Alimentação e emprego

Décio Luiz Gazzoni

As agências de notícias divulgam que o brasileiro comprou menos alimentos em 2003. Por isso, ministros reúnem-se para encontrar fórmulas de frear o desemprego, que aumentou em 2003 e que, aliado à redução da renda do trabalhador, foi o responsável pelo menor consumo de alimentos.

Alimento e negócios
Época houve em que se culpava o agricultor por cultivar produtos de exportação ao invés de alimentos básicos e o governo por não incentivá-lo a produzir alimentos. Hoje a coisa está clara: o agricultor é um empresário e responde a estímulos de mercado. Se não planta mais arroz, feijão ou mandioca é porque o mercado não sinaliza nessa direção. Quando se descobre que o brasileiro consome menos alimentos, a culpa nunca será do agricultor que não os ofertou, porém da falta de renda dos consumidores.
  Menor consumo
A pesquisa do Ibope detectou redução de consumo de alimentos em todas as classes sociais porém, como sempre, os mais pobres foram mais afetados. Em 2003, reduziu-se em 4% a compra de alimentos, embora os gastos com alimentação aumentaram 26%, enquanto a renda média do brasileiro encolheu 15,2% (IBGE). Paralelamente, o desemprego aumentou no Brasil, um dos poucos países da América Latina onde o emprego não cresceu em 2003, apesar das promessas em contrário.
  Mais emprego?
Esse foi o tema da primeira reunião ministerial de 2004. Caso o Presidente Lula resolva cumprir a promessa de criar 10 milhões de novos empregos (sem destruir nenhum dos existentes), seria necessário criar uma nova Petrobrás por semana, até o final do seu mandato. Mas, na reunião o Ministro Palocci deixou claro que o arrocho orçamentário continuará sendo prioridade governamental, logo os ministros devem descobrir como criar empregos sem recursos governamentais.

Agronegócio
Provavelmente o único ministro a nadar de braçada nessa reunião foi Roberto Rodrigues. Não apenas por sua elevada competência, mas porque o agronegócio brasileiro pouco depende do governo, o qual, ao longo da história, mais o prejudicou que o ajudou. Roberto alinhavou as oportunidades do agronegócio e o que significam em termos de emprego, geração e distribuição de renda. Capitaneia o processo o crescimento sustentado da agropecuária em geral, que cresce a passos largos há mais de 6 anos.
  Grãos e frutas
Em 2004, com o apoio divino, o Brasil produzirá 130 milhões de toneladas de grãos, quase metade de soja (60 milhões). Embalada pela demanda chinesa e por mais um caso de vaca louca no Hemisfério Norte, cresce a demanda e o preço da soja, sinalizando que o Brasil logo será o maior produtor de soja do mundo. Na sua esteira seguem o milho e o trigo, este aparentemente livrando-se de décadas de vai-não-vai. Roberto lembra que o Chile exporta 5 vezes mais frutas que o Brasil porém, apenas no Médio São Francisco, podemos produzir duas vezes mais que o Chile!

Carnes
O Brasil consolida-se como o grande produtor e exportador de carnes, mormente bovina e de frangos. Para esta virada foram fundamentais dois aspectos: o primeiro refere-se à moderna tecnologia de produção. O segundo remete ao enorme esforço que o Brasil vem fazendo, há uma década, para dispor de sanidade agropecuária à prova de barreiras comerciais.
  Energia e flores
Roberto convenceu o presidente Lula a criar o Pólo de Biocombustíveis Brasil, um programa de Pesquisa & Desenvolvimento & Demonstração, lançado hoje na Esalq (Piracicaba). O Brasil reúne condições para ser o maior produtor de bioenergia do mundo, seja álcool, biodiesel, ecodiesel, lenha ou carvão vegetal. Além de alimentos e energia, o Brasil também pode tornar o mundo um lugar mais agradável para viver, aproveitando a sua biodiversidade para produzir e vender plantas ornamentais.
  Agronegócio, a solução
No curto e no médio prazos, o agronegócio continuará sendo a grande alavanca do Brasil, seja para gerar emprego e renda, desenvolvimento interiorizado ou saldo na balança comercial. Além de grãos e carnes, o Brasil avança em frutas e ornamentais, hoje o segmento do agronegócio de maior movimentação de divisas. E lança as bases para ser a potência energética do século, para liderar o setor de agricultura de energia que, em futuro próximo, será o maior componente do agronegócio mundial. Esperemos que, através do agronegócio, as próximas pesquisas indiquem que o trabalhador brasileiro está empregado e comprando mais comida.

Negócios da China

Décio Luiz Gazzoni

Se os EUA estão se transmutando de motor para âncora dos negócios globais, com sua política protecionista do mercado interno e o espetáculo do crescimento de gastos governamentais, especialmente bélicos - que tornam o país vulnerável e o dólar fraco - a China envereda pela senda oposta. Aliás, a China sempre foi uma referência histórica da Humanidade e volta a sê-lo no início do III Milênio.

Dualidade
Quem acompanhou a China da Revolução Cultural, os histrionismos e as bravatas dos velhos comunistas da década de 70, jamais imaginaria a capacidade chinesa de releitura de Karl Marx. Politicamente, nada mudou nos últimos 50 anos e o massacre da Praça Tianamen continua um indicador da férrea ditadura imposta pela nomenklatura chinesa. Entretanto, a sabedoria milenar dos chineses fez emergir, à margem da ditadura política, um fulgurante sistema econômico, que permite à China crescer, sustentadamente, 8-10%, nos últimos 15 anos. Às favas o coletivismo, o mote é a iniciativa privada, a abertura ao exterior, ao capital internacional, o ingresso na OMC. Com um PIB de US$1,5 trilhões, vendas externas de 1/3 desse valor, saldo comercial de US$100 bilhões anuais apenas com os EUA, a China é o objeto de desejo de dez entre dez homens de negócio e dos Ministros da Fazenda e do Comércio Exterior dos demais países.
  Vantagens
A China construiu sua vantagem comparativa sobre a miséria do povo. Os salários pagos no país equivalem a 3% do salário médio das economias avançadas. O baixo salário é sustentado por um exército de sub-empregados ou desempregados equivalente à população da América Latina, com um pé no campo e outro na fila do emprego urbano. A massa assalariada urbana, e os pequenos e médios empresários, moldam uma classe média à la ocidental, uma heresia de revirar os ossos do finado Mao Tse Tung e causar calafrios nos românticos comunistas dogmáticos que sobrevivem no resto do planeta. Um dos segredos do progresso chinês foi o excepcional investimento em C & T, efetuado nos últimos anos. Para dar a dimensão de sua visão de futuro, a China pretende, ao longo desta década, liderar os avanços em biotecnologia, entre os países do Terceiro Mundo. Já, a partir de 2010, o gigante almeja ser o líder mundial do setor!

 

Mercado em expansão
Qualquer número na China é elevado à enésima potência. Isso vale para o mundo dos negócios, onde multinacionais gulosas estabelecem-se precocemente no novo eldorado mundial, à cata dos negócios da China. Nos planos de negócios espoucam previsões do tipo: se cada chinês comer mais um bife de peito de frango por mês, será necessário dobrar a produção avícola mundial. De olho nessa previsão, um industrial argentino já estabeleceu por lá a filial de sua vinícola, imaginando o que aconteceria se os chineses degustassem dois ao invés de um copo de vinho per cápita, ao ano!
  Trilhas diferentes
Há 30 anos, a comparação entre os indicadores econômicos da China e do Brasil pendiam para o nosso lado. Hoje, são francamente favoráveis aos chineses, assim como a perspectiva de curto e médio prazo, que aponta a China como a nova grande potência econômica mundial, a partir da próxima década. Montados sobre uma bomba subnutrônica, com pavio de super população, os velhos comunistas se reciclaram e arrancaram do baú aquilo que os líderes brasileiros foram incapazes de ver nas potencialidades brasileiras. No meu entender, apenas uma grande ameaça pode interromper o crescimento chinês: a falta de energia. O que é uma oportunidade para o Brasil, futuro líder mundial da bioenergia, o que nos permitirá entabular proveitosos negócios da China, até com a China.

O Princípio da Precaução

Décio Luiz Gazzoni

Na Conferência Rio-92, definiu-se que "O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados." Este Princípio afirma que, na ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível, requer medidas que previnam o eventual dano. Isso posto, por ser aplicado na ausência de evidências científicas, o Princípio da Precaução não é uma ferramenta científica.

Mau uso
O Princípio da Precaução tem justificado tanto o banimento de OGMs quanto a invasão do Iraque. Invadiu-se um país com a justificativa de que "quiçá, talvez, eventualmente, em um futuro imprevisível, possa haver uma remota possibilidade de que o ditador que comanda esse país venha a representar algum perigo aos interesses americanos". Consumada a invasão, restou que o tal arremedo de ditador sequer tinha condições de defender a si e aos seus asseclas, com um simulacro de exército sem armas, munições, uniforme ou alimentos, quanto mais representar o mínimo perigo para os EUA, que detém mais de um terço do poderio bélico do planeta e a maior rede de inteligência e de informações estratégicas do mundo.
  Barreira comercial
O SPS (Sanitary and Phytosanitary Measures) é um código de princípios sanitários do comercio internacional, cujo artigo 2.2 SPS preceitua "Os Membros devem assegurar que todas as medidas sanitárias ou fitossanitárias serão aplicadas somente na extensão necessária para proteger a vida e a saúde humana, animal ou das plantas, baseadas em princípios científicos e não serão mantidas aquelas que não disponham de suficiente evidência cientifica". A solução encontrada pelos países ricos foi a livre interpretação do artigo. Ao sabor das conveniências desses países, quando o risco é imponderável ou quando, a seu critério, não existe informação científica suficiente, aplica-se o Princípio da Precaução, não previsto, explicitamente, na versão original do SPS.
  Julgamento subjetivo
Metaforicamente, imaginemo-nos na boca de uma caverna escura. A decisão de vasculhá-la dependerá da noção dos perigos e dos benefícios que a incursão possa trazer. No vácuo de informação, o Princípio da Precaução estipula que cavernas escuras são habitats de aranhas, escorpiões, serpentes e outros animais peçonhentos, fungos, bactérias e outros microrganismos patogênicos, além de poder nos faltar o chão a qualquer momento. A decisão será por não ingressar. Porém, e se nos for afiançado que, andando 20m no interior da caverna, encontraremos um veio de diamantes de milhares de quilates? E, se adicionalmente, nos for asseverado que estudos preliminares indicaram que os habitantes da caverna não representam perigo à nossa integridade física? E, finalmente, se dispusermos de um relatório de que centenas de pessoas já trilharam a caverna e retornaram, incólumes, com sua quota de diamantes?

 

Percepção
Em todos os cenários, não existe evidência científica irrefutável, variando apenas o grau de informação, a percepção do risco e a avaliação do custo benefício. Ou seja, fatores subjetivos, imponderáveis e descolados da ortodoxia científica embasam a decisão de ingressar ou não na caverna. E se recebemos informações esparsas e de sinais trocados? Algo como dispor da informação segura de que muitas pessoas ingressaram em muitas cavernas da mesma região e de lá retornaram com os seus tesouros. Porém, essas mesmas pessoas alardeiam que não existe informação suficiente para aquilatar os perigos de ingressar na caverna, além de que o tesouro extraído não compensa os riscos a que a pessoa se expõe. Examinando dessa forma, didaticamente, transparece a "barreira" ou, usando o ditado popular, faça o que eu digo e não o que eu faço.
  Considerações práticas
Em cenários de incerteza é lícito que a sociedade precavenha-se, abrindo mão de ganhos ou submetendo-se a privações no presente, a fim de preservar o futuro. No entanto, o desvirtuamento do Princípio da Precaução, seja para justificar guerras de conquistas, em que objetivos políticos e econômicos são escamoteados sob um manto tênue de virtuais riscos futuros; ou a tentativa de auferir vantagens comerciais decorrentes de barreiras insustentáveis à luz das evidências científicas poderá ter, como grande vítima, justamente o que se pretende proteger: o meio ambiente e o futuro da Humanidade.

Soja 2004 – 2010

Décio Luiz Gazzoni

Recentemente, o Sindicato Rural de Londrina recebeu a visita de um sojicultor de Minnesotta (EUA). Durante a discussão o agrônomo e agricultor Wilson Pan perguntou ao colega americano: por que a produtividade da soja brasileira aumentou em mais de 80%, nos últimos 15 anos, enquanto a americana se manteve estável? Impulsivamente, respondi antes do americano: Porque no Brasil temos o Dr. Romeu Kiihl!

Vantagens comparativas
A minha intromissão impulsiva sintetizou o diferencial competitivo conferido ao agronegócio da soja, devido aos avanços tecnológicos do setor. Agregue-se, também, a capacidade empresarial do agricultor brasileiro, a escala de produção, a adequação das condições edafo-climáticas e a disponibilidade de terra. A pergunta feita, com insistência, é: até onde a produção de soja no Brasil deve crescer? Na minha opinião, a pergunta está mal formulada, devendo-se inquirir: qual será a taxa de expansão mundial do consumo de soja, no futuro previsível, e como o Brasil se adequará a ela?
  Vetores
Do meu ponto de observação, entendo que a demanda de soja será influenciada por fatores clássicos como o aumento populacional e o incremento da renda per capita. Entretanto, devemos atentar para alguns estímulos peculiares, como o aumento expressivo da renda na Ásia, em especial na China, tradicional consumidora de soja para alimentação humana. Esse mesmo país também impulsionará a demanda, em virtude do aumento de consumo de carnes, das quais a soja é um insumo essencial.

Saúde
A demanda crescente por alimentos funcionais e protéicos, notadamente em países de alta renda, reforçará a manutenção das taxas de expansão do consumo de soja. A descoberta de substâncias com ação terapêutica coloca a soja como modelo entre os alimentos funcionais, o que confere sustentabilidade ao seu consumo continuado. A soja orgânica, ainda um nicho comercial envergonhado, deverá crescer a altas taxas, em virtude da necessidade de atender a uma classe de consumidores que busca fugir do padrão comercial, hoje representado pela soja transgênica resistente a um herbicida.
  Preços
A correia que transmite a indução da demanda para a oferta, fazendo com que a curva de crescimento das duas assuma contornos assemelhados sobre o diferencial do tempo, é o preço. Quanto mais atrativo for o preço, maior a indução da expansão da oferta, podendo, inclusive, superar a demanda conjuntural. É importante, também, considerar o efeito de uma variável que modula o preço, acessoriamente à relação oferta/demanda, que é o estoque de passagem. Lato sensu, o estoque não deixa de ser uma forma de oferta do produto, um sinal ao mercado dizendo: "não suba muito o preço porque a oferta sazonal pode ser modificada pela mobilização dos estoques". Entendo que o preço da soja sempre vai guardar uma relação estreita com a proporção entre o estoque de passagem e o consumo global. Quando essa relação cresce o preço desce e vice-versa.

Considerandos
O agricultor é um ser racional e o sojicultor brasileiro médio é um profissional com elevada habilidade de gestão comercial. Eventualmente, em períodos de entusiasmo excessivo, alguns sinais de curto prazo, emitidos pelo mercado, poderão não ser percebidos adequadamente e a oferta pode superar a demanda pontual, até pelo efeito inércia, ou seja, a necessidade de um sinal claro para frear o crescimento da oferta, o que é uma das funções do preço. Entretanto, projetando o médio prazo, para produtos globalizados e com formação de preços transparente, como a soja, creio piamente que a curva da oferta seguirá muito próxima à da demanda, com eventuais dissonâncias claramente localizadas em algumas safras específicas.
 

Resposta
Logo, a resposta à pergunta lá do início é: o consumo mundial de soja deve manter um crescimento positivo, no futuro previsível. E a produção brasileira de soja crescerá acompanhando a demanda mundial, possivelmente a taxas superiores ao crescimento global, porque o Brasil é o país que dispõe de vantagens competitivas importantes, o que nos permite apropriar a maior parcela da necessidade de crescimento da oferta de soja no mundo. Embora dúvidas não me assaltem de que, no curto prazo, o Brasil será o maior produtor mundial de soja, esse fato não deve ser tomado como ufanismo e transformado em objetivo que obnubile a percepção dos sinais do mercado, os quais devem modular a taxa de crescimento da nossa produção.

Ver com outros olhos

Décio Luiz Gazzoni

Empatia é a habilidade de uma pessoa para sentir o que sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias vivenciadas por outra pessoa. É fácil entender o conceito quando se trata do relacionamento inter pessoal. Mas, é possível estendê-lo para um relacionamento humano com animais ou plantas?   Talvez no sentido leigo não, mas para quem já completou 30 anos dedicados à Ciência, tenho que responder que sim. Muitas descobertas ocorreram porque cientistas tem o hábito de passar os dias pensando só naquilo – e acabam vendo o que outros não vêem e sentindo o que as plantas "sentem"!

Fotoperiodo
Para ilustrar, retrocedamos um século, quando foram estabelecidos os princípios da reação das plantas ao comprimento do dia (ou comprimento da noite, como prefere o meu amigo Romeu Kiihl). Algumas plantas têm o florescimento induzido por dias curtos (e noites longas), enquanto outras reagem de forma inversa. Para ter uma idéia da importância comercial desse fenômeno, o Brasil se encaminha para ser o maior produtor de soja do mundo porque os cientistas brasileiros desenvolveram cultivares de soja adaptadas aos dias curtos dos estados ao norte de São Paulo. Depois dessa descoberta, seguiu-se a elucidação da função do fitocromo, uma proteína que assume uma forma sob luz vermelha e outra quando atingida por raios infra-vermelhos, permitindo a intermediação entre a indução do fotoperíodo e os processos fisiológicos da planta.
  Pensando naquilo
Os olhos humanos visualizam apenas uma faixa ínfima do espectro luminoso. Já as plantas reagem à temperatura da luz (cor) de forma peculiar. Examinando as folhas de diversas plantas, um cientista notou que os fitocromos se distribuíam por diversas partes da planta. Então ele começou a só pensar naquilo: por que existem fitocromos na face inferior das folhas se a radiação solar atinge somente a superior? Buscou trocar de lugar com a planta (empatia) e imaginar porque a planta tomaria essa atitude. Os experimentos demonstraram que os fitocromos reagiam da mesma forma, recebendo luz na parte superior ou inferior da folha.

 


Dr. Kasperbauer medindo a reação de plantas à luz vermelha
  Bingo!
De tanto pensar naquilo, o cientista - chamado Dr. Kasperbauer - intuiu que os fitocromos da parte inferior da planta estavam ociosos, esperando que alguém os colocasse a trabalhar. Surgiu a idéia de colocar coberturas coloridas no solo, para que a luz refletida atingisse a face inferior das folhas. Ele estava certo, as plantas reagiram com aumento de produtividade e melhoria de qualidade.

 

Aplicação prática
Empresários se dedicaram a produzir coberturas coloridas para áreas cultivadas com hortaliças. O trabalho do Dr. Kasperbauer demonstrou que tomates cultivados em solo coberto com plástico vermelho rendem 20% mais quando comparados à cobertura preta, enquanto os moranguinhos são mais perfumados, mais saborosos e de maior produtividade. Outros comprimentos de onda provocam melhoria do aspecto, do sabor, do aroma e do conteúdo nutricional de frutas e hortaliças.
   Cenouras cultivadas sobre plásticos amarelos têm maior teor de beta caroteno e de vitamina C. A fibra do algodão é mais longa quando a face inferior das folhas recebem radiação vermelha ou infra-vermelha. O basilicão reage a diferentes cores de luz, aumentando o teor de compostos fenólicos, tornando-se mais aromático e com folhas mais suculentas. Para chegar a esses resultados, foi necessário que o cientista "visse" a luz com os "olhos" das plantas.

Lei de Biossegurança

Décio Luiz Gazzoni

Encontra-se em discussão no Congresso Nacional a proposta de legislação regulamentando a biossegurança de OGMs. Política é a arte de administrar conflitos e posições aparentemente inconciliáveis e, por mais que as posições em relação aos OGMs sejam antagônicas, urge que essas questões sejam definidas e um posicionamento oficial, único e definitivo, seja adotado.

O ônus da liderança
O Brasil está tornando realidade sua grande vocação agrícola, rumo à liderança do agronegócio internacional. Na condição de ator marginal, a posição dúbia do Brasil, no tocante aos OGMs, até poderia obter condescendência. Entretanto, com o peso específico atual do Brasil, se hoje sofremos com o constrangimento de "ser, não sendo", ou "não ser, sendo", brevemente enfrentaremos barreiras comerciais até assumirmos, com transparência, se permitimos ou não o cultivo e a comercialização de OGMs no território nacional. O mundo dos negócios globalizados não aceitará sucessivas reedições de MPs, liberando o plantio de OGMs por seis meses, cada qual jurando ser a última.
  Moratória
Particularmente, tenho dito - e aqui reafirmo - que a moratória judicial de seis anos no plantio de OGMs no Brasil, foi tempo mais do que suficiente para efetuar o balanço dos prós e dos contras. Dos impactos ambientais e na saúde humana. Dos ganhos de competitividade e dos custos que incorrem. Dos eventuais ganhos de qualidade nutricional e terapêutica de plantas transgênicas. Ou seja, permitiu analisar sem açodamento e sem viés, tudo o que a Ciência produziu durante este tempo. Então a hora é agora, não condiz com a grandeza do agronegócio nacional postergarmos, indefinidamente, uma decisão sobre um tema que se posiciona no eixo central da produção agrícola.

Debate e sofismas
O debate sobre o tema deve ser lastreado em fatos e evidências irrefutáveis. Muito se comentava a respeito dos problemas enfrentados pelos exportadores, para colocar a soja RR no mercado europeu. Aproveitei a realização do II Congresso Brasileiro de Soja para introduzir essa discussão, em um foro onde não haveria espaço para sofismas, dada sua especialização e seu nível de informação. Concluiu-se que a Argentina, terceiro maior produtor de soja do mundo, tem toda a sua produção lastreada em cultivares transgênicas. No final da década de 90, a Argentina aumentou sua exportação de grãos e quadruplicou a de farelo de soja para a Europa, sem entraves comerciais, devido ao fato de exportar soja RR. A Europa também importa soja americana, com as mesmas características, o mesmo acontecendo com a China e o Japão.
 

Reflexões
Queiramos ou não, a sociedade mundial discute um novo paradigma tecnológico pautado no uso intensivo da biotecnologia, que deverá desempenhar o mesmo papel que a Química e a Biologia tiveram, em passado recente. Os impactos dos avanços biotecnológicos equivalem à descoberta da eletricidade ou da energia atômica, e a eles, de alguma forma, toda a sociedade estará submetida. As projeções futuras apontam para uma ocupação acelerada dos espaços de inovação tecnológica pela biotecnologia, em especial na agropecuária, na medicina e nos novos materiais. Analistas independentes apontam que, em um período de 25 anos, a quase totalidade das variedades de plantas cultivadas e as raças de animais de importância econômica serão derivadas de processos biotecnológicos. Outros analistas entendem que esse cenário é conservador e que esse futuro está mais próximo do que se imagina.

Alternativa
O Brasil pode ser o nó destoante dessa rede? Em tese pode, sem dúvida alguma. Dispomos de talentos e de potencial científico. Com investimentos adequados nas equipes dos institutos agrícolas, médicos e farmacêuticos do Brasil, a sociedade pode decidir que a busca de um caminho alternativo é a melhor saída para o nosso país. Nesse caso, por definição, será forçoso abandonar qualquer caminho que signifique a emulação dos avanços científicos e tecnológicos ocorridos no exterior.
  O corolário desta análise aponta para uma absoluta e completa reversão de expectativas: ao invés da miséria e do abandono em que se encontram a maioria dos agrupamentos científicos do Brasil, será necessário manter um fluxo continuado e sustentável de bilhões de reais, anualmente, para que possamos trilhar o caminho do desenvolvimento ancorados em outro paradigma tecnológico, que não seja aquele dominante no mundo desenvolvido.

A tributação nos alimentos

Décio Luiz Gazzoni

Em artigo recente, discorri sobre as sete pragas da agricultura, as quais são seis, porque, a derrama tributária, verdugo do emprego e predador da renda e do desenvolvimento do Brasil, vale por duas pragas. Os países ricos da Europa contentam-se com incidências tributárias inferiores a 40% do PIB, os EUA com 30% e o Canadá com 35%. Países de desenvolvimento similar ao Brasil adéquam-se a 18% (México), 17% (Chile) ou 16% (Venezuela). Já o Brasil auto-limita o seu desenvolvimento e a justiça social através de uma elevada incidência tributária que sobrepassa os 40%. Enquanto não entendermos que a formação de poupança para investimento - base do emprego, da renda e do desenvolvimento – é inversamente proporcional à taxação tributária, permaneceremos estagnados, o eterno país de um futuro que se afasta ao invés de se aproximar.   Tributos e pobreza
Graças ao Bom Deus, o Brasil não integra o circuito mundial da fome absoluta, aquela que aleija e mata. Entretanto, o IBGE demonstrou que o comprometimento da renda familiar com alimentação, para famílias com renda de até dois salários mínimos, varia de 40% (Rio de Janeiro) a 65% (Fortaleza), enquanto os extratos superiores de renda destinam somente 7% de sua renda às despesas com alimentação. A face mais iníqua da tributação é sua incidência sobre os alimentos. Quando se discute fórmulas para propiciar acesso à alimentação aos menos favorecidos, atentemos que, parcela ponderável da parca renda que o cidadão destina à compra dos alimentos, necessita ser dividida com o Governo. Reflitamos sobre a ineficiência de um processo que contribui para reduzir o acesso à alimentação e que elimina empregos, arrecadando impostos, que depois precisam ser transformados em programas de ...redução da fome ou de estímulo ao emprego!!!

 

Reforma tributária
Quando a sociedade pugna por uma reforma tributária, tem em mente alguns conceitos essenciais, como:

1. a pressão tributária, medida como um percentual do PIB, deve ser proporcional à riqueza do país. Sociedades ricas possuem um lastro de renda adicional às suas necessidades básicas, o que lhes permite suportar maior incidência tributária, mantendo suas taxas de crescimento;

2. a contrapartida de serviços públicos deve ser proporcional à arrecadação tributária. Alta pressão tributária é prerrogativa de sociedades ricas, com espesso colchão social providenciado pelo governo, em forma de benefícios (aposentadoria, seguro desemprego) ou serviços (educação, saúde, segurança, transportes) de alta qualidade;

 

3. a tributação deve incidir, mais fortemente, sobre a renda e o consumo final;

4. os tributos devem ser progressivos, ou seja, quem pode mais paga mais;

5. seletividade tributária em função da essencialidade dos bens e serviços. Essa análise ajusta-se à discussão sobre tributação nos alimentos, ao menos àqueles componentes da cesta básica, que deveriam ser desonerados, diferencialmente da incidência sobre o consumo de luxo.

Infelizmente, nem sempre os políticos traduzem em leis o desejo da sociedade.

Sem impostos, sem fome
Nos EUA, o imposto sobre vendas incide nos alimentos em apenas 11 estados, sendo a maior alíquota (8,25%) aplicada no Tennessee e a menor (4%) na Virgínia. Em sete estados americanos existe um crédito recebido pelas famílias consideradas pobres, referente à devolução de tributos sobre alimentos. Na UE os alimentos são taxados pela menor das três alíquotas de IVA vigentes. Em tempo: pobre, nos EUA, é o cidadão com renda mensal inferior a US$1.000,00.
  Fome Zero
Urge uma profunda reflexão social e uma luta para a taxação seletiva de alimentos no Brasil, para ressaltar a iniqüidade da incidência de impostos em alguns alimentos da cesta básica: pão francês (14,5%), macarrão (18%), óleo (19%), feijão (23%), frango (27%) e arroz (29%). Mal comparando, uma família pobre poderia comprar 23% a mais de feijão, ou 29% a mais de arroz, se esses alimentos fossem desonerados. Com o consumidor comprando mais, o produtor produziria mais, aumentando a renda e o emprego, ao tempo em que a fome diminuiria. Não seria um Fome Zero óbvio, simples e barato? Segurança alimentar e nutrição adequada também dependem de impostos justos, não apenas da generosidade e da caridade dos brasileiros mais aquinhoados, condoídos dos seus concidadãos mais pobres, que precisam repartir a comida com um leão insensível e insaciável.

Bioprocessamento

Décio Luiz Gazzoni

Duas notícias recentes chamaram-me a atenção. Uma referia-se à produção de bioplásticos, a partir de óleos vegetais, com a dupla vantagem de serem biodegradáveis e com menor custo industrial. A segunda remetia à entrada em operação de uma planta industrial de ácido polilático de dextrose de milho fermentada, com posterior polimerização catalítica. O novo produto substitui derivados de petróleo em embalagens, garrafas plásticas, PET, celofane, derivados de polietileno, entre outros.   Examinadas do ângulo dos negócios atuais, as duas notícias perdem-se entre outras mais importantes. Porém, do ponto de vista estratégico, como opúsculo de um iceberg futuro, ambas merecem muita reflexão, pelo impacto que terão na agropecuária deste século.

Vetores
Dez entre dez estrategistas internacionais apontam a biotecnologia como o paradigma científico do século XXI, tal qual a química e a física alavancaram o progresso do século XX. Como em toda a revolução de usos e costumes, a saída de cena de um modelo dominante e a ocupação do espaço por um novo arquétipo, é acompanhada de turbulências, contestações e inseguranças. Este é um comportamento típico de seres humanos (e de outros animais também), que preferem transitar em um terreno que conhecem e dominam a enfrentar o desconhecido, o que implica em novos desafios. E quem está com seu negócio estabelecido vai lutar com unhas e dentes para evitar mudanças de paradigmas, que nivelem os competidores.
  Analisando a História da Humanidade, entendo que evoluímos movidos por três grandes forças: necessidade, comodidade e ambição. A necessidade de proteger-se do frio levou o homem pré-histórico a esfolar animais para vestir-se com sua pele. A ambição por ternos de grife tornou Giorgio Armani um milionário. A necessidade de comunicação criou os hieróglifos. A comodidade induz os cientistas a introduzirem, quotidianamente, novas ferramentas na Internet.

Progresso e risco
O progresso é lastreado em inovações científicas. Porém, em toda a inovação, existe o risco de efeitos colaterais não desejados. Assim, alimentos são nutritivos e essenciais à sobrevivência. Porém podem conter princípios tóxicos, como as aflotoxinas, provocar o acúmulo de LDL-colesterol no organismo, favorecendo acidentes cardio-vasculares ou conter alergênicos. Por este motivo, a sociedade exige dos cientistas a caracterização dos riscos de saúde associados aos alimentos, mesmo os tradicionais.
 

Fruto desta pressão social, os novos avanços científicos, embora mais revolucionários, complexos e excitantes no imaginário popular, tendem a ser mais seguros. Quando a sociedade conscientizou-se ex-post do perigo associado ao lixo atômico ou aos agrotóxicos, forçou a implementação da análise de risco. Trata-se de uma ferramenta que avalia ex-ante os riscos imanentes ao uso de qualquer inovação, suportada por embasamento científico inquestionável à luz do conhecimento atual e das dúvidas consideradas razoáveis.

  Dessa forma, torna-se transparente para a sociedade o custo/benefício de novos produtos ou tecnologias, com delimitação precisa dos riscos associados ao seu uso. Há um evidente contraste com tecnologias desenvolvidas há 50 anos, quando as técnicas de avaliação eram mais rudimentares e a pressão social pela caracterização dos perigos e a transparência na sua comunicação eram incipientes. Isso posto, há um consenso entre os cientistas de que produtos derivados da biotecnologia têm menor probabilidade de embutirem riscos de efeitos adversos não detectáveis.

Qualidade de vida
A química e a indústria farmacêutica sempre andaram de mãos dadas, como a física e a tecnologia da informação são indissociáveis. As aplicações da biotecnologia apontam para uma estreita associação entre inovação e qualidade de vida, no futuro próximo. A biotecnologia estará fortemente associada com outras ciências, sobretudo a química e a física. Como exemplo desta convergência pode-se citar o uso energético do etanol, novas variedades de plantas ou raças de animais, biomateriais e biofármacos como realidades presentes. Já os bio-sensores, os bio-computadores e aplicações nanotecnológicas estão na bancada dos cientistas e vão revolucionar a sociedade da próxima década.
  À guiza de exemplo, refira-se que, no momento menos de 2% dos veículos são movidos a etanol e menos de 10% das matérias primas da indústria química provêem da biomassa. Uma estimativa conservadora do Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA informa que, em 2020, 10% dos combustíveis líquidos e 25% dos produtos de química orgânica serão provenientes de biomassa.   Cada vez mais será encurtado o tempo entre a descoberta científica básica e a incorporação de uma nova utilidade pela sociedade. No século XIX, uma inovação tecnológica que envolvesse quebra de paradigmas, demorava 50-60 anos para ser aceita pela sociedade. Em meados do século XX, esse interstício reduziu-se para 30 anos. No século XXI o interregno reduzir-se-á, progressivamente, dos 10 anos atuais para o limite em que as linhas de montagem estarão conectadas aos laboratórios para disponibilizar inovações no mesmo ano de sua descoberta.

Mudança inevitável
Assim como faltará petróleo para mover os carros, sua escassez obrigará a busca de um sucedâneo para a indústria química. Esta é uma revolução silenciosa, que já começou na micro-escala. Seu fulcro é o uso da biomassa para fornecer os átomos de carbono, oxigênio, hidrogênio, enxofre ou nitrogênio quando o petróleo tornar-se caro e, paulatinamente, suas reservas se extinguirem.
  O rearranjo atômico para, a partir de moléculas naturais, produzir matérias primas para gerar uma utilidade social, pode ser efetuado pela via da química industrial ou do bioprocessamento. Esta última técnica ainda está em seu alvorecer, porém as perspectivas são otimistas, prevendo tanto a especialização de animais e plantas para produção de fármacos e outras moléculas essenciais, bioplásticos ou similares, como a transformação posterior de qualquer molécula orgânica (ácidos graxos, carboidratos, proteínas, etc.) através de microrganismos especializados, usando técnicas de biocatálise, fermentação ou processamento enzimático.

Biomassa e biotecnologia
Esta mudança na base industrial é possível através da fermentação, que produz enzimas, aminoácidos, antibióticos, vitaminas, álcoois, etc. O que conferirá maior eficiência aos processos fermentativos (que é uma aplicação biotecnológica) será a melhoria dos microrganismos intervenientes, via de regra por processos de transgênese. Atualmente, o valor da produção mundial de fermentados é de US$5 bilhões, crescendo 8% ao ano. Estudos indicam que esta taxa deve saltar para 15% ao ano ao longo da década, superando 25% na segunda década deste século.
  Os produtos industriais baseados em óleos transformaram-se em um mercado vigoroso, amparados em catalisadores e outros processos de engenharia química. Com a paulatina incorporação de processos biotecnológicos, os limites deste mercado serão largamente expandidos. É possível aprimorar as oleaginosas, alterando sua fração lipídica, concentrando na produção de óleos de maior interesse, saturando ou dessaturando ligações ou modificando a proporção de isômeros. É possível interferir nos processos metabólicos das plantas, ativando ou desativando genes, introduzindo novos genes que codificam para enzimas ou outras substâncias que tornem o processo mais eficiente. No processamento existe outro campo inesgotável de aplicação da biotecnologia, que permite ganhos de escala e de eficiência, substituindo as plantas industriais, com enormes ganhos econômicos, sociais e ambientais.

Traçando o futuro
O investimento em C & T na engenharia de bioprocessamento será um dos maiores diferenciais competitivos do mundo de nossos filhos e netos. Uma vez tornadas obsoletas, as atuais plantas petroquímicas contribuirão marginalmente para a formação de riqueza do porvir. As Nações que dominarem as técnicas de aproveitamento da biomassa para a produção de utilidades requeridas no dia a dia da sociedade, serão as potências econômicas do século. Obviamente, tanto os governos dos países que lideram a economia mundial, como as corporações, isoladamente, dispõem desta visão de futuro e já migram seus investimentos para posicionar-se, adequadamente, no novo perfil de negócios.
  Essa visão de futuro incorpora três componentes comuns: o reconhecimento de que a biotecnologia será uma fonte quase inesgotável de inovações; o entendimento de que o custo de produtos derivados da biotecnologia cairá dramaticamente com a melhoria dos processos e o ganho de escala; e a necessidade de desenvolver processos seguros ao Homem e ao ambiente.

Agrofarmácias, as reflexões necessárias

Décio Luiz Gazzoni

Dos campos sempre saíram alimentos. Com o tempo descobriu-se que, além de saciar a fome, prover energia e matéria prima para o sôfrego parque de obras que é o organismo humano, os alimentos também dispõem de princípios terapêuticos, dando início à era dos alimentos funcionais. Como desdobramento, outro conceito está sendo moldado na cornucópia dos cientistas. Dos campos obteremos, em futuro que se avizinha, fármacos como enzimas, hormônios, antibióticos, vacinas e uma plêiade de medicamentos importantes para a preservação, manutenção ou recuperação da saúde.   Se do ponto de vista da sociedade em geral, este novo segmento representa qualidade de vida, para o agronegócio significa uma oportunidade que surge ao deslocar-se a síntese de proteínas de importância farmacêutica das indústrias químicas para os campos e estábulos, oferecidos à população na forma de alimento, ou processados através de uma instalação industrial que extrairá, purificará e formulará o remédio.   Embora o mundo ainda não tenha esgotado a discussão sobre os passos embrionários da biotecnologia, a ciência já pauta um novo embate, tornando obsoletas questões anteriores que ainda não haviam obtido consenso. A favor da nova era depõe o fato de que a aplicação da biotecnologia na medicina resultou em uma percepção social antípoda à dos alimentos transgênicos, haja vista que a insulina recombinante nunca gerou protestos – ao contrário, amealhou defensores. Todavia, é sempre interessante refletir sobre as lições do passado recente, com respeito à aplicação da biotecnologia na agricultura.

Dupla via
Em priscas eras, Henry Ford dizia: "O comprador tem o direito de escolher a cor do carro que desejar, desde que essa cor seja preta!". Já no terceiro milênio, o consumidor exige qualidade e impõe suas exigências, invertendo-se o fluxo da desova da oferta para o atendimento da demanda.
  A opinião pública aceita melhor a biotecnologia médica (menos dor, sofrimento ou mortes, mais saúde e qualidade de vida) que plantas transgênicas que não a beneficiem diretamente. Por essa lógica, é importante imaginar o que ocorreria em um cenário em que a primeira soja transgênica sintetizasse o ingrediente ativo do Viagra em seu grãos. Haveria a polarização de posições que causou a soja resistente a herbicidas?

Aspectos sociais
A segunda reflexão nos obriga a pensar globalmente: o mercado não é restrito a 600 milhões de pessoas em países ricos, mas compõe-se de 6 bilhões de pessoas, a maior parcela com necessidades nutricionais e de saúde não atendidas. A desigualdade de renda e de acesso à vida digna interferem na inserção empresarial no mercado. Ao invés de aplicar a Lei de Patentes ou de Propriedade Intelectual a ferro e fogo, há que pensar nas dezenas de milhões de pessoas que morrem, anualmente, por fome ou doenças tratáveis. Falo do compromisso social do capital. Falo do vínculo das empresas com programas de assistência social, de forma a serem recompensadas pela sociedade com melhor aceitação dos seus produtos.
  Percepções dessa ordem tomam conta dos Conselhos de Administração. Uma das maiores indústrias químicas do mundo enveredou por essa senda ao doar parcela de seu produto para tratar da cegueira do rio. Em oposição, o Brasil foi ameaçado de enfrentar a barra dos tribunais internacionais, porque nossa legislação prevê que medicamentos importados a custo proibitivo, caso sejam de uso contínuo e essenciais para determinados pacientes, podem ser produzidos sem observar alguns aspectos da Lei de Patentes. Entendo que primeiro devemos salvar as vítimas da AIDS - que não podem esperar - e depois discutir os roialties - que podem esperar.

Incerteza
A terceira reflexão indica que não devemos subestimar a percepção de incerteza, risco e perigo por parte da sociedade laica. As possibilidades de risco humano ou ambiental, por fantasiosas que pareçam, devem ser investigadas, esclarecidas, até assegurar-se da ausência de efeitos colaterais indesejáveis, sendo transparentemente divulgadas. Esta lição aprendemos com cultivos transgênicos, pois tal qual a mulher de César, não basta que sejam tão ou mais seguros que alimentos tradicionais, é necessário provar, repetidas vezes, a sua segurança – o preço da inovação.
  À mídia compete cumprir seu papel de informar e esclarecer, propiciando oportunidades de discussão, em especial de forma interativa, para que os temores e as incertezas sejam aplacados. Subestimar a percepção de risco significará perder clientes, sofrer boicotes e propiciar o naufrágio de oportunidades de melhoria da qualidade de vida e de bons negócios.

Legislação
A quarta reflexão repousa na necessidade de um estamento legal que incorpore os anseios e as angústias da sociedade, harmonizado globalmente, implementado de ordem a não se constituir em cartório por uma parte, nem por "mata-burros" ou xenofobia absoluta por outra.
  A lógica que deve imperar é a de avançar, sim, sempre, porém com segurança, observância dos ditames da sociedade, respeito à saúde pública e ao meio ambiente, ao contexto social onde a tecnologia se insere e à importância do avanço tecnológico para diminuir a injustiça social no mundo.

Cabrito do leite de ouro
Quem não gostaria de arrecadar US$30 milhões por ano, com a ordenha de um único cabrito? Reportagem recente do New York Times acena com essa possibilidade, desde que o cabrito seja transgênico e seu leite contenha proteínas de interesse farmacêutico. Diversas universidades e companhias particulares estão introduzindo genes que codificam para hormônios, anti-corpos, vacinas, enzimas, antibióticos, etc., de importância farmacológica. Algumas já estão em fase adiantada de testes, tendo obtido licença para uso experimental em seres humanos.
  A lógica é que um ser vivo é uma fábrica de proteínas e, caso ele não produza uma proteína específica, a introdução do gene responsável pela sua produção no código genético de um receptor, nada mais alterará no organismo que a síntese da proteína desejada. Uma vez obtida a expressão gênica e a síntese, abrem-se duas largas avenidas: ou comercializa-se o produto animal ou vegetal obtido, na forma de alimento, ou acopla-se uma planta industrial que extrai, purifica e formula o remédio baseado na proteína. Entretanto, até o momento não encontrei a correspondente reflexão, nos termos propostos acima.

Complexidade
Cultivos ou criações de base biotecnológica exigirão investimentos, técnica, conhecimento, formação, pessoal habilitado e capacitado muito superiores a qualquer exploração agrícola atual. Profissionais habilitados deverão prestar assistência técnica e responsabilizar-se não apenas pela produtividade, pela qualidade e pela biossegurança do empreendimento. Essa análise é importante, porque, em teoria, é possível a contaminação do ambiente e a transmissão de vírus ou a presença de impurezas orgânicas associadas ao ingrediente ativo.

  Na boca da cornucópia
Ou investimos, urgentemente, em uma discussão séria e conclusiva, ou seremos atropelados pelos fatos. Como exemplo, os genes que codificam para as seguintes drogas foram introduzidos em plantas ou animais, visando à produção em larga escala: imunoglobulina, promotor de metalotionina, cistina, fator de crescimento I (semelhante à insulina), beta-lactoglobina, alfa S1 caseína, beta caseína, promotor de prolactina, promotor de fosfenol piruvato carboxilase, promotor de actina (receptor de estrógeno humano). A literatura refere estudos avançados com anti-coagulantes, remédios para malária, vacina contra hepatite B e bactérias que causam cárie. No Brasil, a Embrapa estuda diversas possibilidades de produção de medicamentos na fazenda, entre elas a insulina e o hormônio de crescimento. Ou seja, não há tempo a perder, eis que a reflexão deve anteceder o empreendimento, pois o inverso é utopia.

Influenza aviária

Décio Luiz Gazzoni

A  gripe do frango, cujo nome técnico é influenza aviária, vem apenas reafirmar um conceito que se solidifica a cada dia: a sanidade agropecuária é a pedra angular do comércio agrícola internacional. Sanidade e tecnologia agropecuária são indissociáveis e formam o cerne da competitividade nesse mercado. Os recentes episódios com febre aftosa e vaca louca já haviam demonstrado que a diferença entre lucrar ou perder bilhões de dólares é uma condição sanitária adequada ou inadequada. Desta vez nem os EUA – que detêm o sistema de sanidade agropecuária mais avançado do mundo - escaparam das restrições ao comércio de sua carne de frango, impostas por outros países.   Vírus
A gripe do frango é causada pela estirpe H5N1 de um vírus que ocasiona influenza em aves. Para entender o código, o "H" vem de hemaglutinina e o "N" vem de neuroaminidase. Ambas são proteínas presentes na superfície do vírus. Existem 15 variantes da primeira proteína e 9 da segunda, permitindo as combinações que compõem o código utilizado pelos cientistas (H5N1). O vírus é letal para as aves e também pode afetar o ser humano, normalmente por contato direto com as aves infectadas. No caso de zoonoses – doenças humanas presentes em animais ou por eles transmitidas – as restrições sanitárias são ainda mais sérias, a ponto de bloquear integralmente a exportação dos países atingidos.
  Transmissão
A transmissão aos seres humanos, a partir de aves infectadas ou de materiais contaminados (fezes, restos de alimentos, superfícies ou através do ar no ambiente do aviário), é uma possibilidade concreta, sendo uma das hipóteses mais fortes para explicar o princípio de epidemia que ocorre no Sudeste Asiático e na China. Mais de 100 milhões de aves contaminadas foram incineradas para evitar que sirvam como alimento para o Homem ou para outros animais, assim perpetuando a cadeia de transmissão.

Sobrevivência
O vírus da influenza está adaptado para sobreviver em diversos hospedeiros, além das aves (domésticas ou selvagens), como cavalos e animais aquáticos. O vírus também sobrevive na água entre 4 dias (22º. C) e 30 dias (0º. C). Nas fezes de animais contaminados pode sobreviver por períodos até maiores. Nesses meios o vírus permanece latente enquanto aguarda a oportunidade de infectar um hospedeiro final ou intermediário.
  Homem
Nos casos verificados em seres humanos, foram isoladas outras variantes do vírus. Devido à alta variabilidade protéica, que é muito associada à patogenicidade e à capacidade de adaptação do vírus aos hospedeiros, eliminar as aves infectadas significa não apenas exterminar o inóculo como evitar o surgimento de novas variantes. Ao menos do ponto de vista teórico, uma dessas variantes pode ser altamente patogênica, virulenta e adaptável ao ser humano, configurando o risco de uma potencial epidemia mundial da gripe do frango em seres humanos. Entretanto, a suspeita dos especialistas é de que suínos infectados com o vírus apresentam maior probabilidade de dar guarida a mutantes patogênicos ao Homem.
  Risco
A preocupação dos especialistas da OIE, da FAO, da OMS e dos órgãos de controle sanitário de quase todos os países do mundo faz sentido e tem respaldo histórico. Suspeita-se que as grandes epidemias de gripe, que atingiram a espécie humana, tenham tido origem na influenza aviária. Em 1918 o agente foi o H1N1, assim como em 1976. Em 1957 a epidemia foi causada pelo H2N2 e em 1968 pelo H3N2. Mais recentemente comprovou-se a transmissão do vírus da estirpe H5N1 para seres humanos (Hong Kong, 1997). Nos últimos anos foram referidos casos de morte de seres humanos infectados com o H9N2, H5N1 e H7N7. As duas primeiras estirpes afetaram cidadãos de Hong Kong, enquanto a última alastrou-se pela Europa (2003), afetando quase uma centena de pessoas que trabalham em aviários ou seus familiares.

Subsídios agrícolas

Décio Luiz Gazzoni

O líder sindical Gabriel Neumann de Paula escreve questionando as razões pelas quais tanto combatemos os subsídios dos países ricos. E pergunta: como ficaria o mercado sem subsídios agrícolas? Vamos tentar explicar.

Artificialismo
Todo subsídio é uma forma de artificializar as leis naturais do mercado, privilegiando algum setor. Se alguém tem um privilégio, outrem o paga, logo subsídio tem custo. Em um primeiro instante, são os cidadãos e os pagadores de impostos do país que subsidia que arcam com a conta. Porém, ao final, são os países pobres que pagam a conta do subsídio nos países ricos, conforme a FAO demonstrou recentemente.
  Por que subsidiar?
Na Europa e no Japão subsidia-se porque sua história foi permeada pela fome e a sociedade decidiu não mais passar fome, não interessava a que preço. Adende-se motivos conjunturais como a necessidade de recuperar a agricultura destroçada pela guerra e a visão de que era mais barato pagar para o agricultor ficar no campo do que forçá-lo a migrar para a periferia das cidades. Para conferir um invólucro mais sofisticado, foi elaborado o conceito da multifuncionalidade da agricultura, a fim de convencer o mundo da necessidade de subsídios. Já os EUA dizem que subsidiam porque a concorrência com os agricultores europeus ficou desleal.

Boca torta
Subsídios não são uma perversidade absoluta. Eles até são úteis, sob determinadas circunstâncias, porém sempre limitados no tempo, para evitar distorções. Ocorre que, quando o subsídio é muito alto e perene, os agricultores não têm necessidade de serem eficientes, de cortar custos ou lutar por melhores preços. Sob um regime de subsídios, o preço ao produtor fica mais baixo, porque esse produtor se capitaliza pelas rendas não operacionais da atividade (subsídio). Mas uma eventual retirada de subsídios não significa um aumento de preços na mesma proporção, porque a reação da cadeia de negócios impede que isso ocorra. Em especial, o consumidor sempre representa uma barreira ao aumento desenfreado de preços.
  Retirando os subsídios
Vamos examinar duas hipóteses. A primeira seria a retirada total e rápida dos subsídios, como foi feito no Brasil dos anos 80. Seguramente, os produtores subsidiados levariam um choque, muitos deles iriam à falência, por incapacidade de gestão. Outros sobreviveriam adaptando seus custos. E outros, finalmente, comprariam terras, benfeitorias e máquinas dos falidos, ampliando o seu negócio e ganhando escala – a melhor forma de operar em um ambiente sem subsídios. O impacto nos preços dependeria de outros fatores, como clima, juros, demanda, estoques, etc. Porém não acredito em nada catastrófico ou que não pudesse ser administrado em 5 anos, como demonstra a retirada dos subsídios na Nova Zelândia.

Retirada lenta e segura
Nessa hipótese, os governos buscariam fórmulas compensatórias, conferindo um prazo maior para os agricultores adaptarem-se ao novo ambiente. Mesmo assim, alguns agricultores iriam à falência, outros ficariam ricos. Entrementes, o efeito no mercado seria muito menor que uma retirada abrupta. Provavelmente os impactos sociais - desemprego e migrações - seriam maiores que o impacto econômico.
  Equilíbrio
Como o mundo se arranjaria? O subsídio europeu é importante para o abastecimento interno, mas complica o comércio internacional de lácteos e aves. Já o subsídio americano é muito dirigido para grãos e fibras. Observemos o caso da soja. A área total plantada com grãos, nos EUA, está estabilizada há 30 anos e a produção cresce, embora a taxas baixas. Quando aumenta um pouco a área de soja, diminui a de algodão ou milho. Já, aqui no Brasil, nós não temos essas restrições. Bastou o mercado sinalizar com força uma demanda extra, a partir de meados da década de 90, que o Brasil respondeu à altura e encaminha-se para ser o maior produtor de soja do mundo. Dentro de alguns anos, eventuais reduções na produção americana não causarão grande impacto no mercado, porque o Brasil pode responder daí a seis meses, com uma produção maior, que ajustaria, novamente, a oferta e a demanda.
  Conclusão
Em primeiro lugar, no curto prazo país algum vai eliminar subsídios. Em segundo, quem está pagando esse subsídio são os países pobres, alijados do mercado, porque o subsídio diminui preços de produtos agrícolas. Em terceiro lugar, retirando subsídios, o mercado ajusta-se, como já aconteceu com o Brasil ou a Nova Zelândia.

Fome e biotecnologia – um cenário

Décio Luiz Gazzoni

A oferta e a demanda mundiais de alimentos mantêm-se em equilibro instável, sob o efeito dos estoques que atenuam impactos conjunturais e evitam oscilações abruptas e freqüentes de preços. Esse equilíbrio vincula-se às leis do mercado, as quais não reconhecem as mazelas sociais, sendo insensíveis à miséria e à fome. Um corolário da lei da oferta e da procura. pode ser sintetizado na frase "Fome não é mercado!". Não basta haver demanda, impõe-se que haja recursos para adquirir alimentos, caso contrário a fome passa a ser sofisticadamente catalogada como "demanda reprimida ou potencial".   Desmentir o profeta
Há 200 anos que nós, agrônomos, pugnamos para contestar a Lei de Malthus A lógica do mercado indica que o mundo está produzindo alimentos para atender à demanda de quem possui recursos para adquiri-los. Porém, sob a óptica da dignidade humana, tornou-se mais ancho o fosso entre a oferta e a demanda efetiva de alimentos. A maior parcela dos alimentos é consumida no país onde é produzida, pois apenas um quarto da produção é transacionada internacionalmente. Nas regiões endemicamente famélicas, como a África sub-Sahara ou o sudeste asiático, as condições para produção são adversas, a demanda por alimentos é elevada e crescente, porém a renda é baixa e decrescente.

Globalização e fome
Como a globalização potencializa a insensibilidade do mercado às questões sociais, impõe-se a questão: a inovação tecnológica contribui para incluir os excluídos? Essa consideração humanitária auxilia a tornar menos embaçado o cenário futuro do agronegócio, imiscuindo em uma única reflexão a inexorabilidade das leis de mercado e o advento da biotecnologia, sob a moldura da fome endêmica. A discussão sobre OGMs embute uma grande dúvida e diversas inquietudes caudatárias. A grande dúvida é: os consumidores europeus e japoneses, supostamente refratários a OGMs, persistirão nessa posição, no médio prazo? Essa reticência será suficiente para barrar o crescimento aparentemente inexorável, que vem sendo observado na área cultivada com OGMs no mundo?
  Inovação e resistência
Toda a inovação altera paradigmas e introduz incertezas, embaçando a antecipação de rumos. Entretanto é possível elaborar cenários, considerando as invariantes e aventando algumas hipóteses plausíveis. Uma das invariantes é o esgotamento das áreas agricultáveis, sob o paradigma tecnológico atual. A segunda assinala que essas áreas se concentram em algumas regiões do Planeta, claramente demarcadas. A terceira invariante é a exigência dos consumidores por elevada qualidade dos alimentos. Já uma hipótese provável é a inflexão da curva populacional a partir de 2050, quando sua taxa de crescimento flutuará em torno de zero.

Prognósticos
Os analistas apontam que o avanço da Ciência e o reaparelhamento dos órgãos de controle sanitário alterarão a percepção dos OGMs pela sociedade. Os riscos hipotéticos, aventados em relação a esses produtos, não se estão concretizando, sobrevindo um efeito capitis diminutio na opinião pública. Agregue-se o realinhamento focal da inovação tecnológica, que se transmuta do produtor para as demandas do consumidor. Os OGMs do futuro estarão voltados a aspectos nutricionais, organolépticos, de qualidade e de melhoria da saúde da população. Algumas questões-chave, como a resistência a estresses bióticos (pragas) ou abióticos (seca, alagamento, salinidade, baixa fertilidade ou acidez do solo) continuarão prioridades de desenvolvimento tecnológico. Os principais fatores que impulsionarão a incorporação desses atributos serão a estabilidade da produção, o crescimento da demanda e a necessidade de incorporação de áreas marginais, inacessíveis pela tecnologia atual.
  Cenário
O cenário mais provável dos estrategistas setoriais considera que os OGMs deverão inserir-se, paulatinamente, no mercado exigente e sofisticado dos países ricos. O nicho inicial se consolidará uma vez solvidas as questões de biossegurança e proteção ambiental. Nos países pobres, onde a fome é alcunhada de demanda represada, a sofisticação alimentar é uma exigência marginal: o foco será produzir alimentos seguros, a baixo custo e com estabilidade, e garantindo a segurança alimentar. De acordo com esse cenário, as populações desses países, seguramente, terão resistência quase nula ao consumo de OGMs, por comportamento imitativo das mudanças nos países centrais.

OGMs e o mercado internacional

Décio Luiz Gazzoni

Alguns leitores se assustaram em saber que os produtores gaúchos estão recebendo um valor maior pela soja transgênica que o paranaense pela não transgênica. Não se surpreendeu quem havia lido o estudo do IFPRI (USA) e do DIA (Holanda), prospectando o futuro do mercado internacional de alimentos.   A assunções eram: a) países emergentes adotarão a tecnologia em diferentes graus; b) os EUA, o Canadá, a Austrália, a China e a Argentina manterão ou ampliarão a área de plantio; c) o Japão e a Europa permaneceriam parcialmente refratários. Os cientistas utilizaram um sofisticado modelo matemático do comércio mundial, abordando preços, produção e as conseqüências da mudança alimentar dos consumidores. Para o estudo, foram usados o milho e a soja (OGM e não OGM), com certificação de origem.

Percepção
De acordo com os analistas, os principais fatores que impulsionaram ou mantêm as restrições a OGMs são:

a. os consumidores de países ricos têm suas necessidades alimentares e nutricionais plenamente atendidas;

b. esses consumidores, de alta renda e baixo comprometimento do orçamento doméstico com alimentação, têm decisões de consumo inelásticas em relação aos preços;

  c. existe um elevado grau de desinformação e desconhecimento em relação à biossegurança. O cidadão de Primeiro Mundo é bombardeado, diariamente, com informações sobre as mais díspares áreas do conhecimento

d. o cidadão bem nutrido e sem pressão do custo da alimentação não vê razão para qualificar sua informação sobre OGMs, assumindo a postura cômoda de questionar sua segurança;

e. é mais fácil assustar que tranqüilizar;

f. a seqüência de fiascos dos sistemas de proteção à saúde dos países europeus minou a confiança dos consumidores. Céticos da capacidade dos Governos para proteger a sua saúde, evitam riscos;

  g. no inconsciente coletivo, é politicamente correto alinhar-se a ONGs que brandem bandeiras de proteção ao ambiente, justiça social, combate à fome temas incontestáveis. Essas ONGs também adotaram a luta contra OGMs;

h. até recentemente, a Europa estava tecnologicamente defasada em relação aos EUA, provocando uma onda de xenofobia tecnológica, discretamente induzida por governos e empresas concorrentes, em apoio às ações das ONGs. Com o avanço científico europeu, muda a postura dos Governos e empresas high-tech em relação a OGMs.

Mercado internacional
Os cientistas assumiram que o custo de produção de OGMs é menor e/ou que a sua rentabilidade é igual ou maior que equivalentes não OGMs - caso contrário os agricultores não adotariam a tecnologia em larga escala. Os resultados indicam que o mercado se ajustaria rapidamente, distribuindo as partidas de commodities de acordo com as exigências de cada mercado, sem ágio ou prêmios.
  Em mercados que aceitam OGMs, o preço de variedades não modificadas cai, em virtude do alto grau de substituibilidade entre OGMs e não OGMs, e também pela oferta de produtos não OGMs destinada a atender aos mercados restritivos.

Conclusões
Os autores concluem que os países com menores restrições a OGMs beneficiar-se-iam em maior grau. As regiões mais receptivas à biotecnologia e mais sensíveis aos aumentos de produtividade, apropriar-se-iam do maior quinhão de mercado. Entretanto, pela velha máxima do beati possidentis, quem, efetivamente, dominar a tecnologia, apropriar-se-á do maior ganho financeiro, qualquer que seja a forma de reorganização do mercado. Estrategicamente, mais importante que plantar ou consumir OGMs, será dominar a tecnologia, para auferir as oportunidades mercadológicas, afora os ganhos com a propriedade intelectual da inovação tecnológica.
  Visão de futuro
A oportunidade está em direcionar as energias, atualmente despendidas em protestos contra conglomerados multinacionais que lideram o mercado de biotecnologia, passando a exigir maiores investimentos em institutos nacionais de pesquisa. Essa mudança de foco permitiria ao Brasil ombrear-se com outros detentores de tecnologia agrícola na fronteira do conhecimento, seja ela lastreada em biotecnologia ou em outra vertente que possa conferir ao agronegócio o mesmo grau de competitividade no mercado globalizado.

Biopirataria

Décio Luiz Gazzoni

A pirataria tecnológica tem estado presente na mídia, pela justa pretensão de companhias transnacionais em proteger suas inovações tecnológicas. O argumento é a redução das vendas legais, que atingiria centenas de bilhões de dólares, com decorrente evasão tributária. A alegação padece de um pecado original: pirataria, assim como sonegação tributária, somente compensa quando os benefícios presumidos superam os riscos.    Quando a alíquota do tributo é muito alta, o contribuinte decide correr o risco e ingressa no pântano da sonegação. Como corolário a pirataria tecnológica não compensaria se os preços dos produtos legais fossem acessíveis à população, desincentivando a cópia e o mercado subterrâneo. Portanto, não se pode inferir que o mercado legalizado seria acrescido do valor obtido pela comercialização dos produtos piratas.

O reverso
Porém, ouvidos moucos são feitos quando o inverso é verdadeiro. Pouco se discute a biopirataria praticada pelos países ricos em relação aos países pobres, detentores da maior biodiversidade do planeta. Entre os 100 ingredientes ativos mais importantes para a farmacologia, cerca de 70 derivam da biodiversidade ou foram inspirados em substâncias naturais. As centenas de bilhões de dólares de vendas anuais destes medicamentos sinalizam o patrimônio representando pela biodiversidade. Considerando que 25% da biodiversidade mundial tem seu centro de origem no território brasileiro, percebe-se a riqueza entesourada nas nossas matas, rios, mangues e pântanos.
  O IPEA estima o valor da biodiversidade brasileira em US$ 2 trilhões - quatro PIBs nacionais. Entretanto, de que vale esse potencial sem transformá-lo em benefícios à Humanidade, com retornos aos legítimos detentores da biodiversidade? Como remunerar o conhecimento acumulado nas comunidades da floresta e nas tribos indígenas? Como proteger a propriedade intelectual do pajé, cujo cromatógrafo é o caldeirão, onde desenvolveu a tecnologia que hoje é expropriada, sem escrúpulos, por multinacionais?

Conhecimento pirateado
Examinemos o caso do curare, componente de sua farmacopéia silvícola. Uma multinacional andou bisbilhotando nas receitas dos pajés brasileiros e o curare foi surrupiado de nossa biodiversidade e de nosso conhecimento milenar, para ser patenteado alhures. Hoje o curare, devidamente industrializado e travestido de relaxante muscular, engorda o lucro desta multinacional. Que dizer dos compostos psico-ativos da erva do Santo Daime?
   Os índios a chamam de aiausca e a utilizavam há séculos, o que não impediu que fosse patenteada por uma multinacional. Hoje os medicamentos dela derivados são comercializados sob o generoso guarda chuva das leis de patentes dos países ricos, sem compensação aos verdadeiros descobridores dos seus poderes medicamentosos. O cupulate, bebida de cupuaçu, e o próprio nome cupuaçu, são exemplos recentes de biopirataria.

Falha legal
Conhecimentos milenares, sem o devido registro, preferencialmente em revistas científicas do Primeiro Mundo, não são reconhecidos. A lei americana é explícita ao não reconhecer o conhecimento transmitido oralmente através de gerações, impedindo que patentes sejam contestadas por esse fato.
   Recentemente, a Universidade de Wisconsin, solicitou patente para a substância tumérica, extraída de uma raiz de plantas, utilizada há séculos na Índia como cicatrizante. A contestação preliminar do Governo hindu não teve acolhida pelo Escritório de Patentes dos EUA, que exigiu registro escrito de seu uso como medicamento. A Índia foi salva por um livro sagrado (Vedas Upanishads), onde constava uma recomendação de uso da tumérica como cicatrizante, escrita em 1500!

Viés legal
Quem investe em inovação tecnológica é cioso de seus direitos patentários e da propriedade intelectual. Raciocinando pelo absurdo - para entender a questão - caso não houvesse qualquer prerrogativa diferenciada ou direitos do obtentor de uma inovação, não haveria um real estímulo à inovação. Prejudicar-se-ia a medicina, a veterinária, a agricultura, a engenharia, a informática, a música e qualquer forma de manifestação de criatividade, onde fosse imperioso o investimento de risco em inovação.
  Mutatis mutandis, não se pode imaginar extremos como a negação do conhecimento milenar ou do domínio sobre a biodiversidade, sob pena de utilizarmos uma escala de dois pesos e duas medidas, beneficiando os detentores de conhecimento que possuem lobies poderosos e os melhores advogados, em detrimento das demais formas de descoberta, formação, domínio e apropriação do conhecimento.

Conhecimento indígena
Em nosso país, as comunidades interioranas e as indígenas, são as maiores prejudicadas pela biopirataria. Vozes se levantam no seio da comunidade, no Congresso Nacional e em outros órgãos do Governo, para alertar as comunidades indígenas sobre esta forma de expropriação, e para que as mesmas possam defender-se adequadamente, de acordo com as leis do homem branco. Há muitos anos a Embrapa auxilia as comunidades indígenas a catalogar seus conhecimentos, técnicas agrícolas e uso da biodiversidade. Recentemente, o INPI promoveu um curso sobre a legislação de patentes e propriedade intelectual, para advogados ligados às comunidades indígenas.
  Participaram do curso treze índios, que voltaram às suas tribos com detalhes sobre biodiversidade, patentes, registros, direitos autorais, etc. Há três anos, 25 comunidades indígenas participaram de um evento do INPI em São Luís (MA). Ao final, os participantes deixaram claras suas reivindicações, através da carta de São Luís, em que propugnam igualdade de tratamento para inovações modernas e conhecimento secular, mesmo que signifique a adoção de regimes distintos, desde que compatíveis. Reivindicam o apoio governamental, não apenas em termos de proteção legislativa, mas de aporte de ciência e tecnologia, que permita que os conhecimentos tradicionais possam ser compartilhados de forma mais ampla, sem que seja necessário expropriar este conhecimento de seus legítimos detentores.

Estamento legal
Além das legislações nacionais existem acordos e instituições multilaterais que se dedicam à proteção da inovação e da propriedade intelectual. O TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights), um dos acordos da OMC, serve de parâmetro para as trocas comerciais entre os países. A Convenção de Diversidade Biológica, assinada durante a ECO 92, dispõe sobre ao acesso à biodiversidade. A Organização Mundial de Propriedade Intelectual e a União dos Obtentores Vegetais são exemplos de instituições atuantes no âmbito internacional. O Brasil tem procurado alterar alguns dispositivos que regem a propriedade intelectual em escala internacional, buscando inserir a proteção à biodiversidade e ao conhecimento tradicional.
  Incentiva a criação de um banco de dados de conhecimentos tradicionais e de uso da biodiversidade, para que possa se constituir em um registro da anterioridade de uso de determinados princípios farmacológicos, permitindo aos detentores de seu conhecimento melhor posicionamento frente às leis de patentes. Coerentemente, a legislação brasileira que regula o acesso à biodiversidade brasileira, reconhece o direito das tribos indígenas e dos demais detentores de conhecimento tradicional. Prevê a repartição de benefícios, caso alguma substância de uso tradicional venha a ser comercializada e reconhece o direito das comunidades decidirem sobre o acesso aos seus recursos genéticos.

Contra-medidas
Não será uma tarefa fácil para qualquer país que detenha parcela significativa da biodiversidade, protegê-la da voracidade de empresas movidas a muito lucro, pouca ética e baixa responsabilidade social. Acredito que a batalha deva se desenrolar em diversas frentes. Em primeiro lugar, é necessária a união de esforços de todos os países interessados em proteger a biodiversidade, para tentar a inserção conceitual nos mecanismos internacionais de proteção patentária.
  Em segundo lugar será necessária uma ação forte de catalogação do conhecimento tradicional, do seu registro adequado e de formas de seu reconhecimento. E, finalmente, a batalha será definitivamente vencida por quem dispuser de condições de investir em Pesquisa e Desenvolvimento associando-se aos detentores do conhecimento da biodiversidade, para que a Humanidade seja beneficiada com a democratização ao seu acesso e o conhecimento tradicional seja respeitado, reconhecido e remunerado.

Soja, a jóia brasileira

Décio Luiz Gazzoni

A Páscoa está chegando e com ela o coelhinho. Na cesta do coelhinho você encontrará aqueles mesmos saborosos chocolates que adoçam a sua vida desde os seus dois anos de idade. Porém essa Páscoa será diferente, porque você acaba de descobrir que a soja é um dos ingredientes utilizados na elaboração de chocolates e bombons finos.   Surpresa?
Não se surpreenda em saber que, há muito tempo, nós consumimos produtos contendo soja. E, na maior parte das vezes, não nos damos conta desse fato importante. Assim como a maior parte dos consumidores não foi devidamente informado das razões pelas quais a soja é utilizada – cada vez com mais intensidade – na produção de alimentos.
  Soja é alimento
A soja é o produto agrícola que possui o maior teor de proteína - 40% da composição do grão. Mais uma surpresa: a proteína de soja é de altíssima qualidade, com um balanço adequado dos aminoácidos essenciais para o organismo humano. Além da qualidade nutricional, a soja possui outras características que são muito apreciadas pela indústria de alimentos e pelas cozinheiras de muita habilidade culinária. Por exemplo, pães e bolos contendo farinha de soja ficam mais macios e conservam esta maciez por mais tempo.

Soja é saúde
A soja não é apenas nutritiva, ela é saudável. A todo instante os médicos descobrem novas utilidades terapêuticas para a soja, como a redução dos riscos de problemas cardiovasculares, diminuição da pressão arterial em hipertensos, a redução de risco de diversos tipos de câncer, em especial de mama e da próstata. Um de seus usos mais instigantes é a possibilidade de substituição da terapia de reposição hormonal (TRH) em mulheres na fase de climatério (menopausa), em que alimentos ou produtos derivados de soja são uma alternativa aos hormônios sintéticos.
  Soja é energia
As surpresas continuam. Soja é alimento, soja é saúde, mas soja também é energia. Cresce, em todo o planeta, a grita da sociedade contra os efeitos devastadores da poluição ambiental, causada pelo uso de combustíveis derivados de petróleo. Os efeitos mais visíveis são as alterações climáticas, como excesso de chuvas ou secas fortes, nevascas, furacões e outros percalços climáticos. Qual a saída? Usar energia verde, limpa, derivada de biomassa. Como é o caso dos biocombustíveis produzidos com soja, já largamente usados nos Estados Unidos, e que brevemente estarão disponíveis para o consumidor brasileiro.
  Soja é inovação
Tem muito mais. Da soja extrai-se tinta para impressão, fabricam-se cosméticos como xampus e protetores solares. A soja está presente em materiais de construção como pisos, tintas, vernizes e outros produtos. Está nas peças dos carros, na composição de plásticos e polímeros. Soja é um biossolvente usado para despoluir cursos de água. Soja é adesivo, lubrificante, revestimento, protetores, material de construção e muito mais. Soja é qualidade de vida e oportunidade. São centenas de usos industriais e igual número de oportunidades de negócios, de emprego e de renda.

Saiba mais
Você sabia que Londrina é o pólo gerador e irradiador de tecnologia de soja para todo o mundo tropical, razão pela qual ela se está tornando conhecida por "Capital Tecnológica da Soja". Se você quiser conhecer o fascinante mundo da soja, e descobrir como ela tem uma presença forte no seu dia-a-dia, compareça ao evento "Soja, a jóia brasileira", no dia 12 de abril, no Auditório Milton Alcover, no Parque de Exposições.

Feijão transgênico

Décio Luiz Gazzoni

O mosaico dourado, causado por um vírus denominado BGMV, é uma das doenças mais importantes do feijoeiro. Ele é transmitido à planta pela mosca branca (Bemisia tabaci), que também é praga do feijoeiro, embora ela ataque dezenas de outras plantas cultivadas ou silvestres. Para causar danos diretos, é necessária uma elevada população da praga.   No entanto, quando atua como transmissora do vírus, mesmo populações baixas podem aniquilar a lavoura afetada pela virose. Com a criação de uma cultivar transgênica de feijão, resistente ao mosaico dourado, a Embrapa resolverá um dos principais entraves à produção de feijão no Brasil, que tem causado prejuízos incalculáveis aos pequenos agricultores.

Mosaico dourado
Essa virose ocorre onde quer que se cultive feijão. Sob alta incidência, as perdas pelo seu ataque atingem até 100%. Os sintomas surgem já nas primeiras folhas trifolioladas. Em plantas com duas semanas de vida verifica-se um amarelecimento foliar intenso – donde o nome mosaico dourado. As plantas afetadas sustam o crescimento (nanismo), as folhas ficam rugosas, as vagens tornam-se deformadas e os grãos ficam pequenos. O surgimento e a severidade da doença dependem do clima e da presença de plantas hospedeiras durante o ano inteiro, como os cultivos de soja e algodão ou o plantio escalonado de culturas como tomate e feijão.
  Controle
O mosaico dourado não possui controle. Para evitar o surgimento na lavoura é necessário controlar seu vetor, a mosca branca. Essa praga é difícil de ser controlada, porque se reproduz com facilidade e de forma intensa, possui um amplo leque de hospedeiros, sua distribuição é ampla e é muito agressiva. Normalmente, são requeridas diversas aplicações de inseticidas sistêmicos, de efeito residual longo, para proteger a cultura do feijoeiro.

A tecnologia
Os pesquisadores da Embrapa observaram que o vírus insere seu DNA no feijoeiro, obrigando a planta a produzir uma enzima denominada replicase. Essa enzima é fundamental para que o vírus se multiplique nos tecidos da planta. Para criar a cultivar transgênica, os cientistas introduziram no código genético do feijão um gene que codifica para uma enzima replicase diferente daquela do vírus. Assim, quando o vírus introjeta seu DNA na planta, esta não produz a replicase, porque ela já existe em quantidade suficiente na planta. Só que se trata de uma replicase que não é aquela requerida pelo vírus, logo ele não se multiplica na planta.
  Resistência
A forma mais barata, segura e sustentável de evitar uma virose é o plantio de cultivares resistentes. A cultivar transgênica desenvolvida pela Embrapa, além de ser resistente ao vírus BGMV, mantém as demais características agronômicas e de interesse do consumidor. Após 5 anos de luta tenaz para obter a licença para teste, entravada nos órgãos ambientais do Governo, finalmente o material genético da Embrapa será testado no campo, para comprovar a eficiência já demonstrada em laboratório.

 

Testes

A Embrapa confere importância transcendental à biossegurança, tanto para a saúde humana quanto ambiental. Os estudos de biossegurança e de avaliação agronômica (VCU) estender-se-ão por três anos, em diferentes locais do Brasil. Em 2004, o feijão transgênico será avaliado apenas no campo experimental da Embrapa Arroz e Feijão. Embora a área destinada ao teste tenha ¼ de hectare apenas 2% da área serão plantados com a semente modificada. Esse cuidado é necessário para evitar o chamado fluxo gênico – transferência dos genes das plantas modificadas para outras cultivares de feijão.   O que os cientistas da Embrapa buscam avaliar nas cultivares é a sua adaptação às condições de solo e clima, inclusas às variações de umidade, temperatura e de radiação solar. Enquanto a segurança ambiental é avaliada no campo, a segurança do alimento será analisada em laboratório. Como sempre acontece com qualquer inovação gerada pela Embrapa, apenas após a comprovação definitiva da segurança e da utilidade, o agricultor poderá usufruir os benefícios da nova tecnologia.

Papaya

Décio Luiz Gazzoni

Durante a discussão do projeto de Lei de Biossegurança, um dos exemplos que evidenciou o anacronismo e o obscurantismo da legislação brasileira sobre OGMs foi a impossibilidade de testar, no campo, uma nova variedade de mamão papaya, desenvolvida pela Embrapa através de técnicas de biotecnologia, resistente a uma virose devastadora - a mancha anelar.

EUA
Em 1996, as plantações de papaya do Hawai quase foram aniquiladas pela mancha anelar. Os cientistas americanos introduziram no genoma de três variedades de mamão (Laie Gold, Sun Up e Rainbow) um gene do próprio vírus que ataca o fruto. Esse gene produz uma proteína que "encapa" os cromossomos do vírus. Como a planta transgênica produz essa proteína, o seu sistema de defesa reage fabricando anticorpos, imaginando tratar-se de infecção do próprio vírus. Assim, quando o vírus, transmitido aos mamoeiros por pulgões, realmente infecta a planta, o seu exército de defesa já está mobilizado, repelindo o invasor. Quem vislumbrou semelhança com as vacinas aplicadas em humanos acertou em cheio: foi essa mesmo a inspiração. Enquanto os americanos solucionaram seu problema e viabilizaram o cultivo do mamão, o agricultor brasileiro paga o preço de não poder valer-se da mesma tecnologia de ponta.
  Pragas
O apelo à biotecnologia para produzir variedades resistentes é efetuado quando existem sérios entraves à sua obtenção através de métodos convencionais. Para a maioria das doenças que atacam o mamoeiro, como a mancha de fitófora, existe variabilidade genética que permite identificar tipos de mamão selvagem, sem valor comercial, com características de resistência a enfermidades. Uma vez identificada a fonte de resistência, esse atributo é transferido para variedades que possuem alta aceitação dos consumidores.

Formação do pomar
Ciência não se resume à biotecnologia. O mamoeiro pode formar apenas flores macho ou fêmeas, ou então produzir flores perfeitas, que são aquelas que produzem os frutos preferidos pelos consumidores. Os estudos demonstraram que, plantando 5 mudas por cova, existe 97% de probabilidade de que uma das plantas produza flores perfeitas. O agricultor seleciona as plantas com flores perfeitas a partir da formação dos botões florais, entre 3 e 6 meses após o plantio. Mesmo assim, em 3% das covas, todas as plantas são eliminadas. Através da técnica de micropropagação, é possível testar a plântula ainda no laboratório, gerar a muda em estufa, e levar ao campo apenas aquelas que produzirão flores perfeitas. Além de reduzir os custos e agilizar o plantio, as plantas provenientes de micropropagação permitem a colheita entre 1 e 3 meses antes das mudas convencionais. Maiores informações podem ser obtidas com a Embrapa ou com engenheiros agrônomos da assistência técnica.

Um amendoim porreta

Décio Luiz Gazzoni

Corre a lenda que amendoim é afrodisíaco. Testado e não comprovado o seu efeito, o que ficou mesmo é o gosto pelo amendoim, que vai do xodó dos petiscos ao enriquecimento de diversos pratos. E os cientistas da Embrapa Algodão estão dando mais uma contribuição para incrementar o consumo de amendoim no Brasil, ao promover o lançamento de uma nova cultivar de amendoim. Um dos aspectos interessantes da nova cultivar, a BRS Havana, é a eliminação da inconveniência de tirar a película (casquinha) do amendoim para ingeri-lo, pois esta é da mesma cor do grão.   Produtiva
Os estudos agronômicos já chegaram ao final, devendo a nova variedade estar disponível para o mercado a partir do próximo ano. Nas condições de sequeiro do Nordeste (e bota sequeiro nisso!) a nova variedade produziu 1.800 kg/ha. As vagens apresentam, em média, quatro grãos cada uma, todos de cor creme. Outra característica importante da Havana é sua tolerância às principais doenças do amendoim, que são as causadas por fungos do gênero Cercospora. Além disso ela é tolerante à seca, resistindo bem aos períodos de veranico. Para completar a coleção de boas características, trata-se de um material de ciclo curto, com intervalo de 90 dias entre o plantio e a colheita. Ou seja, o agricultor investe e logo está recebendo sua grana de volta, devidamente engordada pelos lucros da lavoura.
 
Nutritiva
Os pesquisadores adequaram os nutrientes do amendoim, com o teor de proteína atingindo 27%, enquanto o teor de óleo é inferior a 43%. Os tecnologistas de alimentos já estão de olho no produto, especialmente para utilizá-lo na formulação de produtos para a merenda escolar, pois na farinha desengordurada o teor de proteína pode chegar a 47%. Esse fator é sempre importante, independente do local de produção.
  Mas é no Nordeste brasileiro, onde escasseiam as oportunidades da agropecuária, com real chance de sucesso, que a nova variedade apresenta enorme potencial. Essa região é a segunda maior consumidora de amendoim do Brasil, dependendo de importações para atender a demanda. O trabalho da Embrapa permitirá estancar esse dreno de recursos do Nordeste para o Sudeste, ao mesmo tempo em que cria oportunidades de negócio na lavoura do semi-árido.

Mercado
A Embrapa já havia lançado, anteriormente, as variedades BR 1 e BRS 151, com características similares. A Havana, além das características agronômicas adequadas, possui o potencial de larga aceitação no mercado, pela coloração do tegumento (pele do amendoim).
  Além de resolver alguns problemas sérios do Nordeste brasileiro, essa variedade possui o potencial de permitir que o Brasil produza o amendoim que necessita para atender a demanda da agroindústria, sem recorrer a importações, com um produto de qualidade superior e de baixo risco no campo.

 

Maiores informações sobre a cultivar Havana podem ser obtidas com as pesquisadoras da Embrapa Algodão que a desenvolveram: Roseane Cavalcanti dos Santos (roseane@cnpa.embrapa.br), Rosa Mendes Freire (rosa@cnpa.embrapa.br) e Taís Suassuna (tais@cnpa.embrapa.br)

Picanha light

Décio Luiz Gazzoni

Ômega 3 é um tipo de ácido graxo farto em peixes como o salmão, o arenque e o bacalhau. Em baixas quantidades também pode ser encontrado nos óleos de soja e canola e nas castanhas. Embora tenha funções muito importantes, ele não é produzido pelo organismo humano, devendo ser obtido por meio dos alimentos.

Gordura boa
Alimentos ricos em ômega 3 reduzem os níveis de colesterol e triglicéridos no sangue e regulam a pressão arterial, mitigando os riscos de acidentes vasculares e cardíacos. Já as carnes vermelhas não possuem gordura do tipo ômega 3, razão pela qual o churrasquinho nosso de cada fim de semana constitui-se no terror dos cardiologistas.
  Além da carne de gado, também a carne de frango ou porco, os ovos e o leite não contêm ômega 3, sendo suas gorduras do tipo ômega 6. Conquanto tenha diversas funções no organismo, o ômega 6 é considerado o responsável pelo "pecado da carne", ou seja, pelos problemas causados às artérias e ao coração, em especial pelos elevados teores de LDL-colesterol e triglicéridos que apresentam riscos ao sistema circulatório.

Salvo pela minhoca
Da cornucópia dos cientistas surgem novidades encorajadoras a todo instante. Desta vez foi o grupo do Dr. Jing Kang (Harvard University) que publicou na revista Nature (janeiro 2004) um estudo demonstrando a possibilidade de produzir ômega 3 em ratos. O gene fat-1, responsável pela produção do ômega 3, foi extraído do DNA de um nematóide chamado Caenorhabditis elegans. Como minhocas não constam do nosso hábito alimentar, os cientistas transferiram a capacidade de produzir ômega 3 do nematóide para o rato. Absolutamente sugiro substituir a picanha por ratos assados, mas a possibilidade de produzir a boa gordura em um mamífero é auspiciosa, sendo um indicativo de possível sucesso com outros animais ou plantas.

Como funciona?
O gene fat-1, extraído do nematóide e introduzido nos camundongos, produz uma enzima responsável por transformações nas moléculas do ômega 6, através da redução dos átomos de hidrogênio e a formação de ligações duplas nas moléculas. Assim, os ratos que antes produziam apenas lipídios do tipo ômega 6, passaram a produzir ômega 6 e ômega 3 em proporções quase idênticas. Foram necessários diversos arranjos genômicos até atingir essa proporção que, segundo o Dr. Kang é a mais adequada, porque o ômega 6 desempenha algumas funções orgânicas importantes e não pode ser completamente eliminado.
  Pesquisa básica
A pesquisa ainda é embrionária. Apesar de o estudo haver sido bem-sucedido durante quatro gerações de camundongos - demonstrando a estabilidade genética e a capacidade de produção de ômega 3 - ainda há muito trabalho pela frente. Estudos profundos de fisiologia, anatomia e bioquímica, em especial de longo prazo, serão necessários para que todos os impactos dessa mudança possam ser avaliados, entendidos e ter os seus riscos mensurados. Posteriormente, o mesmo processo poderá ser aplicado a outros animais.

Desenvolvimento tecnológico
Uma vez assegurado que os benefícios superam, por larga margem, eventuais malefícios da produção de ômega 3 por animais transgênicos, será necessário introduzir o processo nas cadeias produtivas. De imediato vislumbra-se um espetacular nicho comercial na produção de gado bovino, tanto de corte quanto de leite, de frangos (de corte ou postura) e na criação de suínos.
   O mesmo pode ocorrer em outras fontes de lipídios, como os óleos vegetais. Do sucesso da pesquisa científica pode decorrer uma brutal redução nos riscos de acidentes cardíacos, decorrentes da baixa ingestão de ômega 3. E, como bônus, você poderá saborear tanto a picanha quanto a costela com aquela gostosa manta de gordura – que faz qualquer gaúcho lamber o bigode! – livre do sentimento de culpa que hoje nos acomete. Melhor ainda: sob as bênçãos do seu cardiologista!

Bactéria x Bactéria

Décio Luiz Gazzoni

Alimentos de origem animal podem veícular zoonoses, caso severas medidas de sanidade, higiene e boas práticas de produção e fabricação não sejam criteriosamente observadas. Quem já curtiu uma salmonelose, por consumir maionese contaminada, ou contraiu uma infecção intestinal, após uma mariscada, sabe do que estou falando. Existem diversas técnicas para prevenir a contaminação de produtos animais com microrganismos patogênicos e o uso de probióticos desponta como uma das mais excitantes.   Probióticos e Prebióticos
Probióticos são microrganismos vivos, não-patogênicos, administrados aos animais criados em cativeiro, que competem com microrganismos patogênicos, evitando que estes colonizem seu trato intestinal. Já os prebióticos são nutrientes ou componentes não-digestíveis de alimentos, que estimulam o metabolismo dos probióticos e facilitam o seu desenvolvimento e a sua multiplicação. A associação entre prebióticos e probióticos pode modificar a composição da flora intestinal, evitando a proliferação de patógenos.

Pesquisa
Entre as bactérias responsáveis pelas zoonoses veiculadas por aves e seus produtos, que mais preocupam os infectologistas, encontram-se os gêneros Salmonella e Campilobacter. Sobre essas bactérias debruçam-se cientistas que lidam com probióticos. O passo inicial das pesquisas é identificar bactérias não-patogênicas, com grande capacidade competitiva. Uma vez identificadas, é necessário testar a sua capacidade de sobrepujar as bactérias que causam enfermidades nos consumidores dos alimentos.
  Experiência
O conceito não é novo, pois os veterinários sabem que uma das razões da ausência de bactérias patogênicas no trato intestinal de frangos é a presença de bactérias úteis, que não causam problemas de saúde ao animal, e que ocupam o espaço das bactérias nocivas. Quem chegar mais cedo ao local de colonização é favorecido. Logo, um dos segredos é administrar as bactérias úteis aos pintos recém-nascidos, antes que possam ser infectados pelas bactérias zoonóticas.

Cuidados
Quando se lida com microrganismos, todo o cuidado é pouco. Embora a técnica seja simples, existem alguns aspectos a considerar. Por exemplo, nem todo o resultado de laboratório é repetível dentro dos aviários comerciais. Por vezes o microrganismo probiótico não elimina 100% da bactéria patogênica. Outro pormenor assaz importante é a perfeita identificação e caracterização das pretensas bactérias probióticas. É necessário assegurar que as bactérias não signifiquem qualquer risco à saúde dos animais ou dos consumidores de animais que recebem os probióticos. A quantidade de bactérias, a sua diversidade e a interação entre elas também necessitam investigação.
  Banco de bactérias
Pesquisadores da Universidade do Arkansas e do ARS (USDA) dispõem de um banco de microrganismos potencialmente probióticos, onde podem ser acessados mais de 4 milhões de isolados bacterianos, devidamente testados. Avaliada a sua capacidade de competição, cada isolado é injetado em aves para assegurar a sua inocuidade e a biossegurança. Os isolados compõem-se de bactérias aeróbicas, que se multiplicam na presença de ar, evitando os pesados custos de obtenção de bactérias anaeróbicas. A partir desse banco, pesquisas tecnológicas podem ser conduzidas por instituições públicas ou empresas privadas, para desenvolver produtos profiláticos a serem usados por avicultores.

Resultados práticos
Pesquisadores do Texas desenvolveram uma mistura de 29 microrganismos, previamente selecionados e testados, que demonstraram grande habilidade para sobrepujar bactérias dos gêneros Salmonella e Campilobacter como colonizadores do intestino de aves. O produto é dissolvido em água e pulverizado sobre os pintinhos, de forma a facilitar o seu ingresso no organismo. O produto foi aprovado pelas autoridades sanitárias americanas e é vendido, nos EUA, sob a marca comercial Preempt.

contador de visitas