Uma agenda para a Agricultura

Décio Luiz Gazzoni

A Associação das Mulheres de Negócios (BPW – Londrina) e a Embrapa Soja promoveram, no dia 4 de abril de 2003, durante a Exposição Agropecuária e Industrial de Londrina, uma conferência do Ministro da Agricultura, Dr. Roberto Rodrigues. De forma didática, o Ministro expôs a agenda de trabalho do seu Ministério e, por extensão, do Governo Federal, para os próximos quatro anos. O Ministro enquadra as ações a serem desenvolvidas em três vertentes principais: políticas públicas, organização das cadeias produtivas e negociação internacional.   Políticas públicas
O eixo central das políticas públicas, de caráter macro econômico, será a garantia de renda do produtor. Assim, será possível para o setor gerar empregos, riquezas, produzir excedentes exportáveis e reduzir a dependência brasileira de recursos financeiros do exterior. Além das medidas que, stricto sensu, se aplicam diretamente à agricultura, o Ministro salientou que todas as grandes reformas (Fiscal, Tributária, Trabalhista, Agrária, Previdenciária e Política) deverão considerar as exigências e demandas do setor primário. Entre as ações voltadas especificamente para o setor, estão:
         
1. Seguro Rural
O Ministro anunciou o envio de Projeto de Lei ao Congresso Nacional, disciplinando o assunto. Ao mesmo tempo, foi formado um grupo de trabalho composto por representantes do MAPA, Febraban, Fenaseg, IBRE, CNA, OCB, entre outros, para discutir a sua regulamentação, detalhando a composição das fontes de recursos, os prêmios, os subsídios, a divisão dos custos e o resseguro, entre outros detalhes operacionais.
  2. Renda Mínima
O Ministro entende que o pequeno produtor rural é inviável sem apoio do Governo. Para elaborar a proposta, foi solicitado o auxílio da FAO e do IICA, que possuem experiência internacional na elaboração de projetos e gestão de políticas similares. É fundamental o consenso sobre o conceito de pequeno produtor, a viabilização dos fundos de apoio e a definição das margens de renda, componentes de uma matriz que considere os desníveis regionais e as diferenças entre produtos agrícolas. O Ministro avalia a Reforma Agrária como um componente importante dessa política, asseverando que o Presidente Lula determinou que a Reforma Agrária de seu Governo deva cingir-se aos ditames legais.
  3. Transgênicos
O Governo Federal estará firmemente empenhado em garantir a suspensão do plantio e comercialização de OGMs, determinada pela Justiça Federal. Enquanto vigorar a suspensão, o Governo atuará para coibir o plantio. Na eventualidade de revogação da medida, o Governo deverá propor uma legislação consentânea para o setor. Para o presente ano, a realidade, representada por 5 milhões de toneladas de soja que precisam ser escoadas, obrigou a liberação de sua comercialização.

 

4. Bio-Energia
O Ministro entende ser essa uma oportunidade para a agricultura nacional, daquelas que ocorrem uma vez por século. Lembrou que apenas a adição de 5% de biodiesel ao óleo diesel consumido no Brasil representaria o plantio de 10 milhões de hectares de soja adicionais à demanda de soja para outros usos. O Governo Federal pretende implementar um programa de incentivo à produção de bio-energia, o que resultará na expansão da área de cana de açúcar e de oleaginosas.
  5. Pesquisa Agropecuária
O Ministro reafirmou o compromisso governamental com o apoio às ações da Embrapa, lembrando sua importância transcendental para o surpreendente incremento na competitividade dos produtos agropecuários brasileiros. Além da atuação tradicional da instituição, a Embrapa deverá dedicar maior atenção à competitividade e sustentabilidade da agricultura familiar.
  6. Sanidade Agropecuária
Parceira indissociável da pesquisa, a área de sanidade deverá receber um incentivo ponderável do Governo para garantir a qualidade e a inocuidade dos produtos brasileiros. O Ministro demonstrou sua preocupação em granjear a credibilidade dos consumidores e dos agentes de mercado para os nossos produtos, o que depende de órgãos de defesa agropecuária atuantes, porém com a colaboração consciente de cada produtor individual e dos componentes da cadeia produtiva para garantir ferramentas como a rastreabilidade e a certificação dos produtos brasileiros.

Organização das cadeias produtivas
Tendo em vista a inviabilização prática do CNPA, previsto na Lei Agrícola de 1991, o MAPA criou o Conselho do Agronegócio (CONSAGRO). Embora dividido por câmaras setoriais, abrangendo cada cadeia produtiva, o agronegócio se tornou extremamente complexo e interdependente, exigindo a análise de medidas de política agrícola abrangendo diferentes cadeias. Citou como exemplo o milho, que teve preços deprimidos no início da década, ocasionando um desestímulo à sua produção, porém incentivando a produção de suínos e aves. Com o mercado de carnes aberto, a falta de milho gerou uma elevação de custos e a necessidade de importação do grão, cujo preço disparou. Essas inconsistências conjunturais, na visão de Roberto, podem ser mitigadas pela negociação no âmbito do CONSAGRO.
  Citou, também, o exemplo do café, em que o Brasil, sendo o maior produtor mundial, detém apenas 1% do comércio de café torrado. Já a Alemanha, que não possui um pé de café, domina 25% desse mercado. O Ministro entende que a organização da cadeia produtiva do café pode solucionar essa evasão de valor agregado, com inúmeros benefícios econômicos e sociais.

Negociação internacional
O Brasil está se constituindo em um player de primeira linha no mercado globalizado. Como tal, não pode, simplesmente, assinar contratos por adesão. Ao contrário, deve fazer valer a sua posição, proporcional ao seu peso específico no mercado. Ocorre que as disputas de bastidores são definitivas para garantir o acesso aos mercados e têm se constituído em uma contenda tão renhida quanto a própria disputa pelo mercado. O Ministro alinhavou o andamento de algumas das negociações em curso:

1. ALCA
Durante o Fórum Agrícola da ALCA, (Quito, Equador), os negociadores americanos suspenderam as tratativas enquanto a questão não for resolvida no âmbito da OMC. Isso significa que assuntos de crucial importância para o agronegócio brasileiro, como o acesso a mercados (tarifas, barreiras, cotas, taxas, sobretaxas, etc), políticas de apoio interno (subsídios à produção) e de apoio externo (subsídios à exportação) ficam em stand by, aguardando uma definição das discussões em andamento na OMC.

 

 

 

 

 

 

  2. OMC
Ocorre que a balbúrdia na OMC é muito grande e não há qualquer perspectiva de avanço nas negociações sobre a questão agrícola, em especial após a proposta do gerente do comitê agrícola da OMC, Stuart Harbinson, haver sido rejeitada por países de cunho fortemente protecionista, liderados pela UE, Japão e Coréia. Em função da rejeição, instaurou-se um clima de pessimismo quanto à Reunião Ministerial de Cancun (México), a realizar-se em setembro, quando os temas levantados na Reunião de Doha (Qatar) deveriam avançar alguns passos. Instala-se, dessa forma, um círculo vicioso, pois os EUA não pretendem abrir seu mercado, no âmbito da ALCA, usando como argumento a indefinição da OMC. Essa, por sua vez, não consegue elaborar uma proposta de consenso, tamanha a distância entre as posições dos países que defendem o protecionismo e aqueles que desejam um livre comércio, como é o caso do Brasil.

 

 

  3. Mercosul e União Européia
De acordo com Roberto Rodrigues, esse ano será decisivo para a consolidação do Mercosul, com a mudança de Governos no Brasil, Argentina e Paraguai. Alem dos ajustes internos do bloco, existem negociações em andamento com a União Européia, um contra-peso à criação da ALCA. Em função dos contratempos políticos decorrentes da invasão do Iraque e o vislumbre de uma cisão entre os membros da UE, dois cenários extremos podem ser imaginados. Em um deles, a UE buscaria fortalecer sua posição, polarizando com os EUA pelo incremento das trocas comerciais com o Mercosul, efetuando concessões que fortaleceriam o comércio entre os blocos. De forma antípoda, a ameaça de cisão pode fazer a UE refluir em suas tratativas comerciais, exacerbando o protecionismo interno e o apoio às suas exportações agrícolas. Caberá aos países do Mercosul valer-se de sua habilidade negocial e de suas vantagens competitivas para melhor posicionar-se em meio à turbulência política do curto prazo.

4. Entendendo o protecionismo
Em função de sua experiência nas lides internacionais, o Ministro chama a atenção para a necessidade de entender as causas do surgimento do protecionismo, especialmente no eixo EUA – UE, bem como as razões de sua manutenção e até de seu acirramento, contrariando a tendência global de liberalização do comércio e os tratados internacionais que impõem a sua redução. Para Roberto, o protecionismo americano surgiu da necessidade de conferir competitividade aos seus agricultores, em determinado momento da História em que isso foi necessário. Hoje, o protecionismo se sustenta por razões político-eleitorais, ancorado em um poderoso lobby que busca não apenas perenizar como expandir o protecionismo.

Do outro lado do Atlântico, o assunto é um pouco mais complexo. Sem a pretensão de esgotar o assunto, o Ministro mostrou que existem razões econômicas, dada a discrepância de vantagens comparativas (mormente escala produtiva e custos de produção) com os países essencialmente agrícolas. Porém, existem razões sociais, como o suporte aos produtores de açúcar de beterraba, cujo custo de produção se alça aos US$750 por tonelada, tendo que competir com o açúcar brasileiro, que pode colocar seu produto no mercado a US$250,00. Nesse caso, estão envolvidos 250.000 produtores que perderiam sua fonte de renda na ausência do suporte governamental.

Referiu, também, a indústria vinícola da região de Barcelona (Espanha), cujo produto possui padrão de qualidade inferior aos bons vinhos europeus, porém é o epicentro do turismo rural regional, que não sobreviveria caso essa indústria minguasse.

Emblemática é a discussão sobre animal wellfare, ou o bem estar dos animais de criação, como bovinos, suínos e similares, apregoado pelos países da Europa Ocidental, que defendem a sua incorporação aos regulamentos comerciais internacionais. Para entender a discussão, há que se considerar que a população européia, de altíssima renda per cápita e muito bem nutrida, pode defender esse pleito, enquanto em Biafra clama-se simplesmente por alimentos, para sustar o morticínio provocado pela fome.

 

 

 

5. Proteção ambiental
A preservação dos recursos naturais chegou para ficar, tornou-se um patrimônio e incorpora valor aos produtos transacionados no mercado. Por isso, o tema ganhou status nas negociações comerciais do mercado globalizado. O Brasil precisa adaptar-se a essas novas regras, ao mesmo tempo em que moderniza sua legislação, seus hábitos e seus costumes. Roberto chamou a atenção para um movimento neo-renascentista, em curso na Europa, em que uma sociedade que tem as suas 10 principais prioridades atendidas, pode dedicar-se à contemplação e financiar o belo, como já ocorrera no movimento original do final da Idade Média, do qual Florença é o ícone que nos lembra do fulgor de um período de valorização da cultura.

Os sintomas desse movimento chegam ao campo, a ponto de serem colocadas restrições para a instalação de novas estufas na Holanda, um país reconhecido mundialmente pelo fascínio de suas flores – cultivadas em estufas. Ocorre que estufas enfeiam a paisagem e a sociedade prefere pagar um preço maior para que a vista continue límpida até o horizonte. Nesse mesmo país, qualquer dono de residência pode receber um subsídio governamental para garantir que bulbos de espécies de plantas nativas floresçam em seu jardim. Vem daí a constatação de Roberto, que pode ser um mote para a revisão da legislação ambiental brasileira, rumo ao futuro: Na Europa, paga-se para preservar; no Brasil, multa-se para preservar!

Parodiando meu amigo Sérgio Jockyman, pensem nisso enquanto eu lhes digo: até o próximo mês.


Células de combustível
Décio Luiz Gazzoni

As emissões de dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), chumbo, óxidos de enxofre (SO_) e de nitrogênio (NO_) por veículos crescem 2,5% ao ano, especialmente nos países desenvolvidos (484 carros por 1.000 pessoas na América do Norte, comparados com 32 na América do Sul). Veículos híbridos, movidos a gasolina e eletricidade, possuem um rendimento energético duas vezes superior aos veículos comuns, do mesmo tamanho, com menor emissão de poluentes.   Termodinâmica
Os motores de combustão interna queimam combustível para produzir energia mecânica, havendo grande desperdício de energia, pela dissipação do calor e pela fricção interna dos motores. A eficiência das células de combustível na produção de energia é duas vezes maior que a dos motores de combustão interna. Mas a sua maior vantagem é a emissão zero de poluentes. As células de combustível (ou células de energia) são micro-usinas de energia elétrica baseadas em reações químicas. Assemelham-se a baterias (que são células eletroquímicas), possuindo dois pólos externos (um positivo e outro negativo) e contêm, internamente, um eletrólito que efetua o transporte de elétrons entre os eletrodos.
  Célula de hidrogênio
A célula de combustível que vem recebendo maior atenção dos cientistas é a de hidrogênio. A primeira reação da célula ocorre no compartimento negativo, produzindo dois elétrons por molécula de H2. Os elétrons são transportados pelo eletrólito até o pólo positivo, onde ocorre redução do O2 atmosférico. O fluxo de elétrons das reações produz a energia elétrica. A intensidade da corrente pode ser aumentada por difusão gasosa, com eletrodos permeáveis aos gases reagentes, aumentando a freqüência das reações e gerando maior eletricidade no mesmo período de tempo. Existem duas grandes dificuldades para seu desenvolvimento: não há hidrogênio puro (H2) disponível na Terra; e o custo energético de sua obtenção por eletrólise é alto. Os cientistas tentam viabilizar o álcool ou o açúcar como fonte de H2.

Sub-produtos
As reações químicas geram calor, vapor d’água e CO2 em proporção muito inferior aos motores movidos a combustíveis fósseis. Ao utilizar biomassa, o CO2 liberado havia sido absorvido anteriormente pelas plantas, portanto não há aumento da sua quantidade no ar. Já o CO2 do petróleo havia sido retido no subsolo há milhões de anos e a sua queima aumenta a concentração do gás na atmosfera. O balanço energético, isto é, a quantidade de energia que gasta para produzir outro tipo de energia, é fundamental. Obviamente, deve-se gastar muito menos energia na sua geração do que a energia que será liberada para uso. As células de hidrogênio têm excelente eficiência de conversão, se comparadas aos motores a combustão.
  Fonte de hidrogênio
A biomassa é uma fonte de H2 abundante e barata. O etanol, o metanol ou o açúcar podem ser fontes baratas e abundantes de hidrogênio. Uma das técnicas desenvolvidas é a quebra molecular de substâncias vegetais por bactérias. Outro processo consiste em aquecer uma solução de açúcar a 200º C para decompô-lo em hidrogênio e dióxido de carbono, com o auxílio de um catalisador à base de platina. A eficiência é alta, pois cerca de 25% do hidrogênio produzido é gasto no próprio processo, enquanto 75% é utilizado para gerar energia.

 

 

  Aplicação
As células de combustível representam a grande esperança da ciência para fundir os conceitos de geração e armazenamento de energia. Sua aplicação não se restringe a automóveis, ao contrário, as primeiras aplicações deverão estar direcionadas a equipamentos de menor consumo energético, como calculadoras, handhelds, computadores, sistemas de som e vídeo e outras aplicações domésticas e de escritório. Sua viabilização técnica e econômica pode alavancar um poderoso incremento no agronegócio brasileiro.


Alimentos Funcionais

Décio Luiz Gazzoni

Conceitualmente, alimento funcional é "O alimento semelhante em aparência aos alimentos convencionais, consumido como parte da dieta, que produz benefício específico à saúde, além de satisfazer os requerimentos nutricionais". Por exemplo, o arroz integral sofre um processamento mínimo, que mantém incólumes as substâncias que compõem o grão. Possui alto teor de fibras - importantes para a regulação intestinal e da taxa do colesterol sanguíneo; de fitatos – que protegem o organismo da ação tóxica de metais pesados; de ácidos graxos insaturados, além das proteínas e vitaminas. No beneficiamento, o arroz perde a maioria destas substâncias. Portanto, o arroz integral enquadra-se como alimento funcional, ao contrário do arroz beneficiado.   Nutrição e saúde
Muitos alimentos possuem características interessantes, antigamente respaldadas por conhecimentos empíricos a respeito de suas propriedades. Com o avanço das pesquisas científicas, dispõe-se de informações concretas sobre o seu efeito benéfico. Concomitantemente, o cidadão moderno passou a conferir maior importância a alimentos salutares. Contribuiu para a maior aceitação dos alimentos funcionais a associação entre esses e a redução do risco de ocorrência das principais causas de mortalidade como acidentes cardiovasculares, câncer, derrame cerebral, arteriosclerose e enfermidades hepáticas.

 

 

  Ação
Algumas substâncias presentes nos alimentos possuem ação específica sobre determinados processos fisiológicos ou bioquímicos do organismo humano. Os hormônios atuam no organismo através de ligações semelhantes a conexões elétricas. A "tomada" no organismo é chamada de receptor, sendo proteínas existentes nos órgãos onde os hormônios devem atuar. Existem diversos padrões de conexões entre plugues e tomadas, o que também ocorre entre os hormônios e seus receptores. Apenas quando a conexão é perfeita o hormônio manifesta sua ação. Por exemplo, no caso dos estrógenos femininos, as células do útero, ovário e mama possuem proteínas receptoras, onde o hormônio se liga, a fim de poder cumprir sua função bioquímica ou fisiológica.

Efeito indesejável
Sob determinadas condições, o hormônio causa danos às células, podendo atingir o DNA. Alterações na estrutura do DNA levam à expressão de proteínas estrutural e funcionalmente diferentes, afetando as respostas celulares, como por exemplo a do receptor hormonal, o que pode induzir à carcinogênese. Há substâncias semelhantes aos hormônios, que podem se ligar aos receptores, comportando-se como estrogênios "fracos", com baixa atividade e efeito nulo sobre o código genético. Por exemplo, alimentos que contenham linhaça ou soja possuem esse efeito, o que lhes confere a propriedade de reduzir, sensivelmente, o risco de determinados tipos de tumores malignos.
  Efeito positivo
Um dos usos mais promissores de alimentos funcionais está na área da ginecologia. Quando seus ovários reduzem a produção de estrógeno e progesterona, as mulheres ingressam no climatério, período em que os ciclos menstruais ficam irregulares até cessarem completamente. Ao cessar a menstruação, a mulher ingressa na menopausa. Esse processo é permeado por "fogachos", que são ondas de calor, acompanhadas de sudorese. Surgem suores noturnos, ressecamento vaginal, diminuição da libido, incontinência urinária, dores de cabeça, alterações da pele e cabelos, insônia, cansaço, obesidade, redução da massa óssea, perda de massa muscular, entre outros. Esse processo afeta, negativamente, a qualidade de vida da mulher e do casal. Os sintomas físicos podem ser acompanhados de lapsos de memória, nervosismo, irritação, depressão, ansiedade, tensão e mau humor. Embora o climatério seja um processo normal, os sintomas a ele associados demandaram muitos estudos para a melhoria da qualidade de vida das mulheres. As pesquisas conduziram à descoberta de alimentos que reduzem o desconforto, sendo a soja o mais importante deles. O resultado dos estudos tem merecido a atenção da classe médica, abrindo novas e promissoras perspectivas para o agronegócio.


O vôo da galinha

Décio Luiz Gazzoni

Há décadas o Brasil alterna ciclos de amor e ódio com o mercado financeiro. Analistas denominam a fase bonança de "vôo da galinha" porque, após um período de boas notícias, desaba a tempestade que nos arrasta ao FMI. Logo após, decolamos para um novo período de otimismo imaginando que, dessa vez, a galinha virou marreco e vai voar um longo curso. Ledo engano, logo o sinal se inverte e voltamos a digladiar com os "agentes do mercado financeiro".

Hora de vender
Há mais de um mês estamos recebendo telefonemas e e-mails angustiados: vendo ou não vendo a soja? Dera-nos Deus a ubiqüidade temporal e solveríamos muitas angústias que dependem da antevisão do futuro. Antecipar a taxa de câmbio, em uma data específica, é um milagre que São Armínio não perpetrou e não será São Meirelles a realizá-lo. A angústia hamletiana faz sentido porque o produtor, que pagou insumos com o dólar médio a 3,50, imaginou vender a soja pela mesma paridade. Surpresa: em 40 dias, o "capital futuro" foi dilapidado em 20%. Escusamo-nos de opinar venda ou não venda, pois pertencemos à escola conservadora do preço médio.

 

 

 

  O Ciclo
Sustentar a taxa de câmbio é discussão antiga. Na fina ironia do mestre Delfim Netto " para qualquer taxa de câmbio, a moeda nacional está sempre apreciada em 30%". O atual comandante da discussão é o economista e senador Aloísio Mercadante, com discurso clonando o de José Serra durante o Governo FHC. De acordo com o senador, os dois pecados mortais do Plano Real, que feriram de morte o Governo FHC II (logo, o grande responsável pela vitória de Lula) foram a fixação da paridade cambial com um Real fortemente apreciado e a sua posterior manutenção às custas das burras do Tesouro. O Governo FHC registrou dois ciclos de amor e ódio, sendo o último deflagrado há um ano, quando dúvida não restava que o PT venceria as eleições. O capital, sempre arisco, interpretou que, uma vez no Governo, o PT aplicaria integralmente seu programa partidário e seu discurso de campanha. Com o barco do mercado fazendo água, o então candidato Lula subscreveu a "Carta aos Brasileiros", que guarda total coerência com a prática atual do seu Governo.
  Especulação
Apesar da Carta, houve o atoleiro financeiro do 2º. semestre de 2002, com o maior "overshooting" cambial dos tempos recentes, culminando com um empréstimo do FMI de US$ 30 bilhões. Ocorre que, parcela ponderável do lucro dos detentores de capital resulta da especulação, com apostas ora no pior, ora no melhor cenário. Os incautos, e o Tesouro (contribuintes), sempre pagam a conta: compra-se no boato, vende-se no fato. A partir de março, foi impossível sustentar o discurso especulativo de que, uma vez no Governo, o PT promoveria um descontrole nas contas públicas, através de políticas de recuperação dos salários, financiamento da reforma agrária e outros programas sociais, investimento em infra-estrutura, estímulo à produção, etc. A aplicação radical do receituário liberal, com prioridade para o pagamento dos juros da dívida, obrigou os especuladores a inverterem o sinal, levando à apreciação do real, valorização dos títulos brasileiros, resultando em queda na inflação.

O ônus
Mercadante adverte que o bônus da agenda liberal esgotou-se e agora o Governo enfrenta sua Escolha de Sofia. Em um dos cenários, o Governo mantém a taxa de juros na estratosfera, retendo os capitais de "motel", que arribam pela manhã e escapolem a tarde - ganhando em um dia, no Brasil, o equivalente à 40 dias nos EUA. Tem-se, assim, a falsa impressão de altas reservas e tranqüilidade cambial. Porém, com o Real apreciado as exportações despencarão, exigindo a captação de recursos externos, forçando a depreciação do Real. Ipso facto, os capitais especulativos buscam outro porto seguro, logo os juros aumentam. Juros altos são um forte indicativo de vulnerabilidade. Assim, despencam a cotação dos títulos brasileiros, o índice de confiança, o rating do risco Brasil, alimentando a inflação. Os capitais fogem, apesar do juro alto. O Brasil pede novo empréstimo ao FMI, fechando o ciclo. Bem, nesse momento, que ninguém sabe quando ocorrerá, a taxa de câmbio será propícia à venda da soja.
  O cenário B
O Governo reduz os juros, por conta da tranqüilidade cambial e da confiança do mercado. Imediatamente, o mercado não quererá mais brincar e vai buscar outra turma, deflagrando incontinenti a outra fase do ciclo, como descrito acima. Então não há saída? Bem, há a proposta do velho e bom PT de escalonar a dívida, com carência inicial e prazos longos, para desafogar a necessidade de pagar, anualmente, dezenas de bilhões de reais em juros da dívida. Esse recurso seria investido na retomada do desenvolvimento, no incentivo às exportações, nos programas sociais (educação, saúde, reforma agrária, primeiro emprego, fome zero), etc. Assinado: Senador Aloísio Mercadante.

 

 


As sete pragas da agricultura

Décio Luiz Gazzoni

Em Exodus 15:26, há um alerta sombrio: Observem minhas leis, senão enviarei pragas como as que enviei aos egípcios! É a "pragmática da persuasão" ou a dialética do poder, que Jack Miles define como teofania do Sinai. Bons tempos aqueles em que praga era um inseto ou um fungo, em que o controle dependia só do produtor. Livrar-se das novas pragas não depende da ação do agricultor, por vezes sequer de suas organizações. Pode até depender da rendição, como a punição divina ao Faraó, que não permitia o êxodo dos escravos hebreus, mas que se rendeu após a sétima praga.

As novas pragas
Quais são essas pragas? Juros altos, câmbio volátil, tributação abusiva, falta de seguro agrícola, infra-estrutura deficiente e protecionismo. Se examinarmos cada uma, veremos que o agricultor, individualmente, nada pode fazer. E, mesmo a ação coletiva, organizada, por vezes não ultrapassa o limite do jus sperniandi. O primeiro item pode ser desdobrado em dificuldade de acesso e volume de crédito e na taxa de juros, propriamente. De acordo com a Folha de São Paulo (Editorial, 18/5/03), o arrocho fiscal "abriu um espaço no Orçamento para pagar uma conta de R$100 bilhões em juros". O que faria o sistema produtivo com toda essa grana? E se também dispusesse de juro quase zero (EUA, Europa) ou negativo (Japão)? O título do Editorial da Folha insinua a troca do bordão "Sem medo de ser feliz" por "Sem medo de crescer", que também fazia (?) parte do ideário do principal partido do Governo.
  Tributos
Na mesma Folha, Antonio Ermírio de Morais vocaliza a voz rouca das ruas, dos que sobrevivem com um ou dos que percebem múltiplos salários mínimos: não dá mais para agüentar a extorsão tributária atual, quanto mais conviver com a nova derrama de impostos decorrente de uma Reforma Tributária que, se não reforma, seguramente aumenta impostos. As estimativas variam entre um aumento de 11% (Ives Gandra) a 14% (Prefeitura do Rio), sobre uma base insuportável. Governos de países de mesmo nível de renda e desenvolvimento que o Brasil contentam-se com 18% (México), 17% (Chile) ou 16% (Venezuela). Nós conseguimos superar o clube dos ricos, acima do Canadá (35%), da social democracia européia (34%) ou dos EUA (30%). E o mais importante: o cidadão paga novamente pela segurança, educação ou saúde, que já pagou através de impostos. O senso comum considera a iniqüidade tributária o garrote vil do desenvolvimento brasileiro, o verdugo do emprego e da renda.

Ameaças
Juros altos, tributos sufocantes e infra-estrutura precária, vias de transporte ineficientes e perigosas, deficiência de armazenagem e de portos são o coração do custo Brasil, a bigorna que oprime nossa competitividade. Não bastassem as mordidas do leão ou do sistema bancário, existem as pragas naturais. Poucas atividades econômicas implicam em graus de risco e incerteza como a agricultura. Paradoxalmente, essa atividade possui baixo valor intrínseco, exigindo alta inversão de recursos para conferir escala, desprovida de um sistema de seguro eficiente, que a proteja contra as vicissitudes naturais. Se o produtor escapa das pragas, que lhe dilapidam a competitividade, confronta-se com o guarda-chuva protecionista dos países ricos, santo protetor de agricultores ineficientes.
  Eficiência
E seriam os nossos agricultores mais eficientes que os deles? Deduza o leitor: entre 1994 e 2002, houve crescimento de 214% no valor bruto da produção do agronegócio paranaense. A área semeada com grãos expandiu 14% e a produção 124%, decorrente do aumento de 96% da produtividade, nas últimas 12 safras. Na fruticultura a área cresceu 136%, porém a produção literalmente explodiu em 343% (aumento da produtividade de 88%), entre 1990 e 2001. No período, a produção de leite cresceu 121%, de suínos 132%, de aves 305% e de bovinos 65%. Contra tudo e todos. Já imaginou esse agricultor com vento a favor? Ah! E se o leitor contou apenas seis pragas é porque dez entre dez produtores entendem que a extorsão tributária tem o poder devastador de duas pragas, predador de renda, emprego e desenvolvimento!


Descascando os alimentos funcionais

Décio Luiz Gazzoni

Vamos examinar mais alguns exemplos de alimentos funcionais, para atender os leitores que nos consultaram. Da semente do linho se extrai o óleo de linhaça. Sua ingestão regulariza o funcionamento do intestino, sendo útil no tratamento da prisão de ventre. Na linhaça estão presentes o beta-caroteno, a vitamina E, glicosídios, linamarina, taninos e mucilagem. Compõem sua fração lipídica os ácidos graxos cis-linoléico, oléico, palmítico, linoléico e esteárico, além do linolênico, que pertence ao grupo ômega-3. Além de ser reserva e fonte de energia, o ácido linolênico é vital para a formação do tecido nervoso, atuando na regulação da pressão arterial e da freqüência cardíaca. Auxilia na coagulação sanguínea, no metabolismo dos ácidos graxos, ativa o sistema imunológico do organismo e reduz a taxa de LDL-colesterol do sangue.   Benefícios da linhaça
A linhaça fortalece unhas, dentes e ossos e torna a pele mais saudável. Possui ação antioxidante e efeito terapêutico em distúrbios do cólon, do sistema urinário, da próstata e nas desordens menstruais. Também é utilizada para o tratamento de infecções (urinária, psoríase), distúrbios imunológicos (lupus), alergias e eczema, artrite reumatóide, aterosclerose, auxiliando no tratamento da asma e diabetes, e atenua a formação de radicais livres pelo stress. No intestino dos mamíferos são sintetizados o enterodiol e a enterolactona, através de bactérias que utilizam a lignana presente nos alimentos. Ambas as substâncias são similares aos estrógenos e possuem atividade hormonal fraca e ação anti-estrogênica, com atividade anti-oncogênica da mama, da próstata e do endométrio.

 

  Soja
Alimentos à base de soja auxiliam na prevenção do câncer, da osteoporose, na atenuação dos sintomas da menopausa, na redução do risco de doenças cardiovasculares e na redução do LDL-colesterol. Sua ação terapêutica deriva dos inibidores de protease, dos fitoesteróis, das saponinas e dos ácidos fenólicos. É a mais importante fonte de isoflavonóides, largamente empregados como alternativa na terapia de reposição hormonal. Vitamina B, ácido fólico, iodo, magnésio, potássio, e fósforo também são encontrados na soja.

 

 

 

Benefícios da soja
A soja possibilita reduzir o desconforto feminino durante o período do climatério e a menopausa, diminuindo a intensidade e a freqüência das "ondas de calor". Os fito-estrógenos presentes na soja são semelhantes ao estradiol, "enganando" os receptores hormonais, pois possuem uma atividade hormonal débil, se comparado aos hormônios naturais ou sintéticos. Experimentos científicos e estudos epidemiológicos comprovaram que, indivíduos ou populações, que tenham por hábito ingerir soja, possuem menor incidência de tumores malignos, reduzindo o surgimento de câncer da próstata em 50%, mesma taxa de redução do câncer de mama, enquanto o índice de câncer de cólon é 40% inferior com o consumo regular de soja.
   

 

Tomate
O tomate é rico em licopeno (a substância que lhe confere a cor vermelha), com alto potencial de redução do risco de câncer da próstata e da mama, devido à sua ação antioxidante, que atinge entre 400% e 1000% da atividade média de outros carotenóides. O efeito antioxidante reduz a presença de radicais livres, protegendo as células da oxidação. Estudos demonstraram que alimentos contendo licopeno reduzem também o risco de câncer do intestino, do estômago, da bexiga, do colo uterino, da pele e dos pulmões. Se não bastasse, o licopeno previne o surgimento de doenças cardiovasculares em especial aterosclerose, reduzindo o risco de infarto.

  Alho
As substâncias que conferem o sabor e o cheiro ao alho possuem enxofre em sua fórmula, como é o caso da alicina, um dos seus princípios medicamentosos. No dente do alho, quando intacto, existe um precursor, sem cheiro e sem atividade que, exposto ao ar, produz a alicina, facilitador da absorção e da fixação das vitaminas de todo o complexo B. O alho reduz a incidência de tumores no estômago e no cólon, previne doenças cardiovasculares, reduzindo a taxa de LDL-colesterol do sangue e regula a pressão arterial. Atua como antibiótico, auxiliando no combate à bactéria Helicobacter pylori, responsável pela gastrite, úlcera e câncer gástrico. Possui elevado teor de cisteína que protege o fígado e de arginina, um aminoácido que reduz o teor de amônia do organismo. Esse aminoácido também é ligado à secreção do hormônio de crescimento (HGH), e estimula o sistema imunológico.


The Bioterrorism Act

Décio Luiz Gazzoni

Esse ensaio contém três boxes. Clique nos títulos abaixo para acessá-los

O Conselho de Segurança dos Alimentos dos EUA

O Princípio da Precaução

Barreiras Técnicas ao Comércio

  

Os execráveis acontecimentos de 11 de setembro de 2001, em que aviões transformados em mísseis implodiram o World Trade Center, ganham a característica de um "case": como transformar uma ameaça em oportunidade. Ou, no linguajar do Zé das Grotas, como fazer do limão uma limonada. O ataque terrorista foi o mote inicial para justificar a invasão do Iraque pelos EUA, encobrindo os reais objetivos, entre eles a necessidade de garantir um fluxo regular de petróleo para um país que, apesar de deter reservas para apenas quatro anos de consumo, queima 25% da energia fóssil do mundo.    Porém, sem tanto alarde, antecedendo à invasão do Iraque, o Presidente Bush assinou a Lei de Bioterrorismo, formalmente conhecida pelo pomposo nome "Public Health Security and Bioterrorism Preparedness and Response Act of 2002". Apesar de publicada em 12 de junho de 2002, a Lei entrou em vigor, parcialmente, em 11 de setembro de 2002, devendo os demais dispositivos ser regulamentados até 13 de dezembro de 2003. Entretanto, a Lei prevê que, caso os órgãos responsáveis pela sua regulamentação não atendam o prazo acima, os seus dispositivos passam a ser auto-aplicáveis, no aguardo da efetiva regulamentação.   Analisando o Bioterrorism Act percebe-se que a preocupação com segurança alimentar entremeia-se com medidas que podem vir a constituir-se em barreiras técnicas à exportação, dificultando e encarecendo o acesso de produtos alimentares estrangeiros ao mercado americano. Com a entrada do Ato em vigor, de forma definitiva, crescerão os custos e as dificuldades burocráticas dos exportadores brasileiros. Cálculos preliminares apontam que os custos para o registro e aviso prévio dos exportadores estão estimados em US$720 milhões.

  A Lei

O Bioterrorism Act – que doravante chamaremos de Ato – tramitou no Congresso Americano com o código PL 107-188, constando de cinco Títulos:

1. Preparação Nacional para o Bioterrorismo e outras Emergências de Saúde Pública

2. Melhorando os Controles sobre Agentes e Toxinas Biológicas Perigosas

3. Protegendo a Segurança e o Abastecimento de Alimentos e Suplementos

4. Segurança e Abastecimento de Água Potável

5. Outras provisões

    O Ato altera a Lei básica do FDA (Food and Drug Administration), agência do Ministério da Saúde dos EUA responsável pela qualidade e inocuidade dos alimentos, medicamentos e suplementos dietéticos. A Lei básica do FDA é denominada Federal Food, Drug, and Cosmetic Act, que já havia sido emendada em 1997. Essa Lei confere poderes ao FDA para emitir regulamentação e definir padrões legais, bem como registrar alimentos e suplementos e seus fabricantes, fiscalizar e inspecionar as plantas industriais e a cadeia produtiva até o ponto de consumo final. A Lei considera alimento "os produtos usados como alimento ou bebidas, para uso humano ou animal, incluindo gomas de mascar e os componentes desses produtos".       O FDA é avaliado como uma agência profissional, moderna, altamente efetiva, reconhecida pela eficiência na garantia de oferta de alimentos seguros ao consumidor, dispondo de elevada credibilidade dos clientes, de seus congêneres de outros países e do público em geral. A nova Lei amplia as responsabilidades e as prerrogativas do FDA, bem como impõe novas exigências às indústrias de alimentos, tanto americanas quanto estrangeiras.

Estratégia de Segurança
   
O Ato focaliza o gerenciamento da crise, na superveniência de (ou ameaças de) atentados terroristas, através do uso de alimentos adulterados. Encontra-se em elaboração um projeto estratégico de comunicação e educação, envolvendo a comunidade científica, a indústria de alimentos e outras agências governamentais, sendo essa tarefa diretamente coordenada pelo Conselho de Segurança dos Alimentos. Esse Conselho possui tamanha importância que se reporta diretamente ao Presidente dos EUA (v. Box).
  A estratégia engloba, entre outros temas, a investigação de suspeitas de eventos de bioterrorismo, o desenvolvimento de tecnologias e procedimentos para processamento seguro de alimentos, o seu transporte e a sua distribuição, além dos procedimentos de notificação e de comunicação de risco ao público.

Registro
   
Um dos pontos basilares do Ato é a presunção de um ataque bioterrorista, baseado em uma evidência crível ou razoável (reasonable belief ou credible evidence). Embora seja uma expressão controversa, subjetiva e polêmica, trata-se de uma livre interpretação do Princípio da Precaução (v. Box) e que já vem sendo utilizada em outros setores do Governo Americano. Por evidência entenda-se o resultado de uma inspeção, um exame laboratorial preliminar, uma informação, uma denúncia, histórico do fabricante ou exportador, rating do país exportador ou qualquer procedimento que permita supor que o alimento em questão possa representar um perigo à saúde.
      A fim de atuar celeremente, em caso de suspeita de alimento adulterado, o Ato exige que a indústria de alimentos, de qualquer nível e qualquer localização geográfica, esteja registrada no FDA. O registro é relativamente complexo e, na lógica da evidência crível, é exigida uma listagem dos fornecedores e dos distribuidores da indústria que se cadastra (one source up and one recipient down). A rationale da exigência é poder traçar, rapidamente, os fornecedores, a fim de estabelecer o ponto de adulteração do alimento. E, também, traçar os distribuidores, para estancar o processo de comercialização e consumo, em caso de suspeita de adulteração.       Embora o registro possa ser efetuado a partir de 12 de outubro próximo, essa exigência entra em vigor na data da regulamentação ou, na sua ausência, em 12 de dezembro próximo. O disposto aplica-se às empresas brasileiras que vendem produtos alimentícios aos EUA, in natura ou com qualquer grau de processamento, destinados ao consumo humano ou animal, incluindo animais de estimação. O Ato também abrange medicamentos, incluso os fitoterápicos, e alguns equipamentos de uso médico. Estão enquadradas na exigência todas as empresas processadoras, fabricantes, empacotadoras, retalhistas ou que, por qualquer meio, manipulem alimentos nos EUA ou que para lá exportem.

    O registro deve ser efetuado uma única vez, não necessitando revalidação enquanto os termos do registro se mantiverem válidos. Entretanto, qualquer alteração nas informações constantes do registro devem ser comunicadas de promptu ao FDA.

Comunicação prévia
    Não basta o registro cadastral junto ao FDA. Para cada partida comercializada, no caso das importações, o Ato exige a comunicação prévia ao FDA, por parte do exportador, informando a sua chegada a um determinado porto, a fim de que a Agência providencie os trâmites para a sua inspeção. O Ato exige que a comunicação seja efetuada entre o meio dia da data anterior, até o máximo de cinco dias da chegada da mercadoria a um porto, que deve ser especificado na comunicação, juntamente com detalhes da mercadoria, do exportador e do importador.

Detenção
   
Baseado na presunção da suspeita razoavelmente fundamentada, o oficial do FDA pode, em qualquer ponto da cadeia produtiva, determinar a detenção administrativa de produtos alimentícios. No caso de alimentos importados, a inspeção ocorrerá no porto de entrada (aéreo, terrestre ou marítimo). No caso de detenção do produto, será vedado o ingresso do mesmo enquanto não houver uma confirmação ou eliminação da suspeita.
 

    A mercadoria detida permanece sob a guarda administrativa do FDA durante todo o decurso do processo, até sua eventual liberação ou condenação, não cabendo ao proprietário a prerrogativa de movimentá-la a não ser em obediência às exceções previstas no Ato. A detenção pode perdurar até 30 dias, podendo ser contestada administrativa ou judicialmente pela parte interessada. A liberação somente ocorrerá caso fique demonstrado que o alimento em questão cumpre todos os regulamentos de segurança americanos. O Ato é omisso em relação à responsabilidade pelos custos da detenção em caso de suspeita injustificada ou não comprovação da suspeita.

    O Ato permite ao FDA impedir a atuação, na cadeia de produção de alimentos, de qualquer pessoa que haja sido condenada por conduta inapropriada, relacionada à importação de alimentos, ou, pontualmente, que esteja envolvida em importação de alimentos que apresentem um padrão consistente de perigo à saúde humana ou animal.

 

 

    O Ato impõe a responsabilidade à indústria de alimentos de assegurar que nenhum fornecedor esteja incurso em punição do FDA, impedindo sua atuação no negócio de alimentos. Igualmente, o Ato exige que qualquer elo da cadeia assegure-se que os seus fornecedores, nacionais ou estrangeiros, estejam devidamente registrados no FDA.

    Na ausência de registro, e da comunicação prévia de chegada da mercadoria ao porto, a mesma será embargada através de detenção administrativa, até a regularização cadastral das empresas envolvidas. O Ato prevê que todas as despesas relativas à detenção administrativa, por inadimplência cadastral ou de comunicação prévia, corram à conta do proprietário da mercadoria.

 

Recusa de ingresso
    No caso de detenção de uma partida de alimentos sob suspeita de adulteração ou ameaça bioterrorista, o Ato exige que a mesma seja etiquetada com os dizeres

"UNITED STATES: REFUSED ENTRY".

    Essa etiqueta não pode ser removida enquanto o processo de averiguação estiver em curso, sendo os oficiais do FDA os únicos com a prerrogativa de retirá-la.

    Uma vez etiquetada, a mercadoria não pode ser transacionada, bem como não pode ser retirada sob a alegação de repatriação. In casu, o Ato visa impedir que uma mercadoria detida possa ser direcionada a outro porto, em nova tentativa de ingresso nos EUA.

Melhorias
    O Ato prevê a criação de novas funções no FDA, a contratação e o treinamento de pessoal qualificado para conduzir inspeções mais exigentes, o desenvolvimento de novas técnicas de inspeção e procedimentos de análises laboratoriais, que permitam a detecção mais rápida, segura e precisa de agentes biológicos, de toxinas orgânicas ou de outros contaminantes potencialmente deletérios à saúde. Prevê o entrosamento com outras agências federais e estaduais e provê os recursos orçamentários para a consecução das atividades.

Importação
   
A seção 302 do Título 3 do Ato aponta, especificamente, para os alimentos provenientes do exterior, ao impor a mais alta prioridade à inspeção de alimentos importados, efetuadas com maior rigor, além da elaboração de um sistema de informações de suporte aos inspetores e analistas. Também sinaliza para o desenvolvimento de novas técnicas, inclusive laboratoriais, para a detecção de eventuais adulterações em alimentos importados.
      A Lei exige que todo o interessado em exportar alimentos para os EUA tenha um representante oficial, baseado no território americano. Também dispõe que, a critério do governo americano, possa ser implementada a inspeção de alimentos no porto de origem, tendo sido ventilado nos bastidores do mercado que o porto de Santos constaria da relação preliminar, para implementação dessa medida.

Acesso aos registros
    O Ato autoriza o FDA a ter acesso a todos os registros técnicos e comerciais dos estabelecimentos sob eventual suspeita de manipulação de alimentos adulterados, ante a hipótese de uma evidência digna de crédito. As empresas são obrigadas a manter seus registros por até dois anos, submetidos à inspeção do FDA, em caso de suspeita de envolvimento com adulteração de alimentos.

Medicamentos e Equipamentos
    O Ato também abrange quaisquer drogas medicinais ou equipamentos que já estivessem sob o âmbito de regulamentação e inspeção do FDA. Incluem-se nesse caso todos os produtos reconhecidos pelas farmacopéias americanas, englobando os produtos homeopáticos, que sejam destinados a qualquer procedimento terapêutico (diagnóstico, prevenção ou cura) aplicado à espécie humana ou a animais. Como no caso dos alimentos, os componentes desses produtos também são abarcados pelo Ato. Entre os dispositivos ou equipamentos incluem-se máquinas, acessórios, implementos, próteses, implantes, reagentes e similares, utilizados para a mesma finalidade anterior, reconhecidos oficialmente.

 

BOX 1

O Conselho de Segurança dos Alimentos dos EUA

 

   Esse Conselho galga alguns degraus em importância com o Bioterrorism Act, tanto do ponto de vista da segurança dos alimentos, quanto pelo seu envolvimento com questões sensíveis da área de abastecimento e comércio internacional. A forma de encaminhamento to tema pelo Grande Irmão do Norte pode servir de inspiração para uma atuação mais efetiva do Brasil, na área de Segurança dos Alimentos. Essa questão se impõe, liminarmente, para proteger o consumidor nacional e alhures e para garantir nosso espaço mercadológico frente às exigências de segurança.    O processo de criação do Conselho foi deflagrado em 25/01/1997, pelo Presidente Bill Clinton, no bojo de um amplo repensar da área, simbolizando a importância conferida pela Sociedade e pelo Governo americanos à segurança dos alimentos. Mesmo com iniciativas dessa ordem, e com o aparato regulatório, de diagnóstico e fiscalizatório americano, o CDC (Center for Disease Control) registrou mais de 70 milhões de ocorrências médicas relacionadas a problemas com alimentos, apenas no ano de 1999.

 

    No discurso de instalação dos trabalhos de constituição do Conselho, Mr. Clinton chamou a atenção para o multifacetamento dessa atividade, incentivando a integração entre os órgãos de Governo ligados à Saúde, à Agricultura e ao Meio Ambiente, para buscarem uma estratégia comum que garanta a qualidade e a inocuidade dos alimentos.  

    As agências governamentais indicadas no discurso presidencial deflagraram um processo de audiências públicas envolvendo consumidores, produtores, indústrias, órgãos governamentais, instituições cientificas e tecnológicas e o público em geral, gerando um documento denominado "Segurança dos Alimentos do Campo à Mesa: Uma Iniciativa Nacional para Segurança dos Alimentos".

 

    Para implementar as recomendações, os Ministérios da Saúde (HHS) e da Agricultura (USDA) submeteram um pedido conjunto de suplementação orçamentária para pesquisa, vigilância, análise de risco e programas de educação em segurança dos alimentos, abrangendo o triênio 1998-2000. Paralelamente, os dois órgãos, associados ao EPA (Environmental Protection Agency), elaboraram o planejamento estratégico setorial, de forma a garantir a perfeita integração institucional.

    O Conselho foi formalmente instalado em agosto de 1998, com a finalidade precípua de solidificar, focalizar e coordenar os esforços da política de segurança dos alimentos e a otimização do uso dos recursos disponíveis. Suas principais atribuições são:

1. desenvolver e administrar um Plano Estratégico para segurança dos alimentos, em âmbito nacional;

2. orientar as Agências Federais sobre as prioridades setoriais para investimento em segurança dos alimentos;

3. assegurar o trabalho conjunto e multi-institucional, inclusive com a submissão de orçamentos conjuntos; e

4. assegurar que o Joint Institute for Food Safety Research (JIFSR) estabeleça mecanismos para orientar a pesquisa científica, em conformidade com as principais prioridades do setor.

    Um esforço coordenado de planejamento estratégico é fundamental para construir uma plataforma comum de trabalho e para organizar os esforços de todos os órgãos envolvidos, em torno de um propósito consentâneo com as necessidades da sociedade. O plano estratégico não está focado, exclusivamente, na contaminação microbiológica. Ao contrário, visualiza qualquer processo ou produto que possa representar um perigo à saúde do consumidor.      Na sua configuração atual, o Plano Estratégico define prioridades, melhora a coordenação e a eficiência do sistema, identifica deficiências do sistema e nos seus mecanismos, propondo fórmulas para sua superação, privilegia a prevenção e as estratégias de intervenção precoce, contemplando indicadores e avaliadores do progresso das ações. Cada agência governamental, respeitada sua autonomia, deve incorporar o planejamento estratégico global ao seu próprio planejamento e aos seus instrumentos operacionais.

    Na mesma linha de atuação, e atendendo solicitação do Congresso Americano, a Academia Nacional de Ciências (NAS) conduziu um estudo do estado da arte do sistema de segurança dos alimentos, objetivando:

determinar as bases científicas de um sistema efetivo de segurança dos alimentos;

avaliar a eficiência da atual configuração do sistema;

identificar as necessidades e debilidades do sistema de C & T do setor; e

efetuar recomendações às organizações de C & T para aprimoramento do sistema de pesquisa, diagnóstico e desenvolvimento tecnológico.

    O relatório da Academia Nacional de Ciências, denominado Assegurando a Segurança dos Alimentos da Produção ao Consumo foi entregue ao Presidente Clinton e serviu de base para a elaboração de políticas e outras ações governamentais.

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BOX 2

O Princípio da Precaução

    Consta da biografia de Santos Dumont que o inventor mineiro morreu amargurado porque seu principal invento, o avião, foi utilizado para fins bélicos, contrariando a sua índole, voltada para o bem estar da Humanidade. Lembrei do episódio tendo em vista a recorrência no clamor pelo Princípio da Precaução. Embora não seja um conceito novo, o tema virou modismo, servindo como justificativa tanto para banir o uso de OGMs quanto para invadir o Iraque. Invadiu-se um país com a justificativa de que "quiçá, talvez, eventualmente, em um futuro imprevisível, possa haver uma remota possibilidade de que o ditador que comanda esse país venha a representar um perigo aos interesses americanos". Consumada a invasão, o fato que restou foi que o tal arremedo de ditador sequer tinha condições de defender a si e aos seus asseclas, com um simulacro de exército sem armas, munições, uniformes ou alimentos, quanto mais representar o mínimo perigo para qualquer país, menos ainda para os EUA, que detém um terço do poderio bélico do planeta e a maior rede de inteligência e de informações estratégicas do mundo.

Mau uso

    Se o Princípio da Precaução está em seu auge, vamos dissecá-lo para entender do que se trata, suas potencialidades, vantagens, desvantagens, a correta aplicação e as distorções no seu emprego. Discorri sobre a invasão do Iraque para ilustrar como é possível desvirtuar um mecanismo interessante – o Princípio da Precaução – para atender interesses menores, qual ocorrera com o "mais pesado que o ar" de Santos Dumont.

 

 

   Esse não é o único exemplo de mau uso desse princípio por parte de um país central. Quando da conformação institucional da Organização Mundial do Comércio, foi elaborado o SPS (Sanitary and Phytosanitary Measures), um código de princípios que rege todas as regras sanitárias do comércio internacional. Trata-se de uma espécie de Bíblia ou Constituição da área, com um compromisso de todos os países signatários de subordinar as suas regulamentações internas a esses princípios.

    O artigo 2.2 (Direitos e Obrigações Básicas) do SPS refere "Os Membros devem assegurar que todas as medidas sanitárias ou fitossanitárias serão aplicadas somente na extensão necessária para proteger a vida e a saúde humana, animal ou das plantas, baseadas em princípios científicos e não serão mantidas aquelas que não disponham de suficiente evidência cientifica".

     O SPS abre uma única exceção a esse princípio (Artigo 5.7) que estatui "Nos casos em que a evidência científica relevante é insuficiente, um Membro pode, provisoriamente, adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base na informação pertinente disponível, incluindo aquelas obtidas por organizações internacionais relevantes ou valendo-se de medidas sanitárias utilizadas por outros Membros. Nessas circunstâncias, os Membros têm a obrigação de obter informação adicional necessária para uma análise de risco objetiva e rever as suas medidas sanitárias em um período de tempo razoável".

 

Fazer o jogo do adversário…

    Qualquer cidadão de mediano conhecimento dos bastidores das negociações internacionais infere que esse artigo foi imposto pelos países ricos, os quais dispõem de cientistas, instituições, estrutura e recursos para atender às incontáveis exigências impostas pelo artigo. Ocorre que outros países, como o Brasil, resolveram jogar o jogo para ganhar, dentro das regras. Modernizaram-se, aprimoraram suas estruturas científicas e de defesa agropecuária e tornaram-se competitivos. Conseqüentemente, foi preciso mudar a regra para impedir o acesso ao mercado pelos países arrivistas, cumpridores de regras – Brasil entre eles.       A solução encontrada pelos países ricos foi permitir uma livre interpretação do artigo 5.7 do SPS, de maneira que, ao sabor das conveniências desses países, quando o risco é imponderável ou quando, a critério do interessado, não existe informação científica suficiente, aplica-se o Princípio da Precaução, não previsto na versão original do SPS.      Novamente, qualquer iniciante que conheça os meandros do jogo de interesses das negociações internacionais sabe que o nome disso é "barreira comercial disfarçada". Uma barreira derivada da distorção do principio científico (o artigo 2.2 do SPS) e do mau uso do Princípio da Precaução, com o fito de atender interesses comerciais e barrar o comércio agrícola de países emergentes, que se tornaram competitivos dentro das regras do jogo.

 

 

...ou jogar o nosso jogo?

 

    Quem captou manobras dessa estirpe, com muita astúcia, foi Stephen Kanitz que afirma "Estamos sempre atolados e discutindo os problemas econômicos do passado, sem tempo para discutir as tendências do futuro".O analista também aponta: "A verdade é que nunca vamos ganhar jogos com regras escritas por outros. Jogos econômicos são ganhos muito antes de o time entrar em campo, nos meses de treinamento intensivo, na organização e administração do time. O Brasil sempre entra em campo anos depois de o jogo ter começado". E finaliza com uma pergunta; "Qual será o próximo jogo econômico internacional?".       Às considerações de Kanitz eu aditaria: não vamos ganhar jogos brandindo os motes e reforçando os argumentos dos adversários. Isso se aplica com muita nitidez ao Princípio da Precaução. Trata-se de uma ferramenta útil, quando bem utilizada. Porém presta um desserviço ao país quando brandida apenas reverberando os argumentos utilizados pelos países ricos, para barrar a entrada dos nossos produtos, muito mais competitivos que os deles.

O Conceito

   Não existe um consenso conceitual sobre o Princípio da Precaução. Uma reunião de interessados, realizada em 1998, em Wingspread-WI (EUA) estabeleceu que "Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente".       Anteriormente, na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), foi subscrito o Princípio da Precaução cuja definição é "O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Esse Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível, requer a implementação de medidas que possam prever esse dano". Observa-se, na definição, a mescla de conceitos como risco, incerteza, conhecimento científico, custo benefício, que perpassam o Princípio da Precaução.

 Julgamento subjetivo

    Para facilitar o entendimento, podemos aplicar o Princípio da Precaução a um fato estereotipado: na boca de uma caverna escura, a decisão de vasculhá-la dependerá da noção dos perigos que ela encerra, da avaliação dos riscos envolvidos e dos benefícios que a incursão pode trazer. Se não existe qualquer informação disponível, o Princípio da Precaução fornece a orientação generica que cavernas escuras são habitats adequados para aranhas, escorpiões, serpentes e outros animais peçonhentos, fungos, bactérias e outros microrganismos patogênicos, além de poder nos faltar o chão a qualquer momento. A decisão será por não ingressar.

    Porém, qual será a decisão, se nos for afiançado que, andando 20m no interior da caverna, encontraremos um veio de diamantes de milhares de quilates? E, se adicionalmente, nos for asseverado que estudos preliminares indicaram que os habitantes da caverna não representam perigo à saúde? E, finalmente, se dispusermos de um relatório de que centenas de pessoas já trilharam a caverna e retornaram, incólumes, com sua quota de diamantes?

 

   Perceba-se que, em todos os cenários, não existe evidência científica irrefutável. Variam apenas o grau de informação, a percepção do risco e a avaliação do custo benefício. Ou seja, fatores imponderáveis e descolados da ortodoxia científica formam a base da decisão de ingressar ou não na caverna.

    A confusão se instala quando recebemos informações esparsas e de sinais trocados. Algo como dispor da informação segura de que muitas pessoas ingressaram em muitas cavernas da mesma região e de lá retornaram com os seus tesouros. Porém, essas mesmas pessoas alardeiam que não existe informação suficiente para aquilatar os perigos de ingressar na caverna e que o tesouro extraído não compensa os riscos a que a pessoa se expõe. Examinando dessa forma, didaticamente, transparece a "barreira" ou, usando o ditado popular, faça o que eu digo e não o que eu faço.

 

 

 

Ortodoxia

Por oportuno, nesse ponto da análise é importante considerar que o Princípio da Precaução tem encontrado abrigo em medidas administrativas, foi incorporado em tratados e legislações, faz parte do ideário dos defensores do meio ambiente, porém não se trata de uma ferramenta científica. O Dr. John Gray, Professor de Biologia Marinha da Universidade de Oslo debruçou-se sobre o tema para concluir que, por definição, o Princípio da Precaução não possui embasamento científico.

 

 

 

   O autor conclui que, a partir da definição do Princípio da Precaução, em que se refere que o mesmo é aplicado na ausência de evidências científicas, todas as derivadas posteriores ficam prejudicadas pela premissa. Portanto, não se pode exigir, na sua aplicação, o rigor das ferramentas essencialmente científicas, sendo mais uma diretriz a ser seguida na definição de opções políticas.

    Entretanto, mesmo esse aspecto, aparentemente dogmático, é polêmico e contestável, vislumbrando-se um espaço para a abordagem científica da questão, conquanto marginal, conforme proporemos mais adiante.

 Componentes
   
Destarte a consideração acerca da heterodoxia e apesar da falta de consenso sobre seu conceito ou sua definição, pode-se identificar um agregado filosófico que caracteriza o Princípio da Precaução, cujos principais componentes são:

Pró-atividade – Antecipa-se às evidências científicas do perigo ou seu risco, assumindo que a inércia seria mais custosa à sociedade que o sacrifício imposto pela precaução. Entrementes, a posição alemã, embrião conceitual do princípio, é de aplicar-se algum tipo de análise de risco ou de custo/benefício ex-ante à tomada de decisão;   Custo/efetividade – A proporcionalidade da resposta às precauções deve ser acompanhada com uma análise permanente dos ganhos sociais e ambientais, vis a vis os seus custos. A questão ética que se antepõe é: se uma possível ação pode desestabilizar a ordem natural ou a eqüidade social, pode esta ser considerada uma opção realista, a ponto de que os benefícios "perdidos" possam ser considerados um sacrifício? Ou seja, até que ponto questões ambientais devem ser monetizadas?
     
Salvaguarda – A questão subjacente é: qual o limite para que os sistemas naturais e as organizações sociais sejam considerados capazes de adaptar-se ou são vulneráveis às mudanças? Considerações devem ser feitas sobre o potencial adaptativo dos componentes do ambiente e os limites da irreversibilidade do impacto;   Valor intrínseco – Considera-se a importância dos serviços prestados pelos sistemas naturais, assim como dos bens e produtos ofertados pela Natureza;
     
Responsabilidade da prova – Inverte-se o princípio geral do direito (ao acusador cabe o ônus da prova), determinando-se que o responsável pela ação ou processo deve demonstrar a ausência de danos ambientais além dos limites aceitáveis;   Planejamento de longo prazo - Em questões ambientais, o horizonte deve ser sempre o longo prazo, aceitando-se o período entre 25 e 100 anos como razoável para estimar-se o período de avaliação do impacto;
     
Dívida ecológica – Tendo em vista que, até o passado recente, considerações de ordem ecológica eram marginais nas atividades de cunho econômico, os agentes do presente e do futuro devem resgatar a dívida da sociedade para com o meio ambiente, sendo conservadores onde seus antepassados foram relapsos, precavendo-se contra agressões ao ambiente.   A análise dos componentes remete aos mecanismos para transmutar os princípios filosóficos em elementos operacionais, através de instrumentos legais, medidas de caráter econômico de estímulo a atividades compatíveis com a preservação ambiental e tecnologias destinadas a dar conseqüência às medidas anteriores.

Contextualização

Quando se analisa o Princípio da Precaução, face ao estágio atual da Sociedade, ressaltam-se três aspectos prioritários. O primeiro deles resgata o tema da abordagem científica de um princípio que decorre do vácuo científico; o segundo aponta para o suporte de opinião pública frente às alternativas antípodas com as quais o cidadão é confrontado; finalmente, o terceiro aspecto chama para a racionalidade do custo benefício de sua aplicação.

 

 

  Do ponto de vista da rigidez cientifica para a tomada de decisões a respeito de alternativas técnicas, deve-se ter em mente que a ciência possui limitações intransponíveis tanto para oferecer a base de julgamento (informações e análise ex-ante) quanto para formular um prognóstico dos impactos futuros a partir da falta de elementos de análise. Autores como Wynne e McDonnel discorreram sobre os condicionantes dos julgamentos em um ambiente de incerteza, que são influenciados parcialmente pelo conhecimento técnico similar, experiência, influência de especialistas, objetivos políticos da organização que coordena o julgamento, pela personalidade dos políticos envolvidos e pelo clima político dominante que envolve o ambiente dos cientistas chamados a opinar.

 

Aspectos científicos
A ciência se pauta por alguns princípios como a formulação do modelo teórico, a experimentação e a repetibilidade, a verificação da consistência, a lógica da predição e as limitações da extrapolação. Do ponto de vista científico, a incerteza pode enquadrar-se como:

1. Inconsistência dos dados – Trata-se de dados sem a devida consistência de série histórica e/ou espacial, com dúvidas sobre o rigor metodológico para sua obtenção. Uma abordagem para contornar essa dificuldade é o desenvolvimento de modelos matemáticos simplificados que possam utilizar a parca informação consistente, preenchendo as deficiências de conhecimento com a "melhor opinião";   2. Ignorância – A falta de conhecimento detalhado obriga à extrapolação do conhecimento referente a algumas espécies indicadoras para o conjunto de uma biodiversidade localizada. Entretanto, o avançar da ciência tem demonstrado a falácia dessas ilações, exigindo estudos específicos e pontuais para o estabelecimento dos impactos;   3. Indeterminação – Trata-se do cenário extremo, em que não se dispõem de parâmetros de cada espécie, individualmente, de informações sobre as populações ou das interações. Nessa condição, qualquer modelo aproxima-se mais de uma loteria que de uma ferramenta de valor científico.

Sustentação política

Posto que, em um ambiente dominado pela incerteza, o recurso à Ciência é fluído, o embate passa a ocorrer em outros estamentos sociais. Observa-se a busca de negociação pública, o envolvimento de diferentes setores da comunidade, a formulação de acordos formais ou quase formais (compromissos morais). Nesse ambiente, o pêndulo oscila desde o voluntarismo das conjecturas honestas ao atendimento dos interesses de grupos, sejam eles econômicos, comerciais ou de organizações não governamentais.

 

      Na falta de critérios rígidos e claros, instala-se um caos que dificulta o consenso, polarizando as opiniões e dividindo os políticos de acordo com seus alinhamentos ideológicos e de interesses. O desfiar de argumentos desprovidos de lastro em conhecimento científico irrefutável torna a discussão difusa, difícil de objetivar, suscetível a patrulhamentos e à selvageria do argumentum baculinum. A experiência recente tem mostrado que a confusão acerca da aplicação do Princípio da Precaução a questões pontuais é muito maior ao final do que no início do processo de discussão.       A experiência acumulada com o recurso ao Princípio da Precaução e o bom senso apontam para a necessidade de organizar a parca informação disponível e negociar, a priori, algumas regras gerais para a discussão, o que ampliaria a credibilidade e a base de sustentação das propostas, conquanto essas não sejam bombardeadas pelos vencidos na discussão.

 

 

 

Análise de custo benefício

    Em tese, a análise de custo benefício busca determinar se um investimento redundará em rentabilidade, no conceito de que os ganhos adicionais superem os custos adicionais. A premissa para essa análise é a disponibilidade de informações presentes e projeções futuras e o controle das principais variáveis, em termos da amplitude dos riscos envolvidos.

    Em se tratando do Princípio da Precaução, é impossível aferrar-se ao conceito clássico exposto acima, pois, por definição, lida-se com a incerteza. Tem-se como agravante o elemento exposto, anteriormente, da necessidade de projeção de longo prazo para os impactos ambientais, o que potencializa a incerteza.

    Até a década de 80, os economistas costumavam subestimar o valor dos serviços naturais, provocando o surgimento de uma especialidade dentro da Economia, congregando profissionais dedicados à mensuração acurada da contribuição dos serviços naturais (v. nota 3). A aproximação desse ramo da Economia com a Biologia permitiu enfocar a sustentabilidade dos sistemas, contribuindo para segmentar o Princípio da Precaução.

 

      Nesse particular, Turner propõe quatro interpretações da sustentabilidade ambiental, em termos da capacidade de adaptação, da vulnerabilidade e do nível crítico dos sistemas naturais. De acordo com o autor, a sustentabilidade pode ser muito débil quando o potencial de substituição dos componentes do ambiente é muito grande, porém sem mudanças no "capital ambiental agregado"; será débil se a par de modificações ambientais existir a necessidade de proteger uma parcela do ambiente natural, pelos serviços que presta; a sustentabilidade é forte quando existe um consenso sobre a premência de medidas para essa proteção; e, finalmente, a sustentabilidade é muito forte quando existe um reconhecimento duplo, tanto da contribuição dos recursos naturais à qualidade de vida – logo, da necessidade de sua preservação - quanto da incapacidade atual de gerir os recursos do planeta de forma satisfatória, havendo a necessidade de intervenção social para garantir a preservação do ecossistema.

    Essa divisão, embora não atenda o cerne da análise de custo/benefício, permite qualificar, de alguma maneira, a aplicação do Princípio da Precaução.

 

Considerações práticas

    O Princípio da Precaução surgiu na Alemanha, voltado para a proteção dos recursos naturais ameaçados. De lá, difundiu-se pela Europa e outros países e transbordou da área ambiental para domínios do conhecimento, mormente na saúde humana. Embora o espaço para discussão científica do Princípio seja estreito, é possível amealhar um apanhado dos principais tópicos que têm norteado a discussão sobre o tema. Nesse particular, sobressaem-se o custo do dano ambiental, representado pelo valor das perdas de serviço ambiental, o custo de sua recuperação ou o preço da substituição, e a vulnerabilidade dos sistemas aos danos potenciais.

    A Sociedade em geral tem entendido a necessidade de precaver-se, sob determinadas circunstâncias, abrindo mão de ganhos ou submetendo-se a privações de alguma ordem, no presente, a fim de preservar o futuro, especialmente em cenários de incerteza.

 

 

   O ponto chave da discussão é que, em se tratando de um tema em que a confiança e a credibilidade são fundamentais, posto não ser possível aplicar métodos científicos, em especial a estatística e os modelos preditivos, o mau uso da ferramenta pode levar ao descrédito e à falta de suporte social.

    Eis porque o Princípio da Precaução deve ser utilizado com parcimônia, o debate deve ser conduzido em um ambiente de razoabilidade, permitindo balancear os poucos dados confiáveis disponíveis, para obter uma adesão social que lhe confira o suporte.

    Por outro lado, o desvirtuamento da aplicação do Princípio da Precaução, seja para justificar guerras de conquistas - em que objetivos políticos e econômicos são escamoteados sob um manto tênue de riscos futuros - ou o recurso ao Princípio para auferir vantagens comerciais, decorrentes de barreiras insustentáveis à luz das evidências científicas, poderá ter, como grande vítima, justamente o que se pretende proteger: o meio ambiente e o futuro da Humanidade.

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BOX 3

Barreiras Técnicas ao Comércio

   O Comércio entre as Nações sempre esteve entremeado de protecionismo, de maneira a compensar vantagens competitivas de concorrentes. Uma revisão histórica, seguramente, vai descortinar um panorama em que rivalizam os esforços para ganhos de competitividade de uma parte, criação de barreiras pelos concorrentes afetados por esse ganho e tentativas de superação das barreiras pelos atingidos, gerando um ciclo vicioso, que se sofistica cada vez que o mesmo se completa.       Ao contrário da assertividade do verso de Juvenal "Hoc volo, sic jubeo, sit pro ratione voluntas", mas ao seu abrigo, o protecionismo se manifesta de diversas formas. Algumas são explícitas, como as tarifas alfandegárias, as cotas e as sobretaxas. Outras são mal disfarçadas, através de benefícios fiscais e subsídios diretos e indiretos ou excessiva e morosa burocracia, por vezes intransponível para empresários estrangeiros. Finalmente, existem as barreiras técnicas e as medidas sanitárias, em que, algumas vezes, exigências alegadamente destinadas a garantir qualidade, padrões ou inocuidade, escamoteiam barreiras comerciais disfarçadas.
 

    O mote central da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi a liberalização do comércio internacional, idealmente livre de quaisquer amarras, protecionismos ou barreiras disfarçadas que dificultam a livre concorrência e o acesso aos mercados. Em todos os tratados agregados à Convenção de Marrakesh, que criou a OMC, percebe-se essa intenção. Entretanto, já diziam os sábios de antanho: de boas intenções o inferno está cheio!       Dez anos de vigência da OMC mostraram que os países de maior presença no comércio internacional – os países de Primeiro Mundo – não apenas resistem a cumprir a determinação da livre concorrência, como sofrem recidivas recorrentes para ampliar o protecionismo aos seus produtores. O que não os impede de exigir dos países periféricos o estrito cumprimento das determinações impostas pelos tratados internacionais, por eles redigidos. Por esse motivo, sempre que surge alguma nova medida, cuja motivação alegada seja técnica, é necessário verificar o quantum de barreiras técnicas podem estar disfarçadas no bojo das medidas.
 

   De acordo com o ideário da OMC, consideram-se barreiras técnicas aquelas embutidas nos regulamentos técnicos, normas e padrões, que não coadunam, integralmente ou não, com o estado da arte do conhecimento científico ou com as normas internacionalmente consertadas. Consideram-se barreiras também aquelas medidas que ultrapassem o limite da razoabilidade em termos de proteção ou segurança, exigindo procedimentos trabalhosos, custosos, inviáveis pelo conhecimento disponível ou que afetem a competitividade dos concorrentes de forma discriminatória.     Na vigência do Acordo Geral de Tarifas e Preços (GATT), embrião da OMC, foi desenvolvido o primeiro Acordo sobre Barreiras Técnicas, aprovado durante a Rodada Tóquio. Com o advento da OMC, o tema foi amplamente rediscutido ao longo da Rodada Uruguai, redundando no Tratado sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT). De conformidade com o TBT, os países menos desenvolvidos possuem a prerrogativa de tratamento diferencial, considerando as dificuldades financeiras e tecnológicas para adotar os exigentes regulamentos técnicos, emanados para as condições vigentes nos países do Primeiro Mundo.

    Pelos termos do TBT, cada país deve indicar um ponto de contato ou ponto focal, responsável pela manutenção de um centro de informações dos regulamentos e normas técnicas, das notificações e dos procedimentos de avaliação de conformidade. No Brasil, esse papel é exercido pelo Inmetro.

O Bioterrorism Act e o TBT
 

    O Inmetro efetuou uma análise ex-ante da Lei americana, à luz do TBT e dos Acordos de Reconhecimento Mútuos (MRAs). De conformidade com a Dra. Mayard Samis Zolotar, responsável pela análise, a adoção do critério de "existência razoavelmente digna de crédito", que legitima todas as ações preventivas e repressivas contidas no Ato, fere o disposto no Artigo 2.2 do TBT, que exige a utilização de informações técnicas e científicas para a avaliação da proporcionalidade do risco quando da elaboração de um regulamento técnico.      Os exportadores brasileiros confrontados com essa barreira, seguramente, ouvirão das agências envolvidas a alegação de que o TBT, no caput do Artigo 2, prevê como justificativas para a adoção de medidas técnicas a segurança nacional e a proteção da vida humana, da saúde animal e da sanidade vegetal. Uma alegação derivada, que também será utilizada pelos advogados e negociadores americanos, é de que o país se encontra em guerra declarada contra o terrorismo, o que justifica a adoção unilateral de medidas excepcionais. E, last but not least, está sendo aplicado o Princípio da Precaução, pela ausência de evidências científicas, em face de um perigo desconhecido e a imponderabilidade do seu risco.      Ocorre que, mesmo considerando lídimas as argumentações, abre-se uma larga avenida para, sob o amplo guarda-chuva da prevenção ao terrorismo e da segurança alimentar, utilizar as disposições do Ato como barreiras técnicas. Mencione-se o fato de que um oficial de porto possui o incomensurável poder de propor a detenção de uma mercadoria, por até 30 dias. Incorrem custos e cláusulas contratuais em decorrência da detenção, temas sobre os quais o silêncio da responsabilidade governamental - omitida no Ato - é assaz eloqüente.

Timing da comercialização

   Alimentos possuem a característica de perecibilidade ou de limite de tempo entre o processamento e o consumo, sem que suas características nutricionais, organolépticas e de qualidade sejam irreversivelmente alteradas, depreciando seu valor comercial, por vezes impedindo o uso proposto. Além do mais, o timing da comercialização pode anular determinadas vantagens sobre concorrentes, sem que haja previsão de reparação por dano decorrente de causa imotivada, para a qual o detentor da mercadoria não concorreu.    Outra barreira técnica pode ser vislumbrada na indução ao desenvolvimento de novas metodologias de análise e diagnóstico, às quais os concorrentes estrangeiros não terão acesso de imediato. Técnicas mais sofisticadas permitirão a adoção de padrões mais rígidos, conseqüentemente mais difíceis de cumprir e de custo mais elevado. Nesse ponto, o Ato apresenta uma interface de confronto com o disposto no TBT, que reconhece as dificuldades técnicas e financeiras dos países emergentes em cumprir regras estritas.        Em sua análise, a Dra. Zolotar indica, como um dos procedimentos para mitigar eventuais impactos do Ato sobre as exportações brasileiras, a adesão do Brasil aos Atos do Conselho da OCDE, criando uma unidade de monitoramento de Boas Práticas de Laboratório no Brasil. A adesão a esse código permitirá a comparação dos resultados obtidos por ensaios realizados em laboratórios nacionais certificados, possibilitando o reconhecimento desses resultados pelos demais países signatários, entre eles os EUA.

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Biotrade e mercado de carbono

Décio Luiz Gazzoni

O Protocolo de Kyoto propõe que, até 2012, o mundo reduza suas emissões de gases de efeito estufa em 5.2% abaixo dos níveis de 1990 (redução anual de 700 milhões de ton de CO2). Os EUA não ratificaram o Protocolo, embora sejam responsáveis por 25% da poluição atmosférica mundial. Argumentam que, para cumprir a meta, teriam um custo muito alto de modernização de plantas industriais e de substituição da matriz energética, reduzindo sua capacidade de competição no mercado. Contrapropuseram os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, permitindo que empresas dos países industrializados paguem para que congêneres de outros países reduzam as emissões maléficas. Obviamente, esse processo é emergencial e transitório, sendo a solução definitiva a mudança radical da matriz energética mundial.   Seqüestro de carbono
Industriais do Brasil podem beneficiar-se dos certificados de carbono, que são pagamentos efetuados por indústrias dos países ricos, pelo "direito de poluir", aumentando o uso de energia verde. Aplica-se, também, a projetos agrícolas que fixem gás carbônico (seqüestro de carbono) atmosférico. As florestas e pomares são capazes de absorver gases causadores do efeito estufa e podem ser incluídos no negócio. Os proprietários de reflorestamentos e pomares podem vender o carbono seqüestrado, chamado de créditos de carbono, para indústrias que não diminuíram suas emissões.
  Negócio
O mercado de carbono atraiu os "dealers", instituições financeiras que compram certificados de seqüestro de carbono, apostando em sua valorização futura. Este é um perigo muito grande, devendo merecer urgente atenção dos governos para sua regulamentação. A idéia não é criar outra oportunidade de investimento para empresas ou pessoas físicas, através da circulação de papéis lastreados nos certificados de carbono. É importante a exigibilidade da "entrega física" do produto no mais curto espaço de tempo possível, para que a meta de redução da poluição, através deste mecanismo, possa ser efetivamente cumprida.

Biotrade
A solução definitiva é a mudança da matriz energética. Embora disponha de vantagens comparativas como a grande disponibilidade de terra não utilizada, a adequação de condições climáticas, a diversidade de espécies vegetais produtoras de biomassa, a tecnologia para obtenção de biomassa e para sua conversão em energia, não há garantia de que o Brasil venha a liderar o mercado de energia verde. O protecionismo da agricultura de alimentos deve repetir-se na produção de biomassa. O cenário mais provável será uma dura disputa pelo mercado, acirrando-se com o decorrer do tempo, conforme a agricultura de energia tornar-se compensadora, financeiramente, e importante, estrategicamente.

 

 

  Exemplo
Urge que o Brasil forneça o exemplo e elabore um plano estratégico para migrar sua matriz energética, para fontes renováveis, ao correr dos próximos 30 anos, demonstrando nossa convicção no modelo. Essa atitude servirá como efeito demonstração, validará a tese da necessidade de transição e atuará como poderoso instrumento de marketing, além de criar um mercado interno fabuloso, que conferirá escala ao agronegócio de energia, amortizando investimentos e custos fixos e melhorando nossa competitividade.

 

 

 

  ONG
Os empresários e as organizações do setor (produtores, cooperativas, sindicatos, associações, investidores) deveriam criar, de imediato, uma ONG destinada a fornecer todo o suporte estratégico para o desenvolvimento do negócio. Através dela seria possível efetuar estudos, consolidar informações, traçar cenários, constituir bancos de dados, elaborar estratégias de negociação, dimensionar mercados, financiar o desenvolvimento tecnológico, orientar políticas públicas, entre outras ações. Sem uma forte ação pró-ativa e uma visão de futuro focada na oportunidade, perderemos anos preciosos, cederemos espaço para concorrentes e, especialmente, deixaremos escapar fortunas de dezenas de bilhões de dólares anuais deixando de produzir biomassa para geração de energia.


A Embrapa fechou

Décio Luiz Gazzoni

Não, felizmente, a Embrapa não cerrou as portas em definitivo. E esse dia nunca chegará, se Deus e os cidadãos conscientes do Brasil assim o desejarem. A Embrapa parou, por um dia, para que o Brasil reflita se aplicar recursos financeiros na Embrapa é um bom investimento para a sociedade.

É bom para o agricultor?
Desde 1990 a área cultivada do Brasil permanece estabilizada. Entretanto, a produção brasileira bate recordes, a cada ano, acumulando mais de 100% de crescimento no período. A safra plantada em 2002 cresceu 17%. Nos últimos seis anos, dobrou a produção de soja e a produtividade cresceu mais de 25%. Existe um conjunto de motivos para tanto. Porém, sem o aporte tecnológico da Embrapa, jamais o Brasil alcançaria a posição de principal exportador de soja do mundo, a caminho de ser o maior produtor. O mesmo raciocínio vale para o milho e para o algodão, que brotam fagueiros de um Cerrado outrora improdutivo. Vale para as frutas, temperadas ou tropicais. Vale para o arroz, o feijão, a mandioca. Atire a primeira pedra o agricultor brasileiro que não se beneficiou da Embrapa. E quantos permanecem na atividade justamente porque a tecnologia da Embrapa o viabiliza?
  É bom para o cidadão urbano?
Conhecida como âncora verde, a atividade agropecuária manteve a inflação baixa durante muito tempo, retendo o valor da cesta básica ao alcance do consumidor. Maior produtividade no campo permitiu que o agricultor lucrasse, mesmo vendendo alimentos mais baratos. Baratos, porém mais saudáveis, mais nutritivos e, progressivamente, com menos contaminantes químicos e biológicos.

 

 

 

 

  É bom para os Governos?
Sem os agronegócios, seguramente, o Brasil já estaria em recessão forte, como alerta o vice-presidente José de Alencar. O crescimento da economia, embora pífio, é totalmente lastreado na agropecuária que, por sua vez, obtém sua competitividade da tecnologia gerada pelos institutos de pesquisa. Os 20 bilhões de dólares previstos para o superávit da balança comercial de 2003 virão, integralmente, do agronegócio pois quase todos os demais setores da economia são deficitários nas transações internacionais. A Embrapa ajudar a fechar as contas internacionais e, também, as nacionais, porque dos agronegócios sai parcela ponderável da arrecadação tributária. Saem os poucos empregos novos gerados no interior do país. Que evitam as migrações para as periferias das cidades.

É bom para o ambiente?
A Embrapa possui uma extensa agenda de atuação na área ambiental, diminuindo os impactos da exploração agrícola, ou gerando alternativas com forte fundamento ecológico, para a produção primária. Qualquer estudo comparativo entre os impactos ambientais da produção agrícola dos anos 70 e do início desse século, demonstrará os benefícios das tecnologias da Embrapa, para uma produção sustentável.

 

 

 

 

 

 

 

  É bom para a saúde?
Mais que bom, excelente! Por um lado, as novas técnicas de controle de pragas reduziram os casos de intoxicação dos aplicadores e dos consumidores. Porém, o maior benefício está na disponibilidade de novos produtos para o consumidor, fundindo os conceitos de nutrição e saúde. Além de energia, os novos alimentos apresentam propriedades funcionais como a redução do risco de tumores cancerígenos, de acidentes cardiovasculares, aumentam a disponibilidade de anti-oxidantes, facilitam as funções metabólicas e fisiológicas. Traduzindo, a Embrapa melhorou a sua qualidade de vida!

 

 

 

 

 

  Porque a Embrapa parou?
Parou porque seu orçamento de 2003, em termos reais, equivale a 50% do valor de anos anteriores. Parou porque, apesar do orçamento menor, até o momento apenas 10% do valor foi liberado pelo Tesouro Nacional. Parou porque seus empregados são cidadãos conscientes da importância da instituição para o nosso Brasil, e sabem da necessidade de alertar a sociedade dos prejuízos decorrentes da menor atividade da Embrapa. Parou porque seu quadro funcional é de primeiríssima ordem, atraindo olhares gananciosos de empresas privadas e de instituições internacionais, sequiosas de tê-los em seus quadros. Parou, por um dia, para evitar que, no futuro próximo, você sofra o efeito de a Embrapa haver parado por muito mais que um dia. Agora, se você, agricultor ou consumidor, pobre ou rico, jovem ou adulto, nada fizer para auxiliar a quem, silenciosamente, tem contribuído para o desenvolvimento do Brasil e para melhorar a sua vida , o arrependimento pode chegar tarde, quando o agronegócio brasileiro perder competitividade ou quando o preço dos alimentos afastá-los de sua mesa.


A tributação nos alimentos

Décio Luiz Gazzoni

O impacto dos tributos na atividade econômica está na ordem do dia. Nem tanto pela proposta de reforma tributária, que se encontra em análise no Congresso Nacional, a qual ainda não foi descoberta pela sociedade brasileira. A discussão é movida pelo recorde de 41,2% de pressão tributária sobre o PIB, alcançado em abril de 2003, e, em um foco mais restrito, pelo peso dos tributos na formação do preço dos alimentos.   Em artigo recente, discorri sobre as sete pragas da agricultura, as quais, no raciocínio que desenvolvi, são seis. Isso porque, a derrama tributária, por ser o verdugo do emprego e o predador da renda e do desenvolvimento do Brasil, vale por duas pragas. Os países ricos da Europa contentam-se com incidências tributárias inferiores a 40% do PIB, os EUA com 30% e o Canadá com 35%. Países de desenvolvimento similar ao Brasil adéquam-se a 18% (México), 17% (Chile) ou 16% (Venezuela). Já o Brasil auto-limita o seu potencial de desenvolvimento e de justiça social através de uma elevada incidência tributária. Enquanto a sociedade não se rebelar contra o status quo, a partir do entendimento de que a formação de poupança para investimento - base do emprego, da renda e do desenvolvimento – é inversamente proporcional à taxação tributária, permaneceremos estagnados, o eterno país do futuro.

Tributos e pobreza

Porém, a face mais iníqua da tributação surge da análise de sua incidência sobre os alimentos. Quando a sociedade discute fórmulas para propiciar acesso à alimentação aos brasileiros menos favorecidos, é importante atentar que parcela ponderável da parca renda que o cidadão destina à compra dos alimentos, necessita ser dividida com o Governo. É importante refletir sobre a ineficiência de um processo que contribui para reduzir o acesso à alimentação, arrecadando impostos, que depois precisam ser transformados em programas de ...redução da fome ou de estímulo ao emprego!!!   Graças ao Bom Deus, o Brasil não integra o circuito mundial da fome absoluta, aquela que aleija e mata. Entretanto, esse detalhe não é motivo de consolo, pois levantamento recente da CEPAL mostra que quase 30% dos lares brasileiros encontram-se abaixo do limite definido como "linha de pobreza". Desse agrupamento, cerca de 10% dos domicílios não detêm renda familiar para garantir a aquisição de uma cesta alimentar, que atenda os requisitos nutricionais básicos. Dessa forma, a fome braba afeta, diretamente, 3% das famílias brasileiras. A Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE demonstrou que o comprometimento da renda familiar com alimentação, para famílias com renda de até dois salários mínimos, varia de 40% (Rio de Janeiro) a 65% (Fortaleza), enquanto os extratos superiores de renda destinam somente 7% de sua renda às despesas com alimentação.

 

A verdadeira reforma tributária

Quando a sociedade pugna por uma reforma tributária, tem em mente alguns conceitos essenciais, como:

1. a pressão tributária, medida como um percentual do PIB, deve ser proporcional à riqueza do país. O conceito é facilmente entendível, pois, sociedades ricas possuem um lastro de renda adicional às suas necessidades básicas, o que lhe permite não apenas suportar maior incidência tributária, como manter suas taxas de crescimento, apesar da pressão tributária;

 

 

2. a contrapartida de serviços públicos deve ser proporcional à arrecadação tributária. Pelo conceito, alta pressão tributária é atributo associado a sociedades ricas, com espesso colchão social providenciado pelo governo, medido em termos de benefícios (aposentadoria, seguro desemprego) ou de serviços (educação, saúde, segurança, transportes) de alta qualidade;

3. a tributação deve incidir mais fortemente sobre a renda e o consumo final. No Brasil, temos excesso de tributos, a maioria incidindo sobre a produção, o que gera a eliminação de postos de trabalho e a perda de competitividade;

 

4. os tributos devem ser progressivos. Ou seja, quem pode mais paga mais. No Brasil temos excesso de regressividade, o que conduz à pravidade de os tributos incidirem, proporcionalmente, com maior intensidade sobre os mais pobres;

5. seletividade tributária em função da essencialidade dos bens e serviços. Essa análise ajusta-se à discussão sobre tributação nos alimentos, ao menos àqueles componentes da cesta básica, que deveriam ser desonerados, diferencialmente da incidência sobre o consumo de luxo.

Tributos e alimentos

Um estudo desenvolvido pela G & S Assessoria e Análise Econômica, encomendado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), lança diversas luzes sobre o tema. De acordo com o estudo, os principais tributos que oneram os alimentos são o ICMS, o PIS e a COFINS, sendo o impacto direto do IPI restrito ao açúcar, com a incidência do CPMF permeando as cadeias produtivas e de consumo. A carga tributária modal foi estimada em picos de 20,48% (AC, PB, RN, SE e GO) e vales de 7% (SP e RS). Até nesse particular, é possível observar a ironia da relação entre pobreza e tributação, pois os estados de menor incidência de ICMS sobre produtos alimentares das cestas básicas estaduais (SP e RS), estão entre os mais ricos e desenvolvidos da Federação, onde as necessidades alimentares estão melhor equacionadas.   A análise sobre o impacto do ICMS nos alimentos se impõe, por ser o tributo que, isoladamente, representa o maior peso na formação do preço ao consumidor final. Conceitualmente, o ICMS foi idealizado como um tributo sobre o valor agregado, seguindo o modelo clássico do IVA. De forma simplista, esse imposto deveria incidir, equanimente, ao longo da cadeia produtiva, com créditos tributários dos elos anteriores sendo dedutíveis dos elos posteriores. Entretanto, por diversas razões (contábeis, políticas e administrativas), o ICMS acabou se transformando em um imposto cumulativo. Prova disso é que, na maioria dos estados onde a incidência do tributo para o consumidor final foi de 20,48%, a alíquota modal é de 17%, com exceção de Goiás (12%).

Carga tributária

As distorções ocorrem por conta das alíquotas diferenciadas entre os estados, pela diversidade de alíquotas, entre os elos de uma mesma cadeia produtiva, e pela falta de acuidade administrativa e contábil de alguns elos das cadeias – mormente no início do processo produtivo – onde não é apropriado, integralmente, o crédito tributário. A Tabela 1 mostra os estados brasileiros onde a carga tributária é inferior à alíquota interna modal. Verifica-se que o Estado de São Paulo, apesar da maior alíquota nominal, apresenta a menor incidência tributária no final da cadeia.   Caso o produtor rural seja pessoa física, consegue escapulir da incidência do PIS e da COFINS, o mesmo não ocorrendo quando se trata de pessoa jurídica. Porém, ao sair da porteira da fazenda, praticamente todos os alimentos sofrem a incidência desses dois tributos, nas diferentes etapas de processamento.

 

 

  O estudo da G & S concluiu que a carga tributária (ICMS, PIS e COFINS) sobre os insumos agrícolas, no ano de 1996, foi de 4,91% do valor da produção agrícola, o que é um valor elevado. Entretanto, o estudo não captou o retorno da incidência do IPI sobre insumos, máquinas e implementos, a partir de 1999, o que eleva ainda mais a pressão tributária sobre o produtor. Esse consegue repassar parte dos impostos para os elos seguintes da cadeia, porém, por força da organização do mercado, é obrigado a absorver parcela dos impostos, disputando com o consumidor de alimentos a taça de campeão do comprometimento de renda com o pagamento de tributos.

Países ricos

Conceitualmente, os cidadãos de países ricos, de alta renda per cápita e baixo comprometimento da renda familiar com alimentação, estariam melhor apetrechados para enfrentar a tributação sobre alimentos. Será que o leão ruge com a mesma intensidade no Hemisfério Norte?   Nos EUA, o imposto sobre vendas incide nos alimentos em 11 estados, sendo a maior alíquota (8,25%) aplicada no Tennessee e a menor (4%) na Virgínia. Em sete estados americanos, existe um crédito recebido pelas famílias consideradas pobres, referente à devolução de tributos sobre alimentos.   Do outro lado do Atlântico, o IVA, lastreado no critério da essencialidade, é largamente usado entre os países membros da União Européia, onde os alimentos são taxados pela alíquota especialmente reduzida, a menor das três alíquotas de IVA vigentes na UE. Considere-se também que, quando são computados os mecanismos de subsídios (Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola), o pagamento de impostos, pelo setor agrícola, é praticamente zerado.

 

Tirando o pão da boca
O estudo da G & G/CNA descortina, com crueza, a iniqüidade tributária sobre os alimentos, embora tenha utilizado dados de 1996, quando a pressão tributária média oscilava próxima a 30% do PIB, tempos felizes e distantes dos 41,2% atuais. Em Brasília, 18,5% do preço dos alimentos eram representados por impostos. Mesmo em São Paulo, onde a incidência tributária é menor, o estudo apontou que 11% do custo da cesta alimentar são garfados pelos impostos, nas aquisições de famílias com renda de até dois salários mínimos.

A Tabela 2 mostra a relação de alguns alimentos e sua carga tributária, como média de diversas regiões metropolitanas. Repare o leitor que apenas quatro alimentos apresentam incidência tributária abaixo de 10%, estando dois deles (leite e ovos) no fio da navalha dos 9,5% de impostos. No outro extremo, o consumo de queijos é taxado em quase 40%.

 

 

Fome Zero
É importante analisar alguns produtos da cesta básica e constatar a urgência de uma profunda reflexão social e uma luta para a taxação seletiva de alimentos: pão francês (14,5%), macarrão (18%), óleo (19%), feijão (23%), frango (27%) e arroz (29%). Mal comparando, uma família pobre poderia comprar 23% a mais de feijão, ou 29% a mais de arroz, se esses alimentos fossem desonerados. Com o consumidor comprando mais, o produtor produziria mais, aumentando a renda e o emprego, ao tempo em que a fome diminuiria. Não seria um Fome Zero óbvio, simples e barato?

Segurança alimentar e nutrição adequada também dependem de uma estrutura tarifária justa, não apenas da generosidade e da caridade dos brasileiros mais aquinhoados, condoídos dos seus concidadãos que não possuem renda para atender, adequadamente, seus requisitos alimentares. Entre outras coisas, porque famílias pobres precisam repartir a comida com um leão insensível e insaciável.


Probióticos, prebióticos e simbióticos

Décio Luiz Gazzoni

Probióticos são microrganismos que, quando ingeridos, apresentam efeitos benéficos no organismo e melhoram o balanço microbiano do intestino. São bactérias produtoras de ácido lático (Lactobacillus, Bifidobacterium, Streptococcus, Enterococcus e Escherichia) ou fungos dos gêneros Saccharomyces e Aspergillus. Os probióticos são indicados na prevenção ou na terapêutica de distúrbios intestinais, após o uso de antibióticos, e no tratamento de gastro-enterites e de diarréias. Podem atuar, positivamente, contra bactérias patogênicas como Helicobacter pylori e Clostridium difficile. Outras disfunções e doenças do intestino, incluindo o câncer do cólon, podem ter terapias apoiadas em probióticos. Também existem estudos de efeitos positivos sobre os sistemas respiratório e urogenital.   Prebióticos e simbióticos
Prebiótico é um ingrediente que estimula a atividade e a colonização de probióticos no cólon ou das bactérias benéficas, já existentes na microbiota intestinal. São carboidratos de alto peso molecular como lactulose e a rafinose, presentes em alimentos (alcachofra, cebola, banana, aspargo e chicória) ou obtidos através de reações enzimáticas. Esses produtos passam incólumes pelo estômago, podendo ser aproveitados pelos probióticos, que os utilizam para produzir ácidos graxos de baixo peso molecular, tornando o ambiente intestinal mais ácido, o que desfavorece o desenvolvimento de bactérias patogênicas. Com o pH mais baixo, o cálcio e o magnésio são mais facilmente absorvíveis.
  Alimentos
Os simbióticos são alimentos funcionais que contém tanto o probiótico quanto o prebiótico, compostos de um substrato que possa ser aproveitado pelos microrganismos, quando atingirem o intestino. Existem diversos produtos comerciais à venda nos supermercados, combinando bactérias e oligossacarídios. Bactérias do gênero Bifidobacterium são encontradas, naturalmente, em populações altas e consistentes no trato digestivo, enquanto os lactobacilos apresentam maior variabilidade. As bactérias lácticas têm sido mais freqüentemente utilizadas em formulações comerciais. Apenas as espécies de Lactobacillus podem colonizar o intestino por longo tempo, posto que as demais são antagonizadas pela microbiota intestinal, embora permaneçam ativas e funcionais durante sua passagem pelo trato intestinal.

Terapêutica
A bactéria Clostridium difficile é a causa principal de infecções intestinais nosocomiais nos adultos. A sintomatologia inclui desde diarréia até colite e perfuração intestinal, podendo levar o paciente a óbito. A infecção é facilitada por uso abusivo de antibióticos, que reduzem a população de organismos benéficos da flora intestinal. O tratamento padrão é efetuado com os raros antibióticos aos quais a bactéria é sensível. Entretanto, a recidiva é muito alta e o desenvolvimento de resistência tem limitado o espectro de antibióticos que pode ser utilizado. Excelentes resultados terapêuticos no controle de C. difficile foram obtidos com a ingestão da levedura Saccharomyces boulardii, encontrada sobre os frutos de litchia, uma fruta nativa da Ásia, recentemente introduzida no Brasil. O microrganismo sobrevive à exposição aos ácidos gástricos, colonizando o cólon durante o tratamento, sendo rapidamente eliminado ao final da administração.
  Modo e ação
Os probióticos, assim como a microflora intestinal, competem por nutrientes ou por receptores; produzindo substâncias como o ácido láctico ou a bacteriocina, que inibem a ação de microrganismos patogênicos; inativam substâncias tóxicas; ou estimulam o sistema imune. Pesquisas realizadas na UFMG mostraram que, camundongos que receberam probióticos, apresentaram nível de resistência natural superior aos que receberam dietas sem os probióticos. Assim, os que receberam probióticos apresentaram maior resistência aos patógenos Salmonella typhimurium, Vibrio cholerae e Shigella flexneri. Os professores Jacques Nicoli e Leda Vieira, responsáveis pelos estudos, afirmam que S. boulardii, L. acidophilus, L. casei, B. longum, B. bifidum, Streptococcus thermophilus e E. faecium preveniram a diarréia causada por antibióticos, a diarréia infantil, a diarréia do viajante, as diarréias relacionadas à infecção pelo vírus HIV e as diarréias agudas causadas por V. cholerae e E. coli, sendo úteis no tratamento de infecção por Clostridium difficile.


Aproveitando a nossa biodiversidade

Décio Luiz Gazzoni

No afã de descobrir novos medicamentos, os químicos trabalharam dia e noite em seus laboratórios. Uma substância com propriedades anti-cancerígenas é o troféu cobiçado por onze de cada dez cientistas. Entretanto, não foi nos laboratórios, mas na natureza, que se encontraram as respostas mais promissoras. No início dos anos setenta, botânicos norte-americanos descobriram que uma substância extraída do teixo, uma árvore nativa da região norte dos Estados Unidos, era um eficaz medicamento para combate ao câncer de mama e de ovário. Outro vegetal, a vinca, cultivado na ilha de Madagáscar, é uma fonte de remédio contra a leucemia, um tipo de câncer que afeta as células precursoras dos glóbulos brancos, localizadas na medula óssea.

 

 

 

 

 

  Identificando potencialidades
Os princípios ativos extraídos de plantas têm possibilitado, em escala cada vez maior, o desenvolvimento de drogas antitumorais e tornaram-se aliados decisivos na guerra sem tréguas travada por laboratórios e institutos de pesquisa, pela descoberta de novas drogas contra o câncer. Há cinco anos, a Unicamp desenvolve um programa de coleta, identificação e seleção de extratos vegetais de plantas da Amazônia e do Cerrado, com o objetivo de identificar substâncias capazes de inibir o crescimento de células tumorais humanas. Cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia coletaram, identificaram e produziram extratos de 22 espécies de plantas da região amazônica e os enviaram à Unicamp
. As 22 espécies do Cerrado foram colhidas em uma reserva na região de Mogi-Guaçu e identificadas na própria Unicamp.

 

 

 

  Riqueza
Estima-se que existam no Brasil mais de 50 mil espécies de plantas. As florestas úmidas brasileiras são ricos mananciais dessa flora e possuem a maior biodiversidade conhecida e ainda a ser estudada do Planeta, sendo declarada pela ONU como uma das áreas emergenciais para a conservação. É que, embora vastos, os recursos não são inesgotáveis e têm sido consumidos por desmatamento, queimadas, poluição, expansão irracional da agricultura e assentamento de populações, tanto na Amazônia quanto no Cerrado
. Esse é outro motivo que evidencia a importância e a premência de pesquisas nessa área. Informações da literatura científica e aquelas obtidas a partir do receituário popular – rico em informações sobre propriedades medicinais ou de toxicidade das plantas – auxiliaram na escolha das espécies para a pesquisa. Selecionadas as plantas, foram obtidos seus extratos na planta-piloto da Unicamp. Após triagem e análise de suas principais características fitoquímicas, os extratos foram aplicados em amostras de células humanas – células cancerígenas - cedidas pelo National Cancer Institute dos Estados Unidos, a mais importante instituição dedicada ao descobrimento e aperfeiçoamento de novas drogas antitumorais.

 

Pesquisa
O objetivo do estudo foi verificar a capacidade de diferentes princípios ativos em conter a proliferação das células obtidas de oito tipos de tumores humanos: pulmão, mama, cólon, pele (melanoma), rim, próstata, ovário e leucemia. Até o momento, os testes apresentaram resultados mais promissores com as plantas do Cerrado em comparação com as da Amazônia, revela o professor Carvalho, responsável pelo estudo. Até que as substâncias testadas nas provetas se transformem, ou não, em novos compostos contra o câncer – e isso raramente ocorre em menos de dez anos – serão necessários ainda muitos outros experimentos
. Um deles consiste em testar o desempenho dos princípios ativos em células humanas cancerígenas, injetadas em animais com deficiência imunológica. Esse defeito genético, quando ocorre em seres humanos, possibilita a manifestação do tumor, o que proporciona aos cientistas obter dados consistentes, mesmo utilizando cobaias.
  Escala produtiva
Os testes em animais exigem a produção de extratos em maior escala. Para realizá-los, será necessário produzir as plantas, inicialmente em estufas e depois no campo experimental
. As espécies vegetais, com princípios ativos mais eficientes no combate ao câncer, serão estudadas mais profundamente, para que possam ser produzidas por agricultores, colhidas com controle de qualidade, e encaminhadas à indústria farmacêutica para a produção dos remédios. Espera-se que, dentro de poucos anos, a indústria farmacêutica nacional possa contar com novas alternativas medicamentosas e o agricultor com novas possibilidades de negócios.

 

 


Plantas cabra macho, sim senhor!

Décio Luiz Gazzoni

Desde o Jardim da Infância aprendemos que a espécie Homo sapiens pertence ao Reino Animal e que, pela Teoria da Evolução, nossos avós são símios. Mas, alguém já pensou na semelhança entre homens e plantas? Pois há um ponto de contato naquilo que os italianos chamam de "il bisogno di tenersi un po' su!" Para um oriundi como eu é fácil entender, mas a tradução literal não significa nada. Digamos que é algo como "a necessidade de ficar teso, ereto, firme". Nesse caso, plantas e homens – no masculino mesmo – têm no citrato de sildenafil e no ácido abcíssico um ancestral químico comum.

 

 

 

 

 

  No homem
A idéia ocorreu a pesquisadores da Universidade de West England (Bristol – UK). Eles descobriram que os processos químicos responsáveis pelo intumescimento e o relaxamento do órgão sexual masculino são os mesmos que promovem a abertura e o fechamento dos estômatos das folhas. De acordo com o Dr. Steve Neill (steven.neill@uwe.ac.uk), diretor do Centro de Pesquisas em Ciência das Plantas da Universidade e co-autor da pesquisa, o estudo abre enormes perspectivas para regular o consumo de água nos vegetais. O citrato de sildenafil é conhecido entre os químicos por ser um potente inibidor da enzima fosfodiesterase (PDE-5), cuja função no organismo é metabolizar o monofosfato cíclico de guanosina (cGMP), o qual atua como um poderoso vasodilatador. Ao inibir a ação da enzima, o citrato de sildenafil permite uma atuação mais intensa do cGMP. Outros processos fisiológicos induzem a vasodilatação em alvos específicos, ativando o mecanismo mediado pelo óxido nítrico.
  Na planta
Assim como existem hormônios nos animais, eles também ocorrem nos vegetais. O fito-hormônio ABA (ácido abscíssico) é um mediador da resposta das plantas tolerantes a estresses hídricos e também está envolvido na expressão da resistência induzida de plantas ao ataque de pragas. Nas sementes, o ABA promove o desenvolvimento e a maturação do embrião, a síntese das reservas das sementes (proteínas e lipídios), a tolerância à seca, a inibição da germinação (dormência) e a apoptose (é um tipo de "suicídio celular" que requer energia e síntese protéica para a sua execução) O ABA também está envolvido com o desenvolvimento e morfologia das raízes das plantas.

 

 

 

 

A pesquisa médica|
O ponto chave da semelhança entre homens e plantas é um gás incolor, o óxido nítrico (NO). Trata-se de um radical livre, com múltiplas funções biológicas. No organismo humano, além da regulação do tônus vascular, atua na transmissão nervosa e participa de processos imunológicos. A síntese do NO se realiza a partir do aminoácido essencial L-arginina, catalisado por enzimas (NOS). A descoberta da função do óxido nítrico no relaxamento dos vasos sanguíneos rendeu o Premio Nobel de Medicina de 1998 a Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad. Aproveitando esta pesquisa básica, um laboratório farmacêutico desenvolveu o citrato de sildenafil, que fornece ao organismo uma dose extra de NO, o que permite o intumescimento peniano e a manutenção de uma ereção prolongada.
  A pesquisa agronômica
A descoberta dos cientistas ingleses ocorreu quase por acaso. Eles estudavam o efeito do ácido abscíssico, o qual é ativado nas plantas sob o efeito de estresse hídrico. Os pesquisadores sabiam da ligação entre o hormônio e o fechamento dos estômatos, quando havia redução da disponibilidade de água para a planta, porém seu mecanismo bioquímico era desconhecido. A contribuição mais importante da equipe do Dr. Neill foi a descoberta que o ácido abscíssico estimula as células que circundam os estômatos a produzir o óxido nítrico. A maior concentração do gás promove o progressivo fechamento dos estômatos.
  Ganho para a agricultura
Elucidado o mecanismo de ação, os agrônomos podem desenvolver o uso do ácido abscíssico para aplicação em plantas, quando for necessário induzir o fechamento dos estômatos, a fim de regular o consumo de água. As pesquisas também podem investir na descoberta de variabilidade genética de plantas que possuam um mecanismo mais acentuado de regulação estomatal. Uma vez descoberto o controle genético, os genes podem ser transferidos através de transgenia, introduzindo a característica em plantas de interesse comercial. Quem diria, o Viagra ainda pode salvar o sertão do Nordeste!

PS. Aviso aos navegantes: não existem pesquisas demonstrando que o ácido abscíssico seja um sucedâneo do citrato de sildenafil, para uso humano!


O mercado de alimentos funcionais

Décio Luiz Gazzoni

Até recentemente, a expressão "alimentos funcionais" estava restrita ao círculo de iniciados no assunto, em especial profissionais das áreas de saúde e nutrição. No início da década passada, o tema migrou dos laboratórios e congressos científicos para a mídia e, em pouco tempo, a discussão sobre alimentos funcionais e nutracêuticos ganhou espaço junto à sociedade. O fenômeno é parte de uma profunda mudança de hábitos e costumes, uma revolução social que mudou os eixos de poder ao longo dos últimos 20 anos.

 

 

  FOSHU
O uso de alimentos funcionais surgiu nos anos 80, para reduzir os custos de seguro saúde no Japão, devido ao aumento da esperança de vida. Com idade média mais alta, a população ficou mais vulnerável a determinadas doenças e distúrbios de saúde. Para reduzir as despesas com medicamentos, foi implantado um programa denominado FOSHU (foods for specified health use). Os alimentos devem ser baseados em ingredientes naturais e cumprir funções específicas no organismo, como a melhoria do sistema imune; a prevenção ou terapia de alguma enfermidade ou disfunção; a melhoria das condições físicas e mentais e do estado geral de saúde; e o retardo no processo de envelhecimento.
  Probióticos
Um segmento dos alimentos funcionais são os probióticos, produtos que contêm micro-organismos úteis (coalhada, iogurte e leite acidófilo). Um produto em franca expansão e grande aceitação é o leite acidófilo, que contém a bactéria Lactobacillus acidophilus, sendo menos consistente e com pH menor que o iogurte que, normalmente, contém dois micro-organismos (lactobacilo e estreptococo). Ambos os produtos previnem a ocorrência de distúrbios gastrointestinais.

 

 

Mercado
Estima-se que o mercado global represente valores superiores a US$70 bilhões, com estimativa de crescer a US$170 milhões em 5 anos. Só nos EUA, em 1998, foram transacionados US$ 16,7 bilhões, um incremento anual médio de 11% durante a década. Além da população em geral, o mercado inclui especificamente bebês (papas formuladas), a população da terceira idade, pacientes e doentes em recuperação. Na Europa, apenas os derivados fermentados do leite, considerados alimentos funcionais, devem gerar vendas que se aproximam de €1 bilhão, porém com vendas per cápita inferiores ao mercado japonês, o de maior tradição. A tendência para os próximos anos é de crescimento do mercado em altas taxas, pela conquista natural de novos adeptos. O mercado será incentivado pelo surgimento, quase diário, de novas e boas notícias, provenientes das pesquisas científicas, relacionando os alimentos funcionais à saúde e qualidade de vida. Prevê-se o contínuo desenvolvimento e introdução de novos produtos no mercado, o que amplia o leque de alternativas mercadológicas.
  Consumidor
O consumidor típico de alimentos funcionais é um cidadão consciente, bem-informado, que busca um produto de qualidade, tendo o preço como condição subsidiária de sua decisão de consumo. Sob essa ótica, ganha espaço a integração de atividades, que vai além do processamento industrial, passando a ter muita importância o sistema produtivo em que a matéria-prima foi obtida. Passa a ser importante produzir os alimentos utilizando as melhores práticas agrícolas, garantindo produtos de qualidades, isentos de contaminantes químicos ou biológicos, mantendo padrões estritos de qualidade. A atenção ao meio ambiente, à higiene e às condições sociais de produção é fundamental, pois o mercado de alimentos funcionais está intrinsecamente vinculado a uma imagem impoluta. Denúncias sobre descaso com o meio ambiente ou com a mão-de-obra empregada na produção podem significar o alijamento do mercado de um produtor ou de um fabricante relapso.


Alimentos Funcionais

Décio Luiz Gazzoni

Em tempos de Fome Zero – supostamente um consensus omnium - a FAO amarga dez anos de frustradas tentativas de constituir um fundo, organizado pelos países filiados à ONU, para reduzir a fome no mundo. O fracasso de um programa que deveria, em 30 anos, reduzir a fome endêmica em 50%, se deve à falta de solidariedade dos países ricos, únicos com cacife para investirem no programa.

Em contraste, acentuam-se as exigências de qualidade e de inocuidade dos alimentos nos países ricos, um comportamento nascido na Europa, que rapidamente se espalhou nos demais países do mundo. É nesse particular que se inserem os alimentos funcionais, pois, em tese, não basta estar alimentado, é necessário ter saúde.

 

  Conceito
O alimento funcional é semelhante, em aparência, aos alimentos convencionais,
sendo consumidos como parte da dieta e, além de satisfazer os requerimentos nutricionais, trazem benefícios à saúde. O arroz integral possui um processamento mínimo, apresentando alto teor de fibras - importantes para a regulação intestinal e da taxa do colesterol sanguíneo -, de fitatos – que protegem o organismo da ação tóxica de metais pesados -, de ácidos graxos insaturados, proteínas e vitaminas. No processamento, o arroz perde a maioria destas substâncias, não sendo enquadrado como alimento funcional.

 

Histórico
Nos anos 80, a elevada idade média da população do Japão criou um problema para os planos de seguro saúde. Mais idosos, os segurados tornaram-se vulneráveis a determinadas doenças e distúrbios de saúde. A fim de reduzir as despesas com medicamentos, foi criado o programa FOSHU (Foods for Specified Health Use). Os alimentos do FOSHU contém ingredientes naturais, são consumidos como parte da dieta alimentar e cumprem funções específicas no organismo, como a melhoria dos mecanismos de defesa biológica (imunológicos); a prevenção ou terapia de alguma enfermidade ou disfunção; a melhoria das condições físicas e mentais e do estado geral de saúde; e o retardo no processo de envelhecimento orgânico.
 

A grande aceitação dos alimentos funcionais deveu-se à sua associação com a redução dos riscos das principais causas de mortalidade nos países ricos, que são: acidentes cardiovasculares, tumores cancerígenos, acidente vascular cerebral, aterosclerose e enfermidades hepáticas.

Como funcionam
Os alimentos funcionais contém substâncias com ação sobre a fisiologia ou a bioquímica do organismo humano. À guisa de ilustração, examinemos o caso dos hormônios associados ao sistema reprodutor feminino. Quando seus ovários reduzem a produção de estrógeno e progesterona, as mulheres ingressam no climatério, um período conturbado e desconfortável. Existem alimentos que reduzem o desconforto do climatério, sendo a soja o mais importante deles, elevando-a à condição de paradigma dos alimentos funcionais.

 

  Mal comparando, os hormônios seriam "plugues" de conexões elétricas. As "tomadas" são proteínas (receptores) existentes nos órgãos onde os hormônios atuam. Quando a conexão é perfeita, o hormônio cumpre sua função. As células do útero, ovário, mama e outros órgãos possuem proteínas receptoras, onde os estrógenos se ligam, a fim de cumprir sua função. Entretanto, sob determinadas condições, o hormônio causa danos às células, podendo atingir o DNA. Alterações na estrutura do DNA têm alto potencial carcinogênico, pois proteínas estruturalmente e funcionalmente diferentes podem ser expressas, afetando as respostas celulares.   As isoflavonas, presentes em alguns alimentos, se assemelham aos hormônios e podem se ligar aos receptores, atuando como estrogênios "fracos", com baixa atividade e efeito nulo sobre o código genético. A linhaça e a soja possuem esse efeito, o que lhes confere a propriedade de prevenir determinados tipos de tumores malignos, sendo classificados como alimentos funcionais.

 

 

Substâncias ativas

Existem diversos grupos químicos responsáveis pelas propriedades terapêuticas, ou redutoras de riscos à saúde, dos alimentos funcionais. Os terpenos são encontrados em hortaliças, frutas, produtos de soja e outros grãos. Funcionam como antioxidantes, protegendo os lipídios e os fluidos corporais dos radicais livres. Os terpenos reduzem o risco de câncer de mama, pulmão, cólon, estômago, próstata, pâncreas, fígado e pele.   Quando um gene oncógeno (causador de câncer) muta, as células sintetizam uma proteína anormal, que pode ser um fator de crescimento, ou interferir na atividade de uma enzima promotora do crescimento celular. As células se dividem agressiva e anormalmente, formando o tumor. As reações químicas do crescimento celular são reguladas por enzimas e a ação anticancerígena dos terpenos ocorre pela redução da atividade dessas enzimas, evitando a sua proliferação desordenada.

Terpenos

Os carotenóides (vitamina A e licopeno), estão presentes em alimentos com pigmentação amarela, laranja ou vermelha (tomate, abóbora, pimentão, laranja). Os limonóides (δ-limoneno, pineno, eucaliptol) se encontram nas cascas de frutas cítricas e protegem o tecido pulmonar, prevenindo tumores e fortalecendo o sistema imunológico.   Em 2.000 foi lançada uma variedade transgênica de arroz denominada "Golden Rice" (Arroz Dourado), com elevado teor de β-caroteno. Ela foi desenvolvida para combater a cegueira por avitaminose A, problema crítico em países pobres. O suprimento adequado de vitamina A previne o dessecamento dos dutos lacrimais e a ulceração da córnea.

Fenóis

São antioxidantes encontrados em vegetais de cores roxa, azul ou violeta (uva, cereja, berinjela). Possuem atividade antiinflamatória, evitam a aglomeração das plaquetas sanguíneas e a ação de radicais livres no organismo, protegendo desde o código genético (DNA) aos lipídios, desta forma abortando os processos carcinogênicos. Os chás verdes, ricos em polifenóis, ajudam a prevenir alguns tumores e as doenças cardíacas.

Os flavonóides (flavonas e isoflavonas) estão presentes na soja, em frutos cítricos e outros alimentos. A camomila é rica em apigenina, uma flavona com efeito analgésico. A diosmina e a hesperitina, presentes nos frutos cítricos, favorece a atuação da vitamina C no organismo.

 

Os flavonóides são antialérgicos, antiinflamatórios, estimulam o sistema imunológico, regulam a pressão arterial e protegem o sistema vascular. As isoflavonas, abundantes na soja, bloqueiam enzimas que promovem os crescimentos tumorais. As mais conhecidas são a genisteína e a daidzeína, que atuam como hormônios (fitoestrógenos) e vêm sendo utilizados em larga escala no tratamento de reposição hormonal de mulheres em pré e pós-menopausa.

As isoflavonas reduzem o LDL-colesterol, responsável pela obstrução dos vasos sanguíneos; bloqueiam a ação do estradiol (inibindo a carcinogênese mamária) e a testosterona (evitando o câncer de próstata); e fortalecem os tecidos conectivos do organismo.

Fibras (oligossacarídeos)
As fibras são encontradas em arroz, soja, trigo e aveia. Algumas fibras são de difícil digestão, embora existam fibras solúveis. Atuam na regulação do processo digestivo e no seqüestro e excreção de ácidos biliares. Reduzem o LDL-colesterol e o risco de câncer colo-retal, impedindo a metástase. A
β-glucana, encontrada na aveia, tem ação comprovada na redução do colesterol, diminuindo sua absorção pelo organismo, enquanto a quitosana captura e excreta gorduras, também reduzindo o LDL-colesterol. A linhaça contém lignana, que estimula a imunidade e reduz o LDL-colesterol.

 

  Omega -3 (DHA e EPA)
São ácidos graxos polinsaturados, de onde são derivadas substâncias com ação anticoagulante (prostraglandinas e leucotrienos). São encontrados em peixes de águas frias (atum, salmão, arenque, sardinha, bacalhau), no óleo de canola, no óleo de soja e em castanhas. A ingestão de ômega 3 reduz a agregação plaquetária, a pressão sangüínea, a viscosidade do sangue, a hiperplasia vascular e as arritmias cardíacas. Em doses adequadas, aumenta a sobrevida plaquetária e o funcionamento dos beta-receptores cardíacos. Também reduz os níveis de colesterol e de triglicerídios do sangue e possui efeito antiinflamatório. Porém, o ômega 3 possui atividade oxidante, sendo recomendado consumi-lo associado a antioxidantes, como a vitamina E.


Efeito estufa

Décio Luiz Gazzoni

O efeito estufa é um fenômeno natural que mantém a temperatura média da Terra em aproximadamente 15°C. A atmosfera constitui-se de gases, que permitem a passagem da radiação solar, absorvendo parte da radiação infravermelha térmica emitida pela superfície terrestre, gerando o efeito estufa. Na sua ausência, a temperatura média seria de -18°C. Na Lua não há atmosfera, logo não existe efeito estufa. Deste modo, a temperatura varia de 100°C durante o dia a -150°C durante a noite. Portanto, o efeito estufa, da forma como a Natureza o programou, é um fenômeno benéfico, que permite a vida na Terra, da forma como a conhecemos. Ou conhecíamos!

 

 

 

 

 

Radiação
Cerca de 50% da radiação de onda curta emitida pelo sol efetivamente chegam à superfície do solo, sendo parcialmente refletida sob a forma de onda longa. Esta freqüência é facilmente absorvida pelos gases e pelo vapor de água da atmosfera. Apenas 10% da radiação emitida pela Terra escapam da atmosfera, sendo 80% irradiados novamente de volta ao solo. Assim, os gases da atmosfera podem ser comparados ao vidro do telhado das estufas, responsáveis pelo aquecimento do interior da estufa.

 

 

 

 

 

Gases de efeito estufa
Quanto maior for a concentração de gases na atmosfera, maior será a sua capacidade de reflexão do calor emitido pela superfície terrestre, elevando a temperatura média. As emissões de gases por indústrias e veículos, através da queima de combustíveis fósseis, respondem pelo maior parcela da emissão de gases que amplificam o efeito estufa, como o gás carbônico e o metano. O óxido nitroso e o CFC são outros exemplos de gases que amplificam o efeito estufa, pois retém uma parcela maior de radiação de onda longa, refletindo-a de volta ao solo, provocando o aquecimento global ou o acirramento do efeito estufa, também denominado de aquecimento global. O desmatamento também provoca o aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pela queima e por decomposição natural. A redução das florestas significa menor imobilização de dióxido de carbono, que normalmente é absorvido e fixado (seqüestrado) pelos vegetais.

Conseqüências do Efeito Estufa:

Seca: Com a elevação da temperatura há um aumento da evaporação. Em regiões de baixa precipitação, a vegetação depende da umidade fornecida por lagos, rios e água subsuperficial, que tende a exaurir-se ao longo do tempo.

Inundações: A maior evaporação provocará aumento da precipitação pluviométrica em regiões chuvosas, em alguns casos provocando alagamentos periódicos. Tempestades, tormentas e ventos fortes também podem ocorrer.

Mudanças climáticas: Os cientistas também prevêem alterações radicais de clima, como chuvas em regiões áridas e improdutivas, e secas prolongadas em regiões férteis, acentuando os impactos de fenômenos naturais como El Niño ou La Niña.

Nível do mar: Com o aumento da temperatura nos pólos, ocorrerá forte degelo, aumentando o nível dos oceanos, submergindo as cidades à beira mar.

Extinção de espécies: A biodiversidade pode ser fortemente afetada pela mudança drástica no hábitat de algumas espécies.

Epidemias: A ocorrência de clima propício permitirá que doenças endêmicas em algumas partes do globo possam causar epidemias em outros pontos da Terra.

Figura 1 – Representação esquemática do efeito estufa.


O desafio alimentar

Décio Luiz Gazzoni

Produzir alimentos em quantidade suficiente, por meio de um sistema sustentável, para uma população que não dispõe de renda para agregar demanda no mercado, é uma missão que se afigura impossível. Esse é o desafio anteposto aos Ministros de Agricultura de todos os países da ONU, reunidos em Roma, durante o World Food Summit, organizado pela FAO. A proposta da FAO, lançada originalmente no início da década de 90, pretendia reduzir em 50% a fome no mundo, até 2015. O não atingimento das metas parciais, após 10 anos de tentativas, obrigou a um repensar das metas do projeto global.   Dignidade
O desafio colocado pela FAO deveria ser, também, o compromisso de cada cidadão empenhado em legar aos seus descendentes um mundo mais justo. Para atingi-lo, será necessário alavancar recursos para garantir o fluxo de alimentos por, no mínimo, uma geração, enquanto se investe em condições mínimas de cidadania, como habitação, saneamento básico, saúde e educação. Será necessário investir nos países com vocação agrícola, para garantir a oferta de alimentos estabilizada durante a vigência de um programa destinado à erradicação da fome. Os principais vetores que comandarão as políticas, e que devem ser considerados para garantir o sucesso do programa, são os seguintes:
 

Globalização
A globalização e a liberalização do comércio deveriam favorecer países que dispõem de competitividade natural. Na prática, os países ricos impõem suas regras comerciais, prejudicando especialmente os países de vocação agrícola. A implementação do processo de globalização deverá ter sua lógica revista, de maneira que o processo seja justo e solidário, com respeito e equilíbrio entre os parceiros comerciais, sem drenar recursos dos países pobres para os ricos.
  Tecnologia
A tecnologia será o diferencial competitivo do novo século. Os avanços em biologia molecular, química fina, energia e comunicação e informações, aprofunda o fosso entre ricos e pobres. Pontes de conhecimento, assistência técnica, parceria e cooperação devem ser implementados continuamente para evitar um "apartheid" tecnológico que implodiria as políticas de erradicação da fome, tornando-as insustentáveis no longo prazo.
 

Recursos Naturais
Quando não é possível produzir de forma sustentável, há o esgotamento dos recursos naturais, com destruição de vegetação nativa, matas ciliares e nascentes, além da contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos.
  Saúde
A pobreza, associada com a desnutrição, completa um círculo vicioso com as más condições de saúde, aumentando o custo social da desnutrição. A população afetada perde as condições de trabalho e a capacidade gerencial para levar avante pequenos empreendimentos, que possam dar sustentabilidade a programas de erradicação da fome.
 

Urbanização
Embora o custo de um emprego ou de manter um cidadão na área rural seja mais baixo que o equivalente na área urbana, a falta de oportunidades e de perspectivas no meio rural incentiva o êxodo. Como parcela considerável da geografia da fome está localizada em áreas rurais, os fluxos migratórios aumentarão o percentual de famélicos nas cidades e reduzirão o aporte de alimentos que, embora insuficiente para sua subsistência, era produzido pelos retirantes.
  Mudanças no campo
O êxodo rural, o envelhecimento da população rural e a queda no valor das comodities agrícolas, estão mudando a face do campo e inviabilizando a agricultura de subsistência auto-sustentada, exigindo políticas de assistência social dirigidas a mitigar o impacto das forças de mercado, que expulsam o homem do campo.

 

 

Conflitos
Ainda subsistem dezenas de conflitos localizados, embates étnicos, lutas pelo poder em sociedades desestruturadas ou em via de reconstrução, drenando recursos e energia que poderiam estar voltados para políticas de erradicação da fome.

 

 

  Mudanças climáticas
O aquecimento global, provocado pelas pesadas e contínuas descargas de poluentes oriundos das plantas industriais dos países ricos, pode afetar profundamente o ambiente rural, alterando parâmetros climáticos que afetem o desenvolvimento dos cultivos. Sem tecnologia para conviver com as mudanças climáticas, os habitantes de países pobres correm o risco de ver reduzidas suas safras, ampliando o número de famintos em locais afetadas por episódios climáticos adversos.


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