil será apropriado para a colocação de outros produtos do agronegócio em mercados que impõem severas exigências ambientais para os fornecedores de alimentos ou fibras;   Econômica: A energia renovável será um dos mais importantes negócios do mundo, que superará em valor o complexo energético e químico baseado em carbono, no longo prazo. O Brasil é o país com melhores condições para liderar a produção mundial de fontes renováveis de energia e, mantidas as proporções, ocupará o vácuo que será gerado com o esgotamento das reservas de petróleo do Oriente Médio. O Brasil transmutar-se-á, rapidamente, de importador para exportador de energia;  

Comercial: Analistas estimam que a agricultura de energia será responsável pelo maior volume financeiro das transações do comércio internacional do agronegócio, até a metade deste século. Não existe outro país do mundo com vantagens naturais maiores que as brasileiras para dominar este segmento. O Brasil possui condições de obter o maior saldo comercial nas transações com o exterior, entre todos os países do mundo, alicerçado na agricultura de energia;

 

Social: Investindo na produção de biomassa haverá um aumento ponderável da renda nacional, com distribuição mais eqüitativa; geração de grande número de empregos e outras oportunidades de renda, com baixo investimento; inversão dos fluxos migratórios e interiorização do desenvolvimento; e ampliação da arrecadação tributária (sem o acréscimo de alíquotas e criação de novos impostos) para aplicação em programas de saúde, educação, habitação e segurança;   Tecnológica: O Brasil pode consolidar sua liderança em tecnologia para o agronegócio tropical, constituindo uma plataforma com poder de induzir inovações em outros setores de C & T, alavancando outros segmentos empresariais do agronegócio; e   Estratégica: Ancorado em um agronegócio potente e com uma imagem positiva, associada à proteção ambiental, o Brasil magnificará seu peso específico no concerto das Nações, que conferirá ao nosso país. um poder de negociação potencializado em relação ao nosso passado recente.

Nova era

Bem vindos à nova era, iniciada em 30 de setembro de 2004. O fim da era do petróleo gerará uma das maiores oportunidades que o Brasil já teve de realizar seu potencial. Acredito que as novas gerações de brasileiros serão bem mais felizes em nosso país do que a nossa o foi.



 

Marco Zero de uma nova era

Décio Luiz Gazzoni

A necessidade de mudança urgente na matriz energética e de estabelecimento de um novo paradigma de crescimento mundial, com respeito ao meio ambiente, ganha um portentoso impulso com a adesão da Rússia ao Protocolo de Quioto, o que viabiliza a sua implantação no plano global. A sua entrada em vigor terá o condão de deflagrar uma revolução setorial e antecipar metas futuras. Assim, não há mais como o Brasil postergar uma atitude ousada e agressiva, tendo como objetivo liderar o estado da arte da agricultura de energia, no plano mundial.

O predomínio futuro da agricultura de energia sobre os demais segmentos repousa na finitude das principais fontes de energia da atual matriz energética, como petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%), que se esgotarão neste século. Posta a escassez e a extração mais complexa, os preços dispararão. De alguma forma este processo já se encontra em andamento, posto que, nos últimos 30 anos, o preço nominal do petróleo aumentou 2.400%, sendo a valorização real de 455% (Tabela 1).

Tabela 1 – Variação do preço internacional do petróleo

Ano

Preço do Barril (US$)

Os choques

Enquanto no primeiro e segundo choques de petróleo a razão estrutural preponderante para o aumento de preços foi a diminuição da oferta, orquestrada pelo lobby petrolífero (Organização dos Países Produtores de Petróleo - OPEP), o aumento verificado neste século prende-se à expansão da demanda. Em contraposição ao ocorrido nas décadas de 70 e 80, a OPEP vem agindo para regularizar o abastecimento do mercado, pois o aumento exagerado do preço do petróleo afeta o seu negócio. Entre os efeitos adversos está a viabilização de outras fontes de energia.

De 2002 a 2004, o consumo diário de petróleo no mundo expandiu de 78 para 82 milhões de barris. A China respondeu por 36% deste aumento e os EUA por 24%. As altas taxas de crescimento da China fizeram com que o país passasse de exportador para importador de petróleo. Em 2004, foi a vez do Reino Unido transpor a condição de exportador para importador.

  Valor Nominal Valor Atualizado

1972

2,00

9,00

1974

8,00

30,00

1980

24,00

55,00

2000

35,00

39,00

2003

40,00

41,00

2004

50,00

50,00

 

Em 2004, o consumo de energia dos países ricos (1 bilhão de cidadãos) alcançou 4,5 toneladas equivalentes de petróleo (TEP)/pessoa/dia. Já nos países emergentes (5 bilhões de habitantes), o consumo situa-se em 0,75 TEP/pessoa/dia. A globalização cultural e de mercados e a assimilação de costumes de países ricos pelos emergentes, pressiona o consumo energético nos países emergentes. Enquanto os países ricos aumentaram seu consumo global em menos de 100%, nos últimos 20 anos, no mesmo período a Coréia do Sul aumentou sua demanda em 306%, a Índia em 240%, a China em 192% e o Brasil em 88%.

Os vetores da mudança

As reservas comprovadas de petróleo do mundo somam 1,137 trilhões de barris, 78% dos quais no subsolo do cartel da OPEP. Essas reservas supririam a demanda mundial por 40 anos, mantido o atual nível de consumo. Estima-se que a demanda deva crescer, em média, 1,9% ao ano, o que elevaria o consumo de petróleo para 120 milhões de barris/dia, em 2025. Projetando-se os últimos 50 anos, prevê-se que as reservas crescerão a taxas mais tímidas que o consumo. Desse cenário resulta que, abstraindo-se as alterações na matriz energética, o ocaso da era do petróleo está contratado para meados do presente século. Porém, antes do esgotamento, a instabilidade geo-política do Oriente Médio e o aquecimento global forçarão a transição.  

Na composição da futura matriz, entroniza-se a energia solar como principal fonte primária de energia, que se desdobrará em repositórios intermediários, por meio da fotossíntese (biomassa) ou de processos industriais. A conjugação das duas vertentes, como as células de combustível, operacionaliza as formas de aproveitamento da energia solar.

Este cenário, baseado em fontes renováveis, torna sustentável a nova matriz, dentro de determinados limites. A interdependência e a integração entre estas fontes será outra tônica, o que viabilizará outras fontes energéticas, como a eólica.

Biomassa

Os especialistas em planejamento estratégico antecipam que, nas próximas décadas, o agronegócio mundial estruturar-se-á em quatro macro-segmentos: alimentação e fibras, biomassa, plantas ornamentais e nichos especializados. A biomassa será a base da energia renovável. Os mesmos especialistas antevêem que esse segmento movimentará o maior volume de recursos das transações agrícolas internacionais, a partir do ano de 2050.   Sob o conceito de biomassa, três grandes vertentes dominarão o mercado da denominada agricultura de energia: os derivados de produtos intensivos em carboidratos ou amiláceos, como o etanol; os derivados de óleos vegetais, como o biodiesel e o ecodiesel; e os derivados de madeira, como briquetes ou carvão vegetal.   Aceitas as premissas acima, qualquer cenário de médio e longo prazos, revelará as vantagens comparativas do Brasil para ser o paradigma do uso de energia renovável e o principal player do biotrade – o mercado que está sendo plasmado, consolidando os negócios internacionais de energia renovável.

Análise do negócio

O Brasil reúne condições para ser o principal receptor de recursos de investimento provenientes do mercado de carbono. Os contornos deste mercado estão visíveis e ele será rapidamente catapultado com a ratificação do Protocolo de Quioto pela Rússia, destarte a recusa em subscrevê-lo por parte do maior devorador de energia fóssil e maior emissor de poluentes atmosféricos, que são os Estados Unidos.   O sinergismo entre as vantagens comparativas naturais (solo, água, radiação solar e mão de obra) e as captações de capital proveniente de projetos vinculados aos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, tornarão o país ainda mais atrativo para macro-investidores ávidos por disputarem o market share do biotrade. Esses capitais comporão um portfólio de investimentos na produção, porém também auxiliarão na logística de armazenamento e escoamento da produção (comunicações, tancagem, ferrovias e hidrovias e instalações portuárias).   A apropriação da maior fatia da rentabilidade do mercado de bioenergia será proporcional à importância dos fatores de produção. Radiação solar é grátis e a terra no Brasil ainda será abundante e barata (para os padrões internacionais) ao longo deste século. Logo, a remuneração da natureza será proporcionalmente baixa.

A mão de obra também será farta, mesmo posta a redução das taxas de natalidade e o crescimento da oferta de emprego. Já a extensão da esperança de vida e a automação de processos são forças contrárias ao pleno emprego. Desta forma, a mão de obra em seu sentido massivo, terá baixa remuneração, na partilha da apropriação da rentabilidade.   Entretanto, os capitais terão custos de oportunidade diferenciados, sendo carreados para investimentos com mercado estável, de alta rentabilidade, segurança e liquidez. Estas características estarão presentes na agricultura de energia e em outras alternativas de investimento, o que projeta um conjunto de negócios de alta atratividade.   A produção de biocombustíveis ainda se encontra na infância tecnológica, devendo mostrar muito dinamismo, mesmo nas projeções de longo prazo. Os detentores e usuários de tecnologia no estado da arte serão muito bem remunerados, sob o conceito da apropriação das margens.

Bônus

A conclusão é reforçada por uma derivada do mercado de energia, para o qual poucos analistas, lideranças e autoridades têm atentado: a matéria prima para a produção de combustíveis fósseis e para a petroquímica é a mesma. O declínio na oferta de petróleo afetará o conjunto das cadeias produtivas que dele dependem. Ao contrário da energia, onde uma cesta de fontes estará disponível, a matéria prima sucedânea para a indústria petroquímica será a biomassa. E a concretização desta previsão poderá ser antecipada ou retardada em função do investimento em PD&I.

 

  Apesar do exposto, os cenários não são pétreos nem auto realizáveis. O poder regulatório e de intervenção do governo pode alterar o quadro exposto, desde que este atue pró-ativamente e na direção correta. No caso do Brasil, é de fundamental importância que aspectos sociais e ambientais sejam considerados.

Para tanto, o Governo pode – ou deve! - lançar mão de diversos instrumentos, como políticas públicas, o seu poder de compra e regulatório e a adequação do ferramental tecnológico.    

Considerando-se o tempo de maturação destas medidas, em especial o delay entre a formulação de hipóteses e a apropriação de uma tecnologia, em larga escala, pelos seus usuários, é importante visualizar os cenários mas também atentar para as molduras, para melhor balizar as decisões do presente que contratarão o futuro.



 

E quando as reservas de fertilizantes acabarem?

Décio Luiz Gazzoni

A todo o instante somos chamados à reflexão: e quando o petróleo acabar? E quando a água potável acabar? E quando a terra agricultável se esgotar? Todas são reflexões pertinentes e importantes, mas a questão não se esgota por aí. Existem outros recursos naturais não renováveis, aos quais também devemos dedicar atenção, a fim de não comprometer as gerações futuras. E esse é um desafio para os cientistas da agropecuária.   Existem três grandes restrições à expressão do potencial produtivo das plantas cultivadas. A primeira é de origem biótica, representada pelas pragas (insetos, fungos, bactérias, nematóides, vírus, plantas invasoras, etc). As duas outras são abióticas, sendo uma delas climática (seca, temperaturas inadequadas, excesso de chuva, granizo, etc) e a outra ligada às condições do solo (salinidade, acidez, baixa fertilidade, estrutura ou topografia inadequada, compactação, entre outras). E o agricultor espera solução adequada para todas as restrições.

Os estresses agrícolas

Os estresses são responsáveis por grandes perdas de produção agrícola, pela sua instabilidade ao longo do tempo, pelo alto custo dos seguros agrícolas e, no limite, pela pobreza nas regiões mais afetadas por estresses, sejam eles edáficos, climáticos ou sanitários.   O estresse climático é o de mais difícil abordagem, porém estudos estão sendo conduzidos para melhorar o zoneamento agrícola, para desenvolver variedades resistentes à seca, ao frio e ao excesso de água e para compor sistemas de produção para convivência com os riscos climáticos. Novidades também surgem a todo o instante no que tange ao controle de pragas. E, mais recentemente, os cientistas abriram o leque de soluções diferenciadas para a nutrição de plantas. Um dos objetivos é prolongar a vida útil das jazidas de fósforo e potássio e poupar a energia necessária para a fabricação de fertilizantes nitrogenados.

Fixação simbiótica

A grande solução para o suprimento de nitrogênio às plantas cultivadas é a fixação simbiótica de nitrogênio. A natureza apontou essa solução ao associar bactérias com plantas da família das leguminosas, formando uma parceria de sucesso. As bactérias (dos gêneros Rhizobium, Bradyrhyzobium, Azorhizobium, etc.) possuem a habilidade de fixar o nitrogênio presente no ar atmosférico, devido à presença da enzima nitrogenase, fenômeno que está fora do alcance dos vegetais. Na parceria, as bactérias extraem do ar o nitrogênio necessário à sua sobrevivência e multiplicação, cedendo parcela deste para as plantas. Em contrapartida, a planta fornece nutrientes que são necessários para o desenvolvimento das bactérias.  

Pesquisas estão identificando estirpes das bactérias com maior capacidade de fixação de nitrogênio e menos sensíveis às condições ambientais. Da mesma forma, especializam-se as estirpes em relação às novas cultivares, buscando a melhor combinação possível de estirpes e cultivares.

As técnicas de biotecnologia abriram um vasto e promissor campo de pesquisas. Os cientistas podem estudar em detalhes a composição genética das bactérias, identificar genes desejáveis, transportar genes entre microrganismos diferentes, identificar com maior precisão as bactérias que serão utilizadas pelos agricultores.

  Um campo altamente promissor é a extensão da simbiose entre bactérias e plantas para outras famílias além das leguminosas cultivadas. Estudos com gramíneas, envolvendo bactérias dos gêneros Azospirillum, Beijirinckia, Bacillus e Azotobacter, abrem a perspectiva promissora de dispensar a adubação nitrogenada para o trigo, milho ou cana de açúcar, como ocorre, atualmente, para a soja e o feijão.

Acidez do solo e baixa fertilidade

O alumínio é o metal mais abundante na face da Terra e tem uma ampla distribuição no solo. Esse metal, na sua forma iônica (Al+++), é tóxico às plantas cultivadas. A solubilidade do alumínio no solo é dependente do pH. Em solos ácidos, o alumínio se torna solúvel; em solos com pH próximo da neutralidade, a sua solubilidade é muito baixa. De acordo com a FAO, mais de 30% das terras aráveis do planeta constituem-se de solos ácidos, com elevado teor de alumínio tóxico, resultando em baixa produtividade agrícola.   Na presença de altos teores de alumínio livre as células das raízes se danificam, interferindo com o desenvolvimento radicular e com a absorção de nutrientes. O problema é particularmente severo nos solos tropicais e úmidos. Culturas como soja, algodão, milho ou feijão não se desenvolvem bem nessa condição, devido à sua sensibilidade ao alumínio tóxico. A redução de produtividade pode superar 80% para as espécies e cultivares mais sensíveis. O pH mais baixo, além de solubilizar elementos tóxicos, diminui a disponibilidade de alguns nutrientes essenciais para as plantas, deprimindo ainda mais a produtividade.

Correção da acidez

Atualmente, a solução disponível é a calagem, de forma a elevar o pH do solo e reduzir a solubilidade do alumínio. Ocorre que a aplicação de calcário não é uma panacéia, pois necessita re-aplicações após determinado tempo. Além disso, aumenta o custo de produção e pode contribuir para a poluição causada pela erosão. Os pequenos agricultores, desprovidos de capital para investimento, são os maiores prejudicados pela acidez no solo.   Estudos têm sido desenvolvidos para contornar a elevada acidez dos solos, sem o recurso à calagem. Pesquisas recentes identificaram um gene de uma bactéria (Pseudomonas aeruginosa) que codifica para a enzima citrato sintetase (CSb). Os cientistas modificaram plantas de tabaco e mamão, pela introdução do gene, obtendo cultivares altamente tolerantes ao alumínio tóxico.

Plantas tolerantes à acidez

Foi descoberto que algumas plantas, para se desenvolverem em solos com altos teores de alumínio tóxico, liberavam ácido cítrico pelas raízes, o qual se ligava ao alumínio, formando compostos de mais difícil absorção pelos vegetais. As plantas transgênicas produziam e liberavam entre 4 e 10 vezes mais ácido cítrico que as cultivares originais.   As cultivares transgênicas, contendo o gene de P. aeruginosa, cultivadas em ambientes com saturação de Al+++, obtiveram bom desenvolvimento radicular. Ao contrário, as cultivares originais (sem transformação) não demonstraram habilidade para a formação de raízes sob essa condição. A análise do tecido radicular das plantas transgênicas demonstrou um teor muito baixo de alumínio, comprovando a teoria dos cientistas.   O gene também foi introduzido em milho e arroz, obtendo resultados similares. Caso não sobrevenham efeitos colaterais indesejáveis – agronômicos, ambientais ou de segurança dos alimentos – essa descoberta poderá significar um impacto comparável ao ocorrido com a Revolução Verde. Entretanto, o princípio no qual repousa é o antípoda da Revolução Verde, ou seja, aproveita-se o potencial genético da planta, sem o recurso a insumos químicos adicionais. Na prática, significa que a segurança alimentar do mundo estará menos dependente das reservas de corretivos do solo.

Extração de nutrientes

Sabe-se que o desenvolvimento pós-embrionário das raízes das plantas é altamente plástico. Essa propriedade permite adaptações de sua estrutura arquitetônica, em conformidade com as condições ambientais, sobretudo à disponibilidade de água e nutrientes do solo.

Utilizando a planta modelo Arabidopsis thaliana, os pesquisadores correlacionaram a disponibilidade de fósforo com o desenvolvimento do sistema radicular da planta. Havendo baixa disponibilidade (P<50 µM), observou-se maior crescimento da raiz principal e maior densidade de radículas laterais. Aplicando-se auxinas e inibidores do transporte de auxinas, verificou-se que essas mudanças estavam correlacionadas com uma sensibilidade mais elevada à auxina, quando há baixa disponibilidade de fósforo.

 

A análise genômica de plantas segregantes para a característica demonstrou que alguns genes mutantes (axr 1-3, axr 2-1, e axr 4-1) têm resposta normal à baixa disponibilidade de fósforo, enquanto outro mutante (iaa 28-1) demonstrou pouca sensibilidade ao estímulo de baixos teores de fósforo, para a formação de radicelas.

A partir dessas descobertas, foram desenvolvidas plantas transgênicas com maior capacidade de extração de fósforo, sob condições de baixa disponibilidade desse elemento, favorecendo especialmente os pequenos agricultores, que não dispõem de recursos para investir em melhoria da fertilidade do solo. Adicionalmente, será possível reduzir as atuais recomendações de adubação com esse elemento, ampliando o horizonte de uso das jazidas



 

Geneterapia I

Décio Luiz Gazzoni

Em visita à Estação Experimental de Rothamsted (Inglaterra), acompanhamos um estudo sobre distúrbios genéticos de plantas. A pesquisa demonstrou que a germinação da semente é controlada por mais de 30 genes, com poder de ativá-la ou manter a dormência, controlando o desenvolvimento da plântula. Em algumas plantas, um distúrbio genético causa a germinação precoce (antes da colheita), que inviabiliza a semente e reduz a qualidade do grão. Os agricultores levaram a queixa aos cientistas, que arregaçaram as mangas à cata de uma solução.   O gene CTS
Os cientistas descobriram um gene chave no controle do início da germinação, o CTS. Ele é fundamental para a transição da dormência para a germinação, regulando o metabolismo dos lipídios (reserva) da semente, que garantem o desenvolvimento da plântula até que ela possa absorver nutrientes e efetuar a fotossíntese. Os pesquisadores descobriram que o gene normal ativa a maturação do embrião e, simultaneamente, refreia o processo germinativo.

 

 

Mutação
Quando o gene CTS sofre uma mutação ou ocorre "corrupção" de seu DNA, surgem problemas na germinação das sementes. Como as queixas provinham de triticultores, os cientistas estudaram cada uma das seis cópias de cada cromossomo das células do trigo. Eles descobriram que os genes CTS, presentes em cada cópia do cromossomo, produzem proteínas mensageiras de tamanho diferente. As mensageiras são proteínas que transmitem ordens para a manifestação de outros genes; regulando a ação de hormônios ou enzimas; ou ainda para deflagrar, parar, incrementar ou decrementar processos bioquímicos. Sem demérito, podemos chamá-las de "office boys moleculares".
  "Corrupção" do DNA
Devido ao defeito genético, se as condições do ambiente forem ideais, pode ocorrer uma antecipação da germinação, ainda na espiga. Após comparar o DNA de genótipos de trigo antigos e recentes verificou-se que, ao longo da evolução do trigo, corrompeu-se uma seqüência de bases do gene. A cópia diferente do original cria um "ruído de comunicação" ao transmitir a ordem para a produção das proteínas. Por exemplo, imagine um rádio mal sintonizado, com o dial um pouco fora da freqüência da emissora. É possível entender a maior parte da transmissão porém, às vezes, a falta de sintonia perfeita dificulta - ou torna impossível - o entendimento. Imagine, então, transmitir números ou códigos de barras: a perda de um deles fará com que a ordem seja cumprida apenas parcialmente, com falhas que podem comprometer o processo.

 

 

Óleo de Lorenzo
Antes de prosseguir, abro um parêntese para uma coincidência: o gene CTS é muito parecido com o ALDP, um gene humano responsável pelo metabolismo dos ácidos graxos. Quando o ALDP sofre mutações, ocorre o acúmulo de ácidos graxos de cadeias longas, que danificam a mielina (membrana dos nervos), gerando desordens neurológicas, deficiências de aprendizado, coma e morte. O tema foi tratado no filme "O óleo de Lorenzo", baseado em um fato real, em que os pais do garoto Lorenzo salvam sua vida ao descobrir que a ingestão diária dos ácidos erúcico e oleico combate os sintomas da adrenoleucodistrofia
. Lorenzo ainda vive embora sua mãe, fumante inveterada, tenha falecido de câncer pulmonar. Parêntese fechado!

 

A geneterapia
Para solucionar o problema, os pesquisadores criaram cultivares transformadas de trigo, contendo um gene de centeio selvagem, cujas sementes apresentam alto nível de dormência. As sementes das plantas transgênicas amadureceram sem germinação precoce, apresentaram melhores características germinativas e reagiram positivamente à aplicação de ácido abscíssico, usado para inibir a germinação. Com essa pesquisa, criou-se uma alternativa viável para atender a demanda dos agricultores britânicos por cultivares cujas sementes não germinassem na espiga, mesmo com condições favoráveis, e que não atrasassem o processo germinativo, quando semeadas no solo.



 

Geneterapia II

Décio Luiz Gazzoni

Ainda durante a visita a Rothamsed acompanhamos um estudo sobre giberelinas, que são hormônios que controlam o crescimento e o desenvolvimento dos vegetais, intermediando a resposta da planta à variação da luminosidade e da temperatura. Existem 126 substâncias conhecidas como giberelinas, produzidas por fungos, bactérias ou vegetais. O complexo de giberelinas foi elucidado por estudos realizados no Japão, na década de 20. Os cientistas tentavam desvendar as causas do alongamento do caule e da morte precoce de plantas de arroz. Durante a pesquisa foi verificado que a doença era causada pelo fungo Gibberella fujikuroi. Na década de 30, foi isolada a substância ativa do fungo, denominada giberelina.   As funções das giberelinas
Nos vegetais, as giberelinas são produzidas no embrião, no meristema apical, em folhas jovens ou nos frutos. Atuam no alongamento e distensão celular, envolvem-se com a germinação, o crescimento do caule, ramos e raízes, o florescimento, o desenvolvimento e a maturação dos frutos e com a quebra de dormência das sementes. As giberelinas também atuam na resposta das sementes à vernalização (choque de baixa temperatura para quebrar a dormência das sementes) ou na reação ao fotoperíodo. É uma prática agronômica corrente a aplicação de reguladores de crescimento para alterar o desenvolvimento das plantas, buscando características desejáveis. Em videiras, o ácido giberélico aumenta o tamanho da baga da uva. Na produção do malte, a giberelina é utilizada para uniformizar a germinação da cevada.
  Estudos genéticos
Os genes que sintetizam um tipo de giberelina, e aqueles responsáveis pela decomposição desta giberelina, foram identificados e transportados para outras plantas. Os estudos mostraram que a presença de uma enzimas estava ligada ao metabolismo dessa giberelina específica, reduzindo o seu teor nas plantas. Os cientistas imaginaram que seria possível controlar, geneticamente, a estatura das plantas e retardar ou impedir o seu florescimento, controlando a giberelina na planta, e assim dispensando a aplicação de compostos químicos. Para tanto, o gene envolvido com a decomposição da giberelina de uma espécie de feijão (Phaseolus coccineus), foi transferido para a bactéria Escherichia coli.

 

Comprovando os estudos
Com o auxílio da bactéria, o gene foi incorporado ao código genético das plantas Arabidopsis thaliana e Nicotiana silvestris. A descendência das plantas modificadas compôs-se de linhas que apresentavam deficiência na produção de giberelina, manifestando o mesmo comportamento de plantas que receberam aplicação de produtos que inibem a giberelina. As sementes das plantas modificadas demonstraram viabilidade normal, mesmo com estatura muito baixa. Os pesquisadores obtiveram sucesso em induzir o florescimento com a aplicação de um tipo de giberelina que não é metabolizado pela enzima produzida pelo gene transferido.
  Geneterapia
Como resultado do estudo preliminar nas plantas modelo (Arabidopsis e Nicotiana), os pesquisadores produziram cultivares de beterraba de menor altura e com florescimento retardado. Também foi possível reduzir a altura do trigo, utilizando terapia genética, o que permite à planta expressar, integralmente, seu potencial produtivo e reduzir o acamamento, evitando perdas na colheita. O mesmo gene foi introduzido em plantas ornamentais, que tiveram sua altura reduzida, viabilizando seu uso para decoração de interiores. O sucesso no desenvolvimento dessas cultivares abre novas e interessantes perspectivas para o controle da altura das plantas, especialmente de espécies frutíferas, cuja colheita requer plantas de desenvolvimento anão, ou para estimular o florescimento da planta no momento mais adequado. A terapia genética deve substituir, no futuro próximo, a aplicação de ácido giberélico ou de substâncias inibidoras das giberelinas, obtendo-se o mesmo resultado final.



 

Biotecnologia e nutrição de plantas

Décio Luiz Gazzoni

O alumínio é o metal mais abundante da Terra e, na sua forma iônica (Al+++), é tóxico às plantas cultivadas. Em solos ácidos, o alumínio se torna solúvel enquanto, em solos com pH próximo da neutralidade, a sua solubilidade é muito baixa. De acordo com a FAO, mais de 30% das terras aráveis do planeta são ácidas, com elevado teor de alumínio tóxico e baixa produtividade. O alumínio livre, em altos teores, danifica as células das raízes, prejudicando o seu desenvolvimento e a absorção de nutrientes. O pH mais baixo, além de solubilizar elementos tóxicos, também diminui a disponibilidade de alguns nutrientes essenciais para as plantas. A soja, algodão, milho ou feijão, devido à sua sensibilidade ao alumínio tóxico, podem ter a sua produtividade reduzida em até 80%.

Correção da acidez

A tecnologia disponível, de aplicação de calcário para elevar o pH do solo, não é uma panacéia, pois necessita re-aplicações após determinado tempo, aumenta o custo de produção e pode contribuir para a erosão. Os pequenos agricultores, desprovidos de capital, são os maiores prejudicados pela acidez do solo. Ademais, as jazidas de corretivos e fertilizantes (calcário, fósforo, potássio) são finitas, devendo constituir-se em limitante futuro para a agropecuária.

 

Outra via

Algumas plantas, para desenvolverem-se adequadamente em solos com altos teores de alumínio tóxico, liberam ácido cítrico pelas raízes, imobilizando o alumínio no solo. Uma pesquisa do Prof. Luis Herrera-Estrella (Instituto Politécnico Nacional, México) identificou um gene na bactéria Pseudomonas aeruginosa que codifica para a enzima citrato sintetase (CSb). Os cientistas introduziram o gene em tabaco e mamão, obtendo cultivares altamente tolerantes ao alumínio tóxico, liberando entre 4 e 10 vezes mais ácido cítrico que as cultivares originais.

 

Plantas tolerantes

As cultivares transgênicas obtiveram bom desenvolvimento radicular em ambientes com saturação de Al+++, ao contrário das cultivares originais. A análise do tecido radicular das plantas transgênicas demonstrou um teor muito baixo de alumínio, comprovando a teoria dos cientistas. Além do mamão e do fumo, o gene foi introduzido em milho e arroz, com resultados similares. Caso essa estratégia seja bem sucedida, e não sobrevenham efeitos colaterais indesejáveis, a descoberta significará um impacto comparável ao da Revolução Verde, embora o princípio no qual repousa é o seu antípoda, ou seja, aproveita-se o potencial genético da planta, sem o recurso a insumos químicos adicionais.

 

Extração de nutrientes

Como o desenvolvimento pós-embrionário das raízes das plantas é altamente plástico, sua estrutura arquitetônica adapta-se às condições ambientais, sobretudo à disponibilidade de água e nutrientes do solo. Utilizando a planta Arabidopsis thaliana, os pesquisadores correlacionaram a disponibilidade de fósforo com o desenvolvimento das raízes. Mesmo com baixa disponibilidade do nutriente, observou-se maior crescimento da raiz principal e maior densidade de radículas. Aplicando-se auxinas e inibidores do transporte de auxinas, verificou-se que essas mudanças estavam correlacionadas com uma sensibilidade mais elevada à auxina, quando há baixa disponibilidade de fósforo.

 

 

Aplicação prática

A análise genômica demonstrou que alguns genes mutantes (axr 1-3, axr 2-1, e axr 4-1) têm resposta positiva à baixa disponibilidade de fósforo no solo. Já, outro mutante (iaa 28-1) não provoca o aumento das radicelas na presença de pouco fósforo. A partir dessas descobertas, foram geradas plantas transgênicas com maior capacidade de extração de fósforo, sob condições de baixa disponibilidade desse elemento, favorecendo especialmente os pequenos agricultores, que não dispõem de recursos para investir em melhoria da fertilidade do solo. Adicionalmente, será possível reduzir as recomendações de adubação, ampliando o tempo de uso das jazidas.

 



 

A Europa e os OGMs

Décio Luiz Gazzoni

Quando li num jornal europeu que Patrick Moore (um dos fundadores do Greenpeace) é hoje um ativista da pesquisa e do uso comercial da biotecnologia em países em desenvolvimento, não acreditei. Fui verificar no seu site (http://www.greenspirit.com) e estava lá o artigo por ele escrito: "A batalha pelo progresso da Biotecnologia - Cultivos GM trazem prosperidade aos agricultores pobres". Eu já havia visto políticos e até partidos inteiros mudarem radicalmente sua prática, mantendo o mesmo discurso. Mas, com ONGs era a primeira vez que eu via uma conversão tão radical, ou seja, um ambientalista defensor de OGMs.  

Pobres e ricos
Se é bom para os pobres também o seria para os ricos? A União Européia, incensada pelas ONGs como o baluarte anti-OGMs, determinou o fim da moratória na concessão de novas licenças para plantio comercial de variedades transgênicas. A regulamentação, exarada em há um ano, reabriu a análise de variedades transgênicas pelo Comitê de Biossegurança Europeu, pondo fim a uma moratória de quatro anos.

 

 

Moratória
Ela se restringiu à aprovação de novas variedades transgênicas, e não significou a ausência de plantio ou comercialização de transgênicos no Velho Continente. Diversos países europeus plantam OGMs, especialmente de milho, enquanto centenas de milhões de toneladas de soja ou derivados foram importados de paises que plantam soja RR, como os EUA, a Argentina e o Brasil.
  Novas licenças
Durante os últimos quatro anos acumularam-se mais de 30 pedidos de licenciamento de milho, soja, colza, beterraba e batata transgênicas, para plantio comercial na Europa. Alguns pedidos foram retirados, sendo substituídos por variedades mais avançadas, por vezes com mais de uma característica de transgênese.

Rotulagem
Atendendo a pressões de ONGs, a nova regulamentação deu mais uma volta no torniquete, exigindo o aviso de presença de OGMs sempre que o produto contiver mais de 0,9% de produto transgênico, mesmo para alimentos que não contenham a enzima ou proteína codificada pelo gene introduzido. Por exemplo, o óleo de soja RR deverá ser rotulado, embora não exista no óleo a enzima que diferencia uma cultivar RR de sua irmão gêmea convencional. A rotulagem está associada ao sistema de rastreabilidade e certificação, que permite recompor as tecnologias, os insumos e as matérias primas que deram origem ao alimento.
  Impactos
O final da moratória derivou de estudos em que cientistas concluíram que os OGMs produzidos em escala comercial não apresentam perigo à saúde humana, em índice superior aos produtos similares convencionais. Da mesma forma, os estudos de impacto ambiental não evidenciaram, nos experimentos e na prática, as preocupações argüidas, em especial de fluxo gênico. Ao contrário, um dos argumentos mais poderosos para o fim da moratória foi a constatação de que o plantio de variedades de milho transgênicas, resistentes a insetos, permitiu economizar milhares de toneladas de agrotóxicos, a cada ano.

ONGs
Não existe uma tecnologia tão polêmica e que tivesse utilizado como "cobaias" os cidadãos dos países ricos, como é o caso de OGMs. As estatísticas demonstram que os maiores plantadores (à exceção da Argentina) e os maiores consumidores de transgênicos se encontram no Primeiro Mundo. Isso ocorreu, apesar da batalha das ONGs, que tentam impedir o plantio e a comercialização de OGMs no mundo. Estas organizações continuam ativas na Europa e mantêm sua luta para banir a tecnologia.
  Mercado
As leis de mercado têm se mostrado mais poderosas que os argumentos brandidos pelas ONGs. Foi uma vitória das ONGs a moratória de novos licenciamentos, que ora se extingue e, em decorrência a menor taxa de utilização de OGMs na Europa em relação a outros países como os EUA, o Canadá, a Austrália, a China e a Argentina. O grande teste virá agora, com o fim da moratória. Um incremento na área de OGMs da Europa, nos próximos anos, significará um pesado revés à luta das ONGs.



 

Tecnologia e competitividade do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

O Governo não tem como prioridade alavancar o desenvolvimento brasileiro. De acordo com o Laboratório de Políticas Públicas (UERJ) "...Em 2003, nosso governo pagou R$ 149 bilhões em juros aos detentores de títulos da dívida interna (que, não obstante, continuou a aumentar). Foi uma quantia 5 vezes maior do que os gastos em saúde pública, 8 vezes maior do que os gastos em educação, 28 vezes maior do que em transportes, 47 vezes maior do que em segurança pública, 50 vezes maior do que em preservação do ambiente, 70 vezes maior do que em ciência e tecnologia, 140 vezes maior do que em reforma agrária e 700 vezes maior do que em saneamento básico. Os números dispensam comentários". (http://www.contrapontoeditora.com.br/docs/10 maio 2004.doc).

Agronegócio
O agronegócio é um dos setores da economia que mais sofrem com esta política, pois a inserção do Brasil no mercado globalizado pressupõe alta competitividade. Uma das pilastras da competitividade é o estado da arte tecnológico, o que pressupõe sistemas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) e de Transferência de Tecnologia (TT) condizentes com as metas que o país se propõe a atingir, na disputa pelos mercados do agronegócio. Os sistemas existentes no Brasil demonstraram sua capacidade de impulsionar e sustentar a competitividade do agronegócio brasileiro, o qual responde, atualmente, por 34% do PIB, por 37% da oferta de empregos e pela totalidade do saldo na balança comercial, devendo angariar divisas líquidas de US$30 bilhões, no corrente ano.

 

Esgotamento
Problemas de ordem estrutural e macro-econômica, vinculados às políticas de estabilização da moeda e de inserção do Brasil no mercado financeiro internacional, conduziram à compressão da capacidade de investimento do Estado, o qual, além da dívida financeira (57% do PIB), acumula outras dívidas (social, de justiça, de infra-estrutura, educacional, de PD&I), de difícil resgate no horizonte visível, mantida a presente diretriz governamental. A pressão tributária (real de 51% e praticada de 40-48%) ao tempo em que torniqueteia o desenvolvimento nacional, encontra-se em um patamar muito elevado, tornando temerários novos avanços tributários sobre o sistema produtivo. Até o Ministro Palocci reconheceu que o Governo tem aumentado tributos além do suportável.

 

Descompasso
A Embrapa, maior organização de PD&I do agronegócio, serve como exemplo do descompasso entre o investimento em PD&I e o crescimento das demandas. Em 1977, três anos após sua criação, a Embrapa atingiu o pico orçamentário em relação ao PIB do agronegócio (0,46%) e, em 1985 alcançou a segunda melhor relação histórica (0,4%). Este índice atingiu 0,13% neste ano, um dos menores dos 30 anos da Embrapa. Em relação à população brasileira, o melhor orçamento da Embrapa foi o de 1982, com investimento per capita de R$8,02 (valores atualizados). Atualmente, esse investimento é de R$4,28, equivalente ao orçamento do ano de 1977. Pontualizando para a soja, o produto mais importante do agronegócio nacional, o orçamento da Embrapa Soja de 1990 equivaleu a 0,4% do valor da produção da soja brasileira. Em 2004, este valor está estimado em 0,05% - oito vezes inferior ao índice observado há 14 anos.
  Tecnologia e competitividade
O agronegócio cresceu, aumentaram as demandas – que se tornaram mais sofisticadas - e o consumidor ficou mais exigente. O Brasil é um player respeitado no mercado internacional, firmamos acordos bilaterais, multilaterais ou internacionais, que nos obrigam a dispor de um sistema de PD&I com nível de excelência equivalente aos melhores do mundo. Caso contrário, como garantir a nossa competitividade? Como contra-arrestar os subsídios agrícolas? Como contrapor-se às barreiras sanitárias, como ocorreu recentemente com os focos de aftosa, a calúnia da BSE ou o affair da soja na China?
 

Novo modelo
Para resolver a inequação resultante da falência do Estado como provedor de PD&I e TT frente às demandas crescentes - e cada vez mais sofisticadas - do sistema produtivo, propõe-se discutir um novo modelo em que, solidaria, complementar e suplementarmente ao Estado, os atores do agronegócio invistam no que, talvez, seja seu insumo mais importante: tecnologia adequada. Em tempos de metáfora, poderíamos dizer que isto será a salvação da lavoura.

 


Pólo de biocombustíveis

Décio Luiz Gazzoni

 Será possível a vida sem Copacabana, Ipanema e Leblon? Ou sem Camboriú, Itapema e Joaquina? A Côte d’ Azur? Possível até será, mas, seguramente, ela será menos agradável. Esta foi uma das reflexões provocadas pelas apresentações dos Ministros Roberto Rodrigues e Dilma Roussef, durante o Seminário de Biocombustíveis, na ESALQ/USP (Piracicaba). A reflexão decorreu da previsão de que, se providências sérias e imediatas não forem tomadas, a temperatura media do mundo crescerá, provocando degelo nos pólos, elevando o nível da água do mar. Não apenas perderemos a praia, como a classe média será obrigada a subir o morro, empurrada pela água do mar.

 

Efeito estufa
A catástrofe, prevista e com data marcada, é decorrência do aumento da concentração de gases de efeito estufa - GEE (gás carbônico, metano, anidrido sulfuroso) emitidos, principalmente, pelos combustíveis fósseis. Existe um fenômeno natural, chamado Efeito Estufa, que faz com que a temperatura terrestre tenha média anual, global, de 15º. C. Este fenômeno é função da concentração de cada gás que compõe a atmosfera do nosso planeta. Entretanto, no século XX, o mundo modificou, radicalmente, a sua matriz energética, passando a depender de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás), que representam 80% da oferta de energia. A queima destes combustíveis desequilibra a composição de gases da atmosfera, fazendo com que seja intensificado o efeito estufa, aumentando a temperatura média da Terra. Em conseqüência, acentuam-se os extremos climáticos, que também se tornam mais intensos, como é o caso de inundações, secas, tempestades, ciclones, nevascas, etc. E que, também, provoca o derretimento do gelo das calotas polares, aumentando o nível dos oceanos em um centímetro ao ano. O preço a pagar será a inundação das áreas costeiras, pois o nível das ãguas aumentará um metro em um século!
 

Protocolo de Quioto
As lideranças mundiais, tanto políticas quanto científicas, buscam fórmulas para desfazer as previsões dantescas, elaboradas a partir da continuidade do consumo de combustíveis fósseis. O Protocolo, que entrará em vigor a partir do próximo ano, obriga os países industrializados, a reduzirem suas emissões de GEE em 5%, em relação a 1990. Não será uma tarefa fácil, porque exige que os países ricos reduzam sua produção industrial, convertam seus módulos energéticos e diminuam o consumo de combustíveis fósseis. Para viabilizar esta meta, foi criado um mecanismo – denominado mercado de carbono – que permite às empresas do Primeiro Mundo comprar certificados de seqüestro e fixação de carbono, ou de substituição de energia fóssil por energias renováveis, de países que são mais “ecologicamente corretos”.

 

Biocombustíveis
Aí é que entra o Pólo de Biocombustíveis, uma iniciativa do Ministro Roberto Rodrigues, cuja proposta é gerar tecnologia para aumentar a produção e a produtividade das culturas energéticas, como áreas de reflorestamento, cultivo de cana-de-açúcar e oleaginosas, além do aproveitamento de resíduos e dejetos da atividade agrícola. Também haverá um investimento em tecnologias de processamento e obtenção de energia a partir de fontes renováveis. Além do álcool, que já é uma realidade, pretende-se, pela via tecnológica, viabilizar outros biocombustíveis, como biodiesel, ecodiesel, biogás, carvão vegetal, briquetes e outros produtos derivados da biomassa. O objetivo final é tornar o Brasil o paradigma do uso de biocombustíveis no mundo.
  Oportunidades
Ademais do ganho ecológico, vislumbram-se outras oportunidades com o aproveitamento energético da biomassa, como a ampliação do número de empregos, a captação de recursos do mercado de carbono, a geração e distribuição de renda, a substituição de importações e o incremento das exportações. O pólo terá o condão de congregar diversos parceiros para compor o esforço de inovação tecnológica que o Brasil necessita para transformar todas estas oportunidades em realidade. A Embrapa já disse presente e será uma das instituições pioneiras na junção de esforços do Pólo de Biocombustíveis.



Mamona, o petróleo do sertão

Décio Luiz Gazzoni

Depois que o bicudo fez desaparecer o algodão do sertão nordestino, para o sertanejo sobrou apenas um legítimo cash crop: a mamona. O sertanejo não sabe o que é cash crop ou o que significa "quase moeda". Mas ele sabe que pode trocar, na vendinha do povoado, algumas bagas de mamona por produtos de primeira necessidade. Há uma taxa de câmbio flutuante, que regula o preço da baga, de acordo com a corrente de intermediação e com o mercado internacional. Assim, um quilo de farinha pode valer mais ou menos bagas de mamona, de acordo com a "taxa de câmbio da mamona", ancorada na demanda internacional do óleo e de sua cotação em Rotterdam. Quem diria!

Cadeia negocial
A situação de semi escambo resolve apenas parcialmente o problema do sertanejo, que fica exposto a uma cadeia de atravessadores, os quais, ao final, viabilizam a comercialização da mamona. A proposta subjacente, percebida no I Congresso Brasileiro de Mamona, é conferir um novo status à cultura. Além das aplicações industriais e de química fina, o óleo de mamona pode ser utilizado para fins energéticos. Na proposta do Programa Brasileiro de Biodiesel, a mamona é peça fundamental para cumprir a meta de adição de 2% de biodiesel ao óleo diesel. Não apenas pelo potencial energético, mas também por suas características de adaptação ao clima seco e à pequena propriedade.
  A cultura
A mamoneira tem seu centro de origem na região tropical, provavelmente na Etiópia. Portanto, apresenta alta resistência à seca (mínimo de 500 mm de chuva ao ano), demanda alta radiação solar e se desenvolve melhor com temperaturas médias entre 20 e 30º.C e em altitudes superiores a 400 m. Adapta-se bem a uma ampla gama de solos, excetuados os ácidos, pesados, encharcados, salinos ou com alto teor de sódio trocável. As cultivares atualmente disponíveis, como a BRS149 e a BRS188, permitem obter 1.500kg/ha de bagas, em condições de lavoura de sequeiro, com teor de óleo próximo a 50%. Alguns agricultores mais tecnificados conseguem colher mais de 2.000kg/ha e produtores baianos afirmam estar obtendo até 54% de óleo das bagas de mamona.

Energia e inserção
Além de seu potencial energético, a mamona prestará uma importante contribuição para a inclusão social de centenas de milhares de pequenos agricultores e trabalhadores rurais. A cultura surge como uma dádiva que permitirá produzir biodiesel no deserto, de onde a metáfora de petróleo do sertão. Não gerará sheiks e vizires, como nas Arábias, mas permitirá gerar emprego e renda em uma região deficitária em ambos. Os programas já pipocam em diversos estados. Na Bahia, maior produtor brasileiro, a esperança é grande. Só em Irecê
, são mais de 30 mil agricultores que podem buscar na mamona a segurança que o feijão caupi, por ser mais sensível ao estresse hídrico, não lhes confere. No Piauí, uma empresa privada engatinha o que chama de "reforma agrária privada", baseada na mamona, nos cultivos consorciados e complementares. No Ceará, espera-se implantar 10.000 ha ainda este ano, beneficiando 3.000 famílias. No Rio Grande do Norte, a Petrobrás lança as bases de uma indústria de biodiesel, em Carnaubais.
  Política pública
O Brasil já esteve no topo da produção mundial de mamona
, com quase 400.000 ton de bagas (1985). Hoje, mal chega a 85.000 ton, torpedeado pela Índia, que produz 500.000 ton. A idéia é dar a volta por cima e retomar à liderança, calcado em uma política que vislumbra não apenas os 600 produtos tradicionais, derivados da mamona, mas também a energia que pinga das bagas. A decisão de se permitir, de imediato, a adição de 2% de biodiesel ao petrodiesel, para tornar a mistura compulsória em 2 anos, garantirá o mercado consumidor. O restante fica por conta da tecnologia dos institutos de pesquisa e da organização da produção (assistência técnica, cooperativismo, comercialização), que conferirão sustentabilidade a um negócio que interliga energia, proteção ambiental e inclusão social.

 

Língua eletrônica

Décio Luiz Gazzoni

  A ciência tem se esmerado em reproduzir (e até melhorar!) algumas características dos seres vivos. Hoje podemos voar mais alto e mais rápido que as aves, correr mais que os leopardos, mergulhar como os habitantes do mar. A Ciência desenvolveu o microfone (audição), o alto-falante (fala), a câmera (visão) e os sensores térmicos e de presença (tato). Faltava mimicar o paladar e o olfato.  

Embrapa
Faltava, até a Embrapa desenvolver a língua eletrônica. Trata-se de um sofisticado aparelho, com sensores de substâncias químicas associadas ao gosto, imitando o que fazem as papilas situadas na língua. Por exemplo, a língua eletrônica consegue identificar com precisão superior à humana, os padrões de gosto como doce, salgado, amargo ou ácido. Mais do que a sensação qualitativa, o equipamento permite quantificar as substâncias que conferem esta característica.
  Paladar
O sentido do paladar ainda não está completamente desvendado pela ciência. As últimas descobertas demonstram que o paladar é um eterno aprendizado. Juntamente com outros sentidos (especialmente visão e olfato), o organismo monta um "banco de dados" de padrões na sua memória permanente. Quando o indivíduo ingere um líquido, um chá ou café, os sensores das papilas detectam algumas substâncias chave e, por comparação com o que está armazenado no "banco de dados" cerebral, é efetuada a identificação. Logo o paladar tem muito de pessoal e de cultural, porque significa a formação de um conhecimento, o fruto das diferentes experiências às quais um indivíduo é exposto.
  Sofisticação
Tomemos o exemplo dos indivíduos de paladar mais apurado e mais sofisticado, como os provadores oficiais de café ou vinho. Um bom connoisseur de vinho é uma pessoa tida como semi-deus, inatingível em sua capacidade de identificar os melhores vinhos, através de sutis diferenças, imperceptíveis aos habitantes da ágora. Da indicação de um connoisseur depende a fama do vinho e sua cotação no mercado. O mesmo se aplica aos provadores de café. No caso de pessoas humanas, há necessidade unir um talento inato (a capacidade de apreciar e discernir), com uma característica sensitiva discricionária do momento, ao mesmo tempo em que resgata da memória sensações passadas de eventos semelhantes.

A lógica do equipamento
O Dr. Luiz H. Mattoso (Embrapa Instrumentação Agropecuária) liderou o projeto que desenvolveu a língua eletrônica, que mímica, parcialmente, as qualidades dos connoisseurs de vinho ou provadores de café. O equipamento compõe-se de sensores, que fazem as vezes de sentido humano (paladar). Estes sensores são micro-eletrodos de ouro recobertos por plástico, sendo necessários 8.000 deles para atingir o diâmetro de um fio de cabelo. A função do sensor é medir a condutividade elétrica do meio onde está mergulhado (café ou vinho, por exemplo). A variação na condutividade é medida pelo equipamento, que envia os dados a um computador. O banco de dados do computador executa a mesma função da memória humana, permitindo comparar eventos atuais com passados e decretar a sua similaridade, superioridade ou inferioridade. Para tanto, os cientistas desenvolveram uma "rede neural", inspirada pelos neurônios, e que imita o aprendizado humano. Ou seja, quanto mais o equipamento é usado, mais preciso ele se torna.
  Mercado
A língua eletrônica terá muitas aplicações no mercado, porém não deverá substituir, necessariamente, provadores de vinho ou café. Ela tem uma limitação, que é o fato de ser inanimada, ou seja, não há como afirmar-se que determinada bebida, analisada pelo equipamento, será do agrado do consumidor. Seu uso restringe-se à identificação das características qualitativas e quantitativas. Para tanto, o equipamento é extremamente sensível, e a equipe que o desenvolveu estima que seja capaz de detectar concentrações de substâncias em diluição até mil vezes superior ao limite de detecção da língua humana. Em testes realizados, o equipamento detectou o sal de cozinha em concentrações de 0,000005%. O equipamento deverá ser colocado no mercado até 2006, e o primeiro cliente é a Associação Brasileira das Indústrias de Café. Ah!, sim: e a Embrapa já está trabalhando no nariz eletrônico, com aplicações já previstas no mercado de frutas!




A soja RR e as medidas provisórias permanentes

Décio Luiz Gazzoni

Nos EUA, mais de dois terços da área de soja é semeada com soja resistente ao glifosato RR) e, na Argentina ela é utilizada em, praticamente, toda a área. Para o mercado internacional, enquanto comoditie, o novo padrão estabelecido é a soja RR, sendo as cotações a ela referenciadas. O Brasil era o único grande produtor de soja do mundo que, oficialmente, não cultivava soja RR, até o surgimento da série de Medidas Provisórias. A MP 223 libera, para plantio na safra 2004/2005, a "semente" em poder dos agricultores, para seu próprio uso.

Indecisão
O remendo das MPs não soluciona o "imbróglio" da biotecnologia agrícola. Enquanto os medicamentos biotecnológicos encontram livre trânsito, os produtos agrícolas são questionados. Cabe refletir sobre o ensinamento do padre Ricci, superior geral dos jesuítas, quando pressionado a alterar profundamente a constituição da Companhia de Jesus. "Sint ut sunt, aut non sint!", decretou o jesuíta ("Que as coisas sejam como são ou então não sejam"). Insisto – em coerência com o que sempre defendi – que o Brasil não pode ficar, eternamente, no acostamento das tendências mundiais. Ou bem nos engajamos na corrente dominante da biotecnologia ("sint ut sunt"), sem qualquer concessão em relação à biossegurança, ou investimos, fortemente, nos nossos institutos de pesquisa, para pavimentarmos um caminho alternativo ("aut non sint"). O que não podemos é ignorar que a competitividade no comércio internacional repousa em tecnologia competitiva. Postergarmos a decisão significa adiarmos a realização ou declinarmos do nosso potencial agrícola, matriz de emprego, renda e desenvolvimento.
  Ágio e Deságio
Caso houvesse alguma perspectiva de prejuízo com a soja RR, a pressão dos agricultores não seria tão avassaladora. E o Governo Federal, fortemente dependente das divisas da exportação de soja, não a liberaria. Após debruçar-se sobre as cotações dos últimos cinco anos, o analista Flávio França Jr., da Agência Safras e Mercados, demonstrou que o mercado não trabalha com ágio para soja convencional ou com deságio para a transgênica. Observe que a Argentina mais que duplicou a venda de soja à Europa, coincidindo com o plantio de soja RR, que representa 99% da sua produção. Tanto a Europa quanto a China, maiores compradores mundiais, exigem que o país exportador certifique que a partida de soja seja transgênica ou convencional, para efeito de rotulagem, sem que isto altere a decisão de compra ou a cotação da partida de soja. Logo, não existe constrição econômica ou negocial que impeça a regulamentação definitiva do uso de OGMs na agricultura brasileira.

 

 

Saúde
Os opositores da soja RR denunciam não existirem evidências científicas, definitivas, de que a soja RR não causa problemas à saúde humana. Em contraposição, seus defensores alegam que não existe qualquer evidência de que algum problema de saúde possa decorrer do consumo de soja transgênica. Enveredando por outra trilha de raciocínio, é incontestável que o tamanho do mercado, os prêmios e os descontos são determinados pelo consumidor, por avaliações objetivas ou por percepções subjetivas. O avanço extremamente rápido da soja RR, (mais de 50% da soja mundial), deixa transparecer que a quase totalidade da opinião pública não vislumbra riscos à saúde, decorrentes de seu consumo. Em tempos de culto à saúde, se dúvidas persistissem, a opinião pública mundial enxotaria do mercado os alimentos derivados de OGMs, incluindo a soja RR. O consumidor foi tranqüilizado pelo "efeito de massa", representado por mais de 300 milhões de toneladas de soja transgênica, consumidas nos últimos anos, sem que aflorasse qualquer suspeita de efeito alergênico ou outro distúrbio de saúde. Lembrando que a soja transgênica, produzida nos EUA, na Argentina ou no Brasil, é consumida, primordialmente, nos países do Primeiro Mundo. Seus cidadãos foram as cobaias, sujeitos a eventuais riscos à saúde. Não apenas os órgãos sanitários dos países ricos permitiram que o "teste" ocorresse com sua população, como não houve uma reação civil cuja magnitude impedisse esse "teste".

 

 

Ambiente
O principal problema ambiental aventado é o fluxo gênico. No Brasil, o risco prático de que esse fenômeno venha a ocorrer é nulo. A soja é uma planta autógama e a polinização ocorre com a flor ainda fechada. O pólen, após a abertura da flor, possui uma viabilidade muito baixa. E a polinização entre flores necessita do auxilio de polinizadores, escassos na cultura. Ou seja, mesmo entre cultivares de soja, a polinização cruzada seria muito difícil. A probabilidade de o pólen da soja (Glycine max) fecundar outras espécies vegetais, é ainda menor. Não existem parentes botânicos da soja no Brasil, com compatibilidade cromossômica, que torne a hibridação viável. Este poderia ser, eventualmente, um problema no Nordeste da China, onde existem espécies de soja selvagem. Similarmente ao exposto para o tópico saúde, em uma quadra da civilização em que a proteção ambiental é um "cult", a percepção da maior parcela da opinião pública é de que não existem perigos palpáveis pelo cultivo da soja RR, paradoxalmente podendo até ser favorecida, pela menor descarga de herbicidas no ambiente – o que levou ao fim da moratória dos OGMs na Europa. Portanto, a restrição à regulamentação definitiva não se prende às questões ambientais ou de saúde pública.
 

Vantagens
Propalam-se, de uma parte, ganhos financeiros com o cultivo de soja RR (por menor uso de herbicidas) e, de outra, que a mesma apresenta menor produtividade. Os institutos de pesquisa brasileiros nunca puderam comprovar qualquer das afirmativas. Com a legalização, essa dúvida poderia ser elucidada, comparando-se produção, receitas e despesas, em similaridade de condições. Pessoalmente, entendo que a vantagem da soja RR é a simplificação do controle de plantas daninhas, menos dependente de tecnicalidades e de condicionamentos de solo, clima e dimensionamento de parque de máquinas. Em relação à produtividade da lavoura não é lícito supor qualquer vantagem da soja RR, porque a tecnologia resume-se à resistência ao herbicida glifosato, não interferindo com outras características agronômicas.

 

Primeiro dilema
Removidas as constrições legais e reduzidas as angústias pertinentes à saúde e ao ambiente, entendo que o primeiro dilema da soja RR legalizada será o pagamento da taxa tecnológica ao detentor da patente. O Brasil será a arena para o primeiro teste real, em escala mundial. Na Argentina não há cobrança da taxa tecnológica e, nos EUA, qualquer valor cobrado é fictício, pois o subsídio encarrega-se de anular o impacto sobre o custo de produção. Comenta-se no mercado que o valor seria próximo de US$17,00/ha. Entendo ser o valor elevado, significando uma apropriação quase integral do eventual ganho financeiro com o menor uso de herbicidas. Em decorrência, antevejo uma ameaça ao sistema de sementes brasileiro, fortemente dependente da soja. Para evitar o pagamento da taxa tecnológica, incidente sobre a semente, o produtor utilizar-se-á da permissão legal de produzi-la para seu uso. Por esse raciocínio pode-se especular, também, que fica entreaberta a brecha para comercializar, ilegalmente, a semente assim produzida, sonegando impostos, roialties e a própria taxa tecnológica.
 

Segundo dilema

Desde o surgimento da soja RR, manifesto minha preocupação quanto ao desenvolvimento de plantas invasoras resistentes ao glifosato. A pressão de seleção exercida sobre as invasoras será de tal ordem que, em pouco tempo, seria possível surgir ervas daninhas resistentes ao glifosato, em grande escala. Esse fenômeno indesejável não é novidade nem é inevitável. Plantas daninhas resistentes ao glifosato foram identificadas nos EUA e na Argentina. Os agricultores deverão atentar para o manejo de plantas daninhas, executando rotação de culturas, diversificando formas de controle, alternando cultivares convencionais e transgênicas e, inclusive – se for o caso – variando a cultivar de soja transgênica, quando outras opções estiverem disponíveis. O agricultor relapso corre o risco de enormes prejuízos financeiros e muitas dificuldades para conduzir sua lavoura. Mais do que nunca, vale a velha máxima: consulte o seu agrônomo!



Café solúvel e saboroso
Décio Luiz Gazzoni

Durante muitos anos da minha vida pensei - e afirmei - que não gostava de café. E era suficientemente turrão para recusar qualquer cafezinho, não importando a procedência ou a forma de preparo. Isso durou até descobrir que eu não gostava de café ruim! Originário de uma região sem qualquer tradição cafeeira - de produção ou de bebida - na minha infância fui compelido a engolir uma gororoba que lembra o "chafé" americano. Além do que, o café era servido pela vovó logo após a dose mensal de óleo de rícino, supostamente para eliminar o enauseante gosto do óleo. Na prática os gostos se misturavam e não é necessário sequer apelar para Freud para saber porque não suportei café por décadas. Hoje sou um bebedor chato - analiso com cuidado antes de aceitar a oferta de um café.

Elaboração
Café bom mesmo é aquele do coador. Mas nem sempre isto é possível e, para os apreciadores, tomar café solúvel significa abrir mão do prazer que só o fresquinho, passado na hora, proporciona. O café solúvel é obtido torrando e moendo o grão, com o pó sendo colocado em colunas extratoras, com água a quase 200° C. Feita a extração do café, o extrato concentrado passa por um evaporador e por um secador. Está pronto o café solúvel, é só adicionar água para consumi-lo. Entretanto, em temperaturas acima do ponto de ebulição da água, ocorre a solubilização de substâncias que,.normalmente, não o seriam em temperaturas abaixo de 100°. C. Isto altera o sabor da bebida, comprometendo o prazer de saborear o café.
  Inovação
Mas, no mundo agitado de hoje, no mais das vezes somos obrigados a apelar para o café instantâneo ou declinar da bebida. A menos que algum cientista descubra uma fórmula de solubilizar o café mantendo a honestidade do sabor. O candidato a esta inovação é o professor Roberto Hermínio Moretti, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pesquisando o processo de obtenção do café solúvel, o professor concluiu que a extração deveria ocorrer em temperaturas abaixo do ponto de ebulição da água, como ocorre no café com coador.
  Mais qualidade
E foi mais longe, eliminando a evaporação e a secagem, que introduzem modificações no sabor e no aroma. De imediato o consumidor perceberá duas diferenças: o sabor estará muito próximo do café coado e sua forma de apresentação será líquida. Líquida porém concentrada em 90%, pois será necessário adicionar ao "xarope" de café um volume equivalente a 9 vezes de água, na temperatura ideal, para obter a bebida na quantidade desejada. Entrementes, o ganho de qualidade poderá significar custo mais alto, porque o processo reduz o rendimento em até 50%, quando comparado com o processo convencional.

 

Validação
O professor Moretti pediu a ajuda de 40 provadores de café, especialistas em identificar o melhor aroma, sabor, viscosidade e cor, para obter o ponto ideal. Também pesquisou muito antes de estabelecer a proporção de 9:1 para a diluição de preparo. Depois descobriu que o produto mantém a qualidade da bebida por dois dias. Porém, este período pode ser estendido a até 6 meses, se mantido em condições de refrigeração adequada. De acordo com seus testes piloto, o professor Moretti concluiu que os custos de elaboração do café, utilizando o seu processo, podem ser até 20% inferiores ao do processo usual.
  Mercado
Também é possível utilizar maquinaria mais compacta, de menor custo, facilitando o acesso da tecnologia a micro-empresários. O processo permite escalas pequenas, a ponto de a indústria operar com bateladas de uma saca por hora. Ele estima o investimento industrial em, aproximadamente, R$ 100 mil, aproximadamente 5% do custo de uma planta convencional. Os apreciadores de café, natos ou convertidos, torcem para que a inovação gerada pelo professor Moretti chegue rapidamente até todos nós.


Imbróglio legal

Décio Luiz Gazzoni

Tudo começou em 5/1/95, com a Lei nº 8.974. O Presidente da República vetou o artigo que criava a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), porém o Decreto 1.752/95, que regulamentou a Lei, conferiu-lhe competências, definiu sua composição e vinculou-a ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Provavelmente para consertar o primeiro ato do imbróglio, a Medida Provisória 2.191 "legalizou" a CTNBio, convalidando atos passados.

Crescendo na proibição
A confusão mal começara. Em 16/9/1998, a 11ª. Vara Federal impede que o Ministério da Agricultura registre as cultivares de soja transgênica, apesar do parecer favorável da CTNBio. Esta liminar suspendeu - apenas de direito - o plantio de soja RR no Brasil, até ser cassada em 2004. Desde esta oportunidade vivemos um mundo de faz de conta. Os agricultores, atraídos pelas vantagens alardeadas por seus colegas norte-americanos (70% da soja americana é transgênica) e argentinos (99,9% da soja argentina é transgênica), contrabandearam sementes de soja RR da Argentina, cultivando-a do Rio Grande do Sul ao Centro-Oeste. O volume de soja RR produzido foi de tal ordem, que o Governo Lula embarcou num moto perpétuo de medidas provisórias, cada qual jurando ser a última, e do qual não conseguiu se livrar.
  Festival de MPs
Primeiro foi a MP 113, de 26/3/2002 (Lei nº 10.688 de 13/6/2003). Em 26/9/2003, veio a MP 131 (Lei 10.814 de 15/12/2003). Finalmente, em 15/10/2004, saiu a MP 223. Neste período, o Governador do Paraná rebelou-se contra o Governo Federal, exarando legislação que proibia o plantio e a comercialização liberados pelo Governo Federal, legislação esta considerada inconstitucional pela Justiça. O Governador conseguiu angariar contra si a oposição dos órgãos representativos dos agricultores do Paraná. Na esteira desta luta, a FAEP conseguiu que produtores rurais do Paraná podem plantar soja transgênica com sementes próprias, mesmo que não tenham assinado o Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta no ano passado, de acordo com liminar parcial concedida pela juíza Gisele Lemke, da 2ª Vara da Justiça Federal do Paraná, depois derrubada por um desembargador.

E o futuro?
Na esteira da soja RR, os agricultores aderiram a outro OGM, o algodão Bt, que controla determinadas pragas, reduzindo drasticamente o uso de agrotóxicos. O meio de campo embolou ainda mais com a decisão da CTNBio de liberar lotes de sementes contaminadas com algodão Bt. O remendo das MPs não soluciona o "imbróglio" da biotecnologia agrícola. O Brasil é muito grande no ranking internacional para viver em crise existencial. Ou nos engajamos na corrente dominante da biotecnologia, sem qualquer concessão em relação à biossegurança, ou investimos, fortemente, nos nossos institutos de pesquisa, para pavimentarmos um caminho alternativo. O que não podemos é ignorar que o sucesso no comércio internacional repousa em tecnologia competitiva. Postergarmos a decisão significa adiarmos a realização ou declinarmos do nosso potencial agrícola, matriz de emprego, renda e desenvolvimento.
  E os consumidores?
Se os consumidores houvessem vislumbrado qualquer resquício de risco à saúde ou ao ambiente, ligado aos OGMs, estes teriam sido banidos do mercado, independentemente do desejo de governos, agricultores ou ONGs. O consumidor foi tranqüilizado pelas 300 milhões de toneladas de soja transgênica, consumidas nos últimos anos, sem que aflorasse qualquer suspeita de alergia ou outro distúrbio de saúde. A soja transgênica, produzida nos EUA, na Argentina ou no Brasil, é consumida, primordialmente, nos países do Primeiro Mundo. Seus cidadãos foram as cobaias, sujeitos a eventuais riscos à saúde. Não apenas os órgãos sanitários dos países ricos permitiram que o "teste" ocorresse com sua população, como não houve uma reação civil que o impedisse. Foi esta adesão do consumidor que fez explodir o plantio de OGMs no mundo. Resta ao Brasil resolver sua crise existencial, acabar com o imbróglio legal e decidir-se por um ou outro caminho tecnológico.

 



Automarketing

Décio Luiz Gazzoni

Ato1: Depois de ouvir a quarta música "cantada" por Caetano Veloso, comentei com meu irmão, na praça de alimentação de um shopping, que eu possuía toda a discografia do Cae, porém não reconhecia aquele CD. Ele me inquiriu, incrédulo: "qual é a brincadeira?". Aí foi a minha vez de não entender, afinal eu me julgava "macaca de auditório" do Caetano. Para meu espanto, ele me levou até o local onde um rapaz tocava e cantava, no estilo banquinho e violão. Era um sósia perfeito de Caetano Veloso, enganaria até o próprio!   Ato 2: Caminhando pela Gemeentestraat (Antwerp, Bélgica), ouvi os acordes iniciais da Tocata e Fuga em Ré Menor de J. S. Bach. Logo identifiquei um acordeonista (gaiteiro, para os gaúchos!) que, de olhos fechados pela concentração, executava a obra-prima. E assim o fez durante 18 minutos, sem errar uma nota (ao menos na avaliação de quem já ouviu a peça mais de 100 vezes). A obra foi escrita para órgão barroco e o artista anônimo deve ter efetuado a adaptação e os arranjos para acordeona.
     

Ato 3. Os degraus da escada rolante da estação Hotel de Ville, do metrô de Paris, aproximam-se da plataforma dos trens enquanto os sons de um violino afinadíssimo enlevam os ouvidos. Um violinista anônimo adaptara o Concerto para Violino e Orquestra de Mendelssohn, para os corredores do metrô, transmutados em sala de concerto. Parei para ouvir a execução. Em recompensa à moeda deixada no chapéu, fomos brindados com Moto Perpétuo de Paganini, uma peça dificílima, reservada para os virtuoses mostrarem toda a exuberância de sua arte.   Ato 4. À guiza de tributo singelo a um dos maiores gênios da Humanidade, sempre que vou a Londres permaneço longo tempo em veneração diante de um dos oito girassóis de Van Gogh, exposto na National Gallery. Em uma dessas oportunidades, uma estudante de arte duplicava o trabalho do grande mestre, em um cavalete armado em frente à obra-prima. Eu olhava para o original e para a cópia, imaginando a habilidade de um perito para identificar um plágio ou falsificação, tão incrível era a semelhança de traços, estilo e cores entre Os Girassóis de Van Gogh e os girassóis da estudante.
     

Os exemplos extrapolam as artes e invadem a ciência, a política, o esporte, a comunicação, qualquer atividade humana: habilidades similares não significam reconhecimentos equivalentes. Pode o leitor argumentar que os casos descritos não exigem muita criatividade, as pessoas reproduziam a criatividade alheia. Entretanto existem inúmeros casos em que alguém se apropria do mérito coletivo de uma equipe, ou um gênio intui uma teoria ou gera um invento, que não é reconhecido. Tempos depois alguém retoma a senda e leva a glória para a posteridade. Darwin é tido e havido como o criador da teoria da Evolução das Espécies, por sua publicação "A Origem das Espécies" (1859). Antes dele James Hutton (1794), William Wells (1818) e Patrick Mathew (1831) haviam publicado estudos precursores de mesmo teor, obscuros até hoje.   Comparemos Van Gogh a Picasso. Dois gênios, só que Van Gogh - que morreu doente, louco e pobre - sobrevivia da caridade do irmão Téo, que comprava seus quadros sem valor de mercado à época, para que ao irmão não faltassem cama, comida, telas e tintas. O valor atual de uma única destas telas permitiria a Van Gogh passar a vida no fausto. Já Picasso morreu venerado e milionário, fortuna que amealhou desde as primeiras obras, imediatamente reconhecidas. Iguais na genialidade artística, o que distinguiu os dois grandes mestres foi a habilidade inata do marketing pessoal. Qualquer dos artistas cujos "cases" descrevi acima teria uma grande carreira, se dispusesse dessa habilidade que a Natureza lhes negou. Todavia permanecerão anônimos, a menos que um Mecenas mude seu destino.
     

O folclore diz que comemos mais ovos de galinha porque ela cacareja (ou seria o galo?) sempre que produz uma "obra-prima", desprezando ovos de outras aves, maiores e mais nutritivos. Talvez isto explique porque tantos escritores de talento morrerão na obscuridade enquanto Paulo Coelho é cantado em prosa e verso, traduzido para 100 línguas e vendendo milhões de livros... vazios!   Escrevi tudo isso para lhe dar uma sugestão: se neste Natal ninguém lhe desejou, ardentemente, muita habilidade de marketing pessoal, aproveite e faça um pedido ao Papai Noel. Talvez cacarejando e valorizando cada golfada de ar respirado ou expelido, você possa chamar a atenção para suas virtudes, por vezes inferiores a quem vive sob holofotes permanentes.



Cambalache

Décio Luiz Gazzoni

Com a ressaca das festas de final de ano, ninguém tem vontade de discutir negócio ou agronegócio. Mas, já é uma tradição refletir sobre o passado e pensar no futuro. Então aproveite e reflita sobre a letra do tango Cambalache, escrito por Enrique Santos Discépolo em 1934, tão atual e que, infelizmente, parece que ainda terá muito futuro. Antes da reflexão, os nossos votos de um ótimo 2005.

Que el mundo fue y será una porquería ya lo sé...

(¡En el quinientos seis y en el dos mil también!).

Que siempre ha habido chorros, maquiavelos y estafaos,

contentos y amargaos, valores y dublé...

Pero que el siglo veinte es un despliegue

de maldá insolente, ya no hay quien lo niegue.

Vivimos revolcaos en un merengue

y en un mismo lodo todos manoseaos...

¡Hoy resulta que es lo mismo ser derecho que traidor!...

¡Ignorante, sabio o chorro, generoso o estafador!

¡Todo es igual! ¡Nada es mejor!

¡Lo mismo un burro que un gran profesor!

No hay aplazaos ni escalafón,

los inmorales nos han igualao.

Si uno vive en la impostura y otro roba en su ambición,

¡da lo mismo que sea cura,

colchonero, rey de bastos, caradura o polizón!...

¡Qué falta de respeto, qué atropello a la razón!

¡Cualquiera es un señor! ¡Cualquiera es un ladrón!

Mezclao con Stavisky va Don Bosco y "La Mignón",

Don Chicho y Napoleón, Carnera y San Martín...

Igual que en la vidriera irrespetuosa de los cambalaches

se ha mezclao la vida,

y herida por un sable sin remaches

ves llorar la Biblia contra un calefón...

¡Siglo veinte, cambalache problemático y febril!...

El que no llora no mama y el que no afana es un gil!

¡Dale nomás! ¡Dale que va!

¡Que allá en el horno nos vamo a encontrar!

¡No pienses más, sentate a un lao,

que a nadie importa si naciste honrao!

Es lo mismo el que labura noche y día como un buey,

que el que vive de los otros,

que el que mata, que el que cura o está fuera de la ley...



A China e os OGMs
Décio Luiz Gazzoni

A folga de final de ano permitiu-me visitar outras agências de notícias que não as que o escasso tempo me permite, rotineiramente. Navegando por sites chineses, chamou-me a atenção uma análise sobre a situação atual da produção e consumo de alimentos OGMs naquele país (http://en.chinabroadcast.cn/). Embora a produção e o consumo chinês sejam inferiores ao líder mundial, os EUA, verifica-se uma taxa de crescimento muito superior à dos demais países. Como a China possui 1 bilhão vírgula uma América Latina de habitantes, o ruflar de asas de uma borboleta na China pode causar uma tsunami em Pindorama.

Mundo
Em 2005 o mundo deve plantar mais de 100 milhões de hectares de OGMs, mais do que o dobro de toda a área de grãos brasileira. Os principais produtores serão EUA, Argentina, Canadá e China. A área brasileira de OGMs deve superar a do Canadá ou da China, porém, a ausência de estatísticas oficiais inviabiliza uma análise correta. Os EUA seguem disparados na ponta da produção e do consumo, com mais de 50% do mercado. Entretanto alguns números chamam a atenção. Pesquisa recente mostrou que cerca de 7.000 produtos alimentícios disponíveis nos supermercados britânicos contêm OGMs, incluindo alimentos infantis, chocolates e até pão, enriquecido com farinha de soja RR.
  China
Apesar do acelerado crescimento da área de OGMs da China, o maior consumo provém da importação. Em 2002, foi importada soja RR no valor de US$5 bilhões, um aumento de 100% sobre o ano anterior. Não localizei estatísticas mais recentes, porém, ao menos até maio de 2004, o consumo de soja era francamente crescente e os grandes produtores mundiais despejavam soja RR nos portos chineses. Zhang Li, editor do China Messenger, comenta que a fome atinge 9% dos chineses (quase metade da população brasileira!), uma das razões alegadas pelo governo chinês para liberar o plantio de seis culturas transgênicas, entre elas soja e arroz, essenciais para a dieta chinesa. Isto não significa concessões quanto à biossegurança dos produtos e informação ao consumidor calcada em uma rígida legislação de proteção ao consumidor, baseada na certificação, rastreabilidade e etiquetagem de alimentos OGMs.
  Consumidor
Também não se deve menosprezar a atitude do consumidor. O tema biossegurança é pauta dos noticiosos, em especial após uma ação movida por uma consumidora de Shangai, exigindo da Nestlé o destaque no rótulo da presença de OGMs. A linha condutora do debate, conforme é possível extrair da versão em idiomas ocidentais dos sites chineses, não foge da discussão européia, americana ou brasileira. Os opositores dos OGMs aferram-se ao fato de a biotecnologia ser uma ciência nova e obscura, com riscos imponderáveis. Os defensores apontam para menor uso de agrotóxicos, maior produtividade e estabilidade de produção e o aumento do valor nutricional dos alimentos. O Governo insiste que, com 9% da população faminta, não abrirá mão de uma ferramenta que reduziria esta taxa.
         
       
         
Futuro
Percebe-se no debate na China a mesma desinformação dos leigos, existente em outras partes do mundo. A Universidade de Nanjink conduziu uma investigação que apontou apenas 25% da população como tendo algum conhecimento (mormente superficial) sobre OGMs. O discurso governamental não esconde a meta (ou desejo) de a China liderar a corrida biotecnológica entre os países emergentes, nesta década, ambicionando a liderança global até o final da próxima década, desbancando americanos e europeus.
 

  Investimento em C&T
Não duvide da capacidade chinesa. Eles abriram 2005 lançando a Cernet 2, uma rede Internet que transmite dados a 10 gigabits por segundo (mil vezes mais rápida que a atual!) e permite alojar centenas de milhões de endereços eletrônicos, passando a perna em governos e na iniciativa privada de países ricos. Com tecnologia própria e um mercado fabuloso, a China deterá o poder de causar uma reviravolta no agronegócio mundial, para o que os nossos sensores devem estar permanentemente ligados.

 


Cana-de-açúcar, uma usina viva

Décio Luiz Gazzoni

Há quatro anos, durante uma palestra em Piracicaba, aventurei-me a prever que, até meados desta década, a produção brasileira de álcool ultrapassaria 15 bilhões de litros, dobrando este volume antes de 2015, sendo a maior parcela destinado à exportação. Naquela oportunidade também asseverei que, em 2005, estaríamos exportando mais de US$500 milhões em álcool, quase o quádruplo do valor do início do século. Corri o risco de fazer esta afirmativa perante uma platéia de especialistas na cadeia da cana-de-açúcar, baseado no que pude observar em países europeus, ansiosos por reverterem a roda do tempo que os levou ao monopólio da energia fóssil.

Com alegria verifico que, em 2004, auferimos US$515 milhões com a exportação de 2,2 bilhões de litros de álcool. E, na presente safra, a previsão é de produzirmos...15 bilhões de litros! Entusiasmado pelo acerto, ouso mais: até 2020, a cana-de-açúcar representará, para a agricultura brasileira, o que a soja é hoje. Porém, por pouco tempo, pois, felizmente para o Brasil, o negócio biodiesel crescerá de tal maneira na primeira metade deste século, que as oleaginosas para produção de energia acabarão por superar o valor de mercado da cana-de-açúcar.   Mas a cana não é só açúcar e álcool. Se o futuro será promissor para alcoolquímica e a sucroquímica, o presente é representado pela energia extraída da cana. Energia para seres vivos (açúcar), para veículos leves (álcool) e para indústrias e residências (energia elétrica). Com a chegada dos veículos multi-combustíveis, o álcool combustível ganhou novo impulso e credibilidade, passando apenas a depender da oferta, das políticas tributárias e energética, que definirão a relação de preço álcool/gasolina.   Uma tonelada de cana contém 1,7 Gcal, equivalendo a 1,2 barris de petróleo. A produção de 350 milhões de toneladas de cana (2004) equivaleu a mais de 50% do consumo de combustíveis de petróleo do Brasil (nacional e importado)! Cada hectare de cana, além de produzir 7.300 litros de álcool (490 Mcal) gera 512 Mcal a partir da palhada, 598 Mcal extraídas do bagaço e 62 Mcal do biogás obtido do vinhoto. O poder calorífico da palha, com 30% de umidade, é de 2,2 Mcal/t, enquanto o bagaço, com 50% de umidade, gera 1,8 Mcal/t. Entre outros usos, o bagaço e a palhada podem ser queimados, para produzir eletricidade.

 

O processo é simples, consistindo da queima do resíduo para geração de vapor, que movimenta uma turbina geradora de eletricidade. Mesmo instalações ineficientes produzem 20-30KWh/ton de cana. Com a modernização de turbinas e aumento de pressão, este valor pode chegar a 80 KWh. Acrescentando-se a queima da palhada, pode-se duplicar a energia elétrica co-gerada.   Um levantamento efetuado em 2003 indicou que a produção de energia elétrica, para consumo próprio, nas usinas de cana-de-açúcar era de 1.485MW, o excedente era de 619MW, encontravam-se em construção instalações para mais 75MW e em processo de outorga outros 350MW. Para atender a meta de crescimento econômico (4% a 5% ao ano) até 2008, a base instalada no país (hoje 85 GW) deveria crescer para 106,6 GW, desnudando um déficit de 45 GW a ser solvido em 4 anos. Nas condições atuais, o setor sucroalcooleiro pode contribuir com 11% da energia adicional, pela co-geração de energia através da queima do bagaço de cana, e mais ainda se for considerada a queima da palhada. Com todo este potencial energético, nada mais justo que considerar a cana uma legítima bio-usina.




 

Biocombustíveis, a oportunidade dourada.

Décio Luiz Gazzoni

Suspeito que a Cultivar faça parte do portfólio de leitura do Presidente da República. Na edição de dezembro de 2002, o tema desta coluna foi "Carta Aberta ao Presidente". Já no intróito escrevi "...permitimo-nos submeter à vossa consideração um tema que concilia inúmeras oportunidades para o nosso Brasil. Referimo-nos à Agricultura de Energia, um segmento embrionário dos agronegócios, que crescerá a altas taxas durante seu mandato, ganhará importância transcendental no Governo de seu sucessor e será o componente hegemônico do agronegócio, quando nossos netos assumirem o leme do Brasil." Dois anos após, em 6/12/2002, o Presidente Lula lançou o Programa Nacional de Biodiesel, uma das propostas contidas naquele artigo.

Background

Passados dois anos, revisitamos o tema para lembrar que, no futuro próximo, o agronegócio mundial estruturar-se-á em quatro macro-segmentos: alimentação e fibras, biomassa, plantas ornamentais e nichos especializados. A biomassa será a base da energia renovável, devendo movimentar o maior volume de recursos das transações agrícolas internacionais, a partir de 2050.   A preponderância da agricultura de energia repousa na finitude das fontes da atual matriz energética, como petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%), que se esgotarão neste século. Posta a escassez e a extração mais complexa, os preços dispararão.

Fim de uma era

As reservas comprovadas de petróleo somam 1,137 trilhões de barris, 78% dos quais nos países da OPEP, e permitiriam abastecer o mundo por 30 anos. Novas reservas serão incorporadas, porém a taxas inferiores ao incremento do consumo, o que projeta a mãe de todas as crises de petróleo para meados deste século. Como agravante, o Oriente Médio, principal produtor de petróleo, tem sido politicamente instável desde sempre e a escassez do petróleo acirrará a disputa pelas suas reservas.   Entretanto, a maior pressão para a mudança da matriz energética, provém da poluição causada por combustíveis fósseis, principal fonte de emissão de gases que acentuam o efeito estufa (GEE) e provocam "chuvas ácidas". Portanto, antes que os poços sequem ou o preço dispare, a sociedade global exigirá de suas lideranças a abdução das causas do Aquecimento Global, para prevenir suas desastrosas conseqüências.   Pelo exposto, vislumbra-se a temeridade de o abastecimento energético e da indústria química depender de carbono fóssil e dos humores do Oriente Médio e do Leste Europeu. Uma das soluções mais viáveis é a progressiva incorporação de energia renovável. O Brasil será, individualmente, o pais que mais se beneficiará com esta invulgar oportunidade de negócios, como têm alertado o Ministro Roberto Rodrigues e diversas lideranças científicas e empresariais.

Nova era

Vislumbra-se a ponta deste iceberg nos contratos, ainda incipientes, para exportação de álcool combustível. Em 2005 produziremos 15 bilhões de litros e, em uma década, chegaremos aos 30 bilhões de litros. No médio e longo prazos, o Brasil possui potencial para exportar, anualmente, centenas de bilhões de litros de álcool.   Porém, o álcool, que é hoje a realidade bio-energética, não é a perspectiva futura mais alvissareira. Esta posição será ocupada pelos biocombustíveis derivados de óleos vegetais, dada sua elevada densidade energética, útil nas aplicações pesadas, como transporte de passageiros e cargas, aplicações industriais, geração de energia elétrica, aquecimento, etc.   O consumo atual de energia no mundo é estimado em 400 EJ/ano e, para o ano de 2.100, antecipa-se uma demanda de 2.700 EJ. Até lá, seria necessário seqüestrar 1,5 trilhões de toneladas de CO2 para estabilizar sua concentração na atmosfera. Alternativamente, pode-se evitar sua descarga na atmosfera, substituindo energia fóssil por renovável, outra oportunidade contida na produção de biocombustíveis.

Oportunidade endógena

Os países ricos consomem 75% da energia fóssil do mundo. Os EUA respondem por 25% da poluição atmosférica mundial, devido ao intenso uso de energia fóssil e ao atraso tecnológico de suas principais plantas industriais. Também países com alta densidade populacional e restrições energéticas, como a Indonésia, a China e a Índia, serão grandes importadores de energia.   Esta ameaça global, paradoxalmente, embute uma enorme oportunidade para o Brasil. Através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, do Clean Air Act dos EUA e da legislação de outros países, como os europeus, conforma-se um grande mercado de despoluição atmosférica, o chamado mercado de carbono. Por este mecanismo, em tudo similar a uma bolsa de valores, países que possuem restrições para reduzir suas emissões de GEE, pagam para que outros países reduzam suas emissões ou fixem carbono atmosférico.   Um programa de produção de biocombustíveis, especialmente se baseado em palmáceas, possui o duplo condão de reduzir as emissões e de fixar carbono atmosférico. Isto posto, o Brasil poderá captar recursos internacionais dos créditos de carbono, para financiar sua indústria de biocombustíveis e abastecer o mundo com energia renovável.

Tecnologia e competitividade

O Brasil possui vantagens comparativas invulgares, derivadas de sua localização geográfica privilegiada e da extensão de terras a ocupar. Entretanto, a ocupação de espaço na futura matriz energética por biomassa não é um fato líquido e certo. A única invariante deste cenário é o consumo cada vez menor de combustíveis fósseis.   A Ciência avança a passos largos e novas alternativas surgirão da cornucópia dos cientistas. Ocuparão o maior espaço negocial aqueles países que detiverem a melhor tecnologia, que compatibilize baixos custos com alta eficiência energética e menor impacto ambiental. Governos de diferentes países estão excitando seus agrupamentos científicos para encontrar uma solução poderosa, que resolva o suprimento energético e lhes abra uma perspectiva negocial, com ganhos ambientais, econômicos, comerciais e estratégicos.

 

    Como corolário, para completar o tripé que conferirá sustentabilidade à ocupação deste espaço negocial, urge que o Brasil decuplique seus investimentos em PD&I. O senso comum intui que, se o Brasil não for o líder mundial de tecnologia para produção de biocombustíveis, as vantagens naturais de solo e clima serão obnubiladas por tecnologias mais eficientes, geradas alhures, que viabilizarão outras fontes de energia. Seria um monumental erro estratégico, jamais perdoado pelas gerações futuras, se deixássemos escapar uma oportunidade única na História Mundial, para melhorar nossos indicadores econômicos e sociais. Consentânea com o desafio histórico, a Embrapa definiu duas de suas três prioridades máximas para 2005: biocombustíveis e mercado de carbono. A outra é a biotecnologia.    

Oportunidades

A exposição acima remete às oportunidades que se descortinam para o nosso país, com a produção de biocombustíveis:

1. Ambiental: O Brasil, como provedor de bioenergia renovável, reduzirá o impacto ambiental em seu território e apropriar-se-á de recursos dos créditos de carbono para financiar seu desenvolvimento;

2. Econômica: A energia renovável será um dos mais importantes negócios do mundo, que superará em valor o complexo energético e químico baseado em carbono. O Brasil poderá ocupar o vácuo que será gerado com o esgotamento das reservas de petróleo, transmutando-se de importador para exportador de energia;

3. Comercial: A agricultura de energia será o maior negócio no seio do agronegócio internacional, até a metade deste século. Não existe outro país do mundo com vantagens naturais comparáveis às brasileiras para dominar este segmento. O Brasil possui condições de obter um enorme saldo comercial nas transações com o exterior, alicerçado na agricultura de energia;

4. Social: A produção de biomassa permitirá um aumento ponderável da renda nacional, com distribuição mais eqüitativa; geração de grande número de empregos e outras oportunidades de renda, com baixo investimento; inversão dos fluxos migratórios e interiorização do desenvolvimento; e ampliação da arrecadação tributária (sem o acréscimo de alíquotas ou criação de novos impostos) para aplicação em saúde, educação, habitação e segurança;

5. Tecnológica: O Brasil pode consolidar sua liderança em tecnologia para o agronegócio tropical, constituindo uma plataforma com poder de induzir inovações em outros setores de PD&I, alavancando outros segmentos empresariais do agronegócio; e

6. Estratégica: Ancorado em um agronegócio potente e com uma imagem positiva, associada à proteção ambiental, o Brasil magnificará seu peso específico no concerto das Nações, que conferirá ao nosso país um poder de negociação potencializado em relação ao nosso passado recente.

Conforme postulamos há dois anos, a oportunidade está posta e depende apenas da visão estratégica de nossas autoridades e lideranças capturá-la, em benefício dos nossos filhos e netos.



Produzir sem poluir
Décio Luiz Gazzoni

Em meus idos tempos de universitário (e ponha idos nisto!), fui partícipe de um dos embates precursores da onda ambientalista que varreria o mundo. Instalara-se em Guaíba, região metropolitana de Porto Alegre (às margens do estuário que forma a Lagoa dos Patos), uma indústria de celulose e papel, de capital norueguês, chamada Borregaard. O movimento civil exigia o fim das operações da indústria. Foi negociado um meio termo, com a instalação de filtros e alterações de processos industriais, que atenderam aos reclamos da população. Sem demérito para a luta pioneira, hoje verifico que lutávamos mais contra a catinga trazida pelo vento sul, que atormentava nosso olfato sensível, que por um sistema de produção sustentável e integrado ao ambiente.

Sustentabilidade
Produzir sem degradar o ambiente é um desafio constante. No caso da indústria de papel e celulose, este desafio permeia a cadeia produtiva. Inicia com a derrubada das árvores e prossegue com o branqueamento da polpa da celulose, o que significa utilizar substâncias tóxicas. Ou significava, pois pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram um processo sucedâneo que elimina o uso de poluentes, substituindo-os por enzimas (xilanases), produzidas por diversas espécies de fungo, em especial Acrophialophora nainiana.

 

 

 

 

  Processo clássico
Para extração da matéria prima, a madeira é mergulhada em um caldeirão de vapor d'água a 40º.C. Desse procedimento surgirá a polpa da celulose, formada por células vegetais em fibras entrelaçadas, que resultarão no papel. Para obter um papel de boa qualidade necessita-se de uma polpa branca e de alto brilho. Para tanto, é preciso clareá-la, removendo a lignina e seus derivados. O branqueador utilizado é o cloro, que converte a lignina residual da polpa em produtos solúveis em água. Os subprodutos resultantes são substâncias orgânicas cloradas, que podem ser tóxicas, mutagênicas e persistentes. Se lançados nos rios, esses poluentes podem contaminar a água e os peixes e causar prejuízos aos ecossistemas.
 

Inovação
Os pesquisadores brasileiros inspiraram-se em processos similares, utilizados na Finlândia, EUA e Canadá. Os resultados do estudo brasileiro mostraram que os papéis branqueados pelas enzimas micóticas possuem boa alvura e a mesma resistência ao rasgo que aqueles produzidos com o método convencional. Na análise de brilho, de acordo com o papel que se deseja obter, o novo processo redunda em maior qualidade. No processo convencional de branqueamento, o uso de xilanases poderia reduzir em até 30% o uso de cloro e organoclorados. No entanto, algumas empresas adotam alternativamente ozônio e oxigênio no branqueamento, para reduzir a utilização de poluentes. Nesses casos, além de diminuir a quantidade de organoclorados, o uso de xilanases permite também melhorar as propriedades da polpa.

 

  Economia e ambiente
O A. nainiana é um fungo filamentoso comum na região central do Brasil e pode ser encontrado na madeira em processo de decomposição e em fontes térmicas. Outras espécies de fungo também produzem xilanases, nem sempre apropriadas para o uso no branqueamento da polpa de papel. A enzima da A. nainiana é especialmente adequada por ter baixo peso molecular, pH em torno de 7 e por permanecer estável em meios quentes. Ela pode, assim, ser mais bem aproveitada no processo de branqueamento do papel em altas temperaturas.
  Custo
Por se tratar de uma técnica ainda não muito explorada, a demora das indústrias brasileiras à sua adoção se deve, sobretudo, ao aumento dos custos. Embora o processo ainda seja mais caro, a tendência é que, com a adoção da tecnologia, em um curto espaço de tempo ele seja barateado, seja pelo ganho de escala ou pela curva de aprendizagem do processo. Entretanto, embora o custo econômico privado seja mais alto, o custo ambiental coletivo é muito menor e este aspecto necessita ser considerado.

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Aproveitamento de resíduos

Décio Luiz Gazzoni

"Inovações para meios de subsistência em um ambiente sustentável" é o tema do programa Development Marketplace do Banco Mundial, edição 2005. O programa, criado em 1998, já destinou US$25 milhões para o desenvolvimento de idéias inovadoras de pequenos negócios, em ambientes que não atraem investidores tradicionais.

 

Casca de coco
Por exemplo, o que você faria com casca de coco verde, cuja remoção significa custo para os cofres públicos, agride a estética da praia e demora dez anos para se decompor? Do total de lixo das praias do Nordeste, 70% correspondem à casca de coco verde que, no Rio de Janeiro pode atingir 80%. Em Fortaleza, apenas na praia do Futuro e na Avenida Beira-Mar, nos meses julho e de dezembro a fevereiro, são geradas 40 toneladas de casca de coco por dia. Para enfrentar este desafio, a Embrapa Agroindústria Tropical (Fortaleza) teve aprovado um projeto pelo programa do Banco Mundial, uma das 47 aceitas entre 2726 propostas de diversos países. A idéia central é conferir valor econômico à casca de coco verde, atualmente acumulando-se nos lixões ou depreciando as praias de Fortaleza. O financiamento do Banco Mundial, no valor de US$245.000, prevê uma unidade-piloto para o aproveitamento da casca de coco.

 

  A usina
O estudo abrange um completo sistema de negócio. Inicia com a coleta da casca do coco verde, prossegue com a sua reciclagem e a confecção de diferentes produtos, gerando 200 empregos. Consta do projeto a produção de peças artesanais e uma horta comunitária, instaladas na Praia do Futuro, hot point turístico de Fortaleza. O projeto prevê a capacitação de todos os profissionais envolvidos nas diferentes etapas. O desenvolvimento do maquinário da planta piloto foi efetuado por uma parceria entre a Embrapa e uma empresa privada, e inclui uma máquina trituradora, uma prensa rotativa, que retira o líquido do coco verde e uma máquina classificadora para separação do pó e da fibra.

O negócio
A usina tem capacidade para processar 15 mil t/ano de casca de coco, permitindo obter produtos comercializáveis, produzidos com o pó e as fibras extraídas da casca. Do pó obtém-se substrato agrícola e composto orgânico e das fibras podem ser elaborados vasos, tapetes e assemelhados. Para viabilização do negócio, foi firmado um protocolo para a instalação da usina, envolvendo a Embrapa, o Governo do Estado, a Prefeitura de Fortaleza, a Associação dos Barraqueiros da Beira-Mar, a Faculdade Christus e o Sebrae-CE.
  Parcerias
A fibra da casca de coco verde já é utilizada na indústria automotiva, para a fabricação de estofamento para veículos, trabalho desenvolvido em parceria com a UFC e iniciativa privada. Desde a década passada a Embrapa busca novos usos para a casca de coco, incluindo parceiros como a Universidade Politécnica de Valência, na Espanha, para o aproveitamento do substrato agrícola. O desenvolvimento de processos contou e com o apoio da Embrapa Solos, do Centro de Tecnologia Mineral da PUC-RJ e da Universidade Federal do Ceará. O apoio financeiro do Banco Mundial permitirá o aproveitamento das inovações tecnológicas, solvendo um problema ambiental, associado a um ganho social com geração de emprego e renda, aliviando os custos para os cofres públicos, e abrindo perspectivas de novos negócios ao longo do litoral brasileiro. Está aí um modelo a ser exercitado, mostrando como boas idéias permitem tirar leite da pedra, ou fazer do lixo um negócio rentável.



Biodiesel, Brasil x EUA

Décio Luiz Gazzoni

Encontro-me nos EUA, para participar da National Biodiesel Conference e visitar instituições de pesquisa que desenvolvem projetos em Bioenergia. Embora o objetivo final do Brasil e dos EUA seja o mesmo – substituir combustíveis fósseis por derivados de biomassa – há um enorme fosso entre os recursos naturais disponíveis, as rotas tecnológicas e as visões social e ambiental das políticas públicas implementadas para atingir o objetivo.

 

Recursos naturais
Os EUA dependem da soja para produção de óleo vegetal (insumo para o biodiesel) e de milho para a produção de etanol e metanol. Ambos são muito ineficientes para estas finalidades e dependem de subsídios e artificialismos para tornarem-se competitivos. Já o Brasil dispensa o milho, pode utilizar a soja, porém conta com um poço de petróleo renovável chamado cana-de-açúcar e pode cultivar uma dezena de oleaginosas de alto rendimento de óleo ou mesmo obtê-lo por extrativismo, de palmáceas nativas presentes em diversas regiões. Temos até a mamona, adaptada à região árida nordestina.

  Tecnologia
Enquanto o Brasil pode dedicar-se aos processos finalísticos de obtenção de matéria prima, sofisticando os sistemas de produção de oleaginosas, ou aprimorando rotas de obtenção de biodiesel, por transesterificação ou por pirólise, os americanos dependem do metanol de milho ou de gás natural. No primeiro caso o preço é alto; e, no segundo, está utilizando um combustível fóssil. Sem falar dos riscos de toxidez e de acidentes industriais com o uso do perigoso metanol. No Brasil, estamos investindo no uso do etanol de cana, mais barato, ambientalmente correto, menos tóxico e menos perigoso.
  Visão social
O programa brasileiro de biodiesel aponta claramente para capturar a oportunidade social (geração de emprego e renda, melhor distribuição de renda, interiorização do desenvolvimento) contida na bioenergia. O próprio incentivo fiscal brasileiro aponta nesta direção, ao privilegiar a pequena propriedade. Esta visão inexiste no caso americano, que busca otimizar a racionalidade econômica, embora tenhamos que reconhecer que o benefício da isenção tributária de US$0,01 para cada ponto percentual de adição de biodiesel ao petrodiesel pode se constituir em um grande incentivo à sua produção descentralizada.

Comunidades isoladas
A Embrapa, em particular, possui uma visão clara de sua inserção no processo e está desenvolvendo, em parceria com a UnB, uma rota própria de obtenção de biocombustíveis derivados de óleos vegetais, perfeitamente adaptada à capacidade financeira, operacional e de demanda da pequena propriedade, dos assentamentos de reforma agrária e das comunidades isoladas. Trata-se de uma forma de agregação de valor, que pode significar uma nova etapa na sustentabilidade da agricultura familiar. No caso das comunidades isoladas, a nova tecnologia pode representar a autonomia e a sustentabilidade energética, impossível de ser adquirida com o uso de combustíveis fósseis.
  Visão ambiental
O Brasil vai mais além dos EUA na captura da oportunidade ambiental da bioenergia. A diferença de visão está na própria base do sistema pois, enquanto o Brasil ratificou o Protocolo de Quioto na primeira hora, os EUA se recusam a subscrevê-lo, apesar de serem o maior poluidor da atmosfera, contribuindo com mais de um quarto das emissões totais de gases de efeito estufa. Em nosso país, tanto o programa do álcool, como o recém lançado programa de biodiesel, tem esta preocupação como fundamental, sendo uma diretriz governamental abraçada pela iniciativa privada e com larga aceitação na sociedade.
  Mercado
Ao final da viagem, sinto-me enriquecido e volto com a certeza de que o Brasil está no caminho correto. Estamos lançando, nesta década, as bases para um grande negócio que movimentará o mercado interno e o comércio internacional, na próxima década. Quanto mais conheço outros países, mais me convenço que o Brasil reúne todas as condições para ser o líder da Agricultura de Energia, em escala mundial, detendo a maior parcela deste mercado, já para a próxima década.



Revolta da cidadania

Décio Luiz Gazzoni

 

Há males que vem para o bem, como a MP 232, que está promovendo um surto de cidadania contra o avanço desmedido dos governos sobre o bolso da sociedade, pela via do aumento de impostos. A gota d´água foi a edição da MP232, ao final do dia 31/12/04, para vigir no dia seguinte. A reação da sociedade, por suas entidades representativas, está sendo vigorosa, objetivando a revogação do aumento de impostos embutido na MP 232. Porém, espera-se que o movimento vá além e questione a alta tributação no Brasil vis a vis os péssimos serviços prestados à população, revivendo o movimento cívico “Diretas já”.  

Responsabilidade fiscal

É peculiarissima a interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal. O espírito da Lei, com o apoio integral da sociedade, é: “Não pode o administrador público gastar mais do que arrecada, sob as penas da Lei”. Já o administrador público interpretou: “Não posso arrecadar menos do que gasto”. Sutil mudança, que suprime os benefícios da Lei. Ao invés de conter gastos, aplicar melhor, ser mais rígido, coibir a corrupção e a sonegação, enfim, administrar, o governante aumenta impostos. Assim até eu, até você leitor, até qualquer brasileiro que cumpra os requisitos constitucionais pode ser Presidente, Governador ou Prefeito.

 

 Derrama

A motivação da Inconfidência Mineira foi a derrama da Coroa portuguesa. Os argentinos revoltaram-se ao ver que, além dos tributos, o Governo tomou a sua poupança para a farra da gastança, e agora não tem como devolvê-la. Já, aqui na terra do Carnaval, tudo é festa. O IPTU é fortemente majorado em administrações do PT, do PFL, do PPB ou de qualquer partido que esteja no poder, transferindo para a sociedade o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, e ninguém reclama! Rodovias são privatizadas e o IPVA majorado. O caso do IRPF é didático: a alíquota foi alçada de 25 para 27,5% (10% de aumento) e outros 49% foram confiscados pela não correção da Tabela. De acordo com a Folha de São Paulo (23/1/05), 46,99% do salário da classe média é devorado por tributos diversos. Já o site www.contribuintecidadao.org.br aponta que 62,3% do salário são tungados por tributos. Você trabalha 18 dias de cada mês apenas para pagar impostos!

 

Acinte e falta de visão

O Governo diz que “perde receita” se corrigir a tabela do IRPF. Meu dinheiro pode ser confiscado por impostos que não devo, mas minha inteligência não o será! Como pode ser devido um imposto sobre uma reposição inflacionária, em que o poder aquisitivo não variou ou sequer foi restabelecido? A visão arrecadatória unilateral não analisa o impacto da majoração de impostos nas cadeias produtivas, reduzindo margens e eliminando empresários do agronegócio, ou forçando-os a esconder-se na marginalidade da sonegação, pela impossibilidade da convivência com altos tributos. Nem vê os empregos que são destruídos.

 

Pressão tributaria

A pressão tributária no Brasil ultrapassa a 35% do PIB. No México, com indicadores macro-econômicos semelhantes, ela é de 16% do PIB, sendo de 30% nos países sociais democratas da Europa. Porém lá o ensino e a saúde funcionam muito bem e são gratuitos. Há segurança pública e o contribuinte tem contrapartida para seus impostos, que são usados até para o famigerado subsídio agrícola. Aqui em Pindorama, pagamos um dos mais altos impostos do mundo, mas a saúde é um caos, a segurança pública dispensa adjetivos, a educação deixa a desejar, as estradas estão esburacadas e a divida publica cresceu 300% em 7 anos.

 

Paralelo

Imagine alguém agindo como o Governo. O pecuarista que tivesse seus custos aumentados em 20% cobraria do frigorífico 20% a mais pela arroba do boi? O canavieiro que aumentasse 20% no seu custo cobraria da usina 20% a mais pela cana? O frigorífico e a usina pagariam sem chiar? Pela lógica tributária governamental, o mau produtor de soja poderia cobrar 20% a mais do importador europeu. O empregado diria ao patrão: a minha despesa lá em casa aumentou 20%, portanto meu salário será 20% maior! Dá para imaginar? Se não dá, por que o Governo não gasta apenas o que a sociedade pode pagar, ao invés de arrecadar o que gasta? Se a Lei não prevê punição para tributação excessiva, talvez o eleitor possa se encarregar de punir maus administradores.

 



Alimentos Funcionais
Décio Luiz Gazzoni

Depois que o Brasil, atônito, descobriu que a obesidade possui uma incidência 10 vezes maior na população que a desnutrição; que a esperança de vida da população brasileira é crescente; e que o sistema de atenção à saúde voltou a ser precário, volta à tona o tema da qualidade dos alimentos, sinônimo de qualidade de vida.

 

Conceito
Alimento funcional é "O alimento semelhante em aparência aos alimentos convencionais, consumidos como parte da dieta, que produz benefício específico à saúde, além de satisfazer os requerimentos nutricionais". O arroz integral é minimamente processado, mantendo incólumes as substâncias do grão. Possui alto teor de fibras, que regulam as funções intestinais e a taxa de colesterol sanguíneo; de fitatos – que protegem o organismo de metais pesados tóxicos; de ácidos graxos insaturados, além das proteínas e vitaminas. Já o arroz beneficiado perde a maioria destas substâncias durante a industrialização. Assim, o arroz integral é considerado alimento funcional, ao contrário do arroz beneficiado.
  Nutrição e saúde
Existem alimentos respaldados por conhecimentos empíricos a respeito de suas propriedades funcionais, atualmente comprovadas com o avanço das pesquisas científicas, O cidadão moderno passou a conferir maior importância a alimentos salutares e, motivado pela associação entre nutrição e prevenção das principais causas de mortalidade nos países ricos, que são: acidentes cardiovasculares, câncer, derrame cerebral, arteriosclerose e enfermidades hepáticas. As propriedades benéficas decorrem de substâncias presentes nos alimentos, que possuem ação específica sobre determinados processos fisiológicos ou bioquímicos do organismo humano.
  Ação
À guisa de ilustração, examinemos o caso dos hormônios estrogênio e progesterona, ligados ao sistema reprodutor feminino. Os hormônios atuam no organismo através de ligações semelhantes a conexões elétricas. A "tomada" no organismo é chamada de receptor, sendo proteínas dos órgãos onde os hormônios devem atuar. Existem diversos padrões de plugues e tomadas, o que também ocorre entre os hormônios e seus receptores. Apenas quando a conexão é perfeita o hormônio manifesta sua ação. Por exemplo, no caso dos estrógenos, as células do útero, ovário e mama possuem proteínas receptoras, onde o hormônio se liga, cumprindo sua função bioquímica ou fisiológica.

 

Efeito indesejável
Sob determinadas condições, o hormônio causa danos às células, podendo atingir o DNA. Alterações no DNA, à semelhança de mutações, têm alto potencial carcinogênico. Desta maneira, proteínas estrutural e funcionalmente diferentes podem ser expressas, afetando as respostas celulares, como por exemplo a do receptor hormonal. Existem substâncias que se assemelham aos hormônios e podem se ligar aos receptores. Comportam-se como estrogênios "fracos", que se ligam aos receptores hormonais e, como possuem baixa atividade, seu efeito sobre o código genético é nulo. Assim, alimentos que contenham linhaça ou soja possuem esse efeito, o que lhes confere a propriedade de reduzir o risco de desenvolvimento de determinados tumores malignos.
  Climatério e menopausa
Quando os ovários reduzem a produção de estrógeno e progesterona, as mulheres ingressam no climatério, período em que os ciclos menstruais ficam irregulares até cessarem completamente (menopausa). Esse processo é permeado por sensações desconfortáveis, como os "fogachos", suores noturnos, ressecamento vaginal, diminuição da libido, incontinência urinária, dores de cabeça, alterações da pele e cabelos, insônia, cansaço, obesidade, redução da massa óssea, perda de massa muscular, que afetam, negativamente, a qualidade de vida da mulher e do casal. Pesquisas recentes demonstraram que o consumo de soja reduz significativamente a sintomatologia adversa. O resultado dos estudos tem merecido a atenção da classe médica e abre novas perspectivas para a população e para o agronegócio.



Clima e energia renovável

Décio Luiz Gazzoni

O grande estadista Paulo Maluf cunhou a frase "Se eu sujei, deixe que eu limpo!", na tentativa de recuperar a Prefeitura de São Paulo, após o desastre promovido por Pitta, seu afilhado político. O povo entendeu que suas intenções não eram propriamente de limpar e negou o pedido. Já o grande estadista George Bush cunhou outra frase célebre "Os Estados Unidos não vão pagar para limpar a atmosfera do mundo", negando-se firmar o Protocolo de Kyoto (PK). Ao contrário de Maluf, Bush recusou-se a admitir que os EUA são responsáveis por mais de um quarto da poluição atmosférica mundial, sendo os outros 220 países responsáveis por três quartos.   Kyoto em vigor
Escrevo esta coluna em 16/2/05, que passará para a História como o dia em que os governos mais conscientes do planeta firmaram um pacto para tentar reverter a roda do desenvolvimento insustentável. Emblematicamente, estou participando da Conferencia Mundial sobre Energia Renovável e Clima. Também é revelador que não haja um único participante dos EUA na conferencia, dominada por europeus. Sou dos que entendem que a principal característica do PK é a sua timidez, face à urgente necessidade de encontrarmos uma alternativa para o modelo de desenvolvimento predador de recursos naturais. Que é praticado pelos extremos sociais: os muito ricos, predadores de energia fóssil e poluidores de ar e água; e os muito pobres, predadores de recursos naturais não renováveis.

 

Escassez
É fácil montar um modelo econômico sobre a abundância dos recursos necessários. O desafio é fazê-lo funcionar na escassez. O PK resultou da negociação possível – entregar os anéis para não perder os dedos – entre as lideranças mundiais, posta a inevitabilidade de mudanças climáticas globais que erodem a qualidade de vida. Na impossibilidade de parar de poluir, concertou-se voltar aos níveis de emissão de gases da década de 80. Para evitar a falência de industrias antigas, altamente poluidoras, criou-se o mercado de carbono, em que o poluidor paga a outrem para limpar o que sujou.
 

Energia renovável
Esta é a visão européia da problemática energética, onde a sociedade clama pela substituição de combustíveis fósseis, para reduzir o risco de enchentes, secas, furacões ou câncer do pulmão. Os americanos, com enorme part pris financista, tem outra visão. Eles tentam garantir as últimas reservas de petróleo do mundo para seu uso, dominando ou ameaçando, de alguma forma, os países que detém as reservas (Afeganistão, Iraque, Irã, Venezuela, Arábia Saudita, Kwait). Fontes alternativas de energia somente serão levadas muito a sério quando faltar combustível para o carrão V8 ou o aquecimento da casa não puder ser ligado.
  Desafio
Queira ou não o grande estadista G. Bush, as fontes de carbono fóssil se esgotarão, até o final do século. O petróleo atingirá seu pico de produção nesta década, tornando-se anti-econômico em 50 anos. A grande fonte primária de energia de que dispomos é a radiação solar. Porém, a ciência ainda não resolveu problemas de eficiência, custo, estabilidade e armazenagem da energia fotovoltaica. A energia eólica avança a passos largos, porém tem problemas de portabilidade. A solução destes entraves virá na geração dos nossos bisnetos. Até lá, precisamos resolver dois desafios: parar de poluir a atmosfera e esticar ao máximo as reservas de carbono fóssil.
  Oportunidade
E não há outra fórmula, no curto prazo (30 anos) que não seja o uso de biocombustíveis. É neste ponto que o desafio se torna uma enorme oportunidade para o Brasil, que já é o maior produtor de etanol e vai distanciar-se cada vez mais na liderança. E que será o maior produtor de bicombustíveis derivados de óleos vegetais. O empurrão que faltava ocorreu em 16 de fevereiro: os recursos do mercado de carbono vão dar um impulso definitivo na agricultura de energia no mundo inteiro, com o Brasil sendo a locomotiva deste enorme negócio energético, ambiental e social.


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