Ajuste brabo!
Décio Luiz Gazzoni

  

Na semana da eleição, Lula inseriu em meio a uma entrevista “...no ano que vem teremos que fazer um ajuste brabo!”. Apostando na vitória no primeiro turno, transmitiu um recado: “Brasileiros e brasileiros, minha gente, segui-me e vos conduzirei ao Paraíso Terrestre, onde brotam rios de leite e mel. Porém, antes teremos que atravessar o Inferno e o Purgatório”. O segundo turno das eleições traz diversas vantagens. Desta vez, a principal será traduzir, cristalinamente, “ajuste brabo” para a linguagem popular, abortando uma comoção nacional de conseqüências imprevisíveis, oriunda da frustração de expectativas exageradas. A mídia pode prestar um enorme serviço ao Brasil, discutindo o ajuste brabo. Os candidatos devem explicar em que ele consiste, como, quando e com que dinheiro vão cumprir seu programa de governo. Assim o eleitor votará consciente da factibilidade das promessas e das agruras que o esperam.   Cenário Internacional
A coisa lá fora está feia. O Japão, motor do Oriente tenta, em vão, erguer-se há 15 anos. A Alemanha, dínamo da Europa, patina há três anos. Os EUA, propulsor do mundo, estão em recessão. A cada dia, notícias desalentadoras vão abafando a luz do fim do túnel. Sem locomotivas, a composição da economia mundial estaciona ou retrocede, qual a Argentina, cujo PIB encolheu 17%. Basta Mr. Bush cumprir sua obsessão de riscar um fósforo no barril de pólvora do Oriente Médio, atacando, unilateralmente, o Iraque, e uma nuvem negra cobrirá o mundo. O ataque acirrará as expectativas negativas, a desconfiança e a extrema aversão ao risco do mercado financeiro. Sob a égide da incerteza, alguns financistas agressivos apostarão no alto risco à cata de elevados retornos. Porém, o capital é arisco por natureza e o mercado vai esconder o dinheiro sob o colchão, aguardando o sétimo dia da bonança. Com o consumo em baixa, sem recursos de investimento ou crédito para exportações, não haverá país que escape da recessão, variando apenas a sua intensidade. Países conjunturalmente vistos com mais desconfiança, como o nosso, serão mais afetados.  
  Cenário interno
Depois da lambança, a tempestade. O governo que sai mandou tirar dos armários os esqueletos das dívidas dos Estados e Municípios que, acrescidas ao débito federal, culminaram na dívida interna de R$700 bilhões. Parte atrelada à taxa de câmbio do real desvalorizado, inclusive pelas incertezas eleitorais, e parte garroteada por juros de 18% ao ano. São R$130 bilhões de juros anuais, que não são absorvidos pelo orçamento federal de R$380 bilhões, com o que a dívida cresce pela rolagem dos juros. Some-se: o déficit da previdência; o superávit primário de 4% do PIB para honrar parte do serviço da dívida; 95% do orçamento comprometido com folha de pagamento, transferências e outras despesas compulsórias e só resta parodiar Jô Soares: tira o tubo!  

  

Ajuste brabo
Em minha opinião Lula quis dizer “Companheiros, prometemos emprego farto, distribuição de renda, saúde, educação, segurança, moradia, transporte, mas não seja radical. Tenha um pouco de paciência, primeiro vamos pagar as dívidas (honrar os contratos!) e acertar a casa.” Reduzir a corrupção aos 10% do mundo civilizado, e efetuar um ajuste fiscal brabo, é importante mas insuficiente no curto prazo. Temo que a inadiável Reforma Tributária, ao invés modernizar e tornar justa a carga fiscal, torne-se uma derrama, elevando ainda mais a insuportável pressão tributária de 34% do PIB. Logo, ajuste brabo deve ser: “Companheiro, agüente com seu salário mais uns anos; dá um tempo aí na casa da sogra; a fila do SUS não é tão grande assim; alunos, sem queixas!; ser desempregado tem suas vantagens; bandidos, dêem uma trégua que agora não dá para construir cadeia e melhorar a polícia; e já que estamos conversando, passe no caixa e pague mais uns impostos que o Tesouro está falido!”. É esta a leitura? Ao menos é minha contribuição para o debate que propugno.

 

    

  Exceção
Cada vez menos dependente do Governo, o agronegócio será o setor que mais crescerá no quadriênio. O segmento se profissionalizou, inseriu-se no mercado internacional, apesar das restrições internas e das barreiras externas. Será uma ilha de prosperidade, o grande gerador de emprego, renda e divisas. Anos de descaso, abandonado à própria sorte, tornaram o setor competitivo, respondendo de pronto às oportunidades. Se o ajuste brabo não pegar o agronegócio de cheio, através dele o Brasil retomará o rumo, efetuados os acertos internos, ao final da recessão global, prevista para durar um triênio.

    

Energia renovável
Décio Luiz Gazzoni

      

Texto principal Efeito Estufa O mercado de carbono Sojadiesel e alcoolquímica O que o Brasil deve fazer para participar neste mercado? Células de combustível

 

    Amanhece o dia 24 de setembro de 2032.

    Fernando ajeita a máscara ligada ao tubo de oxigênio e verifica o medidor de pressão. Resta ainda estoque para três dias. O oxigênio já não é mais encontrado sequer no mercado negro. Testa mais uma vez o videofone, mas sem esperanças: ele não funciona há dois meses. Como não funcionam os demais aparelhos eletrônicos. A energia elétrica é intermitente, o racionamento de seis horas por dia já não é mais respeitado, às vezes falta energia por dois dias inteiros.

    Fernando sai de casa para olhar o céu. Tenta prever o clima, como fazia seu bisavô há 100 anos, através do movimento das nuvens. Não há mais previsão meteorológica porque os computadores foram desligados para poupar energia. Olhou o céu com esperança, logo transmutada em raiva: nem uma nuvenzinha sequer. Já não chove há nove meses no Oeste do Rio Grande do Sul e a última chuva foi a mais ácida de quantas já haviam castigado o Brasil, arrasando a vegetação e poluindo a água de forma irreversível. Enquanto isso, a costa do Nordeste foi tragada pelas marés que alcançaram até 12 m de altura e o sertão está alagado por um dilúvio de 100 dias de chuva. Ao menos foi a última notícia que ouviu, antes que o Sistema Virtual de Informações fosse desligado.

    Dilúvio? –É, matuta Fernando, pode ser o castigo divino por havermos destruído a Sua obra.

    Desde que o Efeito Estufa provocou enormes mudanças de clima a partir do ano de 2018 que a vida no Planeta Terra se tornou um inferno. Os países mais pobres foram sendo paulatinamente arrasados e as populações aniquiladas pela fome e por doenças. Não há mais remédios nas farmácias, porque as fábricas pararam por falta de matéria prima e de energia. Os hospitais também foram fechando, depois as escolas e, finalmente, os supermercados, que fecharam por falta de estoques. Os carros já tinham sido aposentados há quase cinco anos, viraram sucata na beira das estradas.

    Os países ricos compraram o pouco petróleo que restou a peso de ouro, emporcalhando cada vez mais o ar, que ficou irrespirável. Apesar dos apelos da extinta ONU, os poderosos interesses econômicos impediram que as fontes de energia que causavam o efeito estufa, como o petróleo, o gás e o carvão, fossem substituídas por fontes limpas. E agora não há mais o que fazer a não ser esperar o Grande Caos. Fernando lembra com tristeza que, em setembro de 2002, o Brasil havia apresentado uma proposta modesta na Conferencia Rio+10, para substituir apenas 10% das fontes de energia poluidoras por fontes renováveis. Mas, os lobies do petróleo, das indústrias retrógradas e os governantes sem visão de futuro haviam recusado a proposta. Como o mundo seria diferente se a proposta brasileira houvesse sido aprovada!

 

 

   Este conto de ficção seguramente não vai ocorrer. Apesar de a proposta brasileira, de um compromisso dos países industrializados para incrementar o uso de energia renovável, ter sido derrotada e apesar de o Presidente George Bush sequer haver comparecido a Johanesburgo, para discutir esta e outras propostas para um mundo melhor. Porém, enquanto os partidários da chamada "energia cinza" conseguiam uma vitória de Pirro, protelando compromissos que estão se tornando inadiáveis, existe outro agrupamento, que defende o uso da "energia verde" - ou limpa - proveniente de fontes renováveis. São cientistas, ONGs, empresários com visão de negócio, funcionários de segundo escalão de diversos governos e um número crescente de cidadãos conscientes.      Logo após a Rio+10, um seleto grupo de cientistas, empresários, representantes da sociedade civil e de governos, reuniu-se em Amsterdam (Holanda), para discutir a viabilidade de um mercado internacional de larga escala, para transacionar a energia gerada a partir de biomassa. Na oportunidade, reafirmamos a proposta brasileira, demonstrando que o Brasil pode suprir o mundo não apenas com alimentos e fibras de primeira qualidade, como pode, também, produzir energia limpa, para reverter o Apocalipse anunciado com a contínua emissão de gases que produzem o efeito estufa.

 

 

 Energia fóssil

As principais fontes de energia da matriz mundial, como petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%) são finitas e estarão esgotadas antes do alvorecer do século XXII, na hipótese mais otimista. Conforme as reservas forem escasseando, e a extração se tornando mais difícil e complexa, os preços subirão, inviabilizando o acesso a essas fontes na proporção atual. Para apimentar a análise, a principal região produtora de petróleo é politicamente instável, sendo temerário manter o abastecimento de energia e de matéria prima para a indústria química dependente dos humores do Oriente Médio.

Porém, mais importante que a instabilidade e o esgotamento das reservas, é a poluição atmosférica causada pela queima da energia à base de carbono, que é a principal fonte de emissão de gases que causam o efeito estufa, como o gás metano e o gás carbônico.

 

   Portanto, antes que os poços sequem ou o preço dispare, o mundo terá que encarar o monstro do Aquecimento Global, a fim de evitar que as catástrofes previstas pelos cientistas comecem a castigar o mundo de forma irreversível. E este é o principal mote que une os adeptos do aumento da participação de energia renovável na matriz energética mundial.

    Para entendermos a questão, vamos alinhavar alguns conceitos e mostrar alguns números. O joule (J) é a medida internacional de energia e equivale a 0,24 calorias. Como os números referentes a energia são de grande magnitude, recorre-se aos prefixos gregos (kilo (K), mega (M), giga (G), tera (T), peta (P) ou exa (E) para facilitar o entendimento. Para efeito de comparação, cada Watt hora equivale a 3.600 J. Assim, a Usina de Itaipu, a maior do mundo, no ano de 2.000 teve um recorde de produção de 93,4 TWh ou 336,4 PJ. Uma tonelada de petróleo gera 42 GJ de energia, quando utilizada como combustível.

    O consumo de energia no mundo é estimado em 400 EJ/ano, ou seja, 400 x 1018 joules. Já, ao final do século XXI, estima-se que o mundo consumirá 2.700 EJ de energia. Como a participação da energia cinza (proveniente de combustíveis fósseis) é muito alta, estima-se que seria necessário retirar cerca de 1.500 bilhões de toneladas de CO2 para estabilizar a quantidade deste gás na atmosfera. Alternativamente, pode-se evitar sua descarga na atmosfera, utilizando fontes de energia verde.

    Os países ricos são os grandes consumidores de energia fóssil (cerca de 75%) e também os grandes poluidores da atmosfera. Apenas os EUA respondem por 25% da poluição atmosférica mundial, devido ao intenso uso de energia fóssil e ao atraso tecnológico de suas principais plantas industriais. É nesses países que as mudanças terão que ocorrer para evitar o acirramento do Efeito Estufa, razão pela qual eles se constituem no grande mercado potencial para a energia verde. Porém, países com alta densidade populacional e dificuldades energéticas, também estarão na ponta compradora, como a Indonésia, a China e a Índia. Estudos indicam que, em 2018, a Índia necessitará de energia equivalente a 7 bilhões de barris de petróleo anuais, com importação de um terço deste volume. Em decorrência, as suas reservas de carvão estarão esgotadas em 30 anos, havendo necessidade de aumentar cada vez mais a proporção de energia renovável em sua matriz, mormente através da importação.

 

  Energia alternativa

   Conceda-se que, a partir dos anos 50, o mundo tentou substituir a energia fóssil por energia nuclear. Entretanto, a Ciência foi incapaz de desenvolver tecnologias com margem de risco aceitável para operação das usinas. Até hoje não existe uma fórmula segura de lidar com o lixo atômico. No Primeiro Mundo já não se constroem mais usinas nucleares e as existentes estão sendo gradativamente desativadas.

    Tecnologias baseadas em energias renováveis estão se tornando cada vez mais competitivas, permitem o transporte de pessoas e mercadorias, gerando energia elétrica e provendo o aquecimento de residências e edifícios em escala crescente. A queima de combustíveis líquidos extraídos de biomassa, explorada de maneira sustentável, não gera emissão líquida de carbono, pois uma quantidade igual de carbono foi retirado anteriormente da atmosfera pela biomassa, ou será recapturada pelo crescimento da vegetação cultivada para criar uma nova biomassa. Já a queima de combustíveis fósseis descarrega na atmosfera gases que foram capturados há milhões de anos, alterando radicalmente o ciclo do carbono, em seu estágio atual.

 

  As fontes de energia renovável são nossas velhas conhecidas. Energia eólica, solar, hidroelétrica, de biomassa, aproveitamento de ondas e marés dos oceanos. Todas têm vantagens e restrições. Por exemplo, como produzir energia a partir de cata-ventos ou da radiação solar no Hemisfério Norte, onde o vento é inconstante, mormente noturno, e a radiação solar de baixa intensidade? Como a Ciência também não encontrou fórmulas de armazenar energia, em grande quantidade e por longo tempo, o ritmo de produção de eletricidade é determinada pela demanda de cada momento.

    Os países ricos têm outras restrições: a produção de biomassa exige enormes extensões de terra e possibilidade de produção contínua, sem competir com a agricultura de alimentos. Logo, não existe uma solução única para o problema, o enfoque precisa ser o da mudança progressiva da matriz, incorporando cada vez mais fontes renováveis de energia, ao mesmo tempo em que se investe em duas outras largas avenidas: melhorar a eficiência da produção, do transporte, da conversão e do consumo de energia, e criar uma cultura radical de poupança de energia.

 

 

A produção de biomassa

Possibilidades de produção de energia renovável, a partir de diversas fontes.

Tipo de biomassa

Potencial energético

Comentários

Uso de terra arável disponível

870 EJ

Potencial produtivo de 12 ton matéria seca/ha.

Uso de terras marginais.

150 EJ

Potencial produtivo de 5 ton matéria seca/ha.

Resíduos de processamento agrícola

15 EJ

Palha de arroz ou outros materiais atualmente descartáveis

Resíduos de madeira

110 EJ

Serragem, lascas, raspas, descartes

Outros resíduos orgânicos

100 EJ

Dejetos animais, lixo reciclável

Entre todas as fontes renováveis, a biomassa é a que oferece as melhores perspectivas. Entenda-se por biomassa qualquer produto agrícola que possa ser convertido em energia. Cana de açúcar, florestas cultivadas, soja, dendê, girassol, colza, milho, mandioca, são bons exemplos. Os restos de processamento como palha de arroz, lascas ou serragem de madeira, ou mesmo dejetos de criação animal, possuem valor energético e podem ser aproveitados.

O valor energético da biomassa é alto. Uma tonelada de matéria seca gera 19 GJ, quando utilizada para aquecimento. Com a tecnologia atualmente disponível, um hectare de cana pode produzir 980 GJ e a mesma área de reflorestamento em torno de 400 GJ.

Para ilustrar o potencial brasileiro de produção de energia a partir de biomassa, tomemos o exemplo da cana de açúcar. Anualmente, o Brasil colhe 360 milhões de ton de cana de açúcar, cultivando 5 milhões de hectares. Estudos prospectivos apontam que a produtividade da cana de açúcar pode ser duplicada em 15 anos. Se, hipoteticamente, o Brasil plantasse cana em metade da terra arável não utilizada atualmente (cerca de 50 milhões de ha), poderíamos produzir um total de 16,5 EJ de energia a partir do álcool e 25 EJ (35 EWh/ano) de energia elétrica, equivalendo a 23 milhões de barris de petróleo (Mboe), representando 10% da demanda mundial de energia.

O comércio internacional de energia de biomassa

 Estudos indicam que, daqui a 50 anos, os negócios ligados à agricultura de energia movimentarão um volume de recursos superior ao valor de toda a agricultura de alimentos, fibras e plantas ornamentais. Os países situados na faixa tropical do planeta são os que possuem as maiores vantagens comparativas para dominar o comércio internacional de agricultura de energia. Por exemplo, as florestas frias podem demorar de 30 a 50 anos para atingir sua maturação. Essências florestais adaptadas aos trópicos, como o eucalipto, podem atingir a maturação em 8-15 anos, com maior volume de biomassa por hectare. Mesmo a produção de carboidratos para obtenção de álcool, ou de óleo para gerar biodiesel, é muito maior e mais eficiente nos trópicos que nas regiões frias ou temperadas.

Além da energia, a agricultura será a base da indústria de química fina e farmacológica do futuro, de onde sairá a matéria prima para tintas, medicamentos e até insumos agrícolas, como agrotóxicos.

 

    O comércio internacional de energia (cognominado Biotrade) incluirá produtos primários como lenha e restos de processamento de madeira, produtos com alto valor energético, como álcool, biodiesel ou carvão vegetal, podendo chegar ao hidrogênio ou mesmo à eletricidade. O balanço energético e a sustentabilidade da produção serão as variáveis diretrizes da cadeia de agricultura energética.

    Além da produção, a logística de armazenagem e transporte é crucial. Mesmo assim, as perspectivas são animadoras. O atual comércio de energia mostra que o transporte de resíduos de florestas dos Bálcãs até a Holanda (1.500 km), em pequenos barcos, utilizou apenas o equivalente a 5% da energia que estava sendo transportada. Cálculos mostram que, mesmo em distâncias superiores a 10.000 km, como será o caso da produção brasileira, é possível movimentar o produto utilizando grandes petroleiros, consumindo menos de 10% da energia transportada.

 

  

    Os principais aspectos a considerar na análise do mercado são:

  1. a mudança de perfil da matriz energética é inevitável. A dúvida é a taxa de incremento anual, que depende da consciência dos cidadãos e do embate dos lobies que pugnam pelos diferentes modelos energéticos;
  2. a ocorrência de desastres ambientais, ligados ao efeito estufa, precipitariam as pressões por mudanças;
  3. a ação das ONGs e a educação ambiental podem apressar as pressões por mudanças e criar um robusto mercado consumidor de bio-energia;
  4. o prolongamento ou o acirramento dos conflitos no Oriente Médio apressará o advento de um mercado forte de bio-energia;
  5. a adesão das grandes companhias mundiais de energia, convertendo seus portfólios de negócios para abarcar fatias cada vez maiores de energia verde é um fator propulsor. Um fato instigador é a recente campanha publicitária da British Petroleum utilizando a mesma sigla BP para transmitir a mensagem "Beyond Petroleum" (além do petróleo). A Shell Royal Dutch já trafega, estrategicamente, no mercado de bio-energia, existindo fortes especulações do interesse da Petrobrás em ampliar sua atuação no setor;
  6. o 17º. Congresso Mundial de Petróleo (Rio de Janeiro, 9/2002) dedicou parcela expressiva de sua programação científica ao tema da energia renovável, envolvendo tanto as ONGs ambientalistas quanto sisudos executivos à cata de boas oportunidades de negócios, e tornou transparente o crescente envolvimento das empresas do setor petróleo com outras formas de energia, em especial as renováveis;
  7. conforme o Biotrade for conquistando expressão, capitais e tecnologia migrarão para assegurar densidade ao mesmo, à cata de boas oportunidades comerciais, garantindo credibilidade, continuidade e amplo espaço comercial; e
  8. Os países ricos, seguramente, tentarão manter o atual protecionismo da agricultura de alimentos e impor novas barreiras, para evitar que os países com maior competitividade conquistem parcelas substanciais do mercado de bio-energia, constituindo-se em um potencial fator de retardo no desenvolvimento do mercado.

 

O balanço que tem sido efetuado nos foros que estudam as perspectivas futuras do biotrade é muito animador. Entende-se que a mudança da matriz energética é inevitável e que o processo deverá estar estabilizado até 2050. A oportunidade que se descortina é de um mercado fabuloso de bio-energia, que crescerá a altas taxas anuais e que movimentará dezenas de bilhões de dólares. Em 2050 estima-se que a biomassa envolverá recursos financeiros superiores ao valor do comércio internacional de petróleo deste início de século.      O Brasil pode ser o grande beneficiário do negócio "Agricultura de Energia", bem como o responsável maior por evitar uma catástrofe climática de proporções. Compete às lideranças do agronegócio e às autoridades traçar, de imediato, a rota que nos permitirá cumprir o destino anunciado e evitar maus agouros, como o conto de ficção que abriu este artigo.

 

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O que é o Efeito Estufa?

O efeito estufa é um fenômeno natural que mantém a temperatura média da Terra em aproximadamente 15°C. A atmosfera constitui-se de gases, que permitem a passagem da radiação solar, absorvendo parte da radiação infravermelha térmica emitida pela superfície terrestre, gerando o efeito estufa. Na sua ausência, a temperatura média seria de -18°C. Na Lua não há atmosfera, logo não existe efeito estufa. Deste modo, a temperatura varia de 100°C durante o dia a -150°C durante a noite.

  Cerca de 50% da radiação de onda curta emitida pelo sol efetivamente chega à superfície do solo, sendo parcialmente refletida sob a forma de onda longa. Esta freqüência é facilmente absorvida pelos gases e pelo vapor de água da atmosfera. Apenas 10% da radiação emitida pela Terra escapa da atmosfera, sendo 80% irradiado novamente de volta ao solo. Assim, os gases da atmosfera podem ser comparados ao vidro do telhado das estufas, responsáveis pelo aquecimento do interior da estufa.

 

 Quanto maior for a concentração de gases na atmosfera, maior será a sua capacidade de reflexão do calor emitido pela superfície terrestre, elevando a temperatura média. As emissões de gases por indústrias e veículos, através da queima de combustíveis fósseis, respondem pelo maior parcela da emissão de gases que amplificam o efeito estufa, como o gás carbônico e o metano. O óxido nitroso e o CFC são outros exemplos de gases que amplificam o efeito estufa, pois retém uma parcela maior de radiação de onda longa, refletindo-a de volta ao solo, provocando o aquecimento global ou o acirramento do efeito estufa, também denominado de aquecimento global.

 O desmatamento também provoca o aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pela queima e por decomposição natural. A redução das florestas significa menor imobilização de dióxido de carbono, que normalmente é absorvido e fixado (seqüestrado) pelos vegetais.

    Conseqüências do Efeito Estufa:
    Seca
    : Com a elevação da temperatura há um aumento da evaporação. Em regiões de baixa precipitação, a vegetação depende da umidade fornecida por lagos, rios e água sub-superficial, que tende a exaurir-se ao longo do tempo.

    Inundações: A maior evaporação provocará aumento da precipitação pluviométrica em regiões chuvosas, em alguns casos provocando alagamentos periódicos. Tempestades, tormentas e ventos fortes também podem ocorrer.

    Mudanças climáticas: Os cientistas também prevêem alterações radicais de clima, como chuvas em regiões áridas e improdutivas, e secas prolongadas em regiões férteis, acentuando os impactos de fenômenos naturais como El Niño ou La Niña.

    Nível do mar: Com o aumento da temperatura nos pólos, ocorrerá forte degelo, aumentando o nível dos oceanos, submergindo as cidades à beira mar.

    Extinção de espécies: A biodiversidade pode ser fortemente afetada, pela mudança drástica no habitat de algumas espécies.

    Epidemias: A ocorrência de clima propício permitirá que doenças endêmicas em algumas partes do globo possam causar epidemias em outros pontos da Terra.

    Diagrama sobre o Balanço da radiação

    Figura 1 – Representação esquemática do efeito estufa.

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    O mercado de carbono

     A concentração atmosférica do dióxido de carbono, metano e outros gases de efeito estufa vêm aumentando vertiginosamente durante os últimos cem anos. Parcela ponderável do incremento nas emissões é devido ao uso de combustíveis fósseis nos países industrializados.     Analisando os estudos sobre os impactos econômicos e sociais do aquecimento global, a "Convenção Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima" (CQNUMC) alerta para a necessidade de reduzir as emissões dos gases que amplificam o efeito estufa. O Protocolo de Kyoto, elaborado em 1997, prevê que, até 2012, os países industrializados devem reduzir suas emissões em 5.2% abaixo dos níveis do início da década passada. Os EUA não ratificaram o Protocolo de Kyoto, embora sejam o maior poluidor individual, responsável por 25% da poluição atmosférica mundial.   Cerca de 700 milhões de toneladas de dióxido de carbono anuais teriam que deixar de ser emitidos, para atingir as metas previstas. Os países ricos argumentam que, para cumprir a meta, teriam um custo muito alto de modernização de plantas industriais e de substituição da matriz energética. Desta forma, foi inserido no texto do Protocolo de Kyoto um instrumento denominado "Mecanismos de Desenvolvimento Limpo", permitindo que empresas dos países industrializados paguem para outros países reduzirem as emissões maléficas, devido ao menor custo em países com menor grau de industrialização. Obviamente que este processo deve ser entendido como emergencial e transitório, enquanto persegue-se uma profunda modificação da matriz energética mundial.

       Elegibilidade 

    As florestas são capazes de absorver gases causadores do efeito estufa e podem vir a ser um bom negócio. Através do seqüestro do carbono atmosférico, fixado pelas plantas, os empresários que efetuarem reflorestamentos, podem vender o carbono seqüestrado (chamado de créditos de carbono) para indústrias que não queiram diminuir suas emissões.      Criou-se, então, o denominado mercado internacional de carbono, que pode trazer benefícios aos países em desenvolvimento. Por ele, industriais do Brasil podem aumentar o uso de energia verde, beneficiando-se dos certificados de carbono, que são pagamentos efetuados por indústrias dos países ricos, pelo "direito de poluir". O mesmo pode ocorrer com projetos agrícolas que, comprovadamente, fixem gás carbônico (seqüestro de carbono) atmosférico.      O mercado de carbono atraiu a atenção de "dealers", instituições financeiras que compram certificados de seqüestro de carbono, apostando em sua valorização futura. Este é um perigo muito grande, devendo merecer uma urgente atenção dos governos para sua regulamentação, porque a idéia não é a de criar mais uma oportunidade de investimento para empresas ou pessoas físicas, através da circulação de papéis lastreados nos certificados de carbono. É importante a exigibilidade da "entrega física" do produto no mais curto espaço de tempo possível, para que a meta de redução da poluição através deste mecanismo possa ser efetivamente cumprida.

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Sojadiesel e alcoolquímica

 As oportunidades que se abrem para o Brasil são espetaculares, pois o petróleo é utilizado tanto para produção de energia, como serve de insumo para a quase totalidade da indústria química. Monômeros, polímeros, plásticos, medicamentos, agrotóxicos, perfumes e um amplo leque de produtos consumidos pela sociedade moderna dependem do petróleo para sua fabricação. Portanto, o esgotamento de suas reservas cria a perspectiva de escassez de energia e de matéria prima para a indústria química.     O que pode suprir esta lacuna é a biomassa. O maior consumo potencial se concentra na produção de energia elétrica, para abastecimento de industrias e residências; no aquecimento de casas e outras edificações, em países com invernos rigorosos; e nos combustíveis líquidos, usados principalmente para o transporte. Já a indústria química necessita de substâncias orgânicas com cadeias de carbono, para promover a sua transformação industrial.

 

 A biomassa oferece alternativa adequada para todos os usos. Para substituir combustíveis líquidos, o programa brasileiro do álcool (Pro-Álcool) demonstrou a viabilidade de seu uso como combustível, tanto isoladamente, quanto em mistura com gasolina. A tecnologia de produção de cana de açúcar e de fabricação de álcool evoluiu acentuadamente nos últimos anos, tornando o produto francamente competitivo no mercado internacional, tanto sob a óptica financeira quanto tecnológica. A co-geração de álcool e energia elétrica (a partir do bagaço de cana) forneceu um lastro extra de competitividade para o produto brasileiro.

 

 

    Também a tecnologia dos motores evoluiu consideravelmente, estando previsto, em 2003, o lançamento no mercado brasileiro de veículos equipados com sensores eletrônicos que identificam a proporção da mistura álcool e gasolina, efetuando automaticamente os ajustes para otimizar o desempenho do motor, sob qualquer condição, desde a operação com álcool puro até a gasolina pura. Esta tecnologia deve dar o impulso definitivo à substituição da gasolina por álcool, pois elimina a incerteza do consumidor em relação à garantia de abastecimento. O álcool também é um sucedâneo de aditivos incorporados aos combustíveis, como o MTBE, utilizados para melhorar a octanagem.    As oleaginosas (dendê, mamona, soja, girassol) podem fornecer matéria prima para a obtenção de biodiesel, através de processos simples de conversão industrial. A Embrapa já dispõe de tecnologia para efetuar a transformação, utilizando um processo diferenciado da transesterificação usada nos EUA, sendo mais simples, barato e com melhor balanço energético. O biodiesel substitui adequadamente o petrodiesel, em termos de desempenho e balanço energético, possuindo a vantagem adicional de não emitir gases sulfurosos, um potente poluidor da atmosfera. E tanto o álcool, quanto os óleos vegetais, podem ser sucedâneos do petróleo no fornecimento de substâncias orgânicas para uso na indústria química.

 

 O mercado de biomassa florestal é adequado para uso na geração de calor, para o aquecimento de residências e outras edificações. Também pode ser útil para a geração de energia elétrica, através de plantas de conversão.

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O que o Brasil deve fazer para participar neste mercado?

   Embora disponha de vantagens comparativas superiores às de outros países, como a grande disponibilidade de terra não utilizada, a ocorrência de diferentes condições climáticas, a diversidade de espécies vegetais que podem ser cultivadas para biomassa, a disponibilidade de tecnologia para obtenção de biomassa e de sua conversão em energia, não há qualquer garantia de que o Brasil venha a liderar este mercado.

 

    O cenário mais provável será uma dura disputa pelo mercado, acirrando-se com o decorrer do tempo, conforme o negócio "agricultura de energia" for se tornando progressivamente mais compensador, do ponto de vista financeiro, e importante em termos estratégicos. O paradigma protecionista da agricultura de alimentos deve repetir-se na produção de biomassa, sendo o maior empecilho para a expansão da agricultura voltada para a produção de biomassa nos países emergentes.

  

  O Brasil precisa preparar-se adequadamente para efetuar lances de maestria no tabuleiro de xadrez onde se desenrolará o embate. Inicialmente, o Brasil precisa fornecer o exemplo e elaborar um plano estratégico para migrar sua matriz energética para fontes renováveis, dentro de um horizonte limite de 30 anos, perfeitamente factível sob qualquer ângulo que se examine a questão. Esse movimento brasileiro demonstrará nossa convicção no modelo, servirá como efeito demonstração, validará a tese da necessidade de transição e atuará como poderoso instrumento de marketing, além de criar um mercado interno fabuloso, que conferirá escala ao agronegócio de energia, amortizando investimentos e custos fixos e melhorando nossa competitividade. Este plano deve abranger tanto os aglomerados urbanos, quanto as necessidades de energia nas zonas rurais, que podem utilizar tecnologias diferenciadas e mais apropriadas a cada segmento.       Os empresários e as organizações do setor (produtores, cooperativas, sindicatos, associações, investidores) deveriam criar de imediato uma ONG destinada a fornecer todo o suporte estratégico para o desenvolvimento do negócio. Através desta ONG seria possível efetuar estudos, consolidar informações, traçar cenários, constituir bancos de dados, elaborar estratégias de negociação, dimensionar mercados, financiar o desenvolvimento tecnológico, orientar políticas públicas, entre outras ações. Sem uma forte ação pró-ativa e uma visão de futuro focada na oportunidade, poderemos perder anos preciosos, espaço para concorrentes e, especialmente, deixar escapar fortunas de dezenas de bilhões de dólares anuais com a produção de biomassa para geração de energia.

 

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Células de combustível

 

O setor de transporte é uma das maiores fontes de emissões de gases de efeito estufa. As emissões de dióxido de carbono (CO2), monóxido de carbono (CO), chumbo, óxidos de enxofre (SO_) e óxidos de nitrogênio (NO_) provenientes de veículos e de equipamentos de transporte crescem 2,5% por ano. É nos países desenvolvidos que o número de automóveis por habitante é mais elevado (484 carros por 1.000 pessoas na América do Norte, comparados com 32 na América do Sul). Veículos híbridos, impulsionados por gasolina e eletricidade, atualmente disponíveis no mercado, possuem um rendimento energético duas vezes superior ao dos veículos comuns do mesmo tamanho.       Os motores de combustão interna queimam combustível para produzir calor, que é transformado em energia mecânica. Nesse processo há grandes perdas de calor, com conseqüente desperdício de energia. A fricção interna dos motores também reduz a quantidade de energia produzida. A eficiência das células de combustível na produção de energia é duas vezes maior que a dos motores de combustão interna. Mas a sua maior vantagem é a emissão zero de poluentes.       As células de combustível, também chamadas de células de energia, são micro-usinas de geração de energia elétrica baseadas em reações químicas. Assemelham-se a baterias (que são células eletroquímicas), possuindo dois pólos externos (um positivo e outro negativo) e contêm, internamente, um eletrólito que efetua o transporte de elétrons entre os eletrodos.

  

  A célula de combustível que vem recebendo maior atenção dos cientistas e das indústrias é a de Hidrogênio. A matéria prima é constituída de substâncias orgânicas, como etanol, metanol ou mesmo açúcar, que fornecem os elementos químicos básicos para a reação. A primeira reação ocorre no compartimento negativo, produzindo dois elétrons por molécula de H2. Os elétrons são transportados pelo eletrólito até o pólo positivo, onde ocorre redução do O2 do ar atmosférico.

 

 

      O fluxo de elétrons das reações produz a energia elétrica. A intensidade da corrente pode ser aumentada com eletrodos de difusão gasosa, que são permeáveis aos gases reagentes. Desta forma, aumenta a freqüência das reações químicas, gerando maior eletricidade no mesmo período de tempo.

 

 

 

 

     Além da eletricidade, as reações químicas geram calor e emitem vapor d’água e CO2, porém em proporção muito inferior ao que ocorre com os motores movidos a combustíveis fósseis. Também é importante ressaltar que, quando se utiliza biomassa vegetal, o CO2 liberado na atmosfera havia sido absorvido anteriormente pelas plantas, portanto não há aumento da sua quantidade no ar. Em relação aos combustíveis fósseis, o CO2 do petróleo havia sido retido no subsolo há milhões de anos e a sua queima representa um aumento da concentração do gás na atmosfera.

 

   O balanço energético, isto é, a quantidade de energia que é gasta para produzir outro tipo de energia, é fundamental. Obviamente, deve-se gastar menos energia no processo de produção do que a energia que será liberada para uso. As células de hidrogênio têm excelente eficiência de conversão de energia, quando comparadas aos motores a combustão.

Além disso, é fundamental contar com fonte de hidrogênio abundante e barata. Uma das formas mais promissoras de se conseguir hidrogênio barato é através do uso de biomassa.

 

     Por exemplo, produtos como o etanol, o metanol ou o açúcar podem ser fontes baratas e abundantes de hidrogênio. Uma das técnicas desenvolvidas é a quebra molecular de substâncias vegetais por bactérias. Recentemente, foi descoberta uma forma mais rápida e muito mais eficiente de conseguir hidrogênio. O processo é simples e consiste em aquecer uma solução de açúcar a 200º C para decompor o açúcar em hidrogênio e dióxido de carbono, com o auxílio de um catalisador à base de platina.

 

    A eficiência é alta, pois cerca de 25% do hidrogênio produzido é gasto no próprio processo, enquanto 75% pode ser utilizado para geração de energia.As células de combustível representam a grande esperança da ciência de um poderoso salto tecnológico, permitindo a junção dos conceitos de geração e armazenamento de energia. Sua aplicação não se restringe a automóveis, ao contrário, as primeiras aplicações deverão estar direcionadas a equipamentos de menor consumo energético, como calculadoras, handhelds, computadores, sistemas de som e vídeo e outras aplicações domésticas e de escritório.

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ALCA

Décio Luiz Gazzoni

Em plebiscito realizado em setembro de 2002, dez milhões de brasileiros rejeitaram a participação do Brasil na ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), um acordo que abrange 34 países das Américas (exceto Cuba). Os erros nas negociações do Mercosul e da OMC; a insistência dos países ricos em impor condições que lhes são favoráveis; o acirramento do protecionismo dos EUA no Governo Bush; a Farm Bill, antítese dos conceitos de livre mercado; e a proposta do Fast Track, aprovado pelo Congresso dos EUA, que torna quase impossível uma negociação justa, conduziram à percepção de que a ALCA é prejudicial aos interesses brasileiros. O resultado do plebiscito é um claro recado ao novo Governo brasileiro de que sua população não aceita mais ser espoliada em negociações onde nós entramos com a cabeça e o "parceiro" com a guilhotina!   O desequilíbrio
As queixas dos empresários ecoam a percepção empírica da população. Estudo da FIESP mostrou que, sob a égide da ALCA, nossa balança comercial registraria déficits superiores a US$ 1 bilhão (em setembro tivemos um superavit de US$2,5 bilhões). O busílis da questão é o desequilíbrio entre as partes negociantes. O Ministro Pratini de Morais reafirma: "...sem negociar a agricultura, não haverá ALCA!". A idéia é a equidade de tratamento. Não basta negociar taxas alfandegárias e outros dispositivos fiscais, será necessário resolver questões cruciais como o enorme de subsídio agrícola nos EUA, as sobretaxas, cotas e outras barreiras para-fiscais. A Farm Bill, tem vigência de 8 anos. Estarão os EUA dispostos a derrogá-la, para equalizar o suporte à agricultura nos 34 países? Considere-se também a diferença de desenvolvimento, de solidez econômica, de poderio bélico, de persuasão, de capacidade negocial, de volume de recursos à disposição dos negociadores, a capacidade de implementar medidas negociadas e cobrar das outras partes a sua implementação, que é flagrantemente superior nos EUA e no Canadá, comparativamente aos demais constituintes da ALCA.

As ameaças
Para a quase totalidade das transações comerciais, a competitividade natural americana é desproporcional à de qualquer outro membro da ALCA. E, para os produtos onde a vantagem comercial se desloca para outros países, os EUA não abrem mão do protecionismo e das salvaguardas de seus produtores, restringindo seu mercado interno. Basta lembrar a "cláusula de paz" do Acordo da OMC, que permitia a países ricos reduzirem seus subsídios agrícolas ao longo de décadas, enquanto as demais cláusulas eram implantadas no curto prazo. Ao invés de redução, houve um acirramento do protecionismo dos países ricos, sendo a Farm Bill um ícone do desrespeito ao Acordo de Marrakesh. Traduzindo a ameaça em números, verifica-se que o agronegócio brasileiro exporta, anualmente, US$ 24 bilhões. Deste total, apenas US$ 1,5 bilhões se destinam aos EUA (maior economia do planeta) e US$ 150 milhões ao Canadá. Este fato deve-se aos picos tarifários e escalada tarifária e medidas protecionistas não tarifárias. Sem eliminar o protecionismo que se afigura jurássico, frente à proposta de livre comércio, não há como imaginar um acordo para a constituição da ALCA.
  Oportunidades
Teoricamente, a ALCA propiciaria benefícios para todas as partes. Solucionados os desbalanços citados, o agronegócio brasileiro seria muito beneficiado com sua implementação. Dispomos de fatores de produção em abundância para ampliar nossa produção de forma competitiva. Teríamos acesso a um mercado de centenas de milhões de consumidores, com PIB superior a US$ 10 trilhões. O Brasil, através de seu agronegócio, iniciaria um ciclo de prosperidade, solvendo problemas cruciais de desenvolvimento, emprego, renda global e sua distribuição, aporte de recursos tributários para programas sociais e de proteção ao meio ambiente. Haveria espaço para um salto qualitativo do agronegócio, focado na qualidade e na agregação de valor. Na qualidade, porque exigência dos consumidores, traduzida nos Acordo através das cláusulas de sanidade agropecuária, inocuidade, classificação de produtos, certificação e rastreabilidade, atendimento a nichos mercadológicos, entre outros. Já a agregação de valor é uma tendência clara dos mercados para o futuro próximo. A principal barreira à colocação de produtos de valor agregado reside na disputa de cada país para agregar valor em seu território. Isto ocorre com o café ou a soja do Brasil, cujas alíquotas de importação crescem desproporcionalmente ao valor agregado em nosso território, compelindo-nos a concentrar as exportações na matéria prima. Um acordo justo deve prever a eliminação desta forma de protecionismo, ou barreira comercial, permitindo que os países produtores da matéria prima possam se beneficiar da etapa seguinte na escala agro-industrial, como forma de promover um desenvolvimento harmônico.

Ça ne vaut pas la peine

Décio Luiz Gazzoni

Realiza-se em Porto Alegre, de 23 a 28/1/03, o III Fórum Social Mundial (FSM). Meritória iniciativa que congrega pessoas sérias, preparadas, convictas de seus princípios. Entretanto, também abriga participantes sem o mesmo compromisso e estatura, ávidos por holofotes, capazes de enganar muitas pessoas por longo tempo. O melhor exemplo é Mon. José Bové, de quem na França se diria "ça ne vaut pas la peine parlez de lui", mas o engodo que ele significa justifica a análise.

Movimentos civis
Os movimentos civis (ONGs ou Terceiro Setor) nasceram de forma isolada, cada qual agregado em torno de uma idéia-força. Sob essa égide, estruturaram-se as vertentes ambientalistas, a luta pelos direitos civis das mulheres ou dos sem terra. Uns prosperaram, outros feneceram. Há os que se profissionalizaram (WWF, Greenpeace, Médicos sem Fronteira) e têm clareza de seu foco. Outros estacionaram na fase embrionária do discurso difuso e da rebeldia sem causa. Recentemente, observou-se a coalescência de diversos movimentos que, em sua origem, nada têm em comum afora a proposta de mudanças estruturais, em algum setor da sociedade. O FSM é um ícone desta soldadura, propiciando um foro para protestos e propostas díspares, cuja linha de junção é o rompimento com atitudes do passado e do presente, em busca de um mundo melhor, justo e sustentável.

 

 

  Sinergia
A coalizão provoca a sinergia, insere uma cunha na sociedade, obriga o repensar de estruturas enquanto tese, rompe com a inércia conservadora, pauta a mídia e traz o tema para o cotidiano. Em contraponto, cria um artificialismo em que a luta de cada um é a de todos e vice-versa. Miscigena ideólogos, detentores de sólidos princípios e convicções acerca de um tema com cidadãos de mesmas características, ligados a outra temática. Cada qual apenas tangencia o mote do companheiro, porém a solidariedade conduz ao alinhamento automático, fonte da força grupal. Eis porque o MST, um conjunto de excluídos da sociedade, que além de terem negada a terra também têm restringido o acesso à educação, à habitação ou à saúde, questiona paradigmas científicos, como a biotecnologia. No entanto, a maior ameaça são os oportunistas. Como na deliciosa crônica de Lima Barreto (O homem que sabia javanês), vivaldinos e aproveitadores sobrevivem da boa fé dos incautos, parasitando sua energia positiva, embora desconectados de sua luta.

Aproveitadores
Participantes do FSM foram rotundamente ludibriados em sua boa fé por um "pequeno agricultor" (ter-lhe-ia ocorrido intitular-se "sans terre"?), presidente da Confederação dos Agricultores da França. Tempo houve em que patrão vestia terno e gravata, ritualística abominada pelas lideranças populares. Talvez Bové tenha introduzido o padrão Giorgio Armani no setor, mas sequer o detalhe ostentatório alertou o público que seu discurso contradizia suas convicções, sua prática política e suas posses. Escamoteado no bom combate (abaixo as multinacionais, os transgênicos, os agrotóxicos!) iludiu a todos. Obnubilado pelo charme da verborragia gaulêsa, acantoava-se um ardente defensor do famigerado e retrógrado protecionismo agrícola europeu.
  O Imperador está nu!
Sob o comando do histriônico Gen. Bové, corações e mentes do Fórum, em ordem unida, destruíram experimentos científicos. Nada mais quixotesco ou desprovido de dialética. A ninguém ocorreu questionar o dogma, verificar quem é e o que faz esse caudilhete em sua terra natal. Ninguém ousou exigir reciprocidade, um pronunciamento a favor da igualdade social, a condenação da discriminação Norte Sul, onde a França e EUA são xifópagos. Que abominasse o protecionismo europeu, co-responsável pela fome de 800 milhões de excluídos, pela desnutrição de 200 milhões de crianças e morte de 20 milhões delas, a cada ano. Pela falta de emprego, renda, progresso e desenvolvimento nos países pobres, impedidos de exercer sua vocação agrícola. Protecionismo que aborta a geração de renda e os concomitantes recursos tributários que permitiriam cumprir a agenda ambiental e social propugnada pelos participantes sérios do Fórum. Antes de convidar para o III FSM este senhor reacionário, antítese da justiça e eqüidade social, seria interessante que os organizadores refletissem o quanto atitudes de líderes retrógrados como Mon. Bové são responsáveis pelo status quo que horripila os participantes do FSM. Ou então convide-se uma criança para parodiar Hans Christian Andersen: "But the Emperor has nothing at all on!" said a little child. Fiat lux e "But he has nothing at all on!" at last cried out all the people."

PS.Leia "O Homem que sabia javanês"  e "O rei nu"

A agropecuária no Governo Lula I

Décio Luiz Gazzoni

Analisamos nesse espaço (JL, 4/10/2002) as propostas para a agropecuária, dos candidatos à Presidência da República. Eleito presidente, Lula vai enfrentar múltiplos desafios para implementar seu programa, como incentivar, no curto pazo, a agricultura familiar, uma das ferramentas para erradicação da fome. Em sua primeira alocução, Lula não só reafirmou esse compromisso, como o tornou emblemático ao referir que "...erradicar a fome significará o cumprimento da missão da minha vida!". Embora tenha alertado que não será possível resolver todos os problemas do país em seu mandato, a prioridade à alimentação traz a agropecuária para o primeiro plano da discussão nacional e faz a alegria das iiabassês. Entendo que a lógica será dissociar agricultura familiar do estereotipo de subsistência, incorporando-a ao conceito de agronegócio. De outra parte, a agricultura comercial evitou que o Brasil entrasse em recessão, internalizando preciosas divisas, mantendo solvente nossa balança comercial e movimentando a economia do interior do Brasil. Para os empresários agrícolas, a luta do Governo continua – só que nos foros internacionais, buscando a justiça no comércio internacional.   Sem contradição
Incentivar esses dois segmentos não significa optar por um em detrimento do outro. José Graziano da Silva, coordenador para a agricultura da campanha de Lula à Presidência, em entrevista à Agencia Estado (28/10/02) indica: "Precisa existir uma política unificada para todo o setor." Entretanto, os conflitos milenares de apropriação de renda entre os elos das cadeia produtivas (capital e trabalho; produtor e indústria; pequenos e grandes) continuarão existindo. O novo presidente pensa em ressuscitar as câmaras setoriais - por cadeia produtiva - como forma de solver conflitos e obter consenso nas políticas. A discussão englobaria também as questões sociais. À guiza de exemplo, Graziano refere que, nas áreas mecanizadas, a cana-de-açúcar utiliza apenas 2 a 3 homens por 100 hectares, clamando por aumento desse índice. Os conflitos que se antecipam são: lavoura mecanizada tem custo menor, porém absorve menos mão de obra; lavoura de cana sem queima da palha facilita a mecanização, mas aumenta o desemprego. Por outro lado, a queima da palhada da cana é fonte de poluição ambiental, que sempre foi ferrenhamente combatida pelo PT; e menor mecanização significa menos venda de máquinas, menor arrecadação tributária e desemprego na indústria.

Reforma agrária
O líder do MST, João Pedro Stédile, foi taxativo em sua entrevista ao Estadão (27/10/02): Segundo ele, a luta do MST continua com as mesmas bandeiras e o mesmo vigor, não importando quem seja o presidente. Passado o período de graça de 100 dias, se a forma ou o conteúdo da reforma agrária não agradarem ao MST, as ocupações de terra retornariam. "Ou alguém acha que a CUT vai abrir mão das greves – um direito sagrado do trabalhador - só porque o Lula é presidente?", provocou Stédile. Em contraponto, o PT promete respeitar o direito à propriedade, embora ambicionando superar os números de assentamentos do governo FHC. Pessoalmente, creio que Lula será muito mais duro com o MST do que foi FHC, que teve uma condescendência dos proprietários e da sociedade em geral, a qual não será concedida ao novo presidente (Agronegócios, JL 10/05/02). Como a mulher de César, Lula terá que provar, ad nauseam, que não admite invasões de terras produtivas.
  Agregação de valor
A sustentabilidade da agricultura familiar depende da agregação de valor, para compensar a baixa escala. Maior valor agregado na produção, mais renda no campo. Entretanto, Lula sabe que não adianta pressionar apenas a oferta, pois agregar valor significa aumentar o preço dos alimentos ao consumidor. Logo, as políticas de renda urbana, aumentando a renda global e melhorando sua distribuição, são vitais para o sucesso da agricultura familiar. O caminho mais curto para conciliar os interesses de produtores e consumidores é através da tecnologia, que permite reduzir custos, aumentar a produtividade, melhorar a qualidade, reduzir as perdas e administrar os riscos. A tecnologia adequada redunda em maior retorno para o produtor sem penalizar o consumidor. Já agregar valor à agricultura comercial é muito mais complicado, pois esse é o desejo de todos os países. Para tanto penalizam as importações de valor agregado com tarifas que crescem exponencialmente, obrigando os países produtores a exportarem matéria prima. Esta luta também ocorrerá na arena dos foros internacionais, para eliminar esta barreira não-tarifária disfarçada.

A agropecuária no Governo Lula II

Décio Luiz Gazzoni

O espaço rural é mais amplo que o mero espaço produtivo. Segundo o coordenador do programa agrícola de Lula, haverá forte incentivo à agroindústria familiar para a produção de queijos e outros derivados da produção agrícola. O governo entraria com a fiscalização e concessão de selos de qualidade para estes produtos, avalizando sua qualidade para ingresso no mercado. Também propõe o deslocamento de alguns pequenos produtores para atividades rurais não agrícolas, como o setor de turismo. "O turismo rural está sendo uma boa alternativa de renda em várias áreas do Brasil. No Pantanal, por exemplo, os fazendeiros estão ganhando mais dinheiro com turismo do que estariam criando gado", falou Graziano à Agencia Estado.

 

 

  Financiamento da produção
As taxas cobradas pelos bancos, dos pequenos produtores, mesmo quando o recurso é governamental, preocupa o PT. A proposta é a criação de fundos regionais, com um "seed money" governamental, em que os pequenos produtores seriam cotistas destes fundos. O custo dos empréstimos estaria vinculado às despesas operacionais e não à taxa de juros. Em relação à agricultura comercial, o programa do PT menciona "...manter os níveis de financiamento atuais". O vácuo de propostas não significa ausência de conflitos, pois a produção cresce aceleradamente, em especial na dobradinha milho e soja, com profundos reflexos na produção animal (confinamento, avicultura e suinocultura). Culturas como o algodão, o arroz e o trigo têm sofrido oscilações de oferta, demanda e preço, sendo freqüentes as demandas de apoio governamental, através de crédito subsidiado ou outros mecanismos paternalistas.
  Abastecimento
O capítulo "Fome Zero" do programa de Lula é o mote para as políticas de abastecimento. A lógica central é o aumento da produção de alimentos básicos (arroz, feijão, mandioca, milho, leite, hortaliças, etc.). Graziano refere que a idéia foi inspirada nos cupons de alimentação dos EUA. Aproximadamente 40 milhões de pessoas seriam beneficiados, de acordo com o programa de Governo, com custo anual de R$ 10 bilhões (10% do orçamento de custeio da União). Entretanto, em entrevista de 28/10 Lula reduziu este número para 10 milhões de atendidos. O custo do programa não preocupa o partido, pois o aumento da produção elevaria a arrecadação tributária.

 

 

Transgênicos
Embora Lula afirme não ter uma posição dogmaticamente contrária, circula com insistência no seio do partido a proposta de uma moratória, até a obtenção de resultados conclusivos do impacto sobre a saúde humana e o ambiente. A idéia é criticada pela indústria de sementes, cooperativas e agricultores que vêem enormes vantagens competitivas na sua utilização, porém aplaudida por ambientalistas, grupos de apoio a pequenos produtores e pelo MST. Como já estamos em "moratória" desde que a Justiça suspendeu o plantio comercial através de liminar concedida ao IDEC, houve uma explosão do plantio clandestino de soja RR. O risco de extensão da moratória é a impotência em evitar a expansão ainda maior do plantio de transgênicos, acirrando o contrabando, a evasão de divisas e tributos e criando constrangimentos comerciais junto aos importadores nos processos de certificação.

 

 

 

  Mercado internacional
Os interesses dos exportadores, no mercado internacional, serão defendidos com unhas e dentes, de acordo com José Graziano, que se diz consciente que os subsídios à produção e exportação de produtos agrícolas de países desenvolvidos têm efeitos nefastos e devastadores sobre países de vocação agrícola, como o Brasil. A proposta do PT é de "uma política mais agressiva no comércio exterior do que a praticada pelo governo FHC". Segundo ele, "...a OMC dá aos países em desenvolvimento a prerrogativa de aumentar tarifas, para proteger suas economias, em até 50%. O governo atual está sendo no mínimo covarde em não usar esta possibilidade." O coordenador de Lula propõe o aumento de tarifas de importação funcionaria toda vez que a produção brasileira fosse prejudicada por importações. Segundo Graziano, taxas aplicadas ao milho ou ao algodão não teriam efeitos lôbregos na competitividade dos seus derivados, no mercado internacional. "Nossa indústria aprendeu a ser competitiva por sua alta tecnologia, diminuindo o impacto de custo da matéria-prima". Graziano defendeu uma postura pró-ativa do Governo: "Se eventualmente, aumentos de tarifas ou outras políticas se mostrarem mais negativas do que positivas, é só revertê-las. O importante é testar iniciativas que possam melhorar a situação do setor".

Agenda 21

Décio Luiz Gazzoni

Em 1992, a Conferência da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, realizada no Rio, elaborou a Agenda 21. Trata-se de uma declaração de princípios para o desenvolvimento sustentável, tentativa de por um fim no avanço da degradação ambiental, tornando possível a continuidade da vida no planeta. A Agenda 21 define as mudanças necessárias para conduzir ao desenvolvimento sustentável. Cada país membro deve elaborar sua própria Agenda 21 a partir dos princípios acordados. Entende-se que sua adoção possa mudar os rumos do crescimento econômico global, hoje com um corte ambientalmente predatório e socialmente excludente. O mote da Agenda 21 é "pensar globalmente e agir localmente".

Pindorama
Durante anos o Brasil carregou o pejo de ser um país habitado por clones do "Cascão" (axé, meu irmão Mauricio de Souza!) até o mundo "descobrir" que 75% do emporcalhamento do mundo provém dos países ricos (25% só nos EUA). O Brasil dispõe de uma Política Nacional do Meio Ambiente, aprovada pela Lei nº 6.938, de 31/8/81. A Carta Magna de 1989 contempla amplamente as questões ambientais. A década de 90 foi marcada por um processo de regulamentação e de institucionalização visando intensificar a fiscalização e o controle das atividades degradadoras. O Governo também se preocupou em envolver e comprometer os empresários e a sociedade civil com o conceito de desenvolvimento sustentável. Como todo o processo que necessita romper um paradigma e vencer a inércia apesar dos resultados já colhidos pelas atitudes espontâneas de cada um dos setores, os resultados situam-se aquém das exigências.
  O conceito da Agenda
Trata-se de um dever de casa de cada país, um compromisso com seus cidadãos e com o mundo. A prestação de contas será efetuada para a História. A Agenda 21 propõe avaliar o presente, com reminiscências do passado, mas fundamentalmente foca na visão de futuro. Interpretá-la como um documento ou uma atividade governamental é um equívoco sério. Melhor é entendê-la como um espaço permanente de discussão e proposituras, com a visão de todos os segmentos sobre os problemas ambientais, econômicos e sociais do país, evoluindo para propostas concretas de desenvolvimento sustentável, com metas factíveis e cronograma de implantação. No umbral do novo século, a Agenda 21 pode ser o símbolo do que será o encaminhamento das soluções coletivas, um novo conceito de governança. Sem fugir do paradigma de uma democracia representativa, os estamentos sociais participam da elaboração de políticas públicas em setores cruciais, que afetam a sociedade como um todo, imiscuindo-se do diagnóstico à avaliação, passando pelo planejamento e execução.

O novo paradigma
Internalizado o conceito, verifica-se que a Agenda 21 é um modelo para a evolução a uma democracia participativa. A ferramenta será particularmente útil para a atuação da sociedade nos setores em que é impossível solucionar o problema sem o envolvimento e o comprometimento global. No caso, não há como construir o desenvolvimento sustentável sem a participação de todos. Uma vez elaborada, torna-se uma ferramenta decisória, revestida de ampla legitimidade. Não compete às autoridades questioná-la, mas sim entendê-la como uma delegação restrita, um plano de vôo a ser cumprido. O Governo tem uma missão importante, que é a de articular as forças vivas e coordenar o processo, para que o rumo traçado seja seguido, inclusive incitando as reavaliações de meio termo, para validação e reafirmação dos compromissos.
  O papel social
Assim como o Governo precisa entender que seu papel se modifica, cedendo parcela do Poder decisório e de formulação de políticas, embora mantendo o poder formal de apor força de Lei às decisões, a sociedade como um todo também precisa entender a nova moldura e seu rol no esforço global. A atitude deve ser pró-ativa, oferecendo-se mais que sendo demandado. A postura crítica precisa, necessariamente, ser construtiva, obliterando o costume secular de criticar, de forma cômoda, exigindo dos outros – do Governo em especial – o cumprimento das ações. Este é o espaço que deve ser ocupado pela sociedade organizada, ONGs, clubes, associações, cooperativas, sindicatos, escolas e pelos próprios cidadãos de forma individual. Quando o cerne do futuro do planeta está em jogo – o desenvolvimento sustentável – não é possível dispersar energias, o nome do jogo é cooperação e solidariedade.

ALCA, ameaça ou oportunidade?

Décio Luiz Gazzoni

Em plebiscito realizado em setembro de 2002, dez milhões de brasileiros rejeitaram a participação do Brasil na ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), um acordo que abrange 34 países das Américas (exceto Cuba). O motivo da rejeição foi a percepção da população de que o Acordo compreende um conjunto de ameaças que sobrepuja as oportunidades. Contribuem para a percepção causas remotas, como os erros que cometemos nas negociações para a formação do Mercosul e para a criação da OMC; a crônica insistência dos países ricos em impor, unilateralmente, condições que lhes são amplamente favoráveis; e causas recentes como o acirramento do protecionismo norte-americano durante o Governo Bush; a edição da Farm Bill, uma antítese dos conceitos de livre mercado; e a proposta do Fast Track, aprovado pelo Congresso dos EUA. O Fast Track torna quase impossível uma negociação justa, ao impor enormes restrições à abertura do mercado americano a produtos estrangeiros, ao tempo em que ameaça com sanções os parceiros comerciais que tomarem a mesma atitude. Porém, há um fato do qual não há como escapar: o Governo Brasileiro terá que sentar-se à mesa de negociações. Espera-se que a atitude dos nossos governantes, estrategistas e negociadores reflita o desejo do povo brasileiro: justiça e equidade comercial.   Os antecedentes
Em dezembro de 1994, os Chefes de Estado e de Governo dos 34 países reunidos em Miami (Reunião de Cúpula das Américas), firmaram o Pacto para o Desenvolvimento e a Prosperidade: Democracia, Livre Comércio e Desenvolvimento Sustentável nas Américas. Esse documento de (supostas boas) intenções abrange os seguintes tópicos: preservação e fortalecimento da comunidade de democracias das Américas; promoção da prosperidade mediante a integração econômica e o livre comércio; erradicação da pobreza e da discriminação no nosso Hemisfério; e garantia de desenvolvimento sustentável e conservação do nosso meio natural para as futuras gerações. Na oportunidade, decidiu-se criar ALCA, na qual serão eliminadas progressivamente as barreiras ao comércio e ao investimento, cujas negociações serão concluídas até o ano 2005, com compromisso de implantação efetiva do Acordo no mesmo ano. Após a Cúpula de Miami houve mais seis reuniões para o avanço das negociações, conduzidas através de grupos setoriais.

 

 

As negociações
No encerramento da 6ª. Reunião Ministerial (Buenos Aires) e da 3ª. Cúpula (Quebec), os Grupos de Negociação apresentaram a Minuta de Acordo da ALCA. Na realidade, trata-se de um texto extremamente preliminar, em que um "esqueleto" de capítulos contempla divergências conceituais, factuais e de forma na abordagem de cada um dos temas que é objeto do futuro Acordo. Trata-se de uma técnica de negociação em que o texto fixa os pontos acordados e mantém entre colchetes os controversos, buscando, através de rodadas sucessivas de negociação, um consenso para a elaboração de um texto aceitável por todas as partes. O estado atual da minuta do acordo pode ser visualizado em www.ftaa-alca.org/ftaadraft/por/draft_p.asp. Para o agronegócio brasileiro, praticamente todos os temas tratados são relevantes, posto que é onde se concentram as principais vantagens comparativas e competitivas da economia brasileira e onde estão as melhores perspectivas e oportunidades. Como em toda a negociação bilateral ou multilateral, alguns setores são mais prejudicados, outros mais beneficiados, razão pela qual são incluídas cláusulas de salvaguarda ou compensatórias na busca de um equilíbrio entre as partes. Por definição, essas cláusulas deveriam proteger os países mais fracos em suas relações com os mais fortes.

 

 

 

  O desequilíbrio
Grosso modo, as queixas do setor empresarial, do agronegócio ou de outros setores, fazem coro com a percepção empírica da população que votou contra a negociação da ALCA. Recente estudo da FIESP mostrou que, imediatamente após a entrada em vigor do Acordo, a balança comercial brasileira passaria a registrar déficits superiores a US$ 1 bilhão. Na realidade, apenas um segmento minoritário da população se posicionaria contrariamente ao conceito de liberalização comercial. O busílis da questão concentra-se no desequilíbrio entre as partes negociantes. Tome-se como ícone o bordão do Ministro da Agricultura que sempre reafirma: "...sem negociar a agricultura, não haverá ALCA!". Com isso ele quer tornar transparente a necessidade de equidade de tratamento. Não basta negociar taxas alfandegárias e outros dispositivos fiscais, tornando-os harmônicos entre todos os países. Será necessário resolver questões cruciais como o volume enorme de subsídios concedidos à produção e à exportação de produtos agrícolas norte-americanos, as sobretaxas, cotas e outras barreiras para-fiscais. A Farm Bill, em vigor a partir de 1/9/2002, tem vigência de oito anos. Estarão os EUA dispostos a derrogá-la, para equalizar os benefícios concedidos pelos outros 33 países ao agronegócio? Considere-se, também, a diferença de desenvolvimento, de solidez econômica, de poderio bélico, de persuasão, de capacidade negocial, de volume de recursos à disposição dos negociadores, a capacidade de implementar medidas negociadas e cobrar das outras partes a sua implementação, que é flagrantemente superior nos EUA e no Canadá, comparativamente aos demais constituintes da ALCA. Portanto, o desafio do próximo presidente da República e da iniciativa privada será o de conseguir o que pareceu impossível a 10 milhões de brasileiros: um acordo justo, equilibrado, com oportunidades iguais para todos.

As ameaças

As ameaças decorrentes da implementação de acordo da ALCA estão focalizadas nos EUA e na enorme disparidade de condições de competição comercial em relação aos demais parceiros (exceto o Canadá). Para a quase totalidade dos produtos ou serviços que serão objeto de transação comercial, a competitividade natural americana é desproporcional àquela de qualquer um dos demais países. E, para os produtos onde a vantagem comercial se desloca para outros países, os EUA não abrem mão do protecionismo e das salvaguardas de seus produtores, restringindo seu mercado interno.

Uma vez firmado o acordo, os signatários se obrigam a respeitar todas as suas cláusulas, incluindo reconhecimento de patentes, propriedade intelectual, remessa de juros e lucros, entre outras, em um ambiente de redução de alíquotas de importação, o que materializa a ameaça vislumbrada por empresários e pela população em geral.

 

No entanto, os mesmos países que impõem aos demais as regras que lhe favorecem, são aqueles que as descumprem. Basta lembrar a "cláusula de paz" do Acordo da OMC, que permitia a países ricos reduzirem paulatinamente seus subsídios agrícolas, ao longo de décadas, enquanto as demais cláusulas tinham cronograma de implantação de curto prazo. Ao invés de redução, o que se observou na prática foi um acirramento do protecionismo dos países ricos, sendo a Farm Bill um ícone do desrespeito ao Acordo de Marrakesh.

Traduzindo a ameaça em números, verifica-se que o agronegócio brasileiro exporta, anualmente, US$ 24 bilhões. Desse total, apenas US$ 1,5 bilhões se destinam aos EUA (maior economia do planeta) e US$ 150 milhões ao Canadá. Este fato deve-se exclusivamente ao protecionismo destes países, representado por picos tarifários e escalada tarifária e medidas protecionistas não tarifárias. Sem eliminar o protecionismo, que se afigura jurássico frente à proposta de livre comércio, não há como imaginar um acordo justo para a ALCA.

Oportunidades

É difícil vislumbrar outro cenário para o futuro previsível que não tenha como pano de fundo a liberalização comercial. Teoricamente, uma vez implementadas as facilidades comerciais, haveria benefícios para todas as partes. Posta uma solução satisfatória para os desbalanços citados anteriormente, o agronegócio brasileiro teria muito a se beneficiar com a implementação da ALCA. Dispomos de fatores de produção em abundância para ampliar nossa capacidade produtiva, ao tempo em que teríamos facilidade de acesso a um mercado de centenas de milhões de consumidores, englobando um PIB superior a US$ 10 trilhões. O Brasil, através de seu agronegócio, poderia dar início a um novo ciclo de prosperidade, solvendo problemas cruciais de desenvolvimento, emprego, renda global e sua distribuição, aporte de recursos tributários para programas sociais e de proteção ao meio ambiente. Escorado no mercado, haveria espaço para um salto qualitativo nos diferentes segmentos do agronegócio, focado na qualidade e na agregação de valor.   Na qualidade, porque exigência dos consumidores, traduzida nos Acordo através de cláusulas que contemplam sanidade agropecuária, inocuidade, classificação de produtos, certificação e rastreabilidade, atendimento a nichos mercadológicos, entre outros. Já a agregação de valor é uma tendência clara dos mercados para o futuro próximo. Uma das principais barreiras à colocação de produtos de valor agregado em mercados de terceiros países reside na disputa de cada um por agregar valor em seu território. Isso ocorre, por exemplo, com o café ou a soja do Brasil, cujas alíquotas de importação crescem desproporcionalmente ao valor agregado em nosso território, compelindo-nos a concentrar as exportações na matéria prima. Um acordo justo deve prever a eliminação dessa forma de protecionismo, ou barreira comercial, permitindo que os países produtores da matéria prima possam se beneficiar da etapa seguinte na escala agro-industrial, como forma de promover um desenvolvimento harmônico.

 

Estratégia

O futuro presidente do Brasil deverá referendar a posição já manifestada pelo atual Governo de perseguir um acordo justo para a ALCA. Não podem constar da agenda atitudes como ceder a pressões ou efetuar concessões que comprometam o futuro do país. A iniciativa privada, que será a primeira linha do front comercial a ser afetada, deve participar intensamente das discussões, da formulação das políticas, das estratégias e das negociações. A população, através das entidades civis, associações, ONGs e similares deve debater em profundidade a questão, livre de passionalismos, enfocando a questão central: o acordo é justo para todas as partes?   Um acordo de livre comércio para as Américas tem um potencial enorme para beneficiar todos os países envolvidos, no médio e no longo prazo, e nossa geração não pode passar para a História como aquela que abortou o futuro. Por outro lado, não poderemos carregar a pecha de haver comprometido esse mesmo futuro, através de uma negociação desequilibrada, que privilegiou quem estava melhor posicionado, em detrimento de países menos aquinhoados, acirrando as desigualdades regionais, na contra-mão do conceito que norteou a propositura da ALCA.

 

 

Carta ao Presidente

Décio Luiz Gazzoni

Brasil, dezembro de 2002.

Exmo. Sr.
José Inácio Lula da Silva
DD. Presidente da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília – DF

Meu presidente

    Enquanto a Nação, respiração suspensa, aguarda ansiosa sua investidura como autoridade máxima do País, permitimo-nos submeter à vossa consideração um tema que concilia inúmeras oportunidades para o nosso Brasil. Referimo-nos à Agricultura de Energia, um segmento embrionário dos agronegócios, que crescerá a altas taxas durante seu mandato, ganhará importância transcendental no Governo de seu sucessor e será o componente hegemônico do agronegócio, quando nossos netos assumirem o leme do Brasil.

As oportunidades a que aludimos são:

1. Ambiental: A elevada participação de combustíveis fósseis na matriz energética é um dos maiores perigos à qualidade ambiental, amplificando o efeito estufa, provocando "chuvas ácidas" e poluindo a atmosfera com substâncias deletérias à saúde humana. Em não havendo uma intervenção a tempo e a hora, os cientistas prevêem uma seqüência catastrófica de mudanças climáticas, com conseqüências imprevisíveis;

2. Econômica: A geração de energia, a partir de fontes renováveis, será um dos mais importantes negócios do mundo, que superará em valor o complexo energético e químico baseado em carbono. O Brasil é o país com melhores condições para liderar a produção mundial de fontes renováveis de energia;

3. Comercial: Analistas estimam que a agricultura de energia será responsável pelo maior volume financeiro das transações do comércio internacional do agronegócio, até a metade deste século;

4. Social: Investindo na produção de biomassa haverá um aumento ponderável da renda nacional, com distribuição mais eqüitativa, geração de grande número de empregos, com baixo investimento, e ampliação da arrecadação tributária para aplicação em saúde, educação, habitação e segurança;

5. Tecnológica: O Brasil pode consolidar sua liderança em tecnologia para o agronegócio tropical, constituindo uma plataforma com poder de induzir inovações em outros setores de C & T; e

6. Estratégica: Ancorado em um agronegócio potente e com uma imagem positiva, associada à proteção ambiental, o Brasil magnificará seu peso específico no concerto das Nações, que conferirá à V. Excia. um poder de negociação potencializado em relação ao nosso passado recente.

Matriz energética anacrônica
    Senhor Presidente, entendemos que, no decurso do horizonte temporal previsível, o agronegócio estruturar-se-á em quatro macro-segmentos: alimentação e fibras, biomassa, plantas ornamentais e nichos especializados. A biomassa será a base da energia renovável. Especialistas antevêem que esse segmento movimentará o maior volume de recursos das transações agrícolas internacionais, a partir de 2050.

    Somos cônscios do quanto preocupa V. Excia. a finitude das principais fontes de energia, como petróleo (35%), carvão (23%) e gás natural (21%), que se esgotarão neste século. Posta a escassez e a extração mais complexa, os preços dispararão. A principal região produtora de petróleo é politicamente instável. Com sua visão da geopolítica, V. Excia. vislumbra a temeridade de o abastecimento de energia, e de matéria prima para a indústria química, depender dos humores do Oriente Médio. A solução será a progressiva incorporação de energia renovável, investindo na eficiência da produção, do transporte, da conversão e do consumo de energia. Paralelamente, deve-se inculcar nos usuários uma cultura radical de poupança de energia.

Pressão social
    Entrementes, com sua sensibilidade política, V. Excia. vislumbra que a maior pressão da sociedade, para a mudança da matriz energética, provém da poluição atmosférica causada por combustíveis fósseis. Estes são a principal fonte de emissão de gases que acentuam o efeito estufa e provocam "chuvas ácidas". Portanto, antes que os poços sequem ou o preço dispare, a sociedade global exigirá de suas lideranças a abdução das causas do Aquecimento Global, para prevenir suas desastrosas conseqüências.

    V. Excia. sabe que o consumo atual de energia no mundo é estimado em 400 EJ/ano (400 x 1018 J) e, para 2.100, antecipa-se uma demanda de 2.700 EJ. Até lá, seria necessário seqüestrar 1,5 trilhões de toneladas de CO2 para estabilizar sua concentração na atmosfera. Alternativamente, evita-se sua descarga substituindo energia fóssil por verde. Os países ricos consomem 75% da energia fóssil. Os EUA respondem por 25% da poluição atmosférica mundial, devido ao intenso uso de energia fóssil e ao atraso tecnológico de suas principais plantas industriais. Porém, países com alta densidade populacional e restrições energéticas, como a Indonésia, a China e a Índia, serão grandes importadores de energia. Em 2018, a Índia necessitará de energia equivalente a 7 bilhões de barris de petróleo anuais, prevendo a importação de um terço desse volume.

Energia verde
   
As principais fontes de energia renovável - eólica, solar, hidroelétrica e biomassa - têm vantagens e restrições. Por exemplo, como converter, em larga escala, energia eólica no Hemisfério Norte, com vento inconstante, mormente noturno? Ou heliotérmica, com radiação solar de baixa intensidade e comprimento do dia de grande amplitude sazonal? Na impossibilidade de armazenar energia, em grande quantidade e por longo tempo, o ritmo de produção de eletricidade é determinado pela demanda de cada momento.

    Presidente, os países ricos têm uma restrição insuperável que é, justamente, nosso diferencial competitivo: a produção de biomassa exige uso contínuo de enormes extensões de terra, sem competir com a agricultura de alimentos.

    O comércio internacional de biomassa para a produção de energia renovável é denominado Biotrade. Para esse efeito, biomassa é um produto agrícola que possa ser convertido em energia, tal como cana-de-açúcar, florestas cultivadas, soja, dendê, girassol, colza, milho ou mandioca. Os restos de processamento como palha de arroz, lascas ou serragem de madeira e dejetos da criação animal, também são aproveitáveis.

Sustentabilidade
   
O valor energético da biomassa é alto e uma tonelada de matéria seca gera 19 GJ, quando utilizada para aquecimento. Atualmente, a cana pode produzir 980 GJ/ha e a mesma área de reflorestamento, em torno de 400 GJ. Porém, inovações tecnológicas que emanarão da cornucópia tecnológica da Embrapa e de outras instituições devem dobrar esses índices, no médio prazo. O balanço energético, e a sustentabilidade da produção serão as variáveis diretrizes da agricultura energética, facilmente atingíveis com investimentos inteligentes em nossas instituições de pesquisa.

    A cana-de-açúcar é um bom exemplo do potencial brasileiro. Se, hipoteticamente, o Brasil cultivasse cana em metade da terra arável não utilizada atualmente (cerca de 50 milhões de ha), produziria 16,5 EJ de energia a partir do álcool e 25 EJ (35 EWh/ano) de energia elétrica a cada ano, equivalendo a 23 milhões de barris de petróleo (Mboe), representando 10% da demanda mundial de energia.

Oportunidades latentes
    Em seu périplo pelo Brasil, V. Excia consolidou a certeza de que nosso país possui potencial para dominar os três ramos do mercado de biomassa: produtos florestais (lenha e briquetes); combustíveis líquidos (biodiesel, etanol e metanol); e energia elétrica (queima de resíduos e dejetos). Podemos fazê-lo conciliando produção com preservação ambiental, distante dos santuários ecológicos como a Amazônia ou o Pantanal. Serão beneficiadas culturas de alto teor de carboidratos (cana-de-açúcar, milho, mandioca), oleaginosas (soja, colza, palmáceas) e essências florestais (eucalipto, pinus).

    A tecnologia do álcool combustível made in Brazil está dominada e aceita pelos consumidores. O biodiesel conquista espaço crescente nos mercados americano e germânico, inclusive utilizando o poder de compra do Governo, para acelerar sua adoção. Seu desempenho e balanço energético equivalem-se ao petrodiesel, porém não emite gases sulfurosos, de alto potencial poluidor. Os novos veículos, equipados com sensores eletrônicos, que otimizam a regulagem do motor para operar em qualquer proporção da mistura álcool e gasolina (0:100 a 100:0), ou que combinam o uso de energia elétrica com combustíveis líquidos, darão o impulso definitivo ao mercado de novos combustíveis.

Química e Farmácia
    Há mais oportunidades, Senhor Presidente. A agricultura de energia será a base da indústria química e farmacológica do porvir. Cultivando espécies já disponíveis, ou com o auxílio da biotecnologia, poderemos investir nas biofábricas. Será possível produzir moléculas orgânicas complexas ou elementos simples como carbono, hidrogênio e nitrogênio, em grande quantidade e baixo custo. Este arsenal constituirá a matéria prima para monômeros, polímeros, plásticos, tintas, medicamentos, perfumes, agrotóxicos e um amplo leque de produtos consumidos pela sociedade moderna, hoje dependentes do petróleo.

    O Biotrade incluirá produtos primários (florestais), de alto valor energético (álcool, biodiesel ou carvão vegetal) e eletricidade. A biomassa também será fonte de hidrogênio para células de combustível, que são micro-usinas de geração de energia elétrica baseadas em reações químicas. Assemelham-se a baterias, possuindo dois pólos externos e contêm, internamente, um eletrólito que efetua o transporte de elétrons entre os eletrodos. As células de combustível se encontram na fronteira da ciência, na área de geração de energia, sendo uma das maiores esperanças de revolução na matriz energética, no curto prazo.

Créditos de carbono

    Enquanto o Biotrade se estrutura, o Brasil pode beneficiar-se do mercado internacional de carbono, criado pelo Protocolo de Kyoto, que postula a redução das emissões em 5,2% em relação a 1990 (700 milhões ton/ano de CO2). Como é do conhecimento de V. Excia., as indústrias dos países ricos adquirem o "direito de poluir", através de certificados de crédito de carbono. Assim, nossas industrias podem incrementar o uso de energia verde, ou nossos agricultores podem implantar projetos agrícolas que, comprovadamente, fixem (seqüestrem) gás carbônico atmosférico, utilizando recursos financeiros dos certificados.

Arregaçar as mangas
    A História lhe reservou, senhor Presidente, uma missão de estadista. Embora o Brasil disponha de vantagens comparativas superiores às de outros países - grande disponibilidade de terra não utilizada, disponibilidade de mão de obra, diferenciação climática, diversidade de espécies vegetais e de tecnologia de cultivo e processamento de biomassa - haverá uma renhida disputa por espaço no Biotrade. Esta acirrar-se-á conforme o negócio "agricultura de energia" tornar-se mais remunerador e mais estratégico. O paradigma protecionista da agricultura de alimentos deve repetir-se na produção de biomassa, sendo o maior empecilho para os países emergentes.

    Senhor Presidente, o Brasil é um dos raros países do mundo aquinhoado pelo Criador com a potencialidade de poder usufruir as principais fontes de energia renovável. Entendemos que, no contexto da estratégia para transformar as oportunidades latentes em qualidade de vida para nosso povo, o Brasil deve fornecer o exemplo e elaborar um plano estratégico para migrar sua matriz energética para fontes renováveis, contemplando um horizonte de 30 anos.

    Como político de larga visão de futuro, V. Excia. intui que, assim agindo, o Brasil demonstrará convicção no modelo de re-engenharia da matriz energética, antecipando o inexorável. Sua implementação atuará como uma mudança portadora de futuro e tornará vulneráveis as resistências à transição. Ademais, constituir-se-á em poderoso instrumento mercadológico, por eliminar incertezas.

    Um modelo baseado em energia verde criará um mercado interno fabuloso, conferindo escala a todo o setor primário da economia nacional, amortizando investimentos e custos fixos em curto prazo, tornando imbatível nossa competitividade internacional. O novo modelo energético deve diferenciar aglomerados urbanos e zonas rurais, que podem utilizar tecnologias diferenciadas e mais apropriadas a cada segmento.

Projeto nacional
    Senhor Presidente, essa é uma tarefa complexa, trabalhosa e absorvente. Tão abrangente, que não pode ser uma missão exclusiva de Governo, porém deve constituir-se em um compromisso inter pares. V. Excia. detém a condição de articular as forças vivas da Nação, empresários e organizações setoriais (produtores, cooperativas, sindicatos, associações, investidores) em torno da proposta.

    Data maxima venia, ousamos sugerir que seja criada a Bio-energia, uma Organização Não Governamental destinada a conferir o suporte estratégico ao Biotrade. Esta ONG deve organizar estudos, consolidar informações, traçar cenários, constituir bancos de dados, elaborar estratégias de negociação, dimensionar mercados, financiar o desenvolvimento tecnológico, orientar políticas públicas, entre outras ações. A atuação deve ocorrer em parceria com as instituições brasileiras de C & T e articulada com os diferentes estamentos governamentais.

    Sem uma forte ação pró-ativa e uma visão de futuro focada na oportunidade, perderemos anos preciosos, cederemos espaço estratégico para concorrentes e permitiremos que dezenas de bilhões de dólares, auferidos com a produção de biomassa, fluam para os concorrentes.

    Senhor Presidente, agradecemos, penhoradamente, a atenção que nos dispensou, como agradecemos a Deus por haver concedido ao Brasil mais esta oportunidade para traçar seu destino e realizar sua vocação agrícola, tornando-o consentâneo com a visão que V. Excia tem de um Brasil melhor para o seu povo.

A tragédia humana

Décio Luiz Gazzoni

800 milhões de famintos

170 milhões de crianças mal nutridas

20 milhões de crianças vão a óbito, anualmente, por desnutrição

Em 1996, a FAO realizou em Roma o World Food Summit, para organizar uma rede de solidariedade global visando reduzir pela metade o número de famélicos do mundo, até o ano de 2015. A cada ano, 22 milhões de cidadãos do mundo deveriam ser resgatados da indignidade de não ter o que comer. Agora, em 2002, ocorreu em Roma a reunião Ministerial, que congregou Ministros de Agricultura, para avaliar o cumprimento das metas da reunião de 1996 e propor novos caminhos para reduzir a tragédia humana da fome. No lapso de tempo entre as duas reuniões, apenas 6 milhões de pessoas, a cada ano, melhoraram o seu status alimentar. Cada país que havia se comprometido com as metas globais teve a liberdade de adotar as políticas que julgasse mais adequadas, efetuar a alocação orçamentária e definir a intensidade das ações para o atingimento das metas. Entretanto, a análise das medidas adotadas demonstrou que, em geral, a preocupação com segurança alimentar nunca esteve entre os itens prioritários da agenda de cada país.   Desafio
O World Food Summit idealiza a "a construção de um mundo onde cada pessoa tenha acesso à alimentação suficiente para manter uma vida saudável e produtiva, onde não haja desnutrição, e onde a comida seja originária de sistemas agrícolas eficientes, efetivos, de baixo custo, e que sejam compatíveis com o uso sustentável de recursos naturais". As vantagens de um mundo com este contorno são óbvias não apenas para os desfavorecidos, que terão – talvez pela primeira vez na vida – uma oportunidade de viver com dignidade. A população mais aquinhoada também será beneficiada pela eliminação dos riscos de conflitos por recursos escassos, pela menor necessidade de programas emergenciais para casos extremos de fome, por uma economia planetária mais estável, pela redução dos fluxos migratórios forçados pela pobreza e pela menor degradação ambiental.

 

 

Compromisso
Embora a meta pareça difícil de ser atingida, diversos países apresentaram avanços ponderáveis, como Brasil, Costa Rica, Egito, Gana e Tailândia, entre outros. Desde 1970, o número de famélicos nos países sub-desenvolvidos foi reduzido em 17%. Retrocedendo na escala do tempo, a visão da China durante os anos 50 era de um caso perdido. Entretanto, entre 1990 e 97 a China reduziu o seu contingente de pessoas mal nutridas em 80 milhões, metade da população do Brasil. Esses casos, embora isolados, mostram que a meta, projetada para o médio prazo, é exeqüível se houver um compromisso firme com a erradicação da fome no mundo. Para tanto é necessário um renovar do esforço conjugado para desenhar e implementar novas políticas nessa direção. A análise efetuada nos estudos preparatórios para a reunião Ministerial mostrou que, com as atuais políticas, a meta projetada para 2015 seria atingida apenas em 2050. Mostrou ainda: em 2020, teremos 130 milhões de crianças sofrendo de sub-nutrição! Parcela ponderável destas crianças morrerá e os sobreviventes jamais reunirão condições para competir em um ambiente cada vez mais exigente.
  Solidariedade
Sem uma verdadeira cruzada contra as diferenças sociais que vigem no mundo, não há solução para o problema da fome. Cada país do grupo onde se concentram os maiores índices de pobreza, tem seus próprios problemas, porém o traço comum tem sido sua incapacidade em solvê-los no curto prazo. Será necessário levar muito a sério as propostas levantadas durante a reunião patrocinada pela FAO, para organizar uma ação solidária de combate à fome, a vergonha do III Milênio. Em suma, o destino da Humanidade está em suas próprias mãos. Cabe à nossa geração decidir se deseja ser lembrada como aquela que resgatou o sentimento de solidariedade e devolveu esperança aos desvalidos, ou se foi a geração onde a preocupação dominante foi com a máquina de guerra, com a acumulação de capital e riqueza, com a injustiça comercial, com o imediatismo e com a degradação das condições de vida no planeta. Aos países ricos, cabe mexer a próxima pedra no tabuleiro. Aos países emergentes, cabe produzir alimentos para saciar a fome dos 800 milhões de inocentes, que aguardam a decisão que os fará permanecer ou sair do corredor da morte, condenados pelo crime de não ser cidadão americano, japonês ou europeu.

Competividade natural

Décio Luiz Gazzoni

Nem tudo é farinha do mesmo saco, nem os agricultores americanos. Alguns rezam pela bíblia da acomodação e do protecionismo, sobrevivendo nos negócios sob a saia da mãe. Ou melhor, mamando nas gordas tetas do Departamento do Tesouro da maior potencia econômica do mundo. Já outros não recebem subsídios, porque não precisam. É o caso dos agricultores da Califórnia, dedicados à fruticultura e a outras atividades de maior valor intrínseco, ou de alto valor agregado. E de empresários que entendem que o negócio somente é sustentável com competitividade natural. Esses agricultores estão procurando alternativas, porque sabem que será impossível conviver com esquemas protecionistas ad aeternum.

 

 

 

  Um mercado em mutação
O foco da discussão são as vantagens comparativas de longo prazo. É interessante perscrutar quem poderá apropriar-se com maior competência da expansão do mercado de soja, estimada em 50% até 2020. Estima-se a necessidade de produzir 100 milhões de toneladas adicionais para abastecer um mercado ávido pelas suas multi-funcionalidades. Além do óleo comestível e da proteína para a formulação de alimentos ou de ração animal, os cientistas desenvolvem continuamente novos usos para a soja, de combustíveis líquidos como o biodiesel, gasolina de aviação, solventes e outros derivados, passando por tintas e outros usos industriais. A faceta mais excitante fica por conta dos usos da soja em química fina e na farmacologia. Alimentos funcionais, nutracêuticos e outras substâncias com propriedades terapêuticas estão se constituindo em um mercado sofisticado e de alto valor agregado.
  As tendências
O modelo protecionista, que fornece oxigênio para manter a sobrevida da outrora competitiva sojicultura dos EUA, não é sustentável, de acordo com onze entre dez analistas americanos de mercado. O subsídio para suportar a ineficiência atual dos produtores de soja dos EUA terá demanda cada vez maior e se revelará impotente para impedir que outros países, com vantagens comparativas naturais, abocanhem parcelas expressivas do mercado. Prova disto foi a última safra americana, com redução de 1,5% na área, apesar da ausência de riscos. O detalhe importante é que a redução ocorre após a orgia de subsídios promovida pela Farm Bill, que garante preço remunerador ao produtor americano, descolado do preço de mercado. Considerando que, em 2003, o mercado de soja deve crescer entre 3% a 5%, há um espaço para ampliação de 5% na produção brasileira da próxima safra.

Um novo eldorado
Esse incremento significa mais 4-5 milhões de toneladas de soja, que podem ser apropriadas pelo Brasil, por possuir a melhor condição natural de produção. Ao menos é o que entendem produtores-empresários americanos, assim como fundos de investimentos daquele país. E não se trata de discurso, mas de prática, pois esses empresários estão vendendo suas terras em Iowa (1 ha = R$16.000,00) e comprando área a desbravar no Centro Oeste brasileiro (1 ha = R$400,00). Já existem cerca de 50 grandes grupos americanos cultivando soja no Brasil, ou em vias de fazê-lo na próxima safra. No total, fontes do mercado estimam que poderemos ter, em 2003, mais de 500.000 ha de soja de propriedade de americanos. E com tendência a expandir-se nos próximos anos, pois além do alto custo da terra nos EUA, outros componentes do custo de produção americano são mais elevados que no Brasil. Além disso, a expansão da área de soja teria que ocorrer à custa do milho, um produto estratégico para os gringos.
  Visão de futuro
Esse movimento, ainda incipiente, se consolidará nos próximos anos. Em minha opinião, não será surpresa se, em 2020, o Brasil colher o equivalente à produção mundial de soja de 2002. Com um detalhe: contaremos com a ajuda de investidores americanos que entenderam que o livre mercado e a competitividade natural devem prevalecer sobre artifícios protecionistas, os quais apenas protelam o desfecho final - jogando um pesado ônus nos ombros da sociedade que o paga - e um custo ainda maior nos países concorrentes. Ë sempre bom lembrar, aos desavisados e despreparados, que defendem combater subsídio com subsídio, que o protecionismo é o responsável pela derrubada do preço das commodities, diminuindo a renda e o emprego nos países agrícolas, aumentando a sua pobreza, a injustiça social e inibindo o seu desenvolvimento.

 

 

Respeito aos contratos

Décio Luiz Gazzoni

Na carta aos brasileiros (http://www.lula.org.br/assets/carta_ao_povo_brasileiro.pdf), de 22/6/2002, Lula firmou um contrato com o povo: "...o caminho da reforma tributária, que desonere a produção. Da reforma agrária que assegure a paz no campo. Da redução de nossas carências energéticas e de nosso déficit habitacional. Da reforma previdenciária, da reforma trabalhista e de programas prioritários contra a fome e a insegurança pública." Ou então "...Quero agora reafirmar esse compromisso histórico com o combate à inflação, mas acompanhado do crescimento, da geração de empregos e da distribuição de renda". Respeito aos contratos passou a ser um bordão da campanha que rivalizou com "Lulinha Paz e Amor" (Axé, Duda Mendonça!).

Palavra de honra
Palavra de rei não volta atrás. É importante reler os compromissos de Lula: "...Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos. Vamos ordenar as contas públicas e mantê-las sob controle. As mudanças que forem necessárias serão feitas democraticamente, dentro dos marcos institucionais." E o compromisso solene:
 "Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país". Portanto, não é justo o comportamento hipócrita de agentes econômicos em geral, do setor financeiro em especial. Estrelas na lapela do paletó, são "companheiros do PT desde sempre". Nos bastidores reajustam preços, elevam tarifas, spreads, juros, taxas, repassam custos, rebaixam "ratings". Em nome de uma expectativa negativa em relação ao risco futuro de seus negócios.

Agressão ao Brasil
Prevenir-se contra eventuais medidas futuras, mais que uma desconfiança em Lula, é uma agressão à Nação que o elegeu. Ele pode não ser o presidente sonhado pelos executivos neo-estrelados, porém merece respeito, como merece um crédito de confiança o compromisso assumido no programa de Governo e selado nas urnas. A carta acima é o seu "resumo executivo" - expressão do agrado dos que estão alimentando uma inflação de expectativas. O fazem para proteger o seu negócio, massacrando ainda mais o assalariado, o sem-salário e os demais excluídos, que se constituem no foco da política proposta pelo futuro governo.

 

 

 

 

 

  Recíproca
Além do crédito de confiança faltam atitudes de solidariedade e entendimento. Governadores e prefeitos querem romper os contratos firmados para pagamento de suas dívidas, exigindo paternalismo federal. O MST foi além, fazendo chantagem: Ou bem o futuro Governo cumpre suas exigências – que não coincidem com o Programa de Governo, ou com o entendimento da sociedade – ou ameaçam pulverizar os contratos sociais de respeito ao patrimônio e à integridade física de produtores rurais. Acenam com a invasão de uma propriedade do futuro presidente, como invadiram a do atual presidente. É necessário que todos nós, que seremos governados por Lula pelos próximos 4 anos, entendamos que o cumprimento de contratos é via de mão dupla. Devemos exigir – sem concessões – o cumprimento de contratos e do programa de Governo de Lula. Mas devemos fazer nossa parte, cumprindo e exigindo o respeito aos contratos formais e informais, escritos, registrados em cartório, ou que fazem parte dos nossos usos e costumes. É assim que garantiremos um Brasil melhor à próxima geração.

Respeito aos contratos

Falta a recíproca ao respeito aos contratos. Respeito aos custos reais, respeito às leis da economia, respeito à capacidade de compra do brasileiro, respeito à nossa inteligência. Quando Lula subscreveu a Carta ao Povo Brasileiro, o fez usando o termo contrato lato sensu. Não apenas o contrato com o FMI, o BID ou o BIRD, mas o contrato de abertura de conta corrente ou de poupança no banco, de pagamento dos títulos públicos, os trabalhistas. Exemplificando, os dirigentes das Unidades da Embrapa são escolhidos por concurso público, transparente, buscando os melhores talentos do mercado.   Na Embrapa todos acreditamos, piamente, que o novo Presidente cumprirá, integralmente, os contratos assinados entre a Empresa - em nome do Governo - e os cidadãos aprovados na seleção pública. Assim como a Embrapa continuará cumprindo o contrato social de atender as demandas prioritárias da sociedade brasileira. E o contrato de viabilizar as políticas públicas, como o Programa Fome Zero. Aliás, Senhor Presidente, olhe com muito carinho para a sistemática de preenchimento de cargos na Embrapa, muito à frente do nosso tempo, e capilarize-a por todo o seu futuro Governo.

Biodiesel

Décio Luiz Gazzoni

Assim como o sol brilha de dia e a lua de noite, dia virá em que não existirá mais petróleo. A Humanidade tem dificuldade para lidar com desastres anunciados, por mais evidentes que sejam. Chegamos perto do desastre com as crises do petróleo dos anos 70, o que impulsionou o Pró-álcool. Porém, o preço do petróleo baixou e o do açúcar subiu, e a auto-suficiência petrolífera liquefez-se qual sonho de noite de verão. Deixou em sua esteira uma fiada de carros a álcool micados e consumidores desconfiados. Agora, ganha força, em escala mundial, a utilização de biodiesel - obtido de óleos vegetais - que permite substituir o petrodiesel.

 

 

  Estratégico
Energia infinita, barata e limpa é o legado que precisamos deixar aos nossos filhos e netos. O Brasil é dos poucos países que Deus abençoou e aquinhoou com riquezas naturais e vantagens comparativas. Elas nos conferem competitividade ímpar em um mundo cada vez mais ávido por energia. A qual é cada vez mais cara e difícil de produzir. A associação álcool e biodiesel colocaria o Brasil em uma posição extremamente confortável. Dissociaria a energia veicular das intempéries que circundam os negócios petrolíferos, e permitiria a formatação de uma indústria química avançada, baseada no dueto álcool e óleos vegetais. O Brasil detém tecnologia para alavancar uma substituição auto-sustentada dos dois combustíveis, com redução brutal no consumo de petróleo, sustando sua importação. Em decorrência, pode-se alterar o perfil de craqueamento das refinarias, direcionando o uso do petróleo para outras finalidades. Nas projeções futuras, além de suprir o mercado interno, o Brasil será líder do comércio internacional de biodiesel.

Usos
O biodiesel substitui o petrodiesel, sem necessidade de alteração nos motores. Adicionado ao petrodiesel, melhora a lubrificação e reduz a emissão de poluentes. Parcela ponderável da poluição causada pela queima de óleo diesel provém do enxofre. Por isso, diversos países do mundo estão impondo a eliminação do enxofre do óleo diesel. Ocorre que o enxofre é responsável pelo poder lubrificante do diesel, reduzindo o desgaste dos motores de combustão interna. Já o biodiesel possui alto poder lubrificante (muito superior ao diesel), sem o inconveniente poluidor. Tecnologicamente, é possível eliminar o enxofre no processo de refino, com posterior adição de biodiesel, para melhorar o poder lubrificante do óleo.

 

  Números
O único inconveniente do biodiesel é seu custo superior ao petrodiesel, devido à falta de escala atual. O que é relativo, pois os preços de bomba não refletem o custo de produção do petrodiesel. Mesmo com preço superior, o conjunto da economia e da preservação ambiental seria beneficiado com a oferta de um mix de petrodiesel e biodiesel. A partir de 5% de adição de biodiesel, há uma melhora sensível nas propriedades do diesel, com um incremento de custo estimado de 2,5%. Para uma mistura de 20% teríamos um aumento de preço na bomba que não superaria a 10%. Esses números são meramente ilustrativos, pois não consideram ganhos de escala na produção agrícola e no processamento industrial. Em especial se considerarmos o mercado potencial, totalmente aberto. A adição de 20% de biodiesel ao petrodiesel representaria uma demanda anual de 6,4 milhões de toneladas de óleo. Tomando a soja como exemplo, exigiria uma produção adicional de 32 milhões de toneladas por ano. Significa tanta renda e emprego que político algum ousou imaginar!

Política pública

O problema é menos tecnológico que de uma política pública. Foi a falta de uma política pública consentânea e persistente que levou o Pró-álcool ao descrédito. Não se trata simplesmente de adicionar biodiesel, ou substituir o petrodiesel. É necessário entender a revolução que ocorreria no campo, na indústria, no ambiente, na formação de renda, no nível de emprego, na oferta de alimentos e outros derivados de oleaginosas após a extração do óleo, no impacto no preço internacional, entre outros aspectos.   Países como os EUA prevêem a utilização de 10 bilhões de litros de biodiesel, nos próximos anos. Seu objetivo é reduzir a poluição do ar e a chuva ácida, causada pelos gases da combustão. Os norte-americanos também estimulam a reciclagem de óleo utilizado por cadeias de "fast food", dando uma destinação a um produto que, de outra forma, é altamente nocivo ao meio ambiente. Na Alemanha, apesar de a produção de oleaginosas ser anti-econômica, já existe uma rede de 1400 postos de serviço que vendem biodiesel. O próximo lance o tabuleiro é nosso.

 

 

 

Geneterapia

Décio Luiz Gazzoni

Controle genético da germinação precoce Controle hormonal das plantas Box 1 - Planta cabra macho sim senhor! Box 2 -  O óleo de Lorenzo Box 3 - Geneterapia na Medicina

 

Recentemente, tivemos a oportunidade de retornar à centenária estação experimental de Rothamsted, ao norte de Londres, paradigma da inovação tecnológica na agropecuária e berço dos inseticidas piretróides, de largo emprego nas plagas brasileiras.

Lá é possível visitar as "Broadbalk plots", um experimento que já dura 158 anos, delineado para estudar o efeito, no longo prazo, de diferentes sistemas de produção na estrutura e na fertilidade do solo e sobre a produtividade de diversas culturas.

 

  Algumas poucas horas investidas em conversas com seus cientistas valem por meses em bancos de universidade. Durante essa visita tivemos o privilégio de discutir dois estudos extremamente interessantes, conduzidos por pesquisadores da instituição: o controle da germinação precoce e o controle hormonal do desenvolvimento das plantas. Ambos abrem horizontes futuros no campo da genecologia, que podem redundar em benefícios para os produtores agrícolas.

 

  Seguramente o leitor já ouviu a expressão "geneterapia" para designar a mais nova ferramenta da medicina, a qual poderá salvar milhões de pacientes portadores de doenças de cunho genético, especialmente aquelas causadas por genes defeituosos. A geneterapia também permitirá corrigir rotas metabólicas deficientes, produção insuficiente de determinados hormônios ou enzimas, conferindo melhor qualidade de vida à população. Uma das deduções do diálogo em Rothamsted foi a possibilidade de aplicar o mesmo conceito na agropecuária. Vamos compartilhar essa conversa.

A genética da germinação

A germinação representa uma transição muito importante durante o ciclo de vida das plantas. Não há nada parecido na espécie humana que pudesse ser usado como exemplo porém, mal comparando, a germinação lembra o milagre do "nascimento" dos insetos quando as larvas eclodem dos ovos.

A planta Arabidopsis thaliana, tem sido tão útil para a biotecnologia quanto a ervilha o foi para o padre Gregor Mendel desenvolver as leis da genética. Estudos usando essa planta mostraram que a germinação é controlada por genes que têm o poder de ativar a germinação ou manter a dormência da semente.

 

  Pesquisas subseqüentes mostraram uma relação estreita entre esses genes e aqueles que controlam o metabolismo da semente, após a germinação. Os diferentes processos que levam à preservação das espécies mostram a diversidade de estratégias que o Criador desenvolveu para perpetuar Sua obra. Em espécies perenes, que vivem em mangues (especialmente dos gêneros Rhizophora e Avicennia), há uma semelhança com animais vivíparos, ou seja, o desenvolvimento da semente inicia ainda na planta-mãe e a queda no solo representa apenas mais uma etapa no processo germinativo. De forma antípoda, existem espécies em que a alta dormência das sementes faz com que as mesmas permaneçam anos no solo, sem germinar.

Germinação precoce

Nas plantas cultivadas, deflagrar precocemente o processo germinativo, especialmente antes da colheita, traz inúmeros inconvenientes. Esse problema é tão sério e abrangente, que é conhecido internacionalmente pela sigla PHS (pre-harvest sprouting). A germinação precoce inviabiliza a semente e reduz substancialmente a qualidade do grão.   Esmiuçar o controle genético da germinação em A. thaliana permitiu identificar mais de 30 genes envolvidos com o processo. Alguns promovem a síntese de hormônios, outros estão associados à emissão de sinais para hormônios específicos. Por exemplo, a giberelina é um potente ativador da germinação e os genes associados com sua síntese determinam o momento e a velocidade do processo germinativo.

O gene comatose

Os cientistas de Rothamsted descobriram um gene que pode desempenhar um papel chave no controle do início da germinação. O gene comatose, conhecido pela sigla CTS, foi identificado durante um estudo de mutações genéticas que reduziam o potencial germinativo de sementes. Verificou-se que o CTS é fundamental para a transição da dormência para a germinação. O gene é responsável pela síntese de uma proteína transportadora, a qual regula o metabolismo dos lipídios durante o processo germinativo.

 

 

  Antes de prosseguir, vamos abrir um parêntese: o gene CTS é muito parecido com o ALDP, um gene humano responsável pelo metabolismo dos ácidos graxos. Quando o ALDP sofre mutações, ocorre o acúmulo de ácidos graxos de cadeias longas, que danificam a mielina (membrana que recobre os nervos), gerando desordens neurológicas, deficiências de aprendizado, coma e morte. Um exemplo desta desordem foi mostrado no clássico filme "O óleo de Lorenzo", baseado em um fato real. No filme, a saga científica dos pais do garoto Lorenzo salva sua vida, ao descobrirem que a ingestão diária dos ácidos erúcico e oléico combate os sintomas da adrenoleucodistrofia – síndrome causada pelo gene defeituoso.

Passados 24 anos, Lorenzo ainda vive, embora com profundas seqüelas do período em que esteve doente, sem tratamento. Sua mãe, fumante inveterada, morreu de câncer nos pulmões. Quem sabe, algum dia teremos terapia genética para livrar fumantes do vício!. Parêntese fechado.

Um processo similar ocorre quando o gene CTS sofre uma mutação, pois as reservas da semente estão na forma de ácidos graxos de cadeia longa, que devem ser metabolizados para formas assimiláveis, necessárias aos processos bioquímicos da germinação. Na presença de uma disfunção do gene CTS, o tratamento com uma mistura de derivados dos ácidos graxos propiônico e butírico (de cadeia curta) permite que a germinação ocorra normalmente – uma espécie de óleo de Lorenzo para vegetais!   A expressão da proteína codificada pelo CTS aumenta imediatamente após a embebição de sementes de germinação normal, porém o fenômeno não se repete com sementes de alta dormência. Essa observação sugere que o CTS é regulado por outro(s) gene(s) diretamente ligado(s) à dormência, que funcionaria(m) como uma chave "liga/desliga" do CTS. Imediatamente vem a pergunta: é possível solucionar um problema prático dos agricultores, a partir dessas descobertas e da teoria derivada delas?

Desvendando o segredo

Normalmente, cada célula somática dos seres vivos possui duas cópias de cada cromossomo, por isso são chamados de diplóides. Algumas espécies possuem mais de duas cópias, como ocorre no trigo moderno (Triticum aestivum), hexaplóide, que possui seis cópias de cada cromossomo. Os agricultores ingleses reclamaram aos pesquisadores da alta incidência de germinação precoce do trigo, ainda na espiga. Esse distúrbio é muito parecido com o que ocorre no milho, quando seu código genético contém uma mutação do gene Vp-1, chamado de "mutante vivíparo". O gene normal ativa a maturação do embrião e, simultaneamente, refreia o processo germinativo.   Para entender o que ocorre no trigo, os pesquisadores estudaram cada uma das três cópias de genes similares ao Vp-1. Descobriram que cada cópia produz proteínas mensageiras de tamanho diferente. As mensageiras são proteínas que transmitem ordens para a manifestação de outros genes,. para regular a ação de hormônios ou enzimas, ou para deflagrar, parar, incrementar ou decrementar processos bioquímicos. Sem demérito, podemos chamá-las de "office boys moleculares".

 

 

"Corrupção" do DNA

Como resultado desse defeito genético no trigo, pode ocorrer uma antecipação do processo germinativo, inclusive na espiga da planta mãe, se houver condições para deflagrá-lo. A explicação dos cientistas, após comparar o DNA de genótipos de trigo antigos e recentes, é que, ao longo da evolução recente da espécie, houve uma "corrupção" da seqüência de bases do gene. O distúrbio provavelmente ocorreu em uma das cópias dos cromossomos dos gametas do trigo, durante o processo reprodutivo. A cópia diferente do original cria um "ruído de comunicação" ao transmitir a ordem para a produção das proteínas.   Para entender o ocorrido, imagine um rádio mal sintonizado, com o dial um pouco fora da freqüência da emissora. É possível entender a maior parte da transmissão porém, às vezes, a falta de sintonia perfeita dificulta ou torna impossível o entendimento. Imagine então que a transmissão seja de números ou códigos de barras: a perda de um deles, fará com que a ordem seja cumprida apenas parcialmente, porém com falhas que podem comprometer o processo como um todo.

 

A gene terapia

Para solucionar o problema, os pesquisadores criaram cultivares transformadas de trigo, contendo um gene similar ao Vp-1, oriundo de centeio selvagem (Avena fatua), cujas sementes apresentam alto nível de dormência. As sementes das plantas transgênicas, como a cultivar Cadenza, amadureceram sem germinação precoce, apresentaram melhores características germinativas e reagiram positivamente à aplicação de ácido abscíssico, usado para inibir a germinação (veja mais sobre o ácido abscíssico no Box). Com essa pesquisa, criou-se uma alternativa viável para atender a demanda dos agricultores por cultivares cujas sementes não germinassem na espiga, mesmo com condições favoráveis, mas que não atrasassem o processo germinativo, quando semeadas no solo.

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Hormônios e do desenvolvimento das plantas

O outro estudo versava sobre giberelinas (ácidos diterpenóides tetracíclicos), que são hormônios que controlam o crescimento e o desenvolvimento vegetal, intermediando a resposta da planta a sinais ambientais como a luminosidade e a temperatura. Esses fatores externos modulam a biossíntese e o catabolismo (degradação) das giberelinas, assim como a resposta da planta aos hormônios.

 

  Existem 126 substâncias conhecidas sob a denominação genérica de giberelinas, produzidas por fungos, bactérias ou vegetais. O complexo de giberelinas foi elucidado a partir de estudos realizados no Japão, na década de 20. Os cientistas tentavam desvendar as causas do alongamento do caule e da morte precoce de plantas de arroz. Durante a pesquisa foi verificado que a doença era causada pelo fungo Gibberella fujikuroi. Posteriormente, na década de 30, foi isolada a substância ativa de G. fujikuroi, tendo sido denominada giberelina.

As funções das giberelinas

Nos vegetais, as giberelinas são produzidas no embrião, no meristema apical, em folhas jovens ou frutos. Atuam no alongamento e na distensão celular, estão envolvidas com a germinação, o crescimento do caule, ramos e raízes, o florescimento, o desenvolvimento e a maturação dos frutos e com a quebra de dormência das sementes. As giberelinas também atuam na resposta das sementes à vernalização (choque de baixa temperatura) ou na reação das plantas ao comprimento do dia.   É uma prática agronômica corrente a aplicação de reguladores de crescimento para alterar o desenvolvimento das plantas, a fim de que apresentem determinadas características. Em videiras, o ácido giberélico é aplicado para aumentar o tamanho da baga da uva; na produção do malte, a giberelina é utilizada para uniformizar a germinação da cevada. A giberelina também é usada para controlar o crescimento de cereais, plantas ornamentais ou frutíferas, para facilitar a colheita ou dar forma às plantas.

Um dos estudos mais interessantes sobre o tema foi desenvolvido com o dente de leão (Taraxacum officinale), da família das compostas, mostrando a relação entre o início do florescimento da planta, estimulada pela vernalização ou aumento do comprimento do dia, e a ação das giberelinas.

Estudos genéticos

As enzimas envolvidas com a síntese e a atuação das giberelinas foram estudadas pelos cientistas de Rothamsted. Os pesquisadores selecionaram três genes responsáveis pela produção de enzimas. Dois desses genes codificam para enzimas que sintetizam giberelinas e um deles codifica para uma enzima que metaboliza um tipo específico de giberelina (a GA2). Essas enzimas estão relacionadas com a fase final da síntese de giberelina e com a sua desativação.   Os genes foram identificados, isolados, estudados e transportados para outras plantas para investigar seu comportamento. Novamente, a espécie A. thaliana foi usada para determinar os padrões de expressão dos genes, tendo sido incluído no promotor dos genes a expressão de substâncias auxiliares. Os cientistas escolheram a β-glucuronidase (GUS) e a luciferase (LUC). Esses genes catalisam reações que geram produtos coloridos (GUS) ou luz (LUC) na planta em cujo código genético estão presentes. Essa propriedade permite ao pesquisador verificar, com segurança, rapidez e agilidade, se houve sucesso na transferência dos genes.

Manipulação genética

Os estudos mostraram que a taxa de metabolização da giberelina GA2 é diretamente proporcional à concentração da enzima de catabolismo, que a degrada. Assim, os pesquisadores confirmaram a relação inversa entre o gene selecionado e o teor da giberelina GA2 na planta. Conseqüentemente, os pesquisadores deduziram que é possível controlar, geneticamente, a estatura das plantas e retardar ou impedir o seu florescimento, dispensando a aplicação de compostos químicos nas plantas.

Os pesquisadores transferiram um gene obtido em Phaseolus coccineus para Escherichia coli. Esse gene foi selecionado pela sua habilidade em codificar para a enzima que catabolisa a giberelina, tendo demonstrado alta atividade durante os experimentos. Com o auxílio da bactéria o gene foi incorporado ao código genético de A. thaliana e de Nicotiana silvestris.

 

 

  A descendência das plantas modificadas foi composta de diversas linhas que apresentavam deficiência na produção de giberelina. As sementes produzidas pelas plantas modificadas demonstraram viabilidade normal, mesmo nos espécimes de estatura muito baixa. Verificou-se, nesses genótipos, o mesmo comportamento de plantas que receberam aplicação de inibidores da síntese de giberelina. Algumas plantas não floresceram apesar de fotoperíodos adequados. Outras produziram flores, porém sua estatura era muito inferior àquela típica da espécie. Os pesquisadores obtiveram sucesso em induzir o florescimento com a aplicação da giberelina GA3, que não é metabolizada pela enzima codificada pelo gene transferido.

Geneterapia

Como resultado do estudo preliminar nas plantas modelo (Arabidopsis e Nicotiana), os pesquisadores produziram cultivares de beterraba de menor altura e com florescimento retardado. Também foi possível reduzir a altura do trigo, utilizando a técnica de terapia genética. O mesmo gene foi introduzido em plantas ornamentais, que tiveram sua altura reduzida, viabilizando seu uso para decoração de interiores.

O sucesso no desenvolvimento dessas cultivares abre novas e interessantes perspectivas para o controle da altura das plantas, especialmente de espécies frutíferas, cujo processo de colheita é muito beneficiado com plantas de desenvolvimento anão, ou para estimular o florescimento da planta no momento mais adequado. A "terapia genética", ou geneterapia, deve substituir, no futuro próximo, a aplicação de ácido giberélico ou de substâncias inibidoras da expressão das giberelinas, obtendo-se o mesmo resultado final.   Porém, as perspectivas de médio prazo são ainda mais animadoras e expandem-se além do campo das giberelinas. A terapia genética servirá não apenas para corrigir distúrbios, deformações ou qualquer alteração genética perniciosa, como poderá re-orientar rotas e caminhos naturais da bioquímica e da fisiologia vegetal. Através da geneterapia, será possível "silenciar" ou hiperativar a expressão de genes, tanto nos vegetais quanto nos animais, com o objetivo permanente de melhorar a qualidade de vida da sociedade, no que depender de uma agropecuária mais evoluída.

 

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Box 1

Plantas cabra macho, sim senhor!

Desde o Jardim da Infância aprendemos que a espécie Homo sapiens pertence ao Reino Animal e que, pela Teoria da Evolução, nossos avós são símios. Mas, alguém já pensou na semelhança entre homens e plantas? Pois há um ponto de contato naquilo que os italianos chamam de "il bisogno di tenersi un po' su!" Para um oriundi como eu é fácil entender, mas a tradução literal não significa nada. Digamos que é algo como "a necessidade de ficar teso, ereto, firme".   Nesse caso, plantas e homens – no masculino mesmo – têm no citrato de sildenafil e no ácido abcíssico um ancestral químico comum. A idéia ocorreu a pesquisadores da Universidade de West England (Bristol – UK). Eles descobriram que os processos químicos responsáveis pelo intumescimento e o relaxamento do órgão sexual masculino são os mesmos que promovem a abertura e o fechamento dos estômatos das folhas. De acordo com o Dr. Steve Neill (steven.neill@uwe.ac.uk), diretor do Centro de Pesquisas em Ciência das Plantas da Universidade e co-autor da pesquisa, o estudo abre enormes perspectivas para regular o consumo de água nos vegetais.

 

O citrato de sildenafil é conhecido entre os químicos por 5-[2-ethoxy-5-(4-methylpiperazin-1-ylsulfonyl)phenyl]-1-methyl-3-propyl-1,6-dihydro-7H-pyrazolo[4,3-d]pyrimidin-7-1. É um potente inibidor da enzima fosfodiesterase (PDE-5), cuja função no organismo é metabolizar o monofosfato cíclico de guanosina (cGMP), o qual atua como um poderoso vasodilatador. Ao inibir a ação da enzima, o citrato de sildenafil permite uma atuação mais intensa do cGMP. Outros processos fisiológicos induzem a vasodilatação em alvos específicos, ativando o mecanismo mediado pelo óxido nítrico.    
         
  O fito-hormônio ABA (ácido abscíssico) media a resposta das plantas tolerantes a estresses hídricos e também está envolvido na expressão da resistência induzida de plantas ao ataque de pragas. Nas sementes, o ABA promove o desenvolvimento e a maturação do embrião, a síntese das reservas das sementes (proteínas e lipídios), a tolerância à seca, a inibição da germinação (dormência) e a apoptose (é um tipo de "suicídio celular"). O ABA também está envolvido com o desenvolvimento e morfologia das raízes das plantas.  
         
    O ponto chave da semelhança entre homens e plantas é um gás incolor, o óxido nítrico (NO). Trata-se de um radical livre, com múltiplas funções biológicas. No organismo humano, além da regulação do tônus vascular, atua na transmissão nervosa e participa de processos imunológicos. A síntese do NO se realiza a partir do aminoácido essencial L-arginina, catalisado por enzimas óxido nítrico sintetases (NOS).
         

A descoberta da função do óxido nítrico no relaxamento dos vasos sanguíneos rendeu o Premio Nobel de Medicina de 1998 a Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad. Aproveitando essa pesquisa básica, um laboratório farmacêutico desenvolveu o citrato de sildenafil, que fornece ao organismo uma dose extra de NO, o que permite o intumescimento peniano e a manutenção de uma ereção prolongada.

   
         
  Já a descoberta dos cientistas ingleses ocorreu quase por acaso. Eles estudavam o efeito do ácido abscíssico, o qual é ativado nas plantas sob o efeito de stress hídrico. Os pesquisadores sabiam da ligação entre o hormônio e o fechamento dos estômatos quando havia redução da disponibilidade de água para a planta, porém seu mecanismo bioquímico era desconhecido. A contribuição mais importante da equipe do Dr. Neill foi a descoberta que o ácido abscíssico estimula as células que circundam os estômatos a produzir o óxido nítrico. A maior concentração do gás promove o progressivo fechamento dos estômatos.  
         
    Elucidado o mecanismo de ação, os agrônomos podem desenvolver o uso do ácido abscíssico para aplicação em plantas, quando for necessário induzir o fechamento dos estômatos, para regular o consumo de água. As pesquisas também podem investir na descoberta de variabilidade genética de plantas que possuam um mecanismo mais acentuado de regulação estomatal. Uma vez descoberto o controle genético, os genes podem ser transferidos através de transgenia, introduzindo a característica em plantas de interesse comercial, o que é uma forma de geneterapia. Quem diria, o Viagra ainda pode cobrir de verde e encher de alegria o sertão do Nordeste!

 

PS. Aviso aos navegantes: não existem pesquisas demonstrando que o ácido abscíssico seja um sucedâneo do citrato de sildenafil para uso humano!

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BOX 2

O óleo de Lorenzo

(O filme que poderia nunca ter existido)

Deu na Revista Veja (21/6/2000); "Lorenzo tinha 5 anos quando foi diagnosticado que sofria de uma doença rara. Progressivamente, a adrenoleucodistrofia destruiria seu sistema nervoso até a morte. Os médicos, davam-lhe apenas oito anos de vida. Inconformados, os pais de Lorenzo, Augusto e Michaela Odone, descobriram que a mistura de dois ácidos poderia conter a doença. Batizado Óleo de Lorenzo, o coquetel tirou o menino do estado vegetativo. Hoje, aos 22 anos, ele continua preso a uma cama, mas já é capaz de se comunicar, ainda que pela linguagem dos sinais. A luta do casal inspirou o filme O Óleo de Lorenzo, de 1.992, com Susan Sarandon e Nick Nolte. No sábado 10, os Odone viveram um novo drama. Aos 61 anos, Michaela morreu de câncer no pulmão. "Nos últimos anos, ela passava dezesseis horas por dia com Lorenzo. Apesar de ficar tanto tempo na cama, nosso filho não tem feridas no corpo. E isso por causa dos cuidados de Michaela,", elogiou o marido."

 

O filme

"Óleo de Lorenzo" se inicia em um dia qualquer de 1983, em um país da África onde trabalham Augusto e Michaela Odone, pais de Lorenzo, interpretados pelos atores Susan Sarandon e Nick Nolte. Retornando a Washington (EUA), Lorenzo, então com 5 anos, apresenta desordens neurológicas, posteriormente identificadas como sintomas de adrenoleucodistrofia. O prognóstico é sombrio, conferindo ao garoto uma sobrevida de oito anos, posto não existir cura para a doença.

Inconformados, os pais de Lorenzo partem para uma luta quixotesca, buscando entender a doença, suas causas e eventuais processos de cura. Em sete meses haviam descoberto que a ingestão do ácido oléico seria benéfica. O que era uma verdade parcial, pois apenas quando o ácido erúcico foi misturado ao oléico o progresso da doença foi sustado. Infelizmente, não é possível reverter as seqüelas da doença e Lorenzo termina o filme preso a uma cama. Onde o verdadeiro Lorenzo se encontra até hoje, aos 24 anos de idade.

 

A vida da família foi completamente reformulada para atender à doença de Lorenzo. A mãe, particularmente, olvidou-se de qualquer outro projeto de vida para dedicar-se exclusivamente a mitigar o sofrimento do filho.

Em um gesto de solidariedade, os pais de Lorenzo também se dedicaram a arrecadar fundos para o "Myelin Project", que financia pesquisas buscando uma cura definitiva e precoce da adrenoleucodistrofia. Uma das alternativas é a terapia genética, para corrigir o defeito no gene ALDP. Se ela já estivesse disponível em 1983, seguramente não existiria um filme emocionante como "Óleo de Lorenzo", mas a vida desta família não teria se transformado em uma via Crucis.

 

 

 

A doença

São conhecidos nove tipos de leucodistrofias, todos decorrentes de defeitos genéticos. O termo Adrenoleucodistrofia (ALD) deriva do grego "leuco" (branco) e "distrofia" (crescimento ou desenvolvimento imperfeito). Trata-se de um distúrbio que afeta todo o sistema nervoso (cérebro, medula espinhal e os nervos).   O sistema nervoso tem muita semelhança com a fiação elétrica de uma casa. Assim como existe uma capa, que recobre e protege os fios elétricos, a proteção para evitar curtos circuitos nervosos é efetuada por uma proteína esbranquiçada, denominada mielina.

 

As leucodistrofias, alteram as estrutura e a função da mielina, em função de um distúrbio metabólico, causado por defeitos genéticos. A alteração no gene ALDP ocasiona um acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa, que não são devidamente metabolizados, provocando uma desmielinização. Embora o gene esteja localizado no cromossomo X, as mulheres são apenas portadoras assintomáticas, vez que a doença afeta apenas indivíduos do sexo masculino.

Causa e terapia

Existem duas hipóteses principais para explicar as causas da doença. A primeira hipótese refere que a mesma seria devida à mutação do gene ALDP. No entanto, a mutação não é condição suficiente, devendo estar associada a outros fatores genéticos que predisponham o paciente à doença. Esses fatores genéticos são chamados de "genes modificadores", que determinam a suscetibilidade do organismo à doença.   A outra hipótese aventada pela Medicina é que a desmielinização ocorreria pela ação de fatores não genéticos. Todos seríamos suscetíveis à desmielinização. Entretanto, aqueles indivíduos que possuíssem o gene ALDP mutante não seriam capazes de corrigir a rota metabólica, sustar o processo e contornar as seqüelas causadas pela doença.

 

A adrenoleucodistrofia é diagnosticável em exame pré-natal, o que permite antever que, no futuro a terapia genética, possa ser o tratamento preferencial para a doença.

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BOX 3

A geneterapia na Medicina

A cada dia a mídia traz novos informes de como a biotecnologia está se tornando sinônimo de bem estar, qualidade de vida e de esperança de cura de pacientes portadores de defeitos genéticos congênitos, ou afetados por mutações e outras desordens de cunho genético. A esperança tanto repousa em diagnósticos precoces, mais precisos e que, muitas vezes, não possuem sucedâneos, como na cura através de aplicações práticas da biotecnologia. Entre elas cita-se a cultura de células para transplante e a geneterapia.   Geneterapia é o tratamento de uma doença, normalmente - porém não necessariamente - de cunho genético, pela introdução de genes terapêuticos nos locais em que se deseja a sua atuação no organismo. A diferença entre o tratamento convencional de um distúrbio genético e a terapia genética, é que o primeiro ataca os sintomas da doença - o que não significa necessariamente a cura - enquanto a geneterapia objetiva eliminar as suas causas.   Para realizar a geneterapia é necessário dispor de um diagnóstico precoce da doença, antes que as suas seqüelas inviabilizem o tratamento. Impõe-se que esteja identificado e disponível um gene terapêutico para ser introduzido no DNA do paciente. Finalmente, é necessário existir um vetor adequado para efetuar o transporte e a introdução do gene no DNA do paciente, normalmente vírus ou bactérias patogênicas, que são atenuados em laboratório para evitar sua ação nociva durante o tratamento.

Estudo pioneiro

Um dos primeiros relatos de terapia gênica reverteu os efeitos de uma doença genética chamada imunodeficiência combinada grave (SCID), causada por um gene do cromossomo X. A medula óssea dos pacientes não produz glóbulos brancos, deprimindo o sistema imune, razão pela qual os pacientes são forçados a ficar insulados em ambientes assépticos.   O gene normal foi inserido no DNA de um vírus, o qual foi adicionado a um meio contendo células tronco de recém nascidos. Após comprovar a transferência do gene para as células, que passam a produzir a proteína que estimula as células de defesa do organismo, as mesmas foram injetados no organismo dos pacientes. Com o gene terapêutico, as células tronco passam a produzir a proteína responsável pela estimulação das células de defesa, fazendo com que estas se desenvolvam, cresçam e se espalhem pelo corpo, destruindo os invasores. No processo pioneiro, foram utilizadas drogas químicas como terapia de apoio, para evitar a rejeição das células tronco transplantadas.

Sistema imune

O procedimento pioneiro de geneterapia, utilizado para contornar uma deficiência genética que deprimia o sistema imune do organismo, já possui uma alternativa. Pesquisadores do Hospital Necker (Paris) introduziram um gene no corpo de dois bebês para corrigir uma deficiência do sistema imune, sem que houvesse necessidade de terapêutica de apoio de drogas químicas (Science, Vol. 288, n° 5466, pp. 669 - 672).

Pessoas afetadas pela imunodeficiência combinada grave (SCID) vivem reclusas em ambientes assépticos, pela sua incapacidade de resistir a qualquer infecção microbiana.

  Os bebês tratados pela geneterapia não possuíam a capacidade de produzir glóbulos brancos. Foram utilizadas células troncos, que são células existentes na fase embrionária, as quais possuem a habilidade de diferenciar-se em qualquer célula do organismo. As células foram retiradas da medula óssea dos próprios bebes e cultivadas em meio de cultura contendo um vírus atenuado. No seu DNA foi inserido o gene terapêutico, para que o vírus o transferisse para o código genético das células tronco. As células transgênicas foram reimplantadas nos bebês. Os médicos responsáveis pelo estudo relataram que não houve rejeição orgânica das células transplantadas, permitindo o sucesso na geneterapia sem a dependência de drogas químicas.

 

Nanismo

No Brasil existe um grupo pioneiro que estuda a terapia gênica, localizado na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). O professor Sang Won Han pesquisa uma terapia gênica para o nanismo, distúrbio hormonal que impede o crescimento das crianças. Com o uso de um vírus, foi introduzido em células de artérias de ratos o gene que codifica para a somatropina, que é o hormônio de crescimento humano. Em pouco tempo, o vírus transfere sua carga genética para o núcleo da célula do rato, que passa a produzir regularmente o hormônio. O professor Sang aposta no desenvolvimento de geneterapia humana para tratamento do nanismo, a partir do sucesso de suas experiências com camundongos.

Criação de células

A sigla CSN significa células matrizes nervosas que, embora sejam típicas da fase fetal, já foram detectadas em cérebros adultos. Possui a característica de poder diferenciar-se em todos os tipos de células nervosas. As CSN dispõem de sensores químicos que detectam os sinais emitidos pelo Sistema Nervoso Central. Esses sinais servem para guiar as CSN até as áreas com algum distúrbio neurológico. Atingido o local, as CSN diferenciam-se e desenvolvem uma célula específica. Essa diferenciação pode substituir neurônios disfuncionais, que causam o Mal de Parkinson, ou oligodendrócitos que estejam na origem de leucodistrofias ou esclerose múltipla.   Através da biotecnologia, as CSN podem ser criadas maciçamente em laboratório, com o uso de meios de cultura adequados, constituindo um estoque permanente e renovado de células terapêuticas – algo como uma farmácia biológica. Dispondo das células, os médicos podem injetá-las no sistema ventricular, sendo conduzidas através do líquido cérebro espinhal, guiadas pelos sinais do SNC, até as áreas onde sua ação terapêutica esteja sendo requerida.

 

 

Distrofias Musculares

São doenças genéticas, caracterizadas pela perda progressiva da capacidade muscular e fraqueza corporal, que iniciam com alterações microscópicas e degenerativas nos músculos. A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) manifesta-se em crianças, as quais apresentam fraqueza muscular, principalmente nos braços, nos pés e no tronco. A criança tem dificuldade para andar e perde, progressivamente, esta habilidade. Com o avanço da doença, podem ser afetados o músculo do coração e os músculos respiratórios. A doença de Becker (BMD) é uma forma mais benigna da doença, presente em pacientes do sexo masculino. Os indivíduos afetados movimentam-se de forma requebrada, apoiando-se na ponta dos pés e projetando o abdômen para frente.

Existe um gene, situado no cromossomo X, que foi clonado em 1986, e que é responsável pela produção de distrofina, uma proteína que se localiza na membrana celular. Quando ocorre uma mutação no gene, há redução ou supressão da produção dessa proteína, cuja função é promover o correto trabalho muscular. Se a mutação suprime a produção de distrofina sobrevém a DMD e a sua deficiência conduz à BMD.

 

 

Inexiste, na atualidade, um tratamento curativo para ambas as doenças. Como elas são decorrentes de defeitos genéticos, a geneterapia é uma esperança de cura futura para ambas. Em experimentos conduzidos nos EUA cientistas conseguiram melhorar a função muscular de ratos com distrofia muscular, através de terapia genética. O Dr. Jeffrey Chamberlain, da Universidade de Washington em Seattle (EUA) é o responsável pela pesquisa, que publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. A terapia consiste em substituir o gene defeituoso usando como vetor o vírus causador da gripe, devidamente atenuado.

Esta técnica já representa um enorme avanço, pois se acreditava que, como o gene é muito grande, ele não poderia ser transportado por um vírus, o que descortina novas perspectivas para a geneterapia de outras doenças, que apresentavam a mesma restrição metodológica.

 

 

 

Amaurose congênita de Leber

Essa doença, conhecida pela sigla LCA, é provocada por uma mutação genética, que causa a degeneração da retina. Em conseqüência do defeito genético congênito, as crianças portadoras da mutação nascem cegas. Em publicação recente na revista Science, pesquisadores do Centro de Medicina da Universidade da Pensilvânia relatam o sucesso com o uso da terapia genética da LCA. Cães cegos de nascença foram tratados por intermédio de injeções contendo um vírus que carregava genes normais, para introdução no DNA dos cães.   A pesquisa contou com a participação de cientistas da Universidade da Flórida e de Cornell (EUA). A Dra. Jean Bennett, que liderou a pesquisa, anuncia a realização de testes clínicos em humanos envolvendo a técnica, os quais devem iniciar em 2003. A esperança dos cientistas é que a geneterapia, na hipótese de ser bem sucedida na cura da LCA, possa ser estendida a outros distúrbios de visão, causados por problemas genéticos.

 

Em entrevista à Agência Reuters, a Dra. Bennet descreveu a emoção de devolver a visão a um cego: "Os cães que não foram tratados apenas ficam sentados no canto, porque têm medo de bater na parede. Os cães submetidos à geneterapia perceberam a sala e resolveram explorá-la. Eles olham para as coisas. Eles olham para você. Agradecem, com sua mudez canina."

Doença de Creutzfeldt-Jakob

A princípio, esse nome pode não ter nexo para você, mas quando se fala em síndrome da vaca louca, ou BSE, logo vem a mente um processo degenerativo letal, que ataca tanto bovinos quanto a espécie humana. A doença afeta o sistema nervoso, levando à morte neuronal e à formação de cavitações no encéfalo (espongiose). Dessa forma, os sintomas mais observados no ser humano são declínio cognitivo, demência rápida e progressiva, e deterioração motora e da marcha. Em idosos, podem ocorrer movimentos involuntários do tipo mioclônico.

 

 

 

  A doença é causada por um príon, que é uma proteína contagiosa, exibindo sintomas semelhantes às doenças causadas por microrganismos. São insolúveis, extremamente resistentes à desnaturação pelo calor e por solventes orgânicos. De acordo com uma teoria correntemente aceita, a infecção se daria pela habilidade dessa proteína em fazer com que isômeros naturalmente existentes no organismo (PrPc, proteína priônica celular) assumam outra conformação (PrPsc, proteína priônica). O aumento da quantidade da proteína, que é insolúvel e resistente à ação de proteases, conduz ao aparecimento dos sintomas.   Cientistas da Universidade da Califórnia, em São Francisco, desenvolveram uma forma mutante da proteína que causa a doença. Os ratos transgênicos, que produziram esta proteína, mostraram-se totalmente resistentes ao príon que causa a doença, quando este foi injetado em seu organismo. Ao contrário, os ratos normais desenvolveram a sintomatologia. O estudo foi conduzido pela equipe do Dr. Jiri G. Safar, tendo sido publicado na revista "PNAS" (www.pnas.org). De acordo com o cientista, uma técnica de engenharia genética seletiva poderia erradicar a expressão e a transmissão do príon patogênico. Ele espera agora desenvolver uma raça bovina geneticamente modificada resistente à doença. No futuro, a terapia genética poderá ser estendida à espécie humana.

Cardiopatias

O gene VEGF codifica para um fator de crescimento do endotélio vascular. Cientistas da Universidade de Tufts (Boston, EUA) conseguiram aumentar o fluxo sanguíneo para o coração de pacientes muito doentes, injetando o VEGF em músculos cardíacos seriamente afetados. De acordo com o artigo publicado pela equipe do Dr. Jeffrey Isner, publicado na revista Circulation, o gene VEGF estimula o crescimento de novos vasos sangüíneos (angiogênese) no coração de 13 pessoas.   Seis meses após a geneterapia, o número médio de ataques de angina entre os participantes se reduziu de 48 para 2 por semana. O uso de nitroglicerina para o combate à dor foi reduzido de 55 para 2 comprimidos por semana. As regiões dos músculos do coração, com aparência de tecidos mortos (cicatrizes) devido a ataques cardíacos, retomaram suas funções em nove pacientes, 60 dias após a terapia genética.   Já em 1996, a mesma equipe havia obtido sucesso com a terapia genética aplicada em 16 pacientes com obstrução cardíaca grave. O gene VEGF foi injetado diretamente no coração, o que leva o organismo a produzir novos vasos sanguíneos, para substituir os entupidos. A equipe também usou a geneterapia com o VEGF para desenvolver vasos sanguíneos nas pernas dos pacientes com aterosclerose.

 

Crescimento anormal de vasos sanguíneos

O crescimento desordenado de vasos sangüíneos que partem da retina afeta especialmente bebês prematuros. É uma das causas principais de cegueira e da visão defeituosa em crianças e, apesar dos avanços cirúrgicos, cerca de metade dos bebês com a forma mais severa da doença, perde a visão.

 

  O British Journal of Ophtalmology publicou uma pesquisa que busca alternativas de cura de uma retinopatia, induzida precocemente em camundongos. Os pesquisadores testaram a habilidade de quatro vírus diferentes - adenovírus, vírus da varíola bovina, herpes vírus e um vírus que causa leucemia, o murine leukaemia - em transportar o material genético para o olho doente de camundongos com 18 dias de vida.   Os resultados indicaram que o adenovírus foi o vetor mais efetivo e que visava tecidos específicos do material gelatinoso no interior do globo ocular, que destrói o desenvolvimento vital dos tecidos do olho. Os resultados da terapia genética foram animadores e apontam para a possibilidade de sucesso do tratamento futuro da doença.

AIDS

Existem ratos que foram alterados geneticamente para não disporem de sistema imune. Usando essa linhagem de ratos, pesquisadores franceses foram capazes de evitar que o vírus da AIDS ingressasse nas suas células, apesar da ausência de defesa imunológica. O segredo está na geneterapia, que permitiu introduzir no DNA dos ratos alguns genes que impedem a ligação do vírus da AIDS nos receptores CD4 das células.   Após a transferência do gene, os ratos foram inoculados com o vírus da AIDS. Sem possibilidade de ingressar nas células, por não conseguir ligar-se aos receptores, o vírus acaba por morrer sem contaminar os ratos tratados geneticamente. Este é o primeiro passo para permitir o estudo da geneterapia da AIDS em animais superiores, descortinando uma alternativa na luta contra a epidemia da doença.

Crescimento vascular

A angiogênese, que é o termo médico para a formação de novos vasos sanguíneos, possibilita restaurar a circulação sanguínea, permitindo a terapia de acidentes vasculares ou aumentar a velocidade de cicatrização de ferimentos.

A formação de novos vasos sanguíneos em ratos de laboratório foi obtida com sucesso por cientistas que utilizaram um fator genético, que se assemelha a uma chave liga/desliga que atua sobre um gene. A Medicina já dispunha de um processo de geneterapia que atingia o mesmo objetivo, utilizando um gene do código genético humano, envolvido com o crescimento vascular. No entanto, as equipes das Universidades de Yale e de uma empresa privada de biotecnologia desenvolveram outra técnica.   Os fatores de transcrição são proteínas que ajudam a regular a atividade de outros genes. Os cientistas desenvolveram fatores de transcrição específicos (zinc-finger ou ZFPs, na sigla em inglês) destinados a regular um fator de crescimento que atua na formação os vasos sanguíneos. A importância desta descoberta foi demonstrar que a técnica de geneterapia vem ganhando espaço e importância na Medicina, a ponto de permitir o desenvolvimento de mais de uma abordagem, para tratar uma mesma doença, sendo ambas as alternativas bem sucedidas.

Câncer de próstata.

Três estudos recentes utilizaram a geneterapia com sucesso para o tratamento do câncer da próstata. O primeiro deles, usando um vírus como vetor, demonstrou a exeqüibilidade da terapia genética transretal para o câncer de próstata em cães. O segundo estudo, comandado pelo Dr. Moshe Shalev, da Northwestern University, demonstrou a eficácia da terapia genética do suicídio in situ, em pacientes com câncer de próstata localizado. Estudando 36 pacientes com recorrência de câncer de próstata depois de radioterapia, ou pacientes com mau prognóstico para três diferentes protocolos clínicos, o Dr. Moshe injetou na próstata de cada paciente um adenovírus deficiente em replicação, contendo o gene da timidina-quinase do vírus do herpes simples. O declínio médio do PSA foi de 44% (variação de 25% a 69%), com uma taxa de responsividade de 43%.   Finalmente, a equipe do Dr. Joel Slaton, obteve uma redução de 50% no crescimento tumoral em camundongos. O Dr. Joel transferiu uma linhagem de células de câncer de próstata humano, altamente metastática, para os camundongos. Após 14 dias, ele utilizou um adenovírus para introduzir o gene IL-8 nos camundongos. Decorridos 30 dias da transferência das células foram avaliados os crescimentos tumorais nos camundongos tratados e não tratados, o que demonstrou a eficiência da geneterapia.

 

 

 

Chaves liga e desliga

Imagine qualquer distúrbio de saúde provocado por um defeito genético. Agora imagine o seu médico abrindo um freezer cheio de gavetinhas, escolhendo uma substância, injetando-a no seu organismo, e a causa da doença desaparece. Aí vem o melhor da história: o seu médico diz que a terapia baseou-se em uma substância que pode ativar ou desativar genes. Algo como uma chave liga e desliga, que estaria disponível em um novo conceito de farmácia – a farmácia biológica.    
         
  É exatamente esse cenário esperançoso que uma companhia privada de biotecnologia da Califórnia está traçando para os portadores de disfunções orgânicas de fundo genético. A substância é uma proteína, o nome da tecnologia é "dedo de zinco" (zinc finger) e sua função é regular a ação dos genes. Se o gene está produzindo excesso de determinada substância, ocasionando um problema de saúde, então o gene rebelde é desativado total ou parcialmente. Se ocorre o contrário, o gene passa a ser estimulado.Por exemplo, no caso de tumores, o gene responsável pela formação dos vasos sanguíneos que alimentam o tumor poderia ser "desligado", servindo como geneterapia para o câncer.  
         
    A possibilidade de manipular os "dedos de zinco" para ligar ou desligar funções genéticas foi descoberta pelo Dr. Carl Pabo, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). A técnica também é útil para verificar a função de cada gene. Com o "dedo de zinco" específico, qualquer gene pode ser ligado ou desligado, observando-se o efeito da mudança.
         
As possibilidades de aplicação são as mais diversas. Examine-se o caso da obesidade, que é, atualmente, a "doença nacional americana", derivada em grande parte dos (maus) hábitos de vida – especialmente alimentares – do povo americano. Utilizando a técnica dos "dedos de zinco", foi possível identificar uma proteína chamada PPARgamma, cuja função é ativar a produção de novas células de gordura. Identificado o fator que causa a obesidade, os pesquisadores da empresa de biotecnologia prometem, para breve, uma geneterapia, à base de "dedo de zinco", que vai desativar a proteína, impedindo o surgimento desmesurado de novas células de gordura.    
         
  Os "dedos de zinco" são substâncias encontradas normalmente no núcleo das células, ligando-se ao DNA para acionar ou desativar genes, como parte de um processo natural do organismo. Os genes as utilizam para alternar as proteínas por eles codificadas, o que é chamado pelos cientistas de entrelaçamento. Exemplificando o processo, um gene chamado "bcl-x" pode se entrelaçar seguindo determinada seqüência para causar a morte das células. Alterando a seqüência do entrelaçamento, o gene age de forma inversa, desativando a apoptose, também chamado de "suicídio celular".  
         
    Até recentemente, acreditava-se que cada gene codificava a produção de uma proteína. Atualmente, aceita-se que cada um seja responsável pela produção de diversas proteínas. A importância do processo de entrelaçamento ficou evidente com o mapeamento do código genético humano. Ao contrário das estimativas que superavam 100.000 genes, os cientistas identificaram cerca de 30.000 genes, que são responsáveis por toda a complexidade de um organismo humano. Apenas com o processo de entrelaçamento é possível operar nosso organismo com uma quantidade limitada de genes.

Mal de Parkinson

Ratos de laboratório, acometidos do Mal de Parkinson, foram curados através de terapia genética. A façanha foi obtida por cientistas da Universidade de Auckland (Nova Zelândia) e do Jefferson Medical College (Filadélfia – EUA). Os tremores típicos da doença desapareceram depois que os cientistas inseriram genes terapêuticos no cérebro dos ratos.    
         
  O Mal de Parkinson é uma doença neurológica que afeta os movimentos da pessoa. Causa tremores, lentidão de movimentos, rigidez muscular, desequilíbrio e alterações na fala e na escrita. Não é uma doença fatal, nem contagiosa, não afeta a memória ou a capacidade intelectual do paciente.  
         
    A doença é devida à degeneração das células situadas numa região do cérebro chamada substância negra. Essas células produzem a dopamina, que é um dos neurotransmissores, responsável por fazer a "ponte" ou comunicação química entre as células nervosas. A falta ou deficiência da dopamina torna as células superativas, o que afeta os movimentos do paciente.
         

Não há evidências de que o Mal de Parkinson seja hereditário. Até o momento é uma doença incurável e progressiva e a Medicina não estabeleceu, em definitivo, as causas da doença. O estudo sobre geneterapia foi publicado pela revista Science. Os cientistas usaram um vírus para inserir um gene, chamado GAD, nas células da região afetada do cérebro dos ratos. O gene GAD é responsável pela produção do composto GABA, o qual é liberado pelos neurônios para diminuir a atividade cerebral.

   
         
  Após a geneterapia, os ratos apresentaram menos sintomas de Parkinson. Testes para avaliar a atividade cerebral sugeriram que a terapia genética realmente fez com que os neurônios hiperativos diminuíssem seu ritmo de trabalho. O tratamento também parece ter dado fim à destruição das células produtoras de dopamina.  
         
    Em virtude do sucesso do estudo, a equipe de pesquisadores conseguiu a aprovação do FDA, a agência do governo americano que regula os alimentos e drogas, para testar a terapia em pessoas. Serão selecionados 12 voluntários com estágio relativamente avançado da doença. Os pacientes serão submetidos a testes de ressonância magnética e tomografia para monitorar sua atividade cerebral e terão rígido acompanhamento clínico durante toda a geneterapia. Os resultados do estudo serão divulgados em 2003.

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Missão cumprida, Roberto!

Décio Luiz Gazzoni

São 21 horas do dia 28 de dezembro de 2006. Desembarcamos em Congonhas e, finalmente, Roberto vai resgatar uma dívida antiga: vamos passar a noite jogando conversa fora, cantando tangos, boleros e todo o repertório da dor-de-cotovelo. Desde 2002, suas grandes responsabilidades não permitiam pequenos prazeres, como ir a Buenos Aires apenas para assistir shows de tango e esticar a noite nos bares da Boca, sorvendo a canja dos artistas da voz e do bandoneon.   Taxiando
Roberto assumiu o Ministério da Agricultura com o Brasil ainda curtindo a ressaca do reveillon de 2003. Havia algumas questões a resolver, como a falta de milho no mercado e o trigo, que chegava aos portos com a ameaça de contaminação com pragas. Produtores endividados precisavam de um mote para o futuro, biotecnologia agrícola rendia horas de discussão inconclusa. O cenário externo era muito complicado, variando do escrachado protecionismo americano ao sisudo protecionismo europeu, passando pelas armadilhas da ALCA.

Decolando
O que para nós, mortais comuns é desanimador, instiga Roberto. Visão de falcão, sua percepção alcança duas décadas e identifica oportunidades onde outros temem a ameaça. Anos de sol no lombo e investimento em conversa de pé de ouvido, auxiliaram-no a propor uma reformulação da política agrícola, no bojo de um grande acordo inter pares, lubrificando as engrenagens das cadeias produtivas. Cooperativista nato, Roberto valeu-se do traquejo no sistema, para buscar a cooperação e a solidariedade interna, a fim de enfrentar as arapucas do mercado globalizado.

 

 

  Vôo de cruzeiro
Incentivar, de forma sustentada a produção interna, foi um desafio superado com o apoio das lideranças nacionais. Roberto me confidencia que, na safra de 2007, vamos colher mais de 150 milhões de toneladas de grãos. Cresceu junto a produção de frutas, hortaliças, ornamentais, carne, leite e ovos. O Brasil lidera a produção de vários segmentos do agronegócio, constituindo-se em global player de primeira linha no mercado internacional. Internamente, o mercado dispõe de abastecimento garantido e regulado, dando suporte às políticas governamentais de abastecimento. A produção familiar cresceu de forma inusitada, apoiada na agregação de valor, na qualidade certificada e no aporte tecnológico. Dentro do Ministério, Roberto soube valorizar os dois segmentos estratégicos de apoio ao agronegócio: a sanidade e a pesquisa agropecuária. Um dos orgulhos do Ministro é a Agência Brasileira de Defesa Agropecuária, sua cria, transformada em baluarte da defesa dos interesses dos produtores e consumidores brasileiros, com voz e vez nos foros internacionais. A Embrapa experimentou um verdadeiro "break-through", consolidando-se como o grande motor da competitividade da agropecuária brasileira.

Preparando o pouso
Por sua natureza, algumas ações demandavam tempo mais longo de maturação. No início de 2006, finalmente chegou-se a um acordo na ALCA, capitaneado pelo Roberto: a Farm Bill americana não será renovada, eliminando-se os subsídios americanos à sua agricultura. O Tio Sam também abriu mão das cotas, sobretaxas e dos desvios da Lei Antidumping, descortinando um novo porvir para o continente. Precavido, Roberto investiu em outros mercados e a União Européia também se encaminha para fechar um grande acordo com o Mercosul renascido, abrindo um excepcional mercado para nossos produtos. Roberto foi o artífice do acordo entre o Governo e a iniciativa privada para dar forma a uma nova política energética baseada na biomassa. "Escreva aí: ano que vem a venda de álcool será equivalente à de gasolina e o biodiesel vai ocupar 35% do mercado de motores a diesel" confidencia Roberto entre o Mano a Mano e a Cumparsita.
  Pousando
Roberto está feliz. Além das culturas tradicionais, hoje se cultivam plantas biofábricas, produtoras de medicamentos, resultado da biotecnologia. Perspicaz, lembra que agora a cerveja brasileira tem um alto teor de xanthohumol, um anticancerígeno poderoso. Não foi por acaso, mas do incentivo que foi concedido aos alimentos funcionais durante sua gestão. Ganhou o produtor, com mais renda e o consumidor com mais saúde. "- Salute!", brinda Roberto, a espuma desfazendo no lábio superior. Com aquele seu gesto típico, pede ao maestro: "El Dia em que me Quieras. Em Dó Maior, Giovanni!". Aproveitou a noite até alvorecer o dia 29 de dezembro de 2006. Estava tranqüilo, sabia que sua missão para com o Brasil estava cumprida. De minha parte, só pude dizer-lhe "Roberto Rodrigues, eu já sabia, mas você foi um avião de ministro!"

Cerveja, birra, birô, beer, bier: Salute!

Décio Luiz Gazzoni

Recentemente, um jornal americano publicou que, para aproveitar suas propriedades medicinais, médicos estariam recomendando a ingestão do equivalente a 120 galões de cerveja por dia. Obviamente, o jornal usou uma alegoria. A ingestão prescrita não é propriamente da cerveja, mas de um flavonóide, com propriedades antioxidantes, denominado "xanthohumol". Pesquisadores descobriram que essa substância reduz o risco de câncer, de acidentes cardíacos e da ocorrência do Mal de Parkinson e do Mal de Alzheimer. Como ele está presente em baixíssimos teores nas cervejas normais, chega-se ao estonteante número acima. Bem, para quem gosta de cerveja, uma prescrição médica dessas vale ouro!   Lúpulo
A
história começa numa plantinha chamada Humulus lupulus, da família das Moráceas. Sabe aquele saborzinho amargo, característico da "birra"? Pois ele vem do lúpulo que, além de conferir sabor, também atua como conservante da cerveja. Esse arbusto, que há séculos torna suportável o sacrifício de ingerir a cerveja nossa de cada dia, possui um conjunto de substâncias com efeito medicinal. As propriedades terapêuticas do lúpulo incluem um efeito relaxante sobre o sistema nervoso central, sendo largamente utilizado no tratamento da insônia. Diminui a tensão e a ansiedade associadas ao estresse. É utilizado para tratamento de dor de cabeça e indigestão, causadas por tensão. Sendo um relaxante com propriedades adstringentes, tem seu uso recomendado para o tratamento de colites. Úlceras externas podem ser tratadas com aplicações tópicas de lúpulo.

Multiuso
Como carminativo, o lúpulo é utilizado para relaxar a parede intestinal, aliviando cólicas e dores, reduzindo a flatulência e a indisposição intestinal. Essa ação decorre de óleos voláteis presentes no lúpulo, que possuem uma ação antiinflamatória localizada e efeito antiespasmódico e antibiótico. A ação anti-espasmódica do lúpulo foi observada nos sistemas circulatório, respiratório, digestivo, urinário, reprodutivo, nervoso e muscular. O lúpulo também demonstrou ação hipnótica, permitindo um relaxamento e um sono profundo. A maioria dos efeitos observados deve-se a flavonóides, com propriedades antioxidantes. Mas quem é esse tal de Flávio Onóide?
  Flavonóides
Estamos falando de compostos químicos encontrados com freqüência nos vegetais, que evitam a ação de substâncias oxidantes (como os radicais livres) no organismo humano. Eles são importantes posto que os ingerimos em quantidades maiores que outros antioxidantes famosos, como as vitaminas C e E. Os antioxidantes protegem as células contra o efeito do oxigênio reativo. Quando há excesso de componentes oxidantes em relação aos antioxidantes, ocorrem danos nas células, que podem resultar em câncer, envelhecimento precoce, aterosclerose, isquemia, inflamações e doenças neurodegenerativas como o Mal de Parkinson ou o Mal de Alzheimer. Os flavonóides compõem o arsenal de defesa antioxidante do organismo. Estudos epidemiológicos comprovaram que a taxa de ataques cardíacos na população é inversamente proporcional à ingestão de flavonóides.

Xanthohumol
O Dr. Cristobal Miranda, biologista molecular da Universidade do Oregon, demonstrou o efeito antioxidante dessa substância. Sua potência é seis vezes maior que antioxidantes presentes em frutas cítricas e quatro vezes superior àqueles encontrados na soja. Em teores adequados, evita a oxidação do mau colesterol, reduzindo acidentes cardíacos e danos ao código genético das células, diminuindo o risco de câncer. Quando ingerido conjuntamente com vitamina E, seu efeito antioxidante é largamente magnificado.

 

 

 

  Feliz 2003!
Bem, se 120 galões de cerveja não é, propriamente, sua ingestão costumeira, e se você já estava perdendo as esperanças de convencer a patroa que cerveja é remédio, então: Hallellujah! Regozije-se e dê graças aos céus, porque suas preces foram ouvidas. Pesquisadores da Universidade Técnica de Munique (Alemanha) desenvolveram uma cerveja com altíssima concentração de xanthomhumol, mantendo a mesma gradação alcoólica e o mesmo valor calórico. O Instituto de Pesquisa do Câncer da Alemanha iniciará, em 2003, testes com a nova cerveja para verificar sua efetividade como redutora do risco do câncer. Os eventuais interessados em contribuir, altruisticamente e sem qualquer outra intenção oculta, para o bem estar da Humanidade podem se inscrever pelo site http://mbi.dkfz-heidelberg.de/. A você, disposto a se sacrificar pelos seus irmãos, e aos mortais comuns que se beneficiarão do efeito anticancerígeno da cerveja, essa coluna deseja um 2003, repleto de flavonóides e outros compostos nutracêuticos.

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