Homem, o rei da criação?

Décio Luiz Gazzoni

Dois aspectos principais chamaram a minha atenção quando do anúncio do mapeamento genético do arroz. O primeiro deles mostrou que, ao lado da Syngenta, maior empresa de agribusiness do mundo, estava um instituto de pesquisa chinês, ainda engatinhando em seus pouco mais de dois anos de vida, e que mapeou uma das espécies. Um alerta às lideranças do agronegócio, às autoridades brasileiras e à sociedade em geral, pois dispor de informação privilegiada, na Era da Informação, é a diferença entre possuir uma perspectiva de futuro ou permanecer ancorado no passado. Em minhas passagens pelas Universidades americanas ou européias sempre me chamou a atenção o contingente de estudantes chineses, em especial nas áreas de biologia, química e engenharia.   A China é um país muito pobre, porém seus dirigentes tiveram a mesma sabedoria de Gandhi, quando perguntado porque a Índia, um país tão pobre, investia tanto na formação de pesquisadores. "Justamente porque somos pobres", anteviu Gandhi. Tanto a China quanto a Índia continuam pobres, porém muito menos pobres do que seriam sem pesados investimentos em ciência e tecnologia. E hoje dispõem de perspectivas de futuro, destarte os aparentemente insuperáveis problemas edafo-climáticos, geográficos, demográficos, políticos, raciais e sociais que enfrentam. Não há outro caminho para o futuro, que não passe por uma estrutura de ciência e tecnologia que esteja à frente dos concorrentes.

 

Brios feridos

O segundo aspecto que me chamou a atenção, serviu de inspiração para uma profunda reflexão filosófica pois, aparentemente, o arroz possui um número maior de genes que o Homem. Quanto mais me debruço sobre os avanços da ciência, mais enxergo um Pesquisador Mor, que arquitetou todo o Universo, desde as galáxias até cada seqüência de bases de um único gene. Não pode ter sido obra do acaso, pois nem bilhões de anos permitiriam ao acaso tanta perfeição, lógica, criatividade e diversidade. Mas onde está a lógica de o arroz, uma plantinha que sequer sai do lugar, cujos cachos não podem resistir ao balanço do vento, ter mais genes que Beethoven, van Gogh ou Einstein?   Se você tem fome vai à geladeira, à despensa ou ao supermercado. Planta com fome, tem que procurar seus nutrientes no ambiente de suas raízes. There is no other way! Quando a tempestade desaba, a planta deve suportá-la, embora fixa a um local. Na eventualidade de qualquer ameaça, se não há mais nada a fazer, os animais podem fugir. As plantas não. Se as plantas pensarem, certamente imaginarão os animais (incluindo o Homem) apenas como seres interessados em destruí-las. E as plantas precisam sobreviver, apesar dos animais e convivendo com eles. Esta é a razão que eu imagino haver levado o Pesquisador Mór a tornar o arranjo gênico vegetal mais extenso, numericamente, que o dos animais.   Uma planta, ao contrário dos animais, não tem como aprender a fazer as coisas copiando hábitos e comportamentos. Concedida a vantagem inicial de dispor de maior diversidade gênica, podemos creditar à evolução, em especial à co-evolução, a transformação das plantas em sofisticadas usinas de produtos químicos especializados, que fariam morrer de vergonha as mais poderosas indústrias químicas do mundo. É o que lhe concede capacidade competitiva, resistindo às pragas, adaptando-se ao ambiente e até manipulando o comportamento dos animais.

 

 

O segredo da vida

Para produzir esta diversidade de produtos químicos é necessário dispor da receita, que está escrita nos genes. Os genes são responsáveis pela síntese das proteínas que dão cor às flores, aroma às frutas, espantam insetos, resistem a fungos, endurecem os tecidos, uma cartola de mágico de onde é possível extrair substâncias que deixam os Humanos estarrecidos – talvez porque tenham menos genes!  Essas substâncias servem de inspiração aos humanos e, um membro da linhagem fitoquímica dos Hoffmann, há mais de 100 anos, extraiu um composto de uma planta que viria a ser o produto químico mais popular do mundo, e o berço da moderna industria farmacológica – a aspirina.

 

  Os primeiros estudos indicam que o arroz deve ter entre 32 e 55.000 genes, o Homem entre 30 e 40.000. Um verme (Caenorhabditis elegans) tem 19.000 genes, e a mosquinha Drosophila melanogaster, tem 13.000. O xodó dos biologistas moleculares, um tipo de mostarda chamada de Arabidopsis thaliana tem 25.000 genes. Ganham apenas da Xylella fastidiosa, uma bactéria que ataca os citrus, que tem 2904 genes e a Chromobacter, uma bactéria presente na região Amazônica com estimados 4410 genes, em cujo sequenciamento participaram cientistas da Embrapa Soja. Parte do material genético é considerado "junk DNA", cuja função não está claramente estabelecida, porque talvez falte ao Homem genes para entender este tipo de arranjo.

Decisões baseadas em genes

O estereotipo de complexidade de um organismo, da forma como o percebemos, não tem muito a ver com sua complexidade gênica. Uma mosca é um organismo muito mais complicado que um verme ou uma mostarda. Ela voa, toma decisões perceptíveis como andar, parar, mexer as antenas, voar, copular, orientar-se em direção ao alimento. O verme se prende na planta e sua vida se resume a ser parasita. A planta prende-se ao solo e, para o senso comum ela germina, cresce, floresce, amadurece e desaparece, um processo completamente automatizado, sem "decisões" envolvidas.   Ledo engano. A planta também toma "decisões" a todo o momento, até porque o custo energético de estar sempre preparada para enfrentar a tudo e a todos é muito alto. Ela precisa ter alternativas que aciona quando necessário. Por exemplo, certas plantas somente se tornam resistentes a um fungo depois que o primeiro esporo deste fungo germina e ataca a planta. A planta aciona o seu departamento de "vacinas", produzindo antibióticos, ou seja, substâncias químicas que a tornam imune ao ataque do fungo. Repare que o processo decisório da planta é diferente do nosso: nós vamos a um médico, depois a uma farmácia, quando uma infecção nos afeta. A planta tem um laboratório de análises clínicas, uma biblioteca de receitas de remédios e uma usina para produzi-los, e toma uma decisão muito mais difícil e sofisticada: ela precisa identificar o agente agressor, selecionar qual antídoto utilizar, localizar sua receita, produzir o composto químico e dirigí-lo para os pontos vulneráveis ao ataque. Pense bem, você seria capaz de fazer isso diariamente, a cada ameaça de fungo ou bactéria que enfrentasse? Você poderia, por exemplo, sintetizar a aspirina, quando tivesse dor de cabeça? Não, porque você tem menos genes!

Mais genes mais complexidade?

Está tudo esclarecido, podemos fechar os livros? Negativo, este é só o prefácio. O número de genes, em si, também não esgota o assunto. Os cientistas efetuam dois tipos de mapeamento. O estrutural identifica os genes de uma espécie, o funcional diz exatamente para que serve cada gene. A vida é muito mais complicada que isto, pois os cientistas descobriram que a complexidade da vida animal não pode ser medida exclusivamente pelo número de genes. Porque, maravilha das maravilhas, um mesmo gene pode ser utilizado parcialmente, alguma coisa parecida com fatiá-lo, para produzir diferentes proteínas. Outros combinam-se para produzir diferentes efeitos. Compare com o teclado do computador.   Você enxerga 26 letras (A-Z) e três teclas (Shift, Ctrl e Alt). Se você aperta o "A", aparece um "a" na tela, o que é óbvio. Se você aperta " Shift A", surge o também óbvio "A". Porém, quando se combina "Ctrl" com qualquer letra, o que ocorre não é nada óbvio. E você pode combinar "Ctrl, Shift e Alt" entre si e com qualquer letra ou conjunto de letras, ou números. Assim, a partir de um teclado de menos de 100 teclas, você dispõe de um menu de milhares de opções que não são nem óbvias nem visíveis. Mas, você sobreviveria ao assédio de um computador, sem saber utilizá-las?

 

Genes pavlovianos

Então, vamos revisar tudo o que foi escrito acima, sob outra ótica: o Pesquisador Mor deu mais genes às plantas, com funções especificas, porque (supostamente) elas não pensam, as decisões são condicionadas. Logo, cada gene tem uma função mais ou menos fixa, embora interaja fortemente com outros genes, e algumas manifestações dependem da presença de um conjunto de genes e dos efeitos ambientais. Os animais são, efetivamente, seres mais complexos, e foi necessário outra forma de abordagem na sua arquitetura genômica. Coisas de um Superpesquisador, que adotou estratégias diferenciadas nos dois Reinos. Por exemplo, embora animais sejam predadores de plantas, eles também são essenciais para a sua sobrevivência e multiplicação. Algumas plantas somente se reproduzem com a polinização efetuada por insetos. Outras necessitam que os animais carreguem suas sementes para longe, a fim de disseminar a espécie.   Até nesse momento o Pesquisador Mor demonstrou inteligência suprema. Um animal consome um fruto contendo uma semente em seu interior. Se ele digerir a semente, não haverá propagação da planta. Então a planta encontra formas de proteger suas sementes do trato digestivo dos animais. Ela tanto pode tornar sua casca resistente aos sucos gástricos, quanto punir o predador com uma dose de um potente veneno, se ele ousar invadir a intimidade que protege o embrião. Assim, animais que digerissem a semente seriam eliminados, o que é o principio da seleção e da co-evolução nos ambientes.   Neste ponto voltamos ao primeiro parágrafo. Mais que curiosidade ou ficção cientifica, tudo o que filosofamos neste artigo tem a ver com desenvolvimento, progresso, educação, qualidade de vida, emprego, renda, comércio, competitividade, longevidade, justiça social, distribuição de renda, segurança, ou seja, os valores perseguidos pelas sociedades no III Milênio. Terão acesso privilegiado a estes valores aquelas sociedades que entenderem que, para poder atingi-los, será necessário primeiro investir fortemente em Ciência e Tecnologia. Um investimento dos seus impostos na geração de seus filhos e netos.

A Revolução silenciosa

Décio Luiz Gazzoni

Para este ano, o Governo fixou a meta do superávit das transações do agronegócio com o exterior em US$21 bilhões. Até aí tudo bem pois em 2001 este valor superou US$19 bilhões. O importante para a análise é que a balança comercial brasileira teve, no ano que passou, um superávit de US$ 6 bilhões. Logo, o restante da economia ficou devendo US$13 bilhões aos agronegócios no ano passado e ficará devendo, no mínimo, US$15 bilhões para este ano. Mesmo entre 1995 e 2000, na farra do dólar tabelado, foi o agronegócio que salvou as transações com o exterior. Não fora o setor primário e o Brasil estaria promovendo um arrocho econômico, a fim de equilibrar a balança comercial, para argentino nenhum botar defeito.

As mudanças
O Brasil está exportando cada vez mais e importando cada vez menos produtos agrícolas. Continuamente rompemos limites de produção que vão nos tornando progressivamente auto-suficientes em diversos produtos. Ao mesmo tempo ganhamos competitividade nos demais, firmando-nos como um exportador de respeito. Milho, algodão, carne e laticínios são produtos que estão deixando de constar na lista de importação para aumentar a coluna das exportações. A carne teve um impulso decisivo com a disseminação da doença da vaca louca, e depois da febre aftosa, em diversos países da Europa. O milho, que parecia irremediavelmente carimbado como grão de caboclo, agora é poliglota, mudou-se de mala e pivô central para os porões dos navios, fruto da conquista do cerrado. A soja continua ponteando como o símbolo do nosso potencial produtivo. Até parece que o Brasil e a soja nasceram um para o outro, muito embora a leguminosa tenha nascido embaixo dos nossos pés – lá na China!
  As razões da mudança
Nos bastidores das estatísticas estão os ganhos tecnológicos, gerados pela Embrapa e demais institutos de pesquisa. Nos anos 90 a produção brasileira aumentou em 60% e a área plantada permaneceu estável, até com ligeira queda. Modernizamos as lavouras e conquistamos ganhos de produtividade que estão deixando pasmos os nossos competidores. Avançamos nos processos de defesa agropecuária, em especial no controle das enfermidades dos animais. Os produtores aproveitaram as oportunidades de crescimento do mercado, transformando a ameaça da abertura comercial em uma enorme oportunidade para cravar uma cunha no mundo.

 

O que falta
Afirmar que "Em time que está ganhando não se mexe!" é uma falácia. Mexe sim, enquanto está ganhando, para continuar ganhando, e para não mexer no desespero, quando estiver perdendo (Axé Filipão!). Nossos ganhos se deram no campo tecnológico, empresarial e comercial. Porém, nosso produtor é assolado pelas mais altas taxas de juros do planeta, prejudicado por um sistema tributário que corrói parcela decisiva da margem do negócio. Além disso, investimentos em vias de escoamento, em novas formas de financiamento da produção, em seguro agrícola e no apoio à comercialização externa são mudanças que se impõem, enquanto o time está ganhando.
  A ameaça externa
A expressão do caipira "não se chuta cachorro morto" é emblemática para definir as causas das ameaças externas que rondam o agronegócio nacional. Enquanto estávamos quietos no nosso canto, mal produzindo para o sustento e importando trigo e leite de países ricos, tudo o que o mundo queria do Brasil era sua adesão ao sistema de livre comércio. Por livre comércio leia-se abrir o nosso mercado cada vez mais, incondicionalmente. Não era para o Brasil levar ao pé da letra e ameaçar a posição tranqüila dos líderes do mercado com a nossa competitividade. Acuados, países hegemônicos vão tentar manter sua posição através de mais protecionismo e da imposição de barreiras aos nossos produtos, em especial nos planos sanitário, ambiental e social. Ou seja, além de continuar avançando tecnologicamente, o produtor rural precisa estar muito atento aos requisitos dos países importadores. Em especial, deve preparar-se para a certificação de seus produtos, como forma de superar as barreiras comerciais que serão atravessadas, qual mata-burros, no seu caminho com intensidade proporcional ao sucesso do agronegócio brasileiro.

E antes que eu esqueça o Brasil não é apenas o país do agronegócio: também é o país (penta campeão) do futebol.

Alea jacta est!

Décio Luiz Gazzoni

O Governo Federal descortina suas metas agrícolas para a próxima safra e os instrumentos para sua consecução. Sinaliza com um crescimento da agropecuária superior aos índices gerais da economia, consolidando a série histórica dos últimos anos, em que os agronegócios salvaram a Pátria. Além de sustentarem a fase embrionário do Plano Real, o agronegócio é o único setor superavitário da balança comercial, descentraliza a indústria, promove o progresso no interior, gera emprego e renda com baixo investimento. Para a próxima safra, o Governo aposta que a safra de grãos passa fácil dos 100 milhões de toneladas, que a seca impediu neste ano, e o saldo da balança comercial dos agronegócios se aproximará dos US$25 bilhões.

Recursos
O Ministro Pratini de Morais anunciou a liberação de R$21,7 milhões para o Plano Agrícola e Pecuário 2002/03, com acréscimo de quase 27% sobre os recursos fixados para a última safra. Do total, R$18,7 bilhões serão financiados com juros fixos. Assim, R$13,6 bilhões serão emprestados a 8,75% a.a., divididos entre custeio e comercialização (R$10,6 bilhões) e investimento (R$ 2,9 bilhões). Completa o recurso o montante de R$2,4 bilhões, cobrindo as três rubricas, com juros fixos (variando entre 6 e 11,95%). O Plano também prevê a expansão do uso das Notas Promissórias Rurais (NPR) e Duplicatas Rurais (DR) para suportar as operações para comercialização e estocagem de suínos, frutas, camarão, leite e derivados.
  Novos programas
O Ministro Pratini também anunciou outros programas de suporte à agropecuária, com recursos da ordem de R$770 milhões. A sanidade agropecuária foi contemplada no Programa de Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal, com crédito de R$30.000,00, prazo de 5 anos e juros de 8,75% a.a. O Programa Cooperativo para Agregação de Valor tem prazo de 12 anos, podendo cada cooperativa sacar até R$20 milhões, com juros de 10,75% a.a. O Programa de Plantio Comercial de Florestas beneficia produtores individuais e cooperativas, tem limite de crédito de R$150.000,00 por beneficiário, com 12 anos de prazo e juros de 8,75% a.a. O Programa de Apoio à Agricultura Irrigada é destinado a produtores e cooperativas, com limite de crédito de R$250.000,00 por produtor, com oito anos para pagamento e juros fixos de 8,75% a.a. O Programa de Desenvolvimento da Cacauicultura tem taxas de 6 ou 8,75%, com 8 anos para pagamento e limite de financiamento de R$200.000,00.

Investimento Rural
O Moderfrota, que popularizou-se na última safra teve seu limite de financiamento aumentado, contando com recursos globais de R$2 bilhões. O prazo de financiamento é de 8 anos e as taxas de juros serão de 8,75% para produtores com renda anual até R$250.000,00 e de 10,75% acima deste valor. O Propasto terá limite de financiamento de R$150.000,00 por produtor e passa a financiar também a destoca. O Programa de Armazenagem na Propriedade Rural tem limite de crédito de R$300.000,00 por tomador. O Proleite passa a contar com crédito de R$60.000,00 por produtor e também financia a construção de instalações para guarda de material de silagem. O Sisvárzea não terá mais limitações geográficas e terá limite de crédito de R$40.000,00 por produtor. O Programa de Desenvolvimento da Aqüicultura terá limite de financiamento de R$150.000,00, sem restrições de espécies de peixes, crustáceos ou moluscos. Outros programas mantêm os limites anteriores e incluem a fruticultura (R$100 mil), vitivinicultura (R$100 mil), floricultura (R$50 mil), ovinocultura e caprinocultura (R$40 mil), apicultura (R$20 mil por produtor ou R$150 mil por associação), Prosolo (R$80 mil). Finalmente, o Governo destinou R$100 milhões para o Proger.
  Limites e Preços Mínimos
Os preços mínimos para efeito do PGPM foram reajustados em valores entre 11 e 28%. Os limites de custeio não foram alterados, à exceção do café (passa de R$60 para R$100 mil) e são os seguintes: Algodão R$400 mil; amendoim R$ 150 mil; arroz, feijão, sorgo e mandioca de sequeiro R$150 mil e irrigado R$300 mil; frutas R$150 mil; milho de sequeiro R$250 mil e irrigado R$300 mil. A soja terá limites de R$200 mil para o Centro Oeste, Norte e Nordeste e R$150 mil para as demais regiões. Para as demais culturas e para a pecuária o limite de financiamento permanece em R$ 60 mil. E agora mãos à obra, que a sorte está lançada.

Remédios Naturais

Décio Luiz Gazzoni

Quem tem a minha idade sabe que, para cada doença a vovó tinha um chá que era "tiro e queda". Bateu, caiu, machucou, lá vinha um ungüento feito com ervas. Tosse? Guaco nela. Problema nos rins? Quebra-pedra nele. E assim por diante. Até porque, naquele tempo as doenças, distúrbios e dores em geral eram inversamente proporcionais ao número de farmácias, de fármacos e da renda familiar para adquiri-los. Mas, como em toda a ameaça existe uma grande oportunidade, a indústria farmacêutica percebeu o filão na linha de "onde há fumaça há fogo". Ou seja, a indústria se inspirou no conhecimento tradicional dos fitoterápicos, ou remédios naturais, para produzir os medicamentos que vão para a prateleira das farmácias. O sucesso foi tamanho que, atualmente, cerca de 80% dos princípios ativos farmacológicos mais importantes ou são derivados de substâncias vegetais ou foram inspirados nelas.

Renascimento
A vovó voltou à moda pois o mundo está redescobrindo os fitoterápicos. Cientistas de todas as partes do mundo debruçam-se sobre plantas e animais, florestas e mares, à cata de substâncias que possam mitigar dores e sofrimentos ou curar doenças. O Brasil possui uma enorme vantagem comparativa, pois é o país com o maior repositório individual de biodiversidade do mundo. Entretanto, essa vantagem comparativa somente se transformará em vantagem competitiva se os nossos cientistas forem apoiados para descobrir o que se esconde na Natureza e que possa ser útil à saúde humana. Esta utilidade tem dois grandes desdobramentos de negócios: o primeiro é produzir o vegetal (matéria prima); o segundo é extrair e formular as substâncias químicas. A Embrapa prepara um grande projeto modelo de aproveitamento da biodiversidade para uso em alimentos funcionais, nutracêuticos, fitoterápicos, aditivos, corantes, defensivos naturais, entre outros.
  Casca de anta
Existem centenas de exemplos de aproveitamento de substâncias presentes em vegetais. Um exemplo recente é o trabalho realizado pela equipe da Universidade Federal de Santa Catarina com a casca de anta (Drimys brasiliensis), de onde foi extraído o drimanial. Esta substância possui propriedades analgésicas semelhantes à da morfina. Seu modo de ação é diferente do que existe no mercado farmacêutico, bloqueando um receptor de glutamato, responsável por dores intensas. Os laboratórios farmacêuticos estavam buscando uma nova substância, com propriedade analgésica e sem efeitos colaterais, à exemplo do drimanial. Para desenvolver esta substância, os pesquisadores brasileiros usaram nas experiências a aranha armadeira (Phoneutria nigriventer) e o escorpião amarelo (Tytrus serrulatus), que causam dores intensas embora seu veneno seja de baixa letalidade. A decodificação do processo que causa a dor, decorrente do ataque destes animais, permitiu descobrir o drimanial.

Pata de vaca
Esta espécie, cujo nome científico é Bauhimia forficata, é utilizada como medicamento desde priscas eras. Agora o conhecimento empírico está sendo transformado em conhecimento científico através da Universidade do Amazonas. Os pesquisadores estão comprovando que extratos da planta regulam a glicemia, controlam a taxa de açúcar na urina, podendo controlar o diabetes, substituindo a insulina. Também estão sendo comprovadas propriedades purgativas e diuréticas da planta, normalizando a excreção de urina pelo organismo. Os pesquisadores estão estudando também a forma de reprodução, plantio, manejo e coleta da planta, para possibilitar o seu aproveitamento como fitoterápico.
  Uva
Desta vez foi a Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) que investigou as propriedades da uva. O secular conhecimento popular indicava o efeito positivo do consumo moderado de vinho sobre as funções cardiovasculares. Entretanto, a ciência nunca apontou claramente as substâncias e os caminhos responsáveis pelos efeitos benéficos do vinho. A pesquisa da UERJ mostrou que, na casca da uva da espécie americana (Vitis labrusca), especialmente na variedade Isabel, existem substâncias que tem efeito anti-hipertensivo. A maioria dos sucos de uva e dos vinhos de garrafão (vinho de colônia) é elaborado com a variedade Isabel, que é rústica, altamente produtiva, mas de baixa qualidade enológica. Agora, a casca da uva pode representar para o agricultor um negócio tão grande quanto a polpa e aumentar o valor da sua produção.

Vacinas em vegetais?

Décio Luiz Gazzoni

Em artigos anteriores, onde descrevemos algumas das conquistas da biotecnologia moderna, particularmente os avanços obtidos por equipes de cientistas brasileiros, fomos questionados sobre a real prioridade da aplicação de recursos públicos – os minguados recursos que vem dos nossos impostos – para o desenvolvimento de pesquisas que beiram a ficção científica. Particularmente, sustentamos a opinião de que o investimento em Ciência e Tecnologia de boa qualidade sempre vai se justificar, mesmo que, à primeira vista, não se vislumbre um retorno prático dos avanços científicos. Como corolário desta afirmativa, temos que, se o Brasil não acompanhar par i pasu o estado da arte da C & T, verá seus competidores se distanciarem o suficiente para não serem alcançados, condenando-nos ao papel de país periférico, com comprometimento da nossa capacidade de desenvolvimento, progresso, geração de emprego e renda e ocupação do espaço comercial. Para ilustrar a importância do investimento em C & T como base para o prosseguimento com ações de pesquisa, desenvolvimento, inovação e empreendimento de cunho tecnológico, vamos analisar os desdobramentos decorrentes de uma das pesquisas recentes de maior divulgação na mídia: o sequenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho dos citrus.   Visão de futuro
Quando a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) optou pela indução de estudos na área de genômica, tinha muita clareza da importância do domínio do ferramental biotecnológico para o desenvolvimento de tecnologias de ponta, tanto na agricultura quanto na medicina. O investimento inicial na rede de pesquisa denominada ONSA (Organization for Nucleotide Sequencing and Analysis) foi de valor ínfimo, não interessando o seu quantitativo financeiro. Ínfimo porque, a partir do desvendamento do código genético da Xylella e do funcionamento de cada um dos genes da bactéria, o Brasil acumulou um patrimônio de conhecimento na fronteira da ciência que não tem preço. O que permitiu investir na elucidação do código genético de duas outras bactérias que são patógenos de vegetais. Primeiro foi a Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico, praga que historicamente assola a nossa citricultura. Em seguida foi decifrado o DNA da X. campestri, que ataca a couve. Assim como ocorreu com a Xylella, a escolha do gênero Xanthomonas não ocorreu por acaso, porém deveu-se ao fato de que espécies desta bactéria já foram encontradas atacando quase 400 diferentes vegetais, entre eles importantes culturas como o tomate, o feijão, o arroz, a mandioca, o algodão, o milho, a cana, o trigo e a soja. Assim como ocorreu com a pesquisa pioneira com Xylella, a prestigiada revista Nature (23/05/02) acolheu um artigo dos pesquisadores brasileiros, em que foram comparados o genoma e a funcionalidade das duas bactérias, X. citri e X. campestri. A comparação teve como objetivo analisar as diferenças de comportamento entre as duas bactérias, quando atacam seus hospedeiros, buscando seus pontos vulneráveis e a relação destes pontos com o respectivo DNA. Decifrado este enigma, estará aberto um campo fértil para o controle destas pragas agrícolas.

A pesquisa básica
Os pesquisadores estudaram apenas 100 entre os 4.322 genes da X. citri e os 4.079 da X. campestri. Os pesquisadores notaram que, apesar de as duas bactérias serem muito próximas filogeneticamente, possuem alguns comportamentos muito diferentes. Enquanto a X. citri sobrevive sobre a epiderme dos ramos ou dos frutos da laranjeira, causando o cancro cítrico, a X. campestri se instala nos tecidos internos do repolho e circula através do xilema da planta. A hipótese dos cientistas foi de que, se existem hábitos diferentes, então eles são devidos a genes diferentes. Por exemplo, investiu-se na identificação dos genes que permitem às bactérias penetrarem nos tecidos dos hospedeiros, o que ocorre de maneira diferente para cada uma delas. Também foi estudada a preferência ou atração das bactérias em relação a determinadas substâncias químicas produzidas pelas plantas. Os cientistas concluíram haver, pelo menos, 200 genes na espécie X. campestri que não são encontrados na X. citri. Estes genes poderiam estar relacionados com as interações entre as bactérias e seus hospedeiros. Se comprovada a hipótese os cientistas poderiam investir na inibição ou inativação dos genes, ou das substancias por eles produzidas, evitando que as bactérias pudessem estabelecer-se sobre o seu hospedeiro. Os pesquisadores brasileiros investiram em três possíveis rotas para enfrentar estas bactérias.
  Primeira via: cancro ou digestão?
Os cientistas descobriram que um dos genes presentes em X. citri, denominado PTHA, atua na proliferação anormal das células do hospedeiro, promovendo o crescimento desordenado do tecido, resultando no cancro observado sobre as plantas cítricas. O estudo mostrou que a X. campestri não possui este gene especifico. Por outro lado, foram encontradas nessa bactéria inúmeras enzimas que digerem a parede celular das plantas, que é o efeito observável do seu ataque. A partir desta descoberta, os cientistas necessitam caminhar mais dois passos. O primeiro deles será descobrir qual o gene (ou agrupamento de genes) que comanda a produção das enzimas responsáveis pela destruição da parede celular das células. O segundo passo será descobrir substâncias químicas que bloqueiem estas enzimas. Sem o auxílio das enzimas que digerem a parede celular, não será possível para a bactéria contaminar os tecidos vegetais, impossibilitando seu estabelecimento no hospedeiro.

 

Segunda via: bloqueio da defesa
Sempre que atacados por um agente patogênico, os vegetais necessitam identificar o invasor ou, mais precisamente, as substâncias químicas que o caracterizam. Uma vez identificado, fabricam ou mobilizam antídotos, substâncias químicas que reagem ao agressor, evitando o seu ingresso, imobilizando-o, destruindo-o ou impedindo que este se desenvolva. Se bem sucedido nesta missão, o sistema imunológico das plantas protege o hospedeiro contra danos causados por agentes patogênicos. No estudo em tela, os cientistas verificaram que cada espécie da bactéria Xanthomonas tinha hospedeiros muito específicos. A hipótese de trabalho passou a ser a seguinte: se cada espécie da bactéria produz substâncias químicas próprias, que disparam os mecanismos do sistema imunológico de algumas plantas, mas não tem o mesmo efeito em outras, então essas substâncias têm o poder de enganar as "sentinelas" das plantas, abrindo suas defesas para o ataque da bactéria.
 

Os cientistas denominaram os genes responsáveis por estas substâncias de "genes de avirulência". Eles não precisam ser os mesmos genes que codificam para as substâncias causadoras da patogenicidade porém, no caso da X. citri, o PTHA também é o gene responsável pela avirulência. Para provar esta hipótese, os cientistas transferiram o PTHA para o DNA de outra espécie de Xanthomonas, o que impediu que ela infectasse o seu hospedeiro natural (o arroz), porque o gene acionou as defesas da planta. As substâncias responsáveis pela avirulência são proteínas, como é o caso do antígeno-O. Para a X. citri foram identificadas dez enzimas que produzem antígenos-O específicos, os quais, quando não são reconhecidos pelas defesas da plantas, possibilitam a infecção.

Como o leitor percebeu, o próximo passo dos cientistas será descobrir substâncias que bloqueiem a ação dos genes, inativem as enzimas ou, de alguma forma, impeçam a atuação das substâncias que enganam a planta. Se a planta reconhecer o agressor, existe sempre a possibilidade de o seu sistema imunológico obstruir a ação do patógeno.

Terceira via: proliferação

Vimos anteriormente que a X. citri ataca a epiderme das plantas cítricas, enquanto a X. campestri atua no interior dos tecidos. Novamente os cientistas estudaram a bioquímica dos processos e buscaram a sua relação com determinados genes. Uma das descobertas foi que a X. campestri supre sua necessidade de nitrogênio através de nitratos e nitritos do solo, utilizando o nitrogênio das substâncias existentes na seiva das plantas apenas de forma marginal. Já a X. citri atua de forma oposta, pois ela produz enzimas que permitem "quebrar" proteínas em partes menores (peptonas e peptídios), as quais são absorvidos pela bactéria com a ajuda de outra substância química, denominada transportador (PPA).   Logicamente, quando for descoberta uma substância que iniba a produção ou a atividade das enzimas que digerem as proteínas, a síntese ou o a ação do PPA, a bactéria não terá como obter seu suprimento de nitrogênio, prejudicando seu desenvolvimento e sua reprodução, comprometendo sua habilidade patogênica, podendo chegar até à eliminação completa da bactéria na planta. Para tanto, o código genético das plantas precisaria ser trabalhado, para que os genes que codificassem para as substâncias que atuam no PPA ou nas enzimas de digestão das proteínas, pudessem ser incorporados ao seu DNA.

Com estes exemplos acreditamos haver deixado evidente a importância da pesquisa na fronteira da ciência, que sempre será a base de inovações tecnológicas. Entretanto, este caminho somente estará aberto quando ocuparem postos chaves pessoas com privilegiada visão de futuro, como tem acontecido com os dirigentes da FAPESP.

O Subsídio Americano

Décio Luiz Gazzoni

Muito tem se falado do subsídio concedido pelo Governo dos EUA aos seus produtores. O subsídio à soja é o que mais chama a atenção, por ser o produto mais importante da agricultura brasileira, com alta competitividade e excelentes expectativas de futuro. Para qualificar a crítica e verificar o real impacto do subsídio é importante analisar a "The Farm Security and Rural Investment Act of 2002" que entra em vigor dia 1 de setembro e tem validade até 2008. A estimativa de recursos que esta lei, popularmente conhecida como "Farm Bill" injetará na agricultura americana varia de US$120 a US$412 bilhões, de acordo com as premissas consideradas.

Porque subsidiar?
Os EUA perderam competitividade no comércio internacional das principais commodities, soja entre elas. A partir desta safra, a América Latina supera tanto a produção quanto a produtividade americana. Os custos fixos dos agricultores do Meio Oeste americano são muito maiores que os nossos, com ênfase para o fator terra, que chega a custar 10 vezes mais em território americano. As razões ideológicas para o subsídio buscam evitar a migração de agricultores para os centros urbanos e a dependência externa em um setor estratégico como é a alimentação. As razões mais terrenas não são tão nobres e prendem-se aos financiadores de campanhas eleitorais que sustentam um pesado lobby junto ao Executivo e ao Congresso americano, fazendo com que a tradicional e tão cara liberalidade econômica dos EUA tivesse sido mandada às favas, não importando as conseqüências deste ato em relação aos agricultores de outros países.
  As reações
O Governo e lideranças agropecuárias estão tentando articular uma reclamatória junto à OMC. Ocorre que as regras da OMC foram impostas aos demais países justamente pelo dueto EUA e União Européia, com especial ênfase para o Acordo de Agricultura. Neste caso, foram deixadas enormes porteiras abertas para que o estabelecido nos artigos seja desrespeitado nos incisos e nas exceções. Por isso os negociadores brasileiros não conseguem enquadrar com absoluta segurança o subsídio americano. Por outro lado, políticos desinformados que, provavelmente nunca viram um produtor ou uma lavoura de perto, propõem que o Governo brasileiro subsidie o nosso produtor na mesma moeda. Conversa mole para boi dormir, pois o Governo sequer dispõe de recursos para atividades óbvias como o financiamento regular da produção, e o nosso produtor dispõe de competitividade natural para dispensar subsídio. O que precisamos é de competição honesta.
  Pagamento direto
O subsídio americano compreende nove programas especificados pela Lei. O título 1 (Commodities) é o que mais nos afeta. Para reduzir as chances de sucesso de uma contestação dos países prejudicados, em eventual reclamatória na OMC, os americanos evitaram subsídios em programas de estímulo à produção. Um produtor de soja recebe, através do título 1 da Lei, quatro benefícios. Um deles é chamado de pagamento direto, e corresponde ao pagamento de um valor por unidade de um produto agrícola produzido no passado, considerando a produtividade média dos últimos 4 anos, e sobre 85% da área plantada com este produto. Portanto, não interessa se na safra atual o agricultor vai plantar soja, milho ou arroz, ou mesmo se não vai plantar nada. Ele recebe um pagamento direto pelo que já plantou no passado. No caso da soja esse pagamento corresponde a US$0,44 por bushel produzido no passado.

Preço meta
É o valor estabelecido em Lei para pagamento ao produtor, algo como um preço mínimo. No caso da soja este valor será de US$5,80/bu (é de US$5,25 na Lei atual). Assim, o agricultor americano nunca receberá menos que este valor pela sua soja, independente do preço de mercado. No "fechamento" da soja, o Governo desconta o que já adiantou ao agricultor, pagando a diferença para os US$5,80. É o chamado "pagamento contra-cíclico", supostamente uma compensação ao agricultor pelas flutuações do preço da soja.

 

 

 

  Empréstimo (Loan Rate)
Valor do empréstimo garantido, por unidade de medida, fornecido pela CCC (Commodity Credit Corporation – o Banco de Crédito Agrícola Oficial dos EUA), para a área a ser plantada, com 50% do pagamento antecipado para dezembro do ano anterior ao plantio. Este é um dinheiro "de pai para filho", que o Governo americano concede ao agricultor e que, no caso da soja, atinge US$5,00/bu, calculado pela média histórica da produtividade do agricultor.

 

 

 

 

  O valor monetário do subsídio
Para entender a diferença entre ser sojicultor nos EUA e no Brasil, vamos imaginar um produtor com a mesma área (500 ha) e a mesma produtividade (2700 kg/ha) nos dois países, imaginando que o mercado continue operando a US$5,50/bu. O agricultor americano receberá US$250.000,00 pelo empréstimo, US$18.700,00 pelo pagamento direto, US$21.300,00 pelo pagamento contra-cíclico totalizando US$290.000,00. O agricultor brasileiro recebe apenas o preço de mercado, US$180.000,00. A diferença (US$110.000,00) é o famoso subsídio. Transformado em moeda brasileira, significa um "presente" de R$770,00 por hectare, que o agricultor americano recebe como compensação por ser menos competitivo que o brasileiro.

Biopirataria

Décio Luiz Gazzoni

Cada vez mais o tema da pirataria tecnológica ganha espaço na mídia, forçado pelas grandes companhias transnacionais que pretendem (com justiça) proteger suas inovações tecnológicas, fonte de sua competitividade. O argumento brandido é a redução das vendas legais, que atingiria centenas de bilhões de dólares, com conseqüente evasão tributária. A alegação padece de um pecado original: pirataria, assim como sonegação, somente compensa quando os benefícios presumidos superam os riscos. Quando a alíquota do tributo é muito alta, o contribuinte decide correr o risco e ingressa no pântano da sonegação. Este é um dos princípios considerados pela escola econômica que propugna a redução de alíquotas e de impostos para atingir a meta (paradoxal) de aumentar a arrecadação tributária. Da mesma forma, o grande mote indutor da pirataria é o alto valor financeiro dos produtos de elevada concentração tecnológica e de inovação, fruto da ganância de recuperar no curtíssimo prazo os investimentos em C & T. Como corolário desta afirmativa, e parodiando a teoria tributária, a pirataria tecnológica não compensaria se os preços dos produtos pirateados estivessem acessíveis à população, desincentivando a cópia e o mercado subterrâneo.
 

 

 

  O reverso da medalha
O que não é propalado por estas organizações é a biopirataria exercida pelos países ricos em relação aos países pobres, detentores da maior biodiversidade do planeta. Entre os 100 ingredientes ativos mais importantes para a farmacologia moderna, cerca de 70 derivam diretamente da biodiversidade, ou foram inspirados em substâncias químicas encontradas em plantas ou micro-organismos. Se enxergarmos atrás deste fato as centenas de bilhões de dólares que representam, anualmente, as vendas destes medicamentos, teremos uma boa medida do patrimônio representando pela biodiversidade. Se agregarmos a ele outro fato, que é a constatação de que 25% da biodiversidade mundial se encontra em território brasileiro, é possível perceber a riqueza entesourada nas matas, nos rios e nos pântanos brasileiros, até recentemente tidos como desprovidos de valor econômico. Neste particular, o IPEA estima o valor da biodiversidade brasileira em US$ 2 trilhões, o que equivale a quatro PIBs nacionais. Entretanto, de que vale o potencial de uso da biodiversidade se não pudermos transformá-la em benefícios à Humanidade, com retornos aos detentores da biodiversidade? Em especial, como vamos remunerar o conhecimento acumulado ao longo de milênios nas comunidades da floresta e nas tribos indígenas? Como vamos proteger a propriedade intelectual do pajé cujo cromatógrafo era o caldeirão e que, mesmo assim, desenvolveu tecnologia que hoje é expropriada sem escrúpulos por multinacionais?

Conhecimento pirateado
Descrever todos os casos já registrados de biopirataria tomaria muito tempo e se tornaria enfadonho. Mas não podemos deixar de registrar ao menos os mais decantados. Eu lembro o quanto povoava a minha fantasia infantil (e olha que isso já faz muito tempo, foi antes de o Brasil ser campeão mundial de futebol em 1958!) um veneno poderoso, que os índios colocavam na ponta de suas flechas, que equivalia à sua bomba atômica, tamanho seu poderio e o medo que inspirava aos inimigos. O veneno se chama curare e é até hoje utilizado pelos índios. Não apenas como veneno, porém como componente de sua farmacopéia. Ocorre que uma multinacional andou bisbilhotando nas receitas dos pajés brasileiros, e o curare foi surripiado de nossa biodiversidade e de nosso conhecimento milenar, para ser patenteado no país de origem desta empresa. Hoje o curare, devidamente industrializado e travestido de relaxante muscular, engorda o lucro desta multinacional. E o que dizer da erva do Santo Daime, planta com compostos de poder alucinógeno, que atraiu artistas e curiosos para compor a seita do santo de mesmo nome? Os índios chamam a planta de aiausca e já a utilizavam há séculos, quando a mesma foi patenteada por outra empresa do exterior. Hoje os medicamentos dela derivados são comercializados ao abrigo das leis de patentes dos países ricos, sem que caiba qualquer compensação aos verdadeiros descobridores dos seus poderes medicamentosos.
  Falha legal
As leis de patentes, de propriedade intelectual e assemelhadas são muito parecidas entre si, independente dos países que as exaram. Ocorre que todas têm a mesma inspiração, que é a proteção da inovação gerada nos laboratórios industriais modernos. Conhecimentos milenares, se não foram devidamente registrados, preferencialmente em revistas científicas de larga circulação, não são reconhecidos. A lei americana é explícita ao não reconhecer o conhecimento transmitido através de gerações pela linguagem oral, impedindo que patentes sejam contestadas com base na prerrogativa de detentores de conhecimento não registrado. Recentemente ocorreu um embate didático entre o Governo da Índia e a Universidade de Wisconsin, que solicitara patente para uma substância denominada tumérica, extraída de uma raiz de plantas, e conhecida há séculos naquele país por suas propriedades cicatrizantes. A contestação preliminar do Governo hindu não teve acolhida pelo Escritório de Patentes dos EUA, que exigiu registro escrito de seu uso como medicamento. O que salvou a Índia foi um de seus livros sagrados, denominado Vedas Upanishads, onde aparecia uma recomendação de uso da tumérica como cicatrizante, tendo esta passagem sido escrita por volta da época do descobrimento do Brasil.

Viés legal
As empresas (e os Governos) que investem em inovações tecnológicas sempre foram muito ciosos da proteção de seus direitos de patentes e de propriedade intelectual. O que faz todo o sentido, tanto do ponto de vista econômico quanto sob o aspecto social. Raciocinando pelo absurdo, apenas para entendimento da questão, caso não houvesse qualquer tipo de prerrogativa diferenciada ou de direitos do obtentor de uma inovação, não haveria um real estímulo à inovação. Desta forma, ficaria prejudicada a medicina, a veterinária, a agricultura, a engenharia, a música e qualquer outra forma de manifestação de criatividade, onde fosse imperioso o investimento de risco em inovação. Por outro lado, não se pode imaginar extremos como a negação do conhecimento milenar ou do domínio sobre a biodiversidade, sob pena de utilizarmos uma escala de dois pesos e duas medidas, beneficiando os detentores de conhecimento que possuem lobies poderosos e os melhores advogados, em detrimento das demais formas de descoberta, domínio e apropriação do conhecimento.

 

 

 

 

  Em nosso país, as comunidades interioranas e, muito especialmente as indígenas, são as maiores prejudicadas pela biopirataria. Algumas vozes se levantam, tanto no seio da comunidade, no Congresso Nacional e em outros órgãos do Governo, para alertar as comunidades indígenas sobre esta forma de expropriação, e para que as mesmas possam defender-se adequadamente, de acordo com as leis do homem branco. A Embrapa vem trabalhando há muitos anos com as comunidades indígenas para auxiliá-las na catalogação de seus conhecimentos, técnicas agrícolas e uso da biodiversidade. Recentemente, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) promoveu um curso sobre a legislação afeta à patentes e propriedade intelectual para advogados ligados às comunidades indígenas. Participaram do curso treze índios, que voltaram às suas tribos com detalhes sobre biodiversidade, patentes, registros, direitos autorais, etc. Em 2001, 25 comunidades indígenas participaram de um evento em São Luiz (MA), também sob os auspícios do INPI. Ao final, as participantes deixaram claras suas reivindicações, através da carta de São Luiz, em que propugnam igualdade de tratamento para inovações modernas e conhecimento secular, mesmo que signifique a adoção de regimes distintos, desde que compatíveis. Reivindicam o apoio governamental, não apenas em termos de proteção legislativa, mas de aporte de ciência e tecnologia, que permita que os conhecimentos tradicionais possam ser compartilhados de forma mais ampla, sem que seja necessário expropriar este conhecimento de seus legítimos detentores.

Estamento legal
Além das legislações próprias de cada país, existem acordos e instituições multilaterais que se dedicam à proteção da inovação e da propriedade intelectual. O TRIPS (Trade Related Intellectual Property Rights) é um dos acordos fundamentais da Organização Mundial do Comércio, e serve de parâmetro para as trocas comerciais entre os países. A CDB (Convenção de Diversidade Biológica) foi assinada durante a ECO 92, no Rio de Janeiro, e dispõe sobre ao acesso à biodiversidade. O OMPI ( Organização Mundial de Propriedade Intelectual) e a UPOV (União dos Obtentores Vegetais) são exemplos de instituições atuantes no âmbito internacional. Porém, como sucede em outras facetas do comércio internacional, os lobies que atuam sobre elas são poderosos e buscam defender as grandes corporações que investem na inovação tecnológica. O Brasil tem procurado alterar alguns dispositivos que regem a propriedade intelectual em escala internacional, buscando inserir a proteção à biodiversidade e ao conhecimento tradicional. Incentiva a criação de um banco de dados de conhecimentos tradicionais e de uso da biodiversidade, para que possa se constituir em um registro da anterioridade de uso de determinados princípios farmacológicos, permitindo aos detentores de seu conhecimento melhor posicionamento frente às leis de patentes. Coerentemente, a Medida Provisória 2186, que regula o acesso à biodiversidade brasileira, reconhece o direito das tribos indígenas e dos demais detentores de conhecimento tradicional. Prevê a repartição de benefícios, caso alguma substância de uso tradicional venha a ser comercializada e reconhece o direito das comunidades decidirem sobre o acesso aos seus recursos genéticos.
   

 

 

 

 

Contra-medidas
Não será uma tarefa fácil para qualquer país que detenha parcela significativa da biodiversidade, protegê-la da voracidade de empresas movidas a muito lucro e pouca ética e responsabilidade social. Acreditamos que a batalha deva se desenrolar em diversas frentes. Em primeiro lugar, é necessária a união de esforços de todos os países interessados em proteger a biodiversidade, formando uma frente com objetivos comuns para tentar a inserção conceitual nos mecanismos internacionais de proteção patentária. Em segundo lugar será necessária uma ação forte de catalogação do conhecimento tradicional, do seu registro adequado e de formas de seu reconhecimento vis a vis as inovações emanadas dos laboratórios. E, finalmente, a batalha será definitivamente vencida por quem dispuser de condições de investir em Pesquisa e Desenvolvimento associando-se aos detentores do conhecimento da biodiversidade, para que a Humanidade seja beneficiada com a democratização ao seu acesso e o conhecimento tradicional seja respeitado, reconhecido e remunerado.

ALCA, União Européia e Farm Bill
Décio Luiz Gazzoni

A coluna do dia 2 de agosto motivou uma enxurrada de e-mails, com os leitores querendo aprofundar a discussão sobre protecionismo. Abordemos alguns dos temas:

O valor monetário do subsídio
Qual a diferença entre plantar soja no Brasil e nos EUA? Imagine um produtor com 500 ha e produtividade de 2.700 kg/ha, com Chicago operando a US$ 5,50/bu. O americano receberá US$ 250.000,00 pelo empréstimo (loan rate), US$ 18.700,00 pelo pagamento direto e US$ 21.300,00 pelo pagamento contra-cíclico, totalizando US$ 290.000,00. O brasileiro recebe o preço de mercado, US$ 180.000,00. A diferença (US$ 110.000,00) é o subsídio. Ele significa um presente de R$ 770,00 /ha (cerca de 25 sacos de soja), que o agricultor americano recebe como compensação por ser menos competitivo que o brasileiro.
  União Européia
O comissário Pascal Lammy justificou o protecionismo europeu: "Os agricultores europeus não têm culpa se o clima permite plantar apenas 6 meses por ano, se a topografia é acidentada, com áreas de pouca chuva e se há pouca área agricultável, enquanto os brasileiros não cultivam nem 50% de sua área". Ofendeu a inteligência de todos: que culpa tem os agricultores brasileiros se fomos colonizados por europeus, que vieram para explorar o país e não para desenvolvê-lo; que levaram milhares de toneladas de ouro, pedras preciosas e outras riquezas; se as maiores traders agrícolas, um cartel que faz e desfaz preços, estão localizados na Europa; que culpa tem o industrial brasileiro se as multinacionais de química fina estão instaladas na Europa; se o capital especulativo que manda e desmanda no mundo pertence a europeus. Não precisa ser muito inteligente para sentir-se ofendido por quem não tem como explicar-se e busca um subterfúgio sem fundamento e de tamanha arrogância.

ALCA
O Fast Track aprovado pelo Congresso Americano é o símbolo da prepotência. À restrição anterior de 300 linhas de importação de produtos agrícolas (o que já era uma afronta!) o Senado adicionou outras 221. Não por coincidência, todos os produtos agrícolas que nos interessa exportar aos EUA estão restritos. A proposta da Casa Branca havia jogado um balde de água gelada nas perspectivas futuras da ALCA. Com a intervenção do Senado eu, particularmente, vejo a ALCA como uma iniciativa natimorta, tamanha a unilateralidade, a arrogância e o desequilíbrio das propostas. A FIESP patrocinou um estudo sobre os efeitos da redução tarifaria, principal instrumento da ALCA. Concluiu que, já no primeiro ano, o Brasil terá déficit de US$ 1 bilhão no comércio com os EUA, fosso que tende a se aprofundar. Cristaliza-se o status quo de um país central (EUA), detentor de capital e tecnologia e poder de imposição de regras, com 70% do PIB da ALCA, e três dezenas de países periféricos condenados a um papel subalterno de servir de mercado para produtos americanos.
 

A unilateralidade
O Congresso americano definiu que a ALCA tem como finalidade única ampliar os mercados para produtos made in USA, sem concessão de qualquer espécie para abertura do mercado americano aos demais países. Para tanto definiu que:

1) São negociáveis, para fins de rebaixamento e eliminação de alíquotas de importação, todos os produtos que já tem alíquota baixa, que não são importados ou de pouca expressão;
 

2) Podem ser reduzidas alíquotas dos produtos em que os EUA detém o estado da arte tecnológica, são altamente competitivos e dominam amplamente o mercado, sem risco de enfrentarem competição nos próximos anos;

3) Não são passíveis de redução de alíquotas e eliminação de barreiras de importação os produtos importados em volume apreciável e aqueles nos quais os EUA não são competitivos, incluídos os produtos agrícolas que o Brasil pretende exportar.

4) Não é negociável a legislação anti-dumping, que reza: "sempre que um país apresentar preço de um produto inferior ao produtor americano, então trata-se de subsídio ou dumping e não de competitividade natural, portanto ele deve ser punido com a legislação anti-dumping americana, para proteger o agricultor ianque".

A postura brasileira

O Brasil deve entrar de cabeça fria nesta negociação. Assim como os americanos definiram a sua estratégia para o fast track devemos definir a nossa. Somente firmaremos um acordo se o mercado interno americano de produtos agrícolas for acessível aos nossos produtos, se houver um equilíbrio entre as partes. Podemos propor que, para 80% do volume monetário exportado de cada país para o outro, a taxa média de importação deve ser a mesma para ambas as partes. Isto evitaria o discurso americano de que pratica as mais baixas taxas de importação do mundo. Quando se esmiuça com lupa esta estatística, verifica-se que as alíquotas baixas são para produtos que os EUA não importam, e as alíquotas abusivas concentram-se em produtos agrícolas e outros produtos nos quais os EUA não conseguem competir.

Propriedade intelectual

Décio Luiz Gazzoni

O TRIPS, acordo que regula o direito de patentes entre os países membros da OMC deve ser revisado a partir deste ano. Durante 2001 ele foi o foco de diversas discussões, em especial no que diz respeito à relação entre patentes e saúde pública. O Brasil foi pioneiro em criar um "international case" com seu programa de combate à AIDS, proposto como paradigma mundial pela OMC, que tem no alto custo dos medicamentos um de seus entraves. A saída proposta pelo então ministro José Serra envolvia a quebra de patentes, caso os fabricantes não reduzissem seus preços. Os preços foram reduzidos, e o programa brasileiro de combate à AIDS é hoje considerado modelo e paradigma para o mundo.

Dois pesos, duas medidas
Porém a redução se deu em meio a uma batalha de bastidores, protagonizada pelos países ricos, capitaneada pelos EUA, que não admitiam sequer a menção à heresia de quebrar patentes. A eles não importava quantos cidadãos de países pobres morreriam de AIDS. Até que veio o "bioterrorrismo" através do envio de Anthrax pelo correio, até hoje mal explicado e que causou mais barulho que qualquer outra coisa. Mas o fato levou o Governo do Canadá a propor o que? ...A quebra da patente de um antibiótico da Bayer, único recomendado para controlar a bactéria. Logo uma autoridade americana propôs a mesma atitude, abafada por intensas negociações de bastidores, pois para os fabricantes é melhor perder os anéis que os dedos. Foi nesse momento que o Governo americano se deu conta que, embora resultados científicos a respeito da eficiência de outros antibióticos estivessem disponíveis, apenas um estava registrado para uso. É outra faceta da luta encoberta pela maximização de ganhos dos detentores de patentes.
   
       
  A teoria
Tenho comigo a teoria de que a Humanidade se move exclusivamente por duas forças poderosas: a necessidade e a ambição. Foi por necessidade que nos abrigamos do frio nas cavernas, foi por ambição que criamos as facilidades da vida moderna. Para atender tanto as necessidades quanto as ambições da sociedade, é imperativo o investimento constante em ciência e tecnologia. Enquanto tese, a retribuição financeira pela propriedade intelectual, seja ela uma patente ou qualquer outro direito relativo à criação e inovação cultural ou tecnológica, é um mecanismo defensável.. Difícil não reconhecer a necessidade de um estímulo para que haja o investimento em avanços tecnológicos. Raciocinando pelo absurdo, se todo o conhecimento tecnológico fosse de domínio público, quem estaria interessado em investir dinheiro no setor?
 
       
    A prática
Aí a porca torce o rabo, pois existem abusos de ambas as partes. É senso comum que o detentor da patente cobra um custo exorbitante pela inovação, muito acima dos cálculos atuariais de um retorno razoável sobre o capital investido. O que torna tanto medicamentos, softwares, ou insumos agrícolas excessivamente caros, fazendo com que o detentor da patente seja o grande privilegiado na apropriação da riqueza gerada em qualquer cadeia produtiva. Quer um exemplo? Verifique o preço dos herbicidas de última geração, uma bigorna no custo de produção de qualquer cultura. Por outro lado, a espionagem industrial, a falta de fiscalização e o alto custo dos produtos inovadores propicia a oportunidade de pirataria tecnológica, que gera um enorme negócio paralelo, de custos mais reduzidos dada a ausência de investimentos em inovação. Nesse aspecto a sonegação e a pirataria têm um aspecto em comum: quanto maior a pressão tributária, maior a tentação em sonegar. Quanto maior a taxa de inovação tecnológica embutida no preço de um bem, maior a tentação em piratear. Ou alguém se arriscaria a piratear um software, se o custo na loja fosse de R$100,00 ao invés de R$2.000,00?
       
Agricultura
A lei de proteção de cultivares (Lei 9456 de 25/04/97) ainda é recente no Brasil, mas seus efeitos já são percebidos no campo. O Ministério da Agricultura se organiza através da Secretaria Nacional de Proteção de Cultivares, responsável pelo registro das novas cultivares, e pela fiscalização dos direitos do obtentor. Na outra ponta, empresas públicas como a Embrapa, ou privadas nacionais ou multinacionais, se organizam na UPOV, para protegerem os seus direitos. O que se espera é que a nova legislação e as instituições que florescem à sua guarida sirvam como impulso para um grande salto tecnológico na agropecuária nacional, sem que isso signifique uma apropriação desproporcional das margens pelos diferentes elos das cadeias agro-produtivas.
 

Biotecnologia e melhoramento genético

Décio Luiz Gazzoni

A biotecnologia é mais uma ferramenta que permite aos geneticistas atingirem suas metas com maior taxa de sucesso, maior rapidez e menores custos. O melhoramento tradicional sempre terá seu espaço, seja para a introdução de características já existentes em outros genótipos da mesma espécie, ou para adaptar genótipos transgênicos a condições específicas. Os dois métodos lidam com os genes dos animais ou plantas. Um gene é uma porção de DNA - um conjunto de instruções como se fora um programa de computador – que comanda a síntese de uma proteína. As proteínas são essenciais para a vida, como componentes estruturais de um organismo ou como intervenientes nas reações químicas (através das enzimas ou dos hormônios) que, em suma, mantém a vida,.   A estrutura da molécula do DNA em dupla hélice é formada por pares de bases nitrogenadas (adenina e timina, guanina e citosina). A seqüência destas bases no gene determina a sua função. O Brasil vem investindo na formação de redes de pesquisa em biotecnologia, com a participação da Embrapa, das Universidades e de outros institutos de pesquisa. O país está buscando qualificar-se em ciência básica, efetuando a descrição estrutural e funcional de genomas, para adequar-se ao desenvolvimento de tecnologias de interesse do agronegócio brasileiro.

 

 

Biologia molecular
No início da década de 70 foi possível isolar um gene. Na década de 80, com a descoberta de enzimas que seccionam segmentos do DNA, nasceu a biotecnologia aplicada. Cada enzima corta o DNA em pontos específicos, permitindo saber exatamente qual gene está sendo isolado. Além de atuar nos cromossomos, as enzimas podem "abrir" um plasmídeo, que é um anel de DNA do citoplasma. Assim, para transferr um gene entre células, é necessário que uma enzima "abra" o DNA, para que possa ser adicionado o gene retirado de outro organismo. As extremidades "cortadas" da fita de DNA possuem propensão a aderir-se a outras extremidades livres, permitindo a recombinação. Assim, ocorre a ligação de um gene que se pretende introduzir em uma célula receptora. Este é o DNA recombinante, que permite ao organismo que possui o gene introduzido codificar para uma nova proteína. Na prática significa que o organismo adquiriu uma característica que ele não possuía antes da transgênese. Outra técnica utilizada pelos cientistas é um "canhão" que dispara esferas microscópicas, recobertas com os genes que se deseja transferir. As células são bombardeadas com as esferas, transferindo a característica desejada para o seu DNA.

 

 

 

  Criando um OGM
A criação de uma variedade transgênica segue este modelo. Uma célula da planta que se deseja melhorar é isolada, sendo introduzido um novo gene, que determina a característica que se deseja transferir. A taxa de sucesso do processo é estimada em aproximadamente 1:10.000. Estas células são colocadas em um meio nutritivo, para regenerar uma nova planta a partir da célula modificada. Para identificar quais plantas possuem a característica desejada, os cientistas adicionam um segundo gene que permite à célula sobreviver em condições adversas. Uma das técnicas é transferir junto com o gene que se deseja, outro gene que confira resistência a um antibiótico. Adicionando-se o antibiótico no meio de cultura, sobrevivem apenas as células que contém o gene para resistência ao antibiótico. No caso específico da soja transgênica resistente a glifosate, os pesquisadores introduziram na planta o gene que a torna imune ao herbicida. Nas plantas suscetíveis, o glifosate inibe a enzima EPSP-sintetase, que é responsável pela produção de proteínas essenciais para a vida vegetal. Com a inativação desta enzima, a planta morre. A soja (assim como a canola, o milho e o algodão) resistente foi modificada com a introdução de um gene que codifica para esta enzima, aumentado o teor de EPSPS na planta, tornando-a tolerante ao herbicida. De acordo com o obtentor da linhagem de soja modificada, apenas e tão somente esta característica é alterada, permanecendo as demais inalteradas. A partir da obtenção do genótipo transgênico, os processos de melhoramento tradicional se encarregam de produzir novas cultivares que incorporem outras características demandadas pelo mercado.

Lei de Inovação, uma turbina para os agronegócios

Décio Luiz Gazzoni

Tempo houve em que bastava ter a boiada pastando placidamente no campo, colher a seiva da seringueira e enrolá-la em fogo brando, ou cortar o fruto de cacau a facão, despachar de navio para a Europa, que estava cumprida a rotina para internalizar riquezas e promover o progresso. Foi com os boi-dólares que a Argentina virou um enclave de Primeiro Mundo ao sul do Equador, a Bahia teve o surto de progresso com os cacau-dólares e não foi diferente com Manaus e seus borracha-dólares.

 

 

 

  Inovação
Bons tempos, que viraram causos à volta do braseiro do churrasco. Para produzir precisamos de Natureza, Capital e Trabalho. Mas, o que vai marcar o III Milênio será Informação, Tecnologia e Inovação como o fulcro da competitividade no mercado globalizado. O potencial de agregação de valor por tecnologias inovadoras supera de longe a soma dos demais fatores de produção. Veja os exemplos: quantas toneladas de minério de ferro exportarmos para comprar um relógio suíço, que pesa 50 gramas? Quanto vale a mais a carne certificada e com traçabilidade? E a quantidade de folhas de Datura necessárias para comprar uma caixa de buscopan? Com quantas sacas de milho se compra uma saca de semente de milho híbrido?
  Inovação e desenvolvimento
Eis por que o Mundo tem investido pesadamente em C & T, para geração de Inovações que, protegidas por Leis de Patentes ou de Propriedade Intelectual, agregam valor e diferencial competitivo, matriz de geração de riquezas, responsável pelo progresso, pelo desenvolvimento, pelo emprego, pela renda e pela qualidade de vida. E que também é responsável pelo peso específico do país no espectro geo-político, nos foros internacionais e nas grandes decisões planetárias.

 

 

         
Porque uma Lei de Inovação?
No dia 15/8, o Presidente da República enviou ao Congresso o anteprojeto da Lei de Inovação, fruto da reflexão da comunidade científica nacional. A proposta reconhece a Inovação como vetor principal da conquista e consolidação de mercados, no ambiente globalizado. Os sinais para uma Lei de Inovação eram inúmeros e evidentes. Um deles foi o estudo do Departamento de Comércio americano, mostrando que, em 1947, menos de 10% do valor das exportações provinha de produtos cobertos por proteção de propriedade intelectual, número que passou a 37% em 1986 e ultrapassou a 50% em 1994. Estima-se que hoje este índice beire os 70%, caminhando a passos largos para superar os 90%.

 

 

 

 

 

 

 

  Patentes
Outra análise mostrou que, além dos EUA, que detém o maior número de patentes, no ano de 2000 foram registradas naquele país 32.924 patentes para o Japão e 10.822 para a Alemanha, o trio de monstros sagrados da economia mundial, que dominam o comércio internacional. Já o Brasil registrou, nos EUA, meras 113 patentes no mesmo ano. Os instrumentos de política econômica para incentivo às exportações, como oferta de crédito, benefícios fiscais e câmbio favorecido, aplicados isoladamente, não redundavam em melhoria do superávit da balança comercial. Observe-se que, em 3 anos, o dólar americano valorizou-se em 200% em relação ao real, para uma inflação interna que mal ingressa nos dois dígitos e continuamos patinando em um patamar pífio de exportações.
  Royalties
Em 1999 os brasileiros depositaram no INPI 3.103 patentes, versus 16.949 pedidos de estrangeiros. Até julho de 2002, os brasileiros solicitaram 620 pedidos enquanto os estrangeiros protocolaram 8.474 solicitações. Em três anos a relação passou de 5,46:1 para 13,66:1 favorável aos estrangeiros, especialmente EUA, Alemanha, França e Japão, (65% dos pedidos). A remessa de royalties cresceu 900%, de US$209 milhões para US$ 2214 milhões, entre 1990 e 1998. Cabe uma comparação entre o Brasil e a Coréia do Sul, cuja sina em 1980 era ter o mesmo destino de pobreza da Coréia do Norte. Seus líderes tiveram a sabedoria e a clarividência para alocar os escassos recursos de um país apinhado de problemas sociais em educação, ciência e tecnologia. Em 1980 o Brasil registrou 33 patentes nos EUA, contra 30 da Coréia. Já em 2000 registramos 113 patentes contra 3.472 dos coreanos. Ou 0,5 patente por milhão de brasileiros e 76 por milhão de coreanos. Por isso a Lei de Inovação chega tarde para a nossa geração, mas pode ser o diferencial de qualidade de vida dos nossos filhos, se ela efetivamente induzir um salto qualitativo na Embrapa e nos demais institutos, gerando inovações competitivas para o agronegócio brasileiro.

Proposta indecente

Décio Luiz Gazzoni

Voltemos ao assédio da ONG Focus on Sabbatical, que está rendendo muita conversa no meio rural, e que vem sendo chamada de Proposta Indecente pela mídia e pelas lideranças e autoridades rurais. A tal Proposta Indecente consiste na oferta de US$165,00 por hectare ao agricultor que deixasse de plantar soja no Brasil. A análise que precisa ser feita não é a de curtíssimo prazo, nem aquela em que se olha para o próprio umbigo: bem, se eu não lucro US$165,00 por hectare, então a proposta é boa. Vamos ao que interessa mesmo.

Perguntas indecentes

Primeira pergunta que não quer calar: se a proposta é tão boa, porque fazê-la aos brasileiros? Porque não pagar aos americanos? Pois os brasileiros vêm lucrando com a cultura da soja, a ponto de expandi-la continuamente, tornando-se um pedregulho no sapato dos americanos. Lá no Norte a rentabilidade tem sido negativa. O que conduz à segunda pergunta que não quer calar: De onde sairá o dinheiro para pagar a conta? Afinal a tal ONG está acenando com US$380 milhões anuais, os quais sairiam do bolso dos produtores de soja americanos. Sairiam?   Se os produtores americanos têm tanto dinheiro sobrando, então porque precisam de um transatlântico de subsídios, a ponto de pedirem mais US$76 bilhões na última Lei Agrícola? Se eles têm dinheiro sobrando não precisam de subsídios. Se dispõem deste dinheiro, então porque o produtor americano, ao invés de pagar US$165,00 ao competidor brasileiro, não tranca a porteira da fazenda, e vem curtir as praias do Nordeste?   Se o agricultor é eficiente, não precisa de subsídio. Se precisa de subsídio é ineficiente. Se é ineficiente não tem dinheiro sobrando. Então vamos à terceira pergunta indecente: Se não tem dinheiro sobrando, de onde ele vai tirar dinheiro para pagar ao brasileiro? Quer a minha opinião: não existem nem US$380 milhões nem qualquer outro valor que possa ser aplicado nesse programa. Agricultor americano que tem dinheiro ou está investindo lá, para melhorar sua competitividade, ou está migrando para o Centro Oeste brasileiro, onde é muito mais competitivo que nos EUA!

Análise indecente

Acho que os donos da tal ONG precisam aprender rudimentos de economia, de funcionamento do mercado e da natureza humana. Senão vejamos: afirmam Ken Goudy e seus companheiros de ONG que, cortando 10% da oferta mundial de soja, o preço cresce de US$3,60 para US$6,00 por bushel. Que bom se economia fosse tão simples, apenas duas engrenagens, eu diminuo a produção, você sobe o preço. Aliás, acho que eles precisam mesmo é de assessoria do inolvidável Garrincha que, na copa de 58, fez a famosa pergunta ao técnico que lhe explicava como fazer três gols por partida: e o senhor já combinou com o outro time?

 

 

  Quem está no mercado conhece a máxima: o preço sobe no boato e cai no fato. Ou o reverso, dependendo de quem está na ponta vendedora e na compradora. Ou seja, no anúncio de que incautos plantadores de 2 milhões de hectares estariam saindo do mercado, o preço futuro pode até subir, pela especulação. Mas, o movimento seguinte é mais previsível ainda: preço em alta significa agricultores entusiasmados para plantar. Logo, cabem duas considerações. A primeira é que os agricultores que se comprometeram a não plantar, efetivamente vão fazê-lo. Não apenas no talhão prometido, mas em suas outras propriedades. E que não vão arrendar terras de vizinhos. Se forem tão éticos assim, estarão abrindo a oportunidade para quem quer renovar pastagem, quem tinha terra para especulação, quem plantava outra cultura, etc., que é a segunda consideração.

Políticas indecentes

O preço é o grande indutor da produção, refletido na intenção de plantio. Logo, os dois movimentos seqüenciais se anulariam. O anúncio da retração da área poderia fazer subir preços, que atrairiam empresários para o negócio, o que derrubaria o preço. E US$380 milhões dos espertos americanos teriam ido ralo abaixo, nos bolsos de incautos brasileiros? Alguma coisa não fecha nesta história. Como não fecha outro cenário. Sabendo o comprador que a redução da produção, não é devida a fatores insuperáveis, como clima, baixo preço, guerras, etc., mas a um movimento artificial para forçar uma alta, ele pode simplesmente pagar para ver. Adia sua intenção de compra, para ver a cara que o mercado assume. Neste cenário, aumento de preços é mais volátil.   Quem controlaria os produtores contratados? Quem impediria que eles plantassem outras culturas? Alguém pode lembrar que os governos dos EUA e de países europeus utilizaram a política do não plantio, para evitar a explosão da oferta. Ocorre que as premissas eram diferentes, os instrumentos de controle estavam disponíveis, e mesmo assim o sucesso foi parcial. A premissa era de que custava mais barato aos governos reduzir a área de plantio do que subsidiar a produção e a comercialização. E os governos dispunham de mecanismos de fiscalização e de punição para os transgressores.

 

Olho gordo indecente

É importante refletir na razão pela qual surge esta proposta e outras mais indecentes surgirão. Porque reduzir a produção no Brasil? Porque soja? Porque milho, que também fez parte da conversa, embora em menor grau? Mr. Ken Goudy pode dizer o que ele quiser, como, aliás, um dirigente da Focus on Sabbatical me disse durante mais de uma hora de conversa pelo telefone. Não me convenceu. A minha opinião é claríssima e vou alinhavá-la de forma didática:

1. A Europa e o Japão, especialmente, vêm subsidiando fortemente sua agropecuária, para garantir o abastecimento alimentar e para fixar o homem ao campo.

2. Como sua população é grande, sua área agricultável pequena, e o clima somente permite uma janela de 5 meses por ano para produção, o produtor destes países perdeu escala - o módulo rural gira em torno de 1-5 hectares.

3. Com a escalada dos subsídios, os objetivos foram atingidos, porém houve super oferta de alimentos e o preço dos produtos agrícolas caiu.

4. Para não perder mercado os EUA passaram a subsidiar com intensidade cada vez maior a sua agropecuária.

5. Os subsídios tiveram dois efeitos perversos: derrubaram os preços agrícolas e viciaram os agricultores, tornado-os ineficientes e sem competitividade.

6. O Brasil sofreu muito com a deslealdade comercial dos países ricos, aliada aos problemas macro-econômicos internos.

7. Com a estabilização da moeda e com a disponibilidade de tecnologia agrícola que não fica a dever absolutamente nada aos países do Primeiro Mundo, o Brasil está acordando de seu histórico berço esplêndido.

8. Se depender apenas de um comércio livre e sem artificialismos de mercado, o Brasil pode duplicar a sua produção de commodities agrícolas a cada dez anos, pelas próximas décadas. Ninguém dispõe da tríade solo, clima e tecnologia como o nosso país.

9. O Brasil avança a passos largos para ser o maior produtor de soja do mundo, e entra firme no mercado internacional de milho e de algodão.

10. Por seu lado agricultores americanos e europeus somente sobrevivem graças aos pesados subsídios, sem os quais são expulsos do mercado.

Conclusão decente

Analisando com cuidado os 10 mandamentos acima, deduz-se que a atitude da Focus on Sabbatical está muito mais para desespero do que para qualquer coisa que tenha um sentido prático. O agricultor brasileiro deve se preparar, porque não apenas propostas, porém imposições ainda mais indecentes virão. Seja na negociação da ALCA, na Rodada do Milênio da OMC, ou nas barreiras comerciais, em especial as sanitárias. Ninguém entrega mercado e poder de graça, a luta será feroz e encarniçada e é importante que todos, agricultores e lideranças, autoridades e a sociedade em geral tenham esta consciência.   A Embrapa tem muita clareza dos tempos difíceis que teremos pela frente, portanto está criando uma oportunidade de ouro para que essa e outras questões do agronegócio da soja sejam discutidas durante o II Congresso Brasileiro de Soja, que será realizado em Foz do Iguaçu, de 3 a 6 de junho de 2002. Ao final do Congresso, seguramente, sairemos todos mais fortalecidos.

 

 

 

Agricultura Orgânica

Décio Luiz Gazzoni

Embora a participação da agricultura orgânica, tanto no volume quanto no valor da produção e do comércio agrícola internacional, ainda esteja em patamares muito baixos, chama a atenção os elevados índices anuais de crescimento deste segmento de mercado. Para um país, como o Brasil, que reúne condições de liderar o agronegócio mundial, e que busca pautar sua produção em boas práticas agrícolas, conferindo-lhe sustentabilidade, o nicho da agricultura orgânica deve merecer atenção especial das autoridades, das lideranças públicas, dos cientistas e dos produtores.

 

 

 

  Mais que uma filosofia ou um conceito, a agricultura orgânica é um negócio florescente, que vem merecendo a atenção das entidades reguladoras. A Instrução Normativa 7/99 do MAPA estatui: sistema orgânico de produção agropecuária e industrial é aquele em que se adotam tecnologias que otimizem o uso dos recursos naturais e sócio-econômicos, respeitando a integridade cultural e tendo por objetivo a auto-sustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energias não-renováveis e a eliminação do emprego de agrotóxicos e outros insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados ou radiações ionizantes em qualquer fase do processo de produção, armazenamento e de consumo, e entre os mesmos, privilegiando a preservação da saúde ambiental e humana, assegurando a transparência em todos os estágios da produção e da transformação.

Bases e objetivos

A agricultura orgânica é um sistema de produção que exclui o uso de insumos químicos como fertilizantes sintéticos de alta solubilidade, agrotóxicos, reguladores de crescimento e outros compostos sintéticos. Os adeptos da agricultura orgânica conferem importância fundamental à matéria orgânica e à vida microbiana do solo. Sua filosofia se lastreia em métodos naturais, anteriores à agricultura comercial de larga escala, busca manter a estrutura e produtividade do solo, bem como o equilíbrio ecológico em harmonia com a natureza.

A agricultura orgânica objetiva:

  1. a oferta de produtos saudáveis e de elevado valor nutricional, isentos de qualquer tipo de contaminantes, que ponham em risco a saúde do consumidor, do agricultor e do meio ambiente;
  2. a preservação e a ampliação da biodiversidade dos ecossistemas, naturais ou transformados, em que se insere o sistema produtivo;
  3. a conservação das condições físicas, químicas e biológicas, do solo, da água e do ar; e
  4. o fomento da integração efetiva entre o agricultor e o consumidor final de produtos orgânicos e o incentivo à regionalização da produção desses produtos orgânicos para o mercado local.

Idealmente, a agricultura orgânica deveria ser implementada em áreas virgens, não submetidas a um processo agrícola anterior. Entretanto, esta premissa conflita com a filosofia de preservação dos recursos naturais, razão pela qual foi desenvolvido o conceito de conversão. Por conversão entenda-se a mudança da forma de manejo do solo, que tem por objetivo "desintoxicar" o local, através da eliminação de resíduos de fertilizantes e agrotóxicos químicos, promovendo a adoção de métodos naturais para a nutrição das plantas e para o controle de pragas. O processo é promovido com o auxilio da microfauna do solo, com a decomposição da matéria orgânica e pode demorar entre um e três anos.

A produção orgânica

As estatísticas disponíveis sobre agricultura orgânica ainda são precárias e de difícil acesso, devendo-se analisar os números com reservas. Em termos mundiais, os principais produtos da agricultura orgânica são horti-fruti-granjeiros; entretanto outros produtos como café, soja ou cereais vêm apresentando crescimento sustentado nos últimos anos.   De acordo com estudo recente do BNDES, o maior número de produtores orgânicos encontra-se na Europa (125 mil), representando 1,83% do total de propriedades, ocupando uma área de três milhões de hectares (2,68% da área total). Seguem-se os países do NAFTA, com 34 mil propriedades ocupando 2 milhões de hectares. No Brasil temos 7 mil propriedades orgânicas, ocupando 270 mil hectares, equivalendo a 0,14% das propriedades e 0,08% da área. Em nosso país a área média de uma propriedade orgânica é de 38 ha, contrastando com 72 ha das propriedades convencionais.

O mercado de produtos orgânicos

O Centro Internacional de Comércio, vinculado à OMC, refere um movimento de US$13 bilhões em produtos orgânicos, no ano de 1998, estimando este valor em US$20 bilhões no ano 2000. Números extra-oficiais apontam para um mercado global próximo aos US$30 bilhões para o ano em curso. O crescimento acelerado do mercado (20-25% a.a.) se deve à crescente preocupação do cidadão com a conservação da Natureza e do consumidor com a contaminação dos alimentos por agrotóxicos. O mercado ganhou impulso com a perda de confiabilidade dos órgãos europeus de defesa sanitária, após os surtos de febre aftosa, vaca louca, ração com dioxina, sangue contaminado com HIV, etc. A agricultura orgânica também representa um contraponto ao uso de OGMs, tornando-se o abrigo seguro de produtores e consumidores que rejeitam a nova tecnologia.   Em termos de produção, o Reino Unido possui grande peso especifico na pecuária com manejo orgânico, com média de 142 ha por propriedade. A Espanha exporta 75% de sua produção para outros países da Europa, enquanto a Itália e a Dinamarca exportam 67% da produção. Outros grandes exportadores dentro da UE são a Áustria e Portugal. Os EUA absorvem integralmente a sua produção, sendo o maior comprador dos produtos provenientes do Canadá e do México.   Individualmente, a Europa reúne o maior contingente de consumidores, movimentando mais de 50% do mercado mundial. A maior participação dentro do continente europeu é a da Dinamarca, onde os produtos orgânicos abocanham 2,5% do mercado total de alimentos. Entretanto, o maior volume de vendas ocorreu na Alemanha (US$1,8 bilhões). Os EUA detém quase 40% do mercado, seguido do Japão com 10%. O Brasil e a Argentina representam cerca de 1% do mercado mundial.

O mercado brasileiro

Se os dados mundiais são examinados com reservas, aqueles provenientes do Brasil não fogem à regra. O Instituto Biodinâmico estima o valor da produção brasileira de 1997 em US$ 90 milhões, tendo sido de US$150 milhões em 1998. Desse total, cerca de 20% foi comercializado no mercado interno. A Tabela 1 apresenta dados referentes à área e ao número de propriedades com agricultura orgânica no Brasil. Verifica-se que a soja tem o maior número de produtores, cujo principal mercado se encontra na Europa e no Japão, embora a maior área esteja concentrada em frutas, cana e palmito, que ocupa um terço do total.   As hortaliças representam o grupo de cultivos que melhor se adapta a este processo. No total são 549 produtores orgânicos no Brasil, número que deve crescer intensamente nos próximos anos. Face ao alto valor unitário das hortaliças, provavelmente este seja o mercado de maior expressão monetária dentro do conjunto da agricultura orgânica.

 

 

 

  O mercado está longe da estabilização, sendo difícil quantificar os prêmios pagos pela produção orgânica. Informações empíricas dão conta de um premio médio de 30%. Entretanto, existem referencias de prêmios variando de 50 até 200% sobre o mesmo produto cultivado pelo sistema convencional. Tomando-se o mercado europeu como comparador, tem-se um premio médio de 15 – 50%, havendo referencias de picos de prêmios de 90% na Suécia.

 

 

Certificação

Por ser um produto diferenciado, para que possa ser comercializado com a rotulagem de orgânico, há necessidade certificar-se a produção e o processamento de todo o produto orgânico. O aspecto exterior como cor ou forma, o perfume, o sabor e a textura de produtos orgânicos em nada diferem dos convencionais. A diferença situa-se no sistema de produção, em especial a ausência de insumos químicos sintéticos. Para que o consumidor possa assegurar-se que está adquirindo um produto com as características desejadas, existem as instituições certificadoras, que atestam a origem e a conformidade da produção orgânica.

 

  No Brasil, a agricultura orgânica é regida pela, Instrução Normativa 7/1999 (17/5/99), sendo o órgão fiscalizador a Secretaria de Defesa Agropecuária do MAPA, que se assessora do Colegiado Nacional de Agricultura Orgânica, composto por dez representantes, com paridade entre Governo e entes não governamentais. Compete ao Colegiado o credenciamento das instituições certificadoras, a coordenação e a supervisão e fiscalização das atividades dos colegiados estaduais. Estes têm como missão assessorar os órgãos de fiscalização estaduais. Existem atualmente no Brasil 19 certificadoras credenciadas, que ainda necessitam cumprir a etapa de regularização junto aos colegiados.

Diversas universidades e institutos dedicam-se à pesquisa em agricultura orgânica. Os centros de pesquisa da Embrapa tem desenvolvido pesquisas sobre agricultura orgânica, sob a coordenação da Embrapa Agrobiologia, localizada no Rio de Janeiro.

Tabela 1. Número de produtores e área de cultivo com agricultura orgânica

Produto

Número de Produtores

%

Área

%

Soja

593

8,40

12.516

4,64

Hortaliças

549

7,77

2.989

1,11

Café

419

5,93

13.005

4,82

Frutas

273

3,87

30.364

11,26

Palmito

40

0,57

20.816

7,72

Cana-de-Açúcar

18

0,25

30.193

11,19

Milho

6

0,08

264

0,10

Processados

127

1,80

   

Outros + Pasto

5.038

71,33

159.571

59,16

Total

7.063

100,00

269.718

100,00

Fonte: BNDES (Elaborado a partir das certificadoras)

 

Produtividade, a arma do agronegócio brasileiro

Décio Luiz Gazzoni

Cada qual luta com as armas que tem, diz o velho ditado. Não é diferente na selva do comércio de produtos agrícolas, onde cada país produtor utiliza o seu diferencial para transformá-lo em vantagem competitiva. O início desta década está descortinando com clareza quais são as armas dos principais atores do agronegócio. O Brasil tem se valido de uma arma poderosa, responsável pelo avanço crescente de seus produtos no mercado: a produtividade agrícola.   No banco de reservas, duas armas de respeito: uma área agricultável não utilizada, que equivale à área atualmente plantada; e um estoque tecnológico ainda não apropriado pelos agricultores, que pode promover um incremento na produtividade equivalente ao verificado nos anos 90. Essas três vantagens brasileiras têm deixado nossos competidores com a pulga atrás da orelha. São esses mesmos competidores que utilizam outra arma, conceitualmente oposta àquela esgrimida pelo Brasil, que é o recurso aos subsídios agrícolas.

Comparativo
Para entendermos a questão, vamos esquecer momentaneamente outros países e nos fixarmos em dois atores de peso – Brasil e EUA. Usaremos estatísticas diferentes, para analisar porque cada país escolheu o ferramental que julgou mais adequado para conferir competitividade aos seus agronegócios. No caso do Brasil, a produtividade das principais culturas cresceu, em média 92%, a partir de 1990 (Tabelas 1 e 2). O caso extremo é representado pelo feijão, que teve um ganho de produtividade de 135%. Em conseqüência, o saldo do agronegócio na balança comercial brasileira incrementou-se proporcionalmente e, apenas nos últimos 6 anos, o saldo comercial do agronegócio cresceu quase 90% (Tabela 3). Em contrapartida, embora os EUA também tenham obtido ganhos de produtividade, estes não foram suficientes para contrapor-se aos incrementos observados na agricultura brasileira. Por outro lado, a área disponível nos EUA, para plantio das principais commodities, reduziu-se em 20 milhões de ha entre 1940 e 2000 (Tabela 4). Para ampliar a área de uma commoditie específica, os americanos precisam diminuir a área de outro cultivo (Tabela 5), como vêm ocorrendo nos últimos anos. Em decorrência, foram obrigados a lançar mão de sua arma mais letal: os subsídios, os quais não impediram uma redução de 2,5 milhões de has nos últimosk 5 anos.

 

  Mais produtividade, mais subsídios, menos preço
O cenário mais provável para o curto e o médio prazo será a luta entre ganhos de produtividade versus apoio financeiro e, marginalmente, incorporação de novas áreas ao sistema produtivo. Como pano de fundo veremos uma diversificação do agronegócio brasileiro, em busca de um leito natural, onde possa trafegar com mais harmonia. Ocorre que, tanto o aumento de produtividade, quanto o protecionismo, se não for acompanhado por um aumento correspondente da demanda, são fortes depressores de preços no mercado internacional. A compressão de preços, por sua vez, é um indutor da demanda, porém com elasticidade limitada. A queda de braço se dará entre a capacidade do produtor brasileiro em resistir a uma quadra prolongada de preços baixos no mercado internacional, lastreando sua competitividade nos ganhos de produtividade e qualidade. De outro lado, o tour de force se dará entre os lobies protecionistas da parte mais retrógrada da agricultura americana, os defensores do livre comércio e os contribuintes em geral. Embora ainda isoladas, levantam-se vozes questionando a prioridade de aplicação do dinheiro do contribuinte americano na sustentação de setores ineficientes da economia. Em contrapartida, estrategistas ancorados nos últimos eventos terroristas, colocam como fora de qualquer mesa de negociação a dependência americana de alimentos produzidos no exterior. A prevalecer esta tese - cenário muito plausível - assistiremos a uma década de discussões gratia argumentandi, pois os americanos estão com a força e dela não abrirão.

 

O arsenal brasileiro
A produtividade é fundamental, ainda temos muito espaço de crescimento, pois estima-se que o agricultor brasileiro sequer apropriou 50% do estoque tecnológico gerado pela Embrapa e outros institutos de pesquisa. Entretanto, existem três outras vertentes que necessitam ser perseguidas, para garantir a continuidade de nossa escalada no mundo dos agronegócios:

  1. Qualidade – O consumidor exige produtos inócuos, certificados, com possibilidade de rastreamento das tecnologias e insumos utilizados, de apresentação impecável. Os sistemas de defesa agropecuária impõem exigências cada vez mais restritas para a importação de produtos agropecuários. Cumpre a nós produzir com os requisitos de qualidade e sanidade exigidos pelos países importadores;
  2. Diversificação e agregação de valor – Os exemplos de protecionismo anteriormente mencionados reportam-se às principais commodities do agronegócio internacional. Além disso, existe um grande espaço de crescimento em produtos de alto valor intrínseco e com grandes possibilidades de agregação de valor, mormente frutas, hortaliças, ornamentais e produtos de origem animal. É necessário investir firmemente neste segmento de grande potencial de negócio, diversificando os parceiros comerciais;
  3. Lição de casa – O que é hoje uma ameaça na realidade é uma reserva de valor para o futuro. Estamos conseguindo vencer a competição contra pesos pesados do agronegócio, como os EUA e seus transatlânticos de subsídios, tendo contra o nosso produtor uma estrutura tributária que o penaliza, com escassez de crédito e juros altos, sem seguro agrícola, com uma infra-estrutura de transporte, armazenagem e de portos muito precária, com deficiências de energia e comunicação. Conforme o Brasil for, paulatinamente, solucionando estes problemas, estaremos agregando competitividade natural ao nosso agronegócio, sem ter que passar pelo vexame de apelar para o protecionismo de uma agricultura ineficiente, como estão fazendo os nossos concorrentes.

O autor é Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e Diretor Técnico da FAEA-PR. Homepage www.agropolis.hpg.com.br

Tabela 1 – Produtividade (kg/ha) das principais culturas do Brasil.

Cultura 

Ano

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

Algodão

1.281

1373

1168

1221

1273

1306

1278

1323

1420

2206

2503

1949

1966

Arroz

1.880

2302

2134

2291

2387

2566

2656

2730

2519

3070

3038

4207

4343

Feijão

477

505

543

638

615

588

570

645

661

681

705

1121

1122

Milho

1.873

1808

2282

2532

2362

2600

2479

2622

2796

2776

2718

4220

4035

Soja

1.732

1553

2035

2124

2163

2199

2249

2297

2353

2372

2403

2763

2652

Trigo

1.153

1423

1429

1482

1554

1541

1833

1635

1611

1969

1515

1867

1962

Fontes: IBGE, Conab

Tabela 2. Ganhos percentuais de produtividade das principais culturas do Brasil.

 

Ano

 

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

Algodão

100

107

91

95

99

102

100

103

111

172

195

152

153

Arroz

100

122

114

122

127

136

141

145

134

163

162

224

231

Feijão

100

106

114

134

129

123

119

135

139

143

148

235

235

Milho

100

97

122

135

126

139

132

140

149

148

145

225

215

Soja

100

90

117

123

125

127

130

133

136

137

139

160

153

Trigo

100

123

124

129

135

134

159

142

140

171

131

162

170

Média

100

107

114

123

123

129

132

134

135

156

153

192

192

Fontes: IBGE, Conab

Tabela 3. Balança comercial do agronegócio (US$ milhões)

Ano

Exportações

Importações

Saldo

% do saldo comercial brasileiro

US$ milhões

1996

21.244

9.124

12.120

44,4

1997

23.493

8.454

15.039

44,2

1998

21.650

8.283

13.367

44,4

1999

20.568

5.831

14.737

44,8

2000

20.689

5.875

14.814

37,6

2001

23.958

4.926

19.032

41,2

2002*

25.800

4.500

21.300

41,0

Fontes: MAPA e Secex

* Estimativa

Tabela 4. Série histórica da área plantada nos Estados Unidos (milhões de ha)

Ano 

Milho

Soja

Trigo

Algodão

Total

1920

36,46

-

27,52

14,53

140,27

1930

34,60

1,25

27,36

17,52

149,53

1940

30,92

4,25

25,01

10,08

140,87

1950

29,30

6,07

28,85

7,65

142,94

1960

28,90

9,87

22,22

6,52

124,89

1970

23,23

17,44

19,71

4,82

118,66

1980

29,54

28,29

32,70

5,87

143,95

1990

27,11

23,39

31,16

4,98

132,05

2000

30,00

30,00

24,00

6,27

129,00

Fonte USDA

Tabela 5.Área plantada das principais commodities nos EUA nos últimos anos

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002 *

Trigo

30,39

28,49

26,63

25,37

25,33

24,12

24,08

Milho

32,05

32,17

32,46

31,32

32,21

30,68

31,77

Soja

25,98

28,33

29,14

29,83

30,07

29,99

30,15

Total

88,42

88,99

88,23

86,52

87,61

84,79

86,00

Fonte: USDA * Previsão

Farm Bill, a Farra dos Subsídios

Décio Luiz Gazzoni

A vida dos produtores brasileiros, e de todos os países agrícolas do mundo, ficou muito mais difícil após 13 de maio de 2002. Paradoxalmente, quando se comemora a Lei Áurea, fomos vítimas do tacão da Casa Grande, digo, Casa Branca. Terá a vida dificultada quem não dispuser de US$170 bilhões (segundo a imprensa) ou de US$412 bilhões (segundo a CNA) para aplicar em subsídios e sustentar produtores ineficientes, que perderam o trem da história. Perderam também o trem da justiça, do livre mercado, das oportunidades iguais, da transparência, ou seja, do eterno discurso do Governo e das lideranças americanas, que afronta a prática comercial dos EUA. Até a embaixadora americana em Brasília, Donna Hrinak, não conseguiu defender a Farm Bill. Também ficou mais difícil a vida do Governo brasileiro, como pude depreender da reunião de discussão do Plano Safra, da qual participei, e onde pude constatar o denodo do Ministério da Agricultura em encontrar fórmulas que mitigassem a afronta da Lei Agrícola americana aos agricultores brasileiros. E, ao contrário dos EUA, preocupando-se em não violar os acordos internacionais.    
         
  Porque a Farm Bill?
Subsídio é exatamente igual a crack, cocaína ou qualquer droga pesada. No começo é enlevo, prazer, felicidade. Depois uma dependência da qual não é possível livrar-se sem muito sofrimento, no mais das vezes levando à própria morte. Morte física dos viciados em droga, morte do negócio dos viciados em subsídios. A inteligentzia americana revoltou-se contra a quebra de contratos promovida pelo Executivo e pelo Congresso Americano e contra a violação de princípios caros à História americana, como o liberalismo econômico e comercial (veja o artigo The Terrible Farm Bill). Ocorre que países essencialmente agrícolas - dos quais o Brasil é um dos paradigmas - modernizaram-se, tornaram-se eficientes, dispõem de tecnologia de última geração, ganharam em competitividade, ocupando espaços de forma sustentável no mercado internacional. Incapazes de competir num ambiente de livre mercado, por seus altos custos, os retrógrados e incompetentes agricultores americanos pressionaram seu Governo (altamente suscetível em um ano eleitoral), arrancando de suas entranhas um festival de subsídios que permite a esse agricultor incompetente acomodar-se, tornar-se independente do mercado. Não importa o preço de mercado, o agricultor americano tem sua renda garantida, o que o torna um acomodado, um ineficiente. No meu entender a Farm Bill tem como objetivo econômico combater a alta competitividade do Brasil e outros países agrícolas.
 
         
    Os malefícios da Farm Bill
O primeiro e mais importante malefício é que ela derruba o preço dos produtos agrícolas subsidiados, impedindo uma competição leal e justa no mercado, baseado em preço e qualidade. A violenta escalada de subsídios patrocinada pelo Governo americano, a partir de 1996, teve como uma das conseqüências a derrubada do preço da soja ao patamar médio de US$4,50/bu, ao longo dos últimos quatro anos, o que é o menor preço de todos os tempos. Ocorre que, enquanto o produtor brasileiro tem um custo de produção na faixa de US$ 6,50/saca, o produtor americano gasta US$11,20/saca. Com o preço de mercado a US$8,00/saca, o produtor brasileiro tem uma margem bruta de US$1,50/saca, fruto de sua competência e das leis do livre mercado. Já o produtor americano tem um subsídio de até 50% do preço de mercado para cobrir seus custos e auferir uma margem.
         
  As conseqüências da Farm Bill
Países agrícolas, o Brasil entre eles, não têm outra saída para o futuro que não investir nos agronegócios, para alavancar seu desenvolvimento e resolver seus problemas de emprego, geração e distribuição de renda e justiça social. Restam duas alternativas: ou esses países abdicam de seu futuro, em nome de manter a incompetência de parcela dos agricultores americanos, ou buscam fórmulas para fugir dos tentáculos da malfadada Lei americana. A margem de manobra é muito pequena. No melhor cenário, os produtores devem investir em uma dramática redução de custos, avanço tecnológico, ganhos de produtividade, melhor administração dos fatores de produção e de comercialização. Não se pode esperar muita ajuda do Governo, pois não há como países pobres competirem com os transatlânticos de dólares que o Governo americano vai despejar em sua ineficiente agricultura. Já no pior cenário, para não ser empurrado para fora do negócio, o agricultor se obrigará a adiar investimentos na conservação do meio ambiente, "esquecer" compromissos tributários, demitir ou aviltar sua mão de obra, adiar investimentos para modernização do negócio, entre outros.
 
         
O preço da irresponsabilidade
A edição casuística e eleitoreira da Farm Bill servirá, no curtíssimo prazo, para sustentar a renda de produtores americanos não competitivos. Transferirá para o irmão do Norte a renda e o emprego que pertencem por condição natural aos países de vocação agrícola, mais competitivos. Significará que esses países perderão oportunidades de desenvolvimento, aumentará o desemprego, a pobreza, a fome, a má distribuição de renda. A migração rumo ao Hemisfério Norte seguramente aumentará, agravando conflitos internos desses países, acirrará a discriminação, o ódio racial, recrudescerão os problemas de segurança pública nos dois hemisférios, será dado o mote para terroristas em geral justificarem as suas ações. Não será um preço muito alto para garantir alguns minguados votos de um restrito número de eleitores rurais, vis a vis o interesse dos próprios americanos e do mundo?
   

BOX

This Terrible Farm Bill

(Artigo original em Inglês, publicado pelo Washington Post. By John Boehner and Cal Dooley. Thursday, May 2, 2002; Page A23. Trad.: D. L Gazzoni)

O Congresso deu um passo histórico para eliminar os subsídios agrícolas federais com o "Freedom to Farm Act" (Lei da Liberdade para Produzir). Produtores que plantam milho, arroz, trigo, algodão, soja, sorgo, cevada e centeio estavam supostamente livres da intervenção do governo federal, que estipulava o quanto eles poderiam produzir. Em contrapartida, os subsídios governamentais seriam gradualmente extintos, permitindo que a agricultura operasse em um sistema de livre mercado.  
     
  Infelizmente, o futuro deste programa que representa o bom senso não parece promissor, porque o Congresso está em vias de retroceder em 50 anos o relógio da política agrícola. A "Farm Bill" vai alterar dramaticamente os programas agrícolas federais. Sob a nova legislação, os produtores terão liberdade para plantar o que quiserem, porém generosos subsídios agrícolas sustentarão a produção.
     
Ao longo dos últimos anos, os presentes níveis de subsídios agrícolas conduziram a ofertas superiores à demanda, derrubando os preços agrícolas, e agora mais de 40% da renda líquida agrícola advém do governo federal. O aumento de subsídios governamentais somente perpetuará este ciclo vicioso. Sob a nova legislação, os subsídios existentes serão expandidos e novas comodities serão cobertas pelo programa. E o livre mercado será abandonado, tornando os agricultores completamente dependentes do Governo Federal.  
     
  Estes novos programas e sua expansão representam 76% de aumento nos gastos com a agricultura. Este incremento dramático, durante um período de guerra e de escalada de déficit público não possui precedentes e é irresponsável. Estas estimativas têm como premissas aumentos de preços nos produtos agrícolas, com o que não concordam os economistas agrícolas independentes. Se as estimativas estiverem erradas – o que parece ser o caso – a nova Lei custará aos contribuintes entre US$10 a US$20 bilhões além do projetado.
     
Além disso, a "Farm Bill" viola os nossos compromissos comerciais. Os acordos assinados pelos EUA limitam os subsídios agrícolas domésticos que distorcem a produção e o comércio a não mais de US$19 bilhões por ano. Há pouca dúvida de que a Lei excederá estes limites. Considerando que 96% dos consumidores de produtos agrícolas vivem fora dos Estados Unidos, o comércio agrícola internacional é vital para os nossos produtores. Mas está lei seguramente provocará retaliações dos nossos concorrentes. Prova disso, observe como os nossos parceiros comerciais estão reagindo às novas sobretaxas do aço.  
     
  Para muitos agricultores o Governo se tornou o principal suporte do agronegócio americano. Além disso, sem o Governo Federal, a maioria dos agricultores americanos que recebe subsídios seria banido de seu negócio. Entretanto, muitos produtores não sofreriam um impacto fatal com o declínio dos subsídios agrícolas, pois a agricultura continuaria seu curso mesmo sem este suporte. Mais ainda, a maioria das propriedades agrícolas sobrevive sem recursos federais. A Califórnia é o maior produtor agrícola, embora somente 9% de suas fazendas receba subsídios. Iowa, que concentra suas produção nos cultivos tradicionais, recebe o triplo do recurso.
     
O cenário mais provável é que, em dois anos, nós estaremos soterrados por uma sobre-produção agrícola, baixos preços das comodities e excessivos gastos governamentais. Teremos perdido diversas contestações frente à OMC e os subsídios terão excedido os limites orçamentários. Nós seremos forçados a cortar benefícios e a reescrever a legislação. Alternativamente, nós poderemos enviar a proposta de volta ao Senado para ser redesenhada, em um ambiente muito menos volátil, em termos políticos, após as eleições de Novembro. Enquanto isto, poderíamos aprovar uma legislação de emergencial com medidas suplementares para conferir paz de espírito e a segurança que eles precisam agora.  
     
  A menos que tenhamos uma ação responsável, nós estaremos na mesma posição antes que se esgotem os seis anos de duração da "Farm Bill", reescrevendo-a para escapar do profundo abismo que estamos cavando com esta Lei. O que nos espera será um aumento do déficit público, nossos aliados comerciais se tornarão hostis e o pior dos mundos – o fosso entre os produtores mais pobres e mais ricos será aprofundado.

Soja, a locomotiva do agronegócio

Décio Luiz Gazzoni

A agricultura universal não registra outro casamento que deu tão certo quanto a soja e o Brasil. E não faltou sogra chata, cunhado perturbador, filhos mal-criados, dinheiro curto, coisas que acabam com um casamento promissor. Em 40 anos saímos do flerte tímido para uma prole de 42 milhões de toneladas, que não ultrapassaram 50 milhões à débito dos desacertos macro-econômicos, fiscais e financeiros do Brasil, especialmente entre 1985 e 99. Tivera o produtor brasileiro tão somente as condições de produção do sojicultor americano – e não me refiro a subsídios! - e hoje ostentaríamos uma colheita 20% superior, na hipótese pessimista. O verdadeiro caos financeiro em que se transformou o Brasil durante o Governo Sarney, com inflação estratosférica, juros similares, quebra de contratos e falta de investimento na infra-estrutura produtiva, criou turbulências no idílio entre Glycine max e Pindorama. Graças a Zeus e ao Cupido, outros fatores impulsionaram o romance à sua lua de mel atual.   Abrindo as comportas
A soja surgiu comercialmente no Brasil a partir do Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, uma parceria estratégica com o trigo para dividir os custos fixos da lavoura. De cultura secundária, a soja rapidamente estabeleceu-se como a principal alternativa econômica, impulsionada por picos de preços motivados pela falta de estabilidade da oferta de outras fontes de proteínas e por saltos na demanda mundial. O generoso pampa gaúcho, e logo o Sul do Brasil, ficaram pequenos para o grão gigante. Porém uma muralha aparentemente instransponível parecia impedir seu plantio comercial nas latitudes mais baixas. Próximo do Equador, 200 milhões de hectares virgens aguardavam quem os fecundasse.
 

Tributo a um gênio
A Europa pariu Beethoven, van Gogh, Dostoiewsky, Pasteur. Na Embrapa Soja tivemos o supremo privilégio de conviver com um talento de mesmo quilate. Coube a um gênio, o Dr. Romeu Afonso de Souza Kiihl, e à sua equipe, o mérito de romper as comportas tecnológicas e permitir que o Cerrado se inundasse de soja. A genialidade criativa do Dr. Romeu pôs um fim à dependência genética que o florescimento da soja tinha em relação ao comprimento da noite. O carisma e a liderança do Dr. Romeu permitiram que ele implementasse uma rede de melhoramento de soja, responsável pela base genética das cultivares mais importantes em cultivo no Brasil e nos países vizinhos, o que o torna diretamente responsável pela explosão da soja no Brasil. O Dr. Romeu já conquistou seu lugar na Historia Mundial como a mente privilegiada que destrinchou o segredo da soja tropical, esperança de aplacar a fome e gerar emprego e renda para centenas de milhões de seres humanos.

 

 

 

  Base tecnológica
Onde passa um boi, passa uma boiada. Aberta a porteira dos cerrados, os cientistas da Embrapa, liderados pelo Dr. Romeu Kiihl, aprimoraram os sistemas de produção da soja, permitindo a expressão de seu potencial. A tecnologia made in Brazil duplicou a produtividade brasileira nos últimos 40 anos, feito inédito no plano mundial. Durante o II CBSoja, renomados cientistas de todo o mundo esmiuçarão a planta e suas relações com o meio ambiente, desde o preparo do solo, o ambiente radicular, a fertilização, os microorganismos associados e como toda esta tecnologia não apenas aumenta como estabiliza a produtividade da soja. As tendências das novas cultivares e uma discussão definitiva sobre as cultivares transgênicas serão pontos fortes dos debates entre cientistas, produtores, importadores e exportadores de soja. A fitossanidade, pela importância capital que possui, terá uma temática privilegiada durante o II CBSoja. A tecnologia pós colheita também faz parte da pauta do Congresso. O Mundo investe, com intensidade cada vez maior, no desenvolvimento de novas alternativas energéticas, de base renovável, como o biodiesel, que tem na soja a principal fonte de óleo. Porém, a vedete do aproveitamento será o uso alimentar da soja, suas propriedades funcionais na medicina humana, como preventivo ou terapêutica de disfunções orgânicas e de tumores.
 

Os números da soja
A soja é o principal componente do agronegócio brasileiro, com o maior valor de produção na fazenda e o maior valor agregado. Em 2002, a produção de 42 milhões de toneladas foi obtida em 14 milhões de hectares. A soja só não é cultivada na Amazônia, no Pantanal e no semi-árido Nordestino. O valor intra-porteira da soja brasileira ultrapassa US$6 bilhões e a cadeia da oleaginosa supera US$20 bilhões. Cerca de 250 mil propriedades plantam soja, gerando emprego e renda para mais de 2 milhões de brasileiros, um universo familiar de 8 milhões de pessoas. O superávit da balança comercial brasileira é integralmente devido aos produtos do agronegócio, que geram um superávit de US$19 bilhões, grande parte derivado da exportação de soja.

 

  Soja, um fator desenvolvimentista
Os cenários traçados a partir da visão de futuro antevêem para a cultura da soja um crescimento sustentado, rumo ao principal agronegócio do mundo. A produção de 170 milhões de toneladas caminha a passos largos para superar 200 milhões em breve lapso de tempo, com perspectivas de manter este crescimento até meados deste século. É uma oportunidade sob medida para o Brasil, que já demonstrou no passado ser capaz de acrescentar um milhão de toneladas por ano à sua produção. Plantando soja, os agricultores semearam cidades que floresceram no Centro Oeste brasileiro, transformando a paisagem e a economia de estados como o Mato Grosso. Na esteira da soja o milho, o algodão, as frutas, a agroindústria atraem não apenas brasileiros, porém investidores de outros países, impulsionando o desenvolvimento.
 

As ameaças
Há os espinhos. O II CBSoja chamará a atenção para as ameaças que pairam sobre a expansão acelerada da soja, justamente ocasionadas por este impulso, que provoca movimentos contrários dos competidores. Renomadas lideranças do agronegócio nacional e autoridades do Governo brasileiro estarão discutindo as mudanças necessárias no plano interno, como o redirecionamento da política agrícola, o financiamento da produção, o investimento em infra-estrutura, as reformas tributária e fiscal, a proposta indecente da ONG Focus on Sabbatical que gostaria de ver o Brasil fora do mercado, antes que a soja brasileira force os agricultores americanos a saírem dele. Discutir-se-ão também as barreiras para-fiscais e os subsídios dos países ricos, últimos mata-burros no caminho da liderança brasileira. A discussão é oportuna por ser 2002 um ano eleitoral, uma oportunidade exclusiva de colocar na agenda dos próximos governantes o compromisso com as mudanças para garantir a competitividade da soja nacional.
  As oportunidades
O mercado expande-se pela ampliação da demanda vegetativa, associada ao crescimento populacional; devido ao incremento da renda global; pelo ingresso no mercado de países como a China, maior importador individual de soja do mundo, da Indonésia e de outros países com poder de alterar o equilíbrio do mercado; e pela expansão do uso da soja, com novas descobertas escapulindo da cornucópia dos cientistas a todo o instante. A diferenciação do mercado, como o dueto soja transgênica ou não transgênica, o nicho da soja orgânica, a especialização da soja destinada à produção de alimentos ou a busca de uma soja melhor adaptada à ração animal são alguns dos assuntos que constam da pauta do II CBSoja. Que, seguramente, será mais um marco na trajetória de sucesso da soja em nosso país.

 

 

     

Energy biotrade

Décio Luiz Gazzoni

Na próxima semana realiza-se na Vrije Universiteit (Amsterdã, Holanda), um Workshop Internacional para discutir a sustentabilidade do comércio internacional de biomassa para produção de energia, em larga escala. Cerca de 50 convidados entre grandes empresários, investidores, cientistas e autoridades governamentais estarão discutindo o que pode ser um dos maiores agronegócios do futuro próximo. Este escriba estará presente, coordenando a sessão de Ciência e Tecnologia.

Um mundo em perigo
A vulnerabilidade da matriz energética mundial e o Efeito Estufa deveriam estar entre as maiores preocupações do mundo atual, e de suas lideranças conscientes. Infelizmente, não foi o que ocorreu na Conferencia da ONU Rio+10, realizada em Joanesburgo. O Presidente George Bush sequer compareceu para não ser confrontado com a realidade e não ter que refutar, de viva voz, compromissos inadiáveis. Os países ricos, responsáveis por 75% da poluição atmosférica mundial (25% só nos EUA), recusaram a proposta brasileira de aumentar 10% de energia proveniente de biomassa, na próxima década. Ocorre que os países ricos não estão dispostos a custear a modernização de suas indústrias obsoletas, que emporcalham o ar e condenam o planeta ao sufoco. O Brasil, ao contrário, modernizou o seu parque siderúrgico, à custa de capital e empregos, portanto polui menos que seus congêneres primeiro mundistas.
  Matriz energética
As principais fontes de energia são carvão e petróleo, suas reservas se esgotarão em duas gerações, tornar-se-ão progressivamente mais caras conforme escassearem e pelos custos crescentes de sua exploração. Sem contar a instabilidade política do Oriente Médio, que torna o abastecimento e os preços incertos. Os combustíveis fósseis são os principais responsáveis pelo efeito estufa, que pode mudar radicalmente o clima na Terra, com conseqüências terríveis embora toda sua extensão seja imprevisível. A energia nuclear não se mostrou uma solução viável, pelas falhas de segurança, inclusive por não se dispor de um meio seguro de eliminar o lixo tóxico. A energia hidroelétrica é uma dádiva divina, sendo o Brasil um dos raros países do mundo onde esta fonte pode ser usada em larga escala.

 

Biomassa energética
A biomassa será uma das mais importantes fontes de energia, no futuro próximo. O Brasil já teve um Pró-álcool que poderia ter sido um exemplo mundial de sucesso e de boas maneiras com a Natureza. Infelizmente, o mau planejamento passado colocou o programa em risco, mas está sendo novamente resgatado, para o bem de todos nós. Os EUA investem em metanol de milho e biodiesel de soja, assim como a Alemanha e outros países. A energia de biomassa pode ser obtida a partir da madeira de reflorestamento ou dos sub-produtos da indústria madeireira, de plantas oleaginosas ou que contenham alto teor de carboidratos. Resíduos da produção agrícola e dejetos animais também podem ser usados como fonte energética. A biomassa é uma fonte renovável, que pode ser aproveitada por muitas gerações futuras. Além disto, no cenário mais pessimista, ela é neutra do ponto de vista do Efeito Estufa, pois os gases emitidos por sua combustão se equivalem ao fixado para sua produção. Entretanto, se forem utilizados plantas perenes, como palmáceas ou essências florestais, o seqüestro de carbono e sua fixação é superior à emissão.
  Os desafios tecnológicos
As questões que se antepõem dizem respeito à substituição de fontes na matriz energética não são de grande porte. Ao contrário são solúveis no curto prazo, como o Brasil demonstrou ao desenvolver o motor a álcool e, agora, está desenvolvendo um motor que pode funcionar com qualquer mistura de combustível, desde 100% álcool até 100% gasolina. Da mesma forma, altos fornos, termo-elétricas ou outras formas de geração ou consumo industrial de energia podem sofrer adaptações no curto ou médio prazo, para operar com combustíveis alternativos. O maior desafio dos pesquisadores será gerar sistemas de produção de biomassa em larga escala, ou seja, centenas de milhões de toneladas, com balanço energético altamente favorável, de grande facilidade de transporte e uso. Aí está a oportunidade brasileira, pois poucos países no mundo reúnem condições para ofertar biomassa com estas características. As grandes lideranças mundiais desprezaram a oportunidade em Joanesburgo, mas empresários, investidores e cientistas de larga visão estão atentos à oportunidade, e este é o motivo do Workshop em Amsterdã.

Vinho

Décio Luiz Gazzoni

Com a veneração e o respeito que o néctar dos deuses merece de todos os mortais, arrisco-me a discorrer sobre vinho. As reminiscências da saga do vinho nas últimas décadas ocorreu-me em recente viagem à Argentina, iluminada a vinho e tango. O vinho argentino como o chileno, está entre os mais respeitados do mundo. Uma competição com o vinho brasileiro para ninguém botar defeito. Entretanto, a indústria vinícola nacional, em especial aquela dedicada à produção de vinho fino, encastelada na serra Gaúcha, está preparada para enfrentar a concorrência. Um setor que amadureceu comercialmente, mas também tecnologicamente, com o apoio da Embrapa Uva e Vinho, localizada em Bento Gonçalves – RS.   Branco ou tinto?
Entre os connoisseurs a disputa pela preferência por vinhos tintos e brancos é um embate milenar. Digladiam-se argumentos de parte a parte, com adeptos e devotos convictos em cada lado. Até recentemente os adeptos do vinho branco vangloriavam-se de sua superioridade. Mas o vinho tinto, mais sóbrio e requintado, impôs-se na preferência entre os iniciados, levando de arrasto os consumidores. Como exemplo do novo tempo, mencione-se que a Casa Omellaia, uma das mais tradicionais da Itália, e que levou o Oscar do setor - o título de Vinho do Ano - anunciou que os últimos 10 ha que ainda possuía de uvas brancas cumpriram sua missão e serão aposentados. Em seu lugar brotarão cepas de uvas finas destinadas a produzir vinhos tintos. E olhe que os brancos da Casa Omellaia sempre foram conceituados.
  Preferência
O cliente sempre tem razão. Esta máxima vale – e porque não valeria? – para o vinho. Os tintos da casa Omellaia, de qualidade equivalente aos brancos, alcançam um preço até 1000% superior no mercado de vinhos finos. A busca por produto de maior qualidade chegou – felizmente – ao consumidor brasileiro. Reduto de descarga do famigerado vinho branco da garrafa azul, de procedência alemã, ícone da baixa qualidade, o mercado brasileiro tem se sofisticado, rendendo-se aos vinhos mais finos. As estatísticas mostram que os vinhos de alta qualidade, de procedência garantida, vêm crescendo gradativamente na preferência do consumidor. No final da década de 90 a venda de vinhos finos foi cinco vezes maior que no início da década. A sofisticação ensinou a consumir vinho tinto em diferentes ocasiões, a promover as combinações e os acompanhamentos, a adequar a temperatura e a apreciá-lo em qualquer clima.
 

Globalização
A produção de vinhos finos na América Latina é recente. Em minha adolescência, estudante de Enologia, aprendi que vinho fino procedia da França, Itália, Espanha, no máximo de Portugal. Vinho nacional era motivo de vergonha, prestava-se para produzir sagu, servia de matéria prima para quentão de festa de São João ou para produzir destilados. O tempo passou e hoje os melhores vinhos do Chile e da Argentina competem com os europeus. Como competem os produzidos na Califórnia, na Austrália, Nova Zelândia, África do Sul ou Romênia, cujo refinamento é recente. E aqueles elaborados no Brasil, que desfilam garbosamente nos concursos internacionais, e que têm arrebatado alguns dos galardões importantes que têm disputado.

 

 

  Supremacia
Esses dois movimentos – a diversificação dos locais de produção e a supremacia do vinho tinto – ocorreram concomitantemente. Mesmo em regiões tradicionais como em Bordeaux ou na Borgonha tive a oportunidade de ver o avanço dos vinhos tintos. A Califórnia, no início de sua era vitícola, era conhecida pelos seus vinhos brancos, que ficaram famosos no mercado americano. Não mais. É só ingressar em qualquer boa loja de vinhos finos e vamos encontrar uma diversidade de vinhos made in Califórnia com aquela cor avermelhada que vem se firmando como símbolo de vin premier. A evolução do consumidor permitiu que seu olfato e seu paladar percebessem a sofisticação dos buquês dos vinhos tintos, combinações únicas derivadas da matéria prima e do processo de fermentação.
  Tecnologia
Nos bastidores dessa mudança encontra-se uma verdadeira revolução tecnológica, que permitiu elaborar vinhos cada vez mais sofisticados e de aroma e sabor apurado. A Embrapa Uva e Vinho tem se constituído em baluarte da cadeia da uva, tanto gerando novos porta-enxertos para servirem de base a cepas de variedades de melhor qualidade, geradas em seus campos experimentais, quanto aprimorando técnicas de fermentação e envelhecimento que tem auxiliado a colocar o Brasil entre os países produtores de vinho de alta qualidade. Tchin, tchin e salute.

 

 

 

Os agronegócios e o próximo Presidente do Brasil

Décio Luiz Gazzoni

  

Breve elegeremos o Presidente da República, que comandará o país nos próximos 4 ou 8 anos. Todos sabemos que o pensamento, as idéias, as propostas e os princípios do Presidente possuem enorme influência nas políticas públicas e nos rumos que o país seguirá.

    O que se pode dizer da relação entre o Brasil e a agropecuária são chavões consolidados: a vocação brasileira é para o agronegócio, trata-se do maior negócio setorial do país, é através dele que o Brasil pode alavancar seu progresso e seu desenvolvimento, é o ramo da economia que pode responder com maior rapidez e segurança a qualquer política de renda e emprego, etc.

    Dispensável desfilar os números da pujança agropecuária do país e do enorme potencial não explorado, que pode nos conduzir à liderança mundial dos agronegócios. O que realmente importa neste momento são dois aspectos: uma reflexão das prioridades de política agrícola para o mandato do próximo presidente; e os compromissos expressos nos programas de governo, de cada candidato. Este dueto de reflexões, seguramente, auxiliará o eleitor a decidir quem melhor pode apoiar os agronegócios brasileiros a expressar a sua potencialidade, e quem entendeu que a vocação brasileira é o agronegócio. Vamos alinhavar alguns pontos a considerar:

 

  Prioridades do agronegócio
É necessário melhorar consistentemente todos os aspectos ligados ao financiamento da produção. O setor precisa ser desvencilhado das amarras de uma legislação tributária arcaica, que penaliza o sistema produtivo. Particularmente, o produtor não consegue se beneficiar do principio da não cumulatividade dos tributos. É preciso melhorar a infra-estrutura de armazenagem, transporte e comercialização. Há necessidade de garantir a integridade patrimonial dos produtores. Deve-se evitar a expulsão de pequenos agricultores do campo e produzir uma reforma agrária justa e condigna. O Governo brasileiro terá que ser cada vez mais agressivo na luta contra o protecionismo agrícola, auxiliando o setor a expandir os seus mercados. Também depende do Governo a coordenação e a liderança tanto na geração de novas tecnologias agropecuárias, quanto na manutenção de um sistema de sanidade agropecuária que se situe entre os melhores do mundo. Estes quesitos, juntamente com sistemas modernos de certificação e rastreabilidade serão poderosos incentivos à colocação dos produtos brasileiros no mercado internacional.

 

 

 

  Os programas de governo
Recomendamos ao (e)leitor que reflita sobre estas e outras prioridades do agronegócio brasileiro, cotejando-as com as propostas, os princípios e as intenções dos candidatos a presidente, constantes de seus programas de governo. Aja da mesma forma com respeito aos candidatos aos demais cargos, aquilatando seu real vínculo com a agropecuária. Agindo desta forma, conscientemente, o eleitor estará contribuindo para que o nosso setor tenha representantes efetivamente comprometidos com as prioridades da agropecuária. Vamos resumir alguns tópicos relativos à agricultura, constante dos programas de governo dos candidatos a presidente da República (em ordem alfabética):

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 Anthony Garotinho

O candidato reconhece o potencial da agropecuária brasileira e ressalta a importância da agricultura familiar. Embora reconheça a existência e a importância de uma agricultura empresarial, o programa refere "Mas o Governo do PSB tem seu foco e sua prioridade de atuação claramente definidos. A opção é para o segmento dos pequenos proprietários rurais, aqüicultores, pescadores artesanais e suas formas de associação e de organização. Neste segmento, além dos vários grupos de agricultores familiares, conforme hoje são classificados, estão englobados todos aqueles que não têm escala empresarial, que dependem da política de crédito rural e de outros mecanismos de apoio oficial, para prover sua sustentabilidade."

 

 

Seu compromisso com a reforma agrária está explícito no texto "...o clamor por assentamento de milhões de trabalhadores rurais sem terra, exigindo que se defina e aplique uma verdadeira reforma agrária que em tempo hábil distribua terras em qualidade e quantidade suficiente e garanta condições produtivas que dêem sustentabilidade a estes novos agricultores familiares" (sic).

    O candidato propõe cinco programas estruturantes: Recuperação da Infraestrutura do Agronegócio, Eletrificação Rural, Irrigação e Drenagem, Defesa Sanitária animal/vegetal) e incentivos tributários e financeiros. Detalhes do programa do candidato para a agricultura podem ser analisados em www.garotinho40.com.br/scripts/detalheplanogoverno.asp?id=14

 

Ciro Gomes

A proposta leva o título "Política Agrícola e Reforma Agrária" (www.ciro23.com.br/23/noticias/vernoticia.asp?id=300). O texto é curto, resumido e pouco elucidativo e refere como diretriz: "Nosso compromisso central para a agricultura é a expressão na agricultura da democratização do mercado que queremos promover em todos os setores da economia. Na agricultura, esse compromisso significa lutar para superar pouco a pouco a divisão entre um setor de grandes agronegócios e um vasto mundo de pequenos lavradores, com ou sem terra, abandonados ao próprio destino e desprovidos das condições básicas para trabalhar."   Define seis eixos principais de atuação: a) Desenvolver estoques estratégicos; b) Instituir rede de centros federais, especializados nos problemas de cada setor; c) Contribuir para a expansão de uma agricultura moderna; d) ampliar o crédito agrícola; e) Incentivar a piscicultura; f) Consolidar a posição mundial do Brasil como produtor de cereais e de carne."

 

 

José Inácio Lula da Silva

Não há um capítulo específico do programa de governo dedicado à agricultura ou aos agronegócios. Referencias sobre o tema estão dispersas em outros títulos como o Programa de Combate à Fome, o Fortalecimento da Economia Nacional, a Política Externa para Integração Regional e Negociação Global em que são priorizados os temas da agroindustrializacao e da agricultura familiar. Veja detalhes em www.lula.org.br/obrasil/programa.asp   Talvez o parágrafo síntese do pensamento do candidato seja "A ampliação da produção de alimentos por meio de uma política agrícola dirigida para o binômio agricultura familiar e agricultura organizada em bases empresariais. Essa política, que terá como base o fortalecimento da agricultura familiar através de políticas de crédito estáveis previstas nas leis orçamentárias da União, assistência técnica e políticas sociais, visa melhorar as condições de trabalho e renda das famílias exclusivamente agrícolas, que residem no campo e trabalham a terra por conta própria, e das famílias rurais cujos membros combinam atividades agrícolas e não-agrícolas". A Reforma Agrária é abordada em um capítulo separado, onde são explicitados detalhes de como a questão seria tratada em um eventual mandato do candidato.

   

José Serra
 

É o candidato que dedica o maior espaço à agricultura, com um documento de 20 páginas, profuso de detalhes de diagnóstico, propostas e instrumentos para sua implantação. A íntegra do documento está em www.joseserra.org.br/site/planogoverno/programaserraagropecuaria.pdf.

    O candidato aborda diversos temas como a importância da agropecuária para o emprego e a renda nacionais, a interiorização do desenvolvimento, a estabilidade dos preços e a geração de divisas, reconhecendo no setor o grande motor da economia nacional.

 

   As principais propostas para o setor são a desoneração tributária; o acesso aos mercados mundiais mediante o combate ao protecionismo, aos subsídios e às barreiras comerciais; o financiamento e seguro agrícola adequados; o apoio à agricultura familiar; a melhoria da infra-estrutura para a diminuição do Custo Brasil; a geração e difusão de tecnologias novas e adequadas; o estímulo à agricultura irrigada, principalmente no semi-árido nordestino; o apoio à agricultura familiar; o apoio ao cooperativismo rural; e a política tecnológica para a agropecuária. Neste particular destaca: "A principal prioridade será fortalecer a Embrapa, instituição que tanto benefício trouxe para o progresso do país. Será ampliado o investimento em pesquisa e desenvolvimento, inclusive aquele voltado para agriculturas típicas de exploração familiar, recorrendo às parcerias entre os setores público e privado."  

O programa detalha políticas setoriais específicas para produtos (café, leite), programas (biomassa para produção de energia) ou políticas sociais e ambientais na agricultura, assumindo um compromisso explícito com a sustentabilidade dos processos agropecuários.

    A reforma agrária contempla quatro pontos principais: Consolidar os assentamentos implantados; implantação de novos assentamentos rurais; programas de crédito à aquisição de lotes e à montagem de infra-estrutura; e reforçar a atuação do Banco da Terra, elevando o teto de financiamento.

 

       Leia, reflita e vote

Caro leitor, não se restrinja ao exposto nesta coluna. Leia atentamente o programa de cada candidato e tire as suas conclusões. Esta será a única forma de aprimorarmos a democracia brasileira e contarmos com dirigentes efetivamente comprometidos com as grandes prioridades nacionais, em especial com os agronegócios, o caminho mais curto para um Brasil melhor no futuro próximo.

Agricultura de Energia

Décio Luiz Gazzoni

Na semana passada participamos de um Workshop em Amsterdam, discutindo o comércio internacional de biomassa para energia. Não sou Nostradamus, mas arrisco prever que a Agricultura de Energia, e a produção de matéria prima para a indústria química, movimentarão um volume financeiro muito superior à Agricultura de alimentos e fibras. Múltiplos são os motivos para essa conclusão e não cabem neste espaço. Basta dizer que, atualmente, o mercado de energia e petroquímica é muito maior e cresce a taxas maiores que o de alimentos.

Efeito Estufa
O espaço também é curto para discorrer sobre o Efeito Estufa, que provoca mudanças climáticas violentas e altamente prejudiciais, principalmente à agricultura. Estudo do Governo Britânico mostra que 1,8 milhões de residências, onde vivem 5 milhões de ingleses, além de 60% das terras da Inglaterra podem ser inundadas por mudanças climáticas causadas pelo Efeito Estufa. Os combustíveis derivados de petróleo e carvão, os mais usados no Primeiro Mundo, são os principais responsáveis pelo Efeito Estufa. Há uma preocupação muito grande dos cientistas e das autoridades européias com o uso de fontes de energia que contribuem para o efeito estufa.

 

 

 

Petróleo finito
As reservas de petróleo, na melhor das hipóteses, não alcançam o próximo século. O petróleo se tornará cada vez mais caro, porque será mais raro e porque ficará cada vez mais difícil extraí-lo do solo. Há alguns anos imaginava-se que a energia nuclear poderia substituir, em grande parte, o petróleo. Mas, os países do Primeiro Mundo já não constroem novas usinas nucleares e estão desativando as existentes, pelos riscos de sua operação e porque não foi encontrado um destino seguro para o lixo tóxico.

 

 

 

 

  Energia renovável
Esta é a palavra de ordem na Europa. Governo, empresas privadas, ONGs, sociedade civil, todos estão discutindo formas de mudança da matriz energética, para substituir, progressivamente, o petróleo, gás e carvão por outras fontes de energia. Por exemplo, pode-se usar cata-ventos (energia eólica), radiação solar, força das marés ou das ondas, para produzir eletricidade. Mas, todas elas têm restrições. Se o vento parar, acabou a geração de eletricidade e a Ciência ainda não resolveu o problema de armazenar energia, em grande quantidade e por longo tempo, para usá-la quando desejar. O mesmo ocorre com luz solar: como produzir eletricidade em países em que, no inverno, o sol nasce às 10h da manhã e se põe às 4h da tarde? Com o céu nublado a maior parte do tempo?

Biomassa
Agora falamos português! Biomassa é qualquer produto agrícola que possa ser convertido em energia. Em especial lenha (reflorestamento); cana de açúcar, milho ou produtos com alto teor de carboidratos, para transformação em álcool; oleaginosas (soja, dendê) para produzir biodiesel e matéria prima para a indústria química; resíduos de processamento (bagaço de cana, palha de arroz, restos de madeira ou serragem), que podem ser queimados para gerar energia. Quando os europeus fizeram os cálculos, utilizando o padrão de agricultura dos países ricos, seriam necessários quase 1,3 bilhão de hectares para produzir a energia que se estima será consumida em 2050. Porém, se esta energia for produzida nos trópicos, apenas 25% da área será necessária.
  Oportunidade
Aí está a grande oportunidade do Brasil. Ninguém tem as nossas vantagens comparativas. Só não podemos cometer os mesmos erros do passado, quando permitimos que países sem competitividade dominassem a agricultura mundial, recorrendo ao protecionismo deslavado. O Biotrade, ou comércio internacional de energia, já é uma realidade, em pequena escala. Ele vai crescer a altas taxas nos próximos anos. Mas não será jogado, de mão beijada, em nossos braços. Precisaremos batalhar para ocupar o mercado e este é o desafio para as lideranças agropecuárias e para as nossas autoridades.
  O que fazer?
Será necessário entender este mercado, estudá-lo em detalhes, dimensioná-lo, determinar a demanda, a taxa de crescimento, a nossa capacidade de oferta, a logística para produção, armazenagem e escoamento, as regras para comercialização, incluindo a certificação, o desenvolvimento de tecnologia para uma agricultura de energia sustentável, entre outros quesitos. Que tal criar o Instituto de Bio-Energia, ONG de produtores, processadores e investidores, que se associem ao Governo, à Embrapa, às Universidades, para garantir o maior espaço de mercado possível para os agricultores brasileiros?

O efeito estufa

Décio Luiz Gazzoni

Realizou-se em Johanesburgo (África do Sul), no início deste mês, a Conferencia da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10). Os dois principais objetivos eram efetuar o balanço do cumprimento das metas acordadas na Conferencia realizada no Rio de Janeiro (1992) e propor novas fórmulas de desenvolvimento sustentável. Infelizmente, nossa geração carregará o estigma do fracasso da Conferência, posto que os países ricos não cumpriram as metas fixadas há uma década e refugaram compromissos com novas metas de desenvolvimento sustentável.

Insensibilidade
O fracasso deveu-se, em grande parte, aos lobies interessados no status quo, especialmente a OPEP (magnatas do petróleo) e as grandes indústrias poluidoras, incapazes de adaptarem-se a um novo paradigma que concilie questões econômicas e comerciais com as necessidades sociais e ambientais. A marca registrada desta coalizão de forças foi a ausência do Presidente dos EUA, George Bush que, com este ato, reafirmou a política de seu governo de não assumir qualquer compromisso com a sustentabilidade do planeta, o que já havia sido evidenciado com sua recusa em assinar o Protocolo de Kyoto. O fracasso da conferencia incluiu a não aprovação da proposta brasileira de substituir, durante os próximos 10 anos, uma pequena parcela da energia fóssil por energia renovável, proveniente de biomassa, a fim de reduzir o Efeito Estufa.

 

 

  O Efeito Estufa
Trata-se de um fenômeno natural, responsável pelo aquecimento terrestre e que permite manter a temperatura média da Terra em aproximadamente 15°C. A nossa atmosfera constitui-se de gases, que permitem a passagem da radiação solar, absorvendo e refletindo parte da radiação infravermelha térmica emitida pela superfície terrestre. Na sua ausência, a temperatura média seria de, aproximadamente, -18°C. Na Lua não há atmosfera, logo não existe efeito estufa e a temperatura varia de 100°C durante o dia a -150°C a noite. Parte da radiação de onda curta emitida pelo sol efetivamente chega à superfície do solo, sendo parcialmente absorvida e, posteriormente, irradiada sob a forma de onda longa. Esta freqüência é facilmente absorvida e refletida pelos gases e pelo vapor de água da atmosfera. Apenas 10% da radiação emitida pela Terra escapa da atmosfera, sendo 80% devolvida novamente ao solo. Assim, os gases da atmosfera podem ser comparados ao vidro do telhado das estufas, responsáveis pelo aquecimento de seu interior.
  O Aquecimento Global
Quanto maior for a concentração de gases na atmosfera, maior será a sua capacidade de retenção do calor emitido pela superfície terrestre, elevando a temperatura média. As emissões de gases por indústrias e veículos, através da queima de combustíveis fósseis, respondem pela maior parcela da emissão de gases que amplificam o efeito estufa, como o gás carbônico e o metano. O óxido nitroso e o CFC são outros exemplos de gases que amplificam o efeito estufa, pois retém uma parcela maior de radiação de onda longa, acirrando o efeito estufa, também denominado de aquecimento global. Os países industrializados respondem por 75% da poluição do ar, sendo 25% apenas nos EUA. O desmatamento também provoca o aumento da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, pela queima e por decomposição natural. A redução das florestas significa menor imobilização de dióxido de carbono, que normalmente é absorvido e fixado (seqüestrado) pelos vegetais.

Conseqüências

Seca: Com a elevação da temperatura há um aumento da evapotranspiração. Em regiões de baixa precipitação, a vegetação depende da umidade fornecida por lagos, rios e água sub-superficial, que tende a exaurir-se ao longo do tempo.

Inundações: A maior evaporação provocará aumento da precipitação em regiões chuvosas, provocando alagamentos periódicos. Tempestades, tormentas e ventos fortes também podem ocorrer.

Mudanças climáticas: Prevêem-se alterações radicais de clima, como chuvas em regiões áridas e improdutivas e secas prolongadas em regiões férteis, acentuando os impactos de fenômenos naturais como El Niño ou La Niña.

Nível do mar: O aumento da temperatura provocará forte degelo, aumentando o nível dos oceanos, submergindo algumas cidades à beira mar.

Extinção de espécies: A biodiversidade pode ser fortemente afetada, pela mudança drástica no habitat de algumas espécies.

Epidemias: A ocorrência de clima propício permitirá que doenças endêmicas em algumas partes do globo possam causar epidemias em outros pontos da Terra.

Lei de Inovação, uma turbina para os agronegócios.

Décio Luiz Gazzoni

Tempo houve em que bastava ter a boiada pastando placidamente no campo, colher a seiva da seringueira e enrolá-la em fogo brando, ou cortar o fruto de cacau a facão, despachar de navio para a Europa, que estava cumprida a rotina para internalizar riquezas e promover o progresso. Foi com os boi-dólares que a Argentina virou um enclave de Primeiro Mundo ao sul do Equador, a Bahia teve seu surto de progresso com os cacau-dólares e não foi diferente com Manaus e seus borracha-dólares.

Bons tempos, que agora só servem como causos contados à volta do braseiro do churrasco. A Argentina está no fundo do poço, com terra caindo por cima; o cacau foi arrasado pela vassoura de bruxa; o látex mal consta da pauta de exportações do Brasil. O que mudou?

 

  Para produzir qualquer bem ou produto entram em cena os fatores de produção, como Natureza, Capital e Trabalho. Mas, o final do século XX forjou o paradigma que vai marcar o III Milênio. Informação e Tecnologia e, muito especialmente, Inovação, são os principais elementos da competitividade no mercado globalizado. O potencial de agregação de valor a um produto por intermédio de tecnologias, especialmente as inovadoras, supera de longe a soma dos demais fatores de produção. Há o exemplo clássico: quantas toneladas de minério de ferro precisamos exportar para comprar um único relógio suíço, que pesa 50 gramas? E na nossa área, quanto vale a carne certificada e com rasstreabilidade? E a quantidade de folhas de Datura que são necessárias para comprar uma caixa de buscopan? Quantas sacas de milho precisamos vender para comprar uma única saca de semente de milho híbrido?

É por isso que o Mundo vem investindo pesadamente em Ciência, Tecnologia, Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação, com vistas à geração de Inovação que, devidamente protegida por Leis de Patentes ou de Propriedade Intelectual, agrega valor e o diferencial competitivo, que compõem a matriz de geração de riquezas, responsável pelo progresso, pelo desenvolvimento, pela geração de emprego e de renda, pela qualidade de vida. E que também é responsável pelo peso específico do país no espectro geo-político, nos foros internacionais e nas grandes decisões planetárias.

Porque uma Lei de Inovação?

No dia 15 de agosto, o Presidente da República encaminhou ao Congresso Nacional o anteprojeto da Lei de Inovação, oriundo de uma discussão entre a comunidade científica nacional. A proposta reconhece a Inovação como vetor principal da conquista e consolidação de mercados, no ambiente globalizado. O anteprojeto ficou disponível na Internet para consulta pública e os empresários e demais interessados tiveram a oportunidade de interferir na formulação do anteprojeto.

Os sinais para uma Lei de Inovação eram inúmeros e evidentes. Um deles foi o estudo do Departamento de Comércio americano, mostrando que, em 1947, menos de 10% do valor das exportações provinha de produtos cobertos por proteção de propriedade intelectual, número que atingiu 37% em 1986 e ultrapassou 50% em 1994. Estima-se que, hoje, este índice beire os 70%, caminhando a passos largos para superar os 90%.

Outra análise mostrou que, além dos Estados Unidos, que detém o maior número de patentes, no ano de 2000 foram registradas naquele país 32.924 patentes para o Japão e 10.822 para a Alemanha. Estes são os três monstros sagrados da economia mundial e dominam o comércio internacional sob o ponto de vista de valor das transações. Já o Brasil registrou, nos EUA, meras 113 patentes no mesmo ano (veja tabela).

 

 

Um terceiro alerta veio do INPI. Em 1999 os brasileiros depositaram 3.103 patentes, versus 16.949 pedidos de estrangeiros. No primeiro semestre deste ano, os brasileiros solicitaram 620 pedidos enquanto os estrangeiros protocolaram 8.474 solicitações. Em três anos a relação passou de 5,46:1 para 13,66:1, favoravelmente aos estrangeiros, especialmente EUA, Alemanha, França e Japão, responsáveis por 65% dos pedidos. Em conseqüência, a remessa de royalties ao exterior passou de US$209 milhões para US$ 2214 milhões, entre 1990 e 1998, um crescimento de 900%.

Além do dispêndio em roialties, o Brasil é fortemente dependente em máquinas ferramentas, ou máquinas que servem para fazer máquinas. Enquanto não desenvolvermos nossa capacidade nesta área, dificilmente conquistaremos independência tecnológica, pois estaremos sempre dependente dos avanços de outros países.

 

O exemplo do Oriente

Cabe uma comparação didática entre o Brasil e a Coréia do Sul, que ingressou nos anos 80 com turbulências suficientes para prever-se que teria o mesmo destino de pobreza da congênere Coréia do Norte. A sabedoria e a clarividência de seus líderes decidiu pela inversão dos escassos recursos de um país apinhado de problemas sociais nas áreas de educação, ciência e tecnologia. Vamos aos parâmetros: em 1980 o Brasil registrou 33 patentes nos EUA, contra 30 da Coréia. Já em 2000 registramos 113 patentes contra 3472 dos coreanos. Isso representa 0,5 patente por milhão de brasileiros e 76 por milhão de coreanos.   Uma das razões desta disparidade é que 89% dos profissionais de C & T brasileiros estão nas Universidades, contra 39% dos coreanos. A Lei de Inovação busca preparar o caminho futuro para inversão destes números, iniciando pelo incentivo à sinergia entre Academia e empresa. Projeta-se que, na próxima década, as empresas brasileiras tenham internalizado a questão e se capitalizado suficientemente para dispor de seus próprios núcleos de desenvolvimento tecnológico, focados em seu negócio.   Sem o diferencial tecnológico, os instrumentos de política econômica para incentivo às exportações, como oferta de crédito, benefícios fiscais e câmbio favorecido, aplicados isoladamente, não redundavam em melhoria do superávit da balança comercial. Observe-se que, em 3 anos, o dólar americano valorizou-se em 200% em relação ao real, para uma inflação interna que mal ingressa nos dois dígitos e continuamos patinando em um patamar pífio de exportações. Portanto, o Brasil necessitava dar um passo à frente – A Lei de Inovação.

 

Diretrizes da Lei

A Lei estimula a inovação nas empresas privadas e incentiva parcerias entre estas e os institutos públicos. O Governo demonstra sua convicção ao proibir cortes no orçamento de Ciência em Tecnologia em 2003, obrigando a incrementos constantes nos orçamentos anuais até 2012. No plano estratégico, a proposta para a próxima década inclui implantar um efetivo Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, promovendo a inovação para aumentar a competitividade e a inserção internacional das empresas brasileiras. Propõe-se a ampliar, de forma sustentada, os investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, expandindo e modernizando o sistema de formação de pessoal na área. Não esquece a pesquisa básica, propondo ampliar, diversificar e consolidar esta capacidade no País.   Paralelamente, a Lei deixa clara a necessidade de educar para a sociedade do conhecimento, ao tempo em que se propõe a intensificar e explorar novas oportunidades da cooperação internacional na área. Finalmente, investe em instrumentos para modernizar e consolidar os procedimentos de gestão da política de Ciência, Tecnologia e Inovação e os mecanismos de articulação com as demais políticas públicas.

Objetivos da Lei

A Lei pretende elevar os investimentos em P & D para 2% do PIB, crescendo a uma taxa média anual de 12%, até 2012. É menos do que a Coréia fez há 20 anos, mas já é um começo. O orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia evoluiu de R$ 1,1 bilhão em 1999 para a proposta de R$ 2,8 bilhões em 2003. O investimento em P & D atual é de 1,3% do PIB, devido à criação de 14 fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

A Lei de Inovação ambiciona atingir o patamar de investimento em percentual do PIB que é efetuado por países que lideram a corrida tecnológica. A Lei projeta que as aplicações do setor público evoluirão 7% a.a. e do setor privado em 15% a.a.

A estratégia central é ampliar a capacidade de inovação, expandindo a base científica e tecnológica nacional, comprometendo cada vez o setor empresarial com a inovação tecnológica. Busca transformar o processo de C & T & I em elemento estratégico da política de desenvolvimento nacional. Para tanto, envolve não apenas as empresas e os institutos, mas vincula a educação como elemento de preparação dos profissionais e da mão de obra para operar permanentemente com inovações, criando a cultura da reciclagem permanente para evitar a acomodação e a conseqüente estagnação.

 

A Lei flexibiliza as relações entre pesquisadores, institutos de pesquisa e empresas privadas no desenvolvimento de novas tecnologias para produtos, processos e serviços. Estabelece medidas de incentivo à pesquisa; mudanças na gestão das instituições científicas e ações de estímulo à criação das Empresas de Base Tecnológica (EBTs) conceituadas como "a empresa, constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, cuja atividade principal seja a produção, industrialização ou a utilização produtiva de criação".

Os pesquisadores dos institutos e das universidades poderão trabalhar diretamente nas empresas ou propriedades agrícolas e nas EBTs, desenvolvendo e implantando tecnologias inovadoras. Permite, também, que as empresas privadas contribuam com o desenvolvimento da pesquisa através de bolsas de estudo ou outras formas de remuneração.

O que muda:

Fluxo dos recursos: Os orçamentos dos órgãos de pesquisa passam a ser cada vez mais dependentes de sua capacidade de captar recursos nos fundos competitivos do Governo e na iniciativa privada.

Instituições de pesquisa: os produtos e processos inovadores, a serem obtidos por instituições de pesquisa, poderão ser adotados por empresas privadas interessadas na produção de bens e serviços. As instituições ficam protegidas por mecanismos eficazes de transferência científica e de contrapartida financeira para re-investimento;

Propriedade intelectual: será distribuída entre as partes envolvidas nas parcerias. As patentes serão reconhecidas em avaliações de mérito dos pesquisadores, como ocorre hoje com as publicações científicas. A Lei garante ao pesquisador uma participação nos ganhos econômicos auferidos pela instituição com a exploração de suas criações, como forma de estímulo ao aperfeiçoamento tecnológico e à geração de inovações;

Empresas: poderão compartilhar laboratórios e equipamentos com as instituições públicas de pesquisa, mediante remuneração; podem formar alianças estratégicas com outras empresas, com instituições de C & T ou com a União. Neste último caso, a União só poderá participar de empreendimentos para a criação de centros considerados de relevante interesse nacional;

Cientistas e pesquisadores: poderão receber autorização para afastamento dos cargos em universidades ou institutos públicos, para colaborar com pesquisas em outras instituições ou empresas. Poderão entrar em licença não remunerada para constituir sua própria Empresa de Base Tecnológica;

Inventores independentes: suas criações poderão ser adotadas por instituições de pesquisa, visando a elaboração de projetos que tenham possibilidade de industrialização ou utilização por parte do setor produtivo.

O impacto da Lei

O Brasil chega atrasado à corrida tecnológica, tendo perdido um espaço vital para a competitividade em empreendimentos de base tecnológica.. Por muito tempo o Brasil dependerá de tecnologia alienígena (contra pagamento de roialties e outros encargos financeiros) para manter e ampliar suas posições no mercado. Estes recursos competem com aqueles que deveriam ser destinados ao investimento privado em C & T & I. Portanto, é muito importante nesta fase de reversão que o Governo coloque a sua estrutura de C & T à disposição dos empreendedores privados. A Lei pretende mobilizar os 11.760 grupos de pesquisa, compostos de 48.781 pesquisadores (27.662 doutores) espalhados por 224 instituições de C & T, para conferir este apoio inicial. No entanto, este arsenal precisa ser municiado e direcionado, pois o Brasil publica 159 artigos científicos por milhão de habitantes, extremamente baixo quando confrontado com Israel que produz 7.995 artigos por milhão de habitantes (veja tabela).   A Lei de Inovação será um marco divisor nas ações de C & T no Brasil. Criará um novo ambiente tanto para as instituições científicas quanto para as empresas que dependem de base tecnológica para prosperar em seu negócio. É importante refletir que "não importa quão eficiente você era no paradigma antigo: quando muda o paradigma, todas as posições são zeradas". Cada inovação tem o condão de alterar paradigmas. As grandes inovações zeram posições e criam novas oportunidades. O exemplo mais didático é o negócio de relógios, dominado secularmente pelos suíços. A introdução da tecnologia digital, e a mudança da fonte de energia de corda para bateria, deslocaram a liderança para as empresas japonesas, restando aos suíços inovar constantemente na linha dos relógios sofisticados, hoje um nicho de mercado, para não perder seu último reduto.

Para as Universidades, as empresas e institutos estaduais e para a Embrapa, não importa tanto a sua eficiência no sistema antigo, em que havia um fluxo de recursos do Tesouro, responsável pela maior parcela do seu orçamento. Também não importa o contexto de demandas sem maior complexidade tecnológica, em que o resultado final podia ser medido apenas pelos artigos publicados.

Importa agora o quão efetivas as instituições de C & T serão ao disputar recursos competitivos, exercitando um modelo extremamente complexo que inclui "competir cooperando" e "cooperar competindo". Isto significa que o parceiro e o competidor, por vezes, são a mesma organização. Importa que as demandas estarão liminarmente caracterizadas e serão competitivas entre si. Importa estar em sintonia fina com o mercado, com as empresas do setor e com os detentores de capital de risco, à cata de oportunidades de negócios competitivos. Ou seja, o paradigma mudou: apenas resultados não interessam mais, serão necessários impactos que gerem oportunidades negociais competitivas.   Além de um quadro de excelências e de cientistas talentosos, especializados, capacitados e bem formados, as instituições de C & T deverão investir rapidamente em núcleos de inteligência estratégica, capilarizados em sua estrutura, constituídos por cientistas de invulgar capacidade prospectiva, visão de futuro e habilidade para traçar macro-estratégias de caráter pluri-anual, que formarão o entorno no qual se inserirão os programas, projetos, ações de transferência de tecnologia, gerência de negócios tecnológicos e outras atividades da organização.

 

 

O impacto nos agronegócios

O Brasil possui algumas vantagens comparativas importantes, como a extensão da área agricultável, a diversidade edafo-climática, a disponibilidade de água, entre outras. Entretanto, necessita inovar em algumas áreas. Considerando as commodities, as inovações devem concentrar-se no contínuo romper de barreiras de produtividade e na estabilidade da produção, que deve ser cada vez menos dependente de estresses bióticos ou abióticos, como veranicos ou pragas. Mas também deve investir nos nichos mercadológicos, na transformação e no processamento e na agregação de valor. Por esta via é possível multiplicar o valor agregado do produto antes de sua colocação no mercado. Será necessário investir também em novas técnicas sanitárias, no cumprimento de exigências de qualidade e de mercados culturais ou étnicos, que exigem técnicas apropriados que precisamos desenvolver.    
         
  Porém os agronegócios do Brasil não podem ficar restritos às commodities, consideradas de baixo valor. Precisamos investir em mercados sofisticados como as frutas, as hortaliças, as plantas ornamentais. Precisamos extrair o máximo da nossa biodiversidade, temos os alimentos funcionais, os nutracêuticos, os condimentos e as especiarias, os produtos farmacologicamente ativos, para citar alguns exemplos. Temos um imenso mercado energético alicerçado em biomassa, ávido por alternativas ao petróleo finito. Estas são áreas onde, caracteristicamente, a inovação deverá imperar, em especial com o uso de ferramental biotecnológico.  
         
    Tendo participado ativamente das discussões do anteprojeto da Lei, o Ministro da Agricultura, Pratini de Morais, vislumbrou "a oportunidade de alçar o Brasil à liderança dos agronegócios mundiais pela via da competitividade natural, lançando mão de suas condições naturais privilegiadas, dos talentos da Embrapa, das Universidades e dos Institutos de Pesquisa, e de um agricultor modelo, que sabe aplicar corretamente tecnologia." O Ministro lembrou que "o agricultor brasileiro conseguiu sobrepujar os nefastos sistemas protecionistas dos países ricos mostrando-se competitivo através do aumento de produtividade e de qualidade de seus produtos, agregando valor aos mesmos, demonstrando ser um agricultor melhor preparado para o mercado globalizado, que o americano ou europeu, os quais precisam de pesados subsídios do Governo para permanecer no negócio." Ainda de acordo com Pratini de Morais "a Lei de Inovação é mais um impulso que o Governo Brasileiro confere à sustentabilidade do agronegócio nacional."
         
  O Brasil pode, tranqüilamente, aspirar à liderança mundial nos agronegócios, desde que transforme suas vantagens comparativas em elementos de competitividade, o que será possível através de tecnologias inovadoras. Algumas destas tecnologias poderão ser proprietárias, patenteáveis, como produtos, genes, cultivares, etc. Outras serão conhecimentos e técnicas difusas. Por vezes o investimento não poderá advir de um empresário isolado, sendo necessário a intervenção do universo de interessados. Um dos mecanismos que alavancou a pesquisa agrícola nos Estados Unidos foi o "check off", em que os agricultores deduzem uma pequena parcela do valor de venda de sua produção para investi-la em pesquisa.  
         
Ilustre-se o mecanismo de "check off" com o caso da soja. Em dois anos o Brasil estará produzindo mais de 50 milhões de toneladas de soja, o que equivale a 830 milhões de sacas. Ao preço base de US$12,00/saca, os sojicultores poderiam contribuir com um centavo de dólar (US$0,01) por saca para um fundo de investimento em pesquisa. A cada safra, o fundo arrecadaria US$8,3 milhões, suficientes para financiar toda a pesquisa com soja no Brasil, podendo estendê-la para outros componentes do sistema de produção ou do ambiente. Com um fundo desta dimensão, com prioridades de aplicação gerenciadas pelos próprios sojicultores, o Brasil seria imbatível em termos de competitividade no mercado internacional, posto o refinamento e a sofisticação da tecnologia e das inovações que poderiam ser desenvolvidas.    

Impacto na Embrapa

A Embrapa constitui-se na maior organização de P & D do setor agropecuário. No médio e longo prazos, a contribuição dos fundos setoriais do MCT e a indução de investimentos da iniciativa privada e dos fundos de investimento de risco deverão compor parcela substantiva do orçamento da Embrapa.

Com base em sua visão de futuro, antecipando-se às premissas da Lei, a Embrapa já havia constituído unidades avançadas na Europa e nos Estados Unidos, denominadas LABEX, e que servem como antenas organizacionais do estado da arte da inovação tecnológica. Também elaborou uma Agenda Institucional, perseguindo uma aderência cada vez maior aos conceitos de Inovação e Empreendimentos de Base Tecnológica em sua programação de pesquisa. Busca com este instrumento atingir duas grandes metas. Por um lado pretende refinar ainda mais a captação das demandas prioritárias do setor produtivo, resolvendo os gargalos tecnológicos já identificados. Por outro, ambiciona investir em programas que representem grandes desafios nacionais, antecipando demandas tecnológicas, constituindo-se na base da inovação competitiva dos agronegócios brasileiros do futuro.   Um dos instrumentos em que a direção da Embrapa inova é a Oficina de Projetos, a ser implantado em todas as suas Unidades. A proposta investe na formulação de Projetos de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e Empreendimento, como palavras chave para a atuação futura da Embrapa. Seu objetivo maior é aglutinar os talentos, o instrumental, os campos experimentais, a experiência e as potencialidades de pesquisa da Embrapa para aproximar-se dos empresários do agronegócio, melhorando a sua inserção competitiva no mercado globalizado.

Oportunidades

A Lei prioriza a inovação, o empreendimento de base tecnológica, muda radicalmente o paradigma dos "resultados" para "impactos". Os papers acadêmicos continuarão importantes porém subordinados à necessidade de inovação e viabilidade tecnológica. O maior peso desloca-se para o quantum da ação de P & D contém de:

a. inovação;
b. possibilidade de avanço tecnológico;
c. contribuição para a independência tecnológica;
d. ampliação da base negocial;
e. aumento de renda;
f. geração de empregos;
g. proteção do ambiente;
h. mitigação da penosidade do trabalho;
i. simplificação de processos;
j. aumento de eficiência e produtividade;
l. redução de custos;
m. ganhos de competitividade;
n ocupação de espaço negocial;
o. consolidação de mercados existentes;
p. ocupação de novos mercados e de novos nichos mercadológicos.

A Lei vai mais longe, ao estimular a aquisição, por parte de órgãos governamentais, de bens e serviços ofertados por EBTs, em similaridade de condições com outros concorrentes. Também cria mecanismos e condições facilitadas para que as Agências financiadoras do Governo suportem as EBTs em sua implantação e consolidação, incluindo o aporte da capacidade de gestão empresarial.   Caso um determinado projeto contemple elevado risco tecnológico e empresarial, a Lei cria mecanismos para a sua contratação conferindo o suporte e o aval governamental à sua viabilização.   Na área de capitais de risco (ventures capital), cria a possibilidade de constituição de fundos mútuos de investimento de EBTs, devidamente fiscalizados pela CVM. Esta será uma oportunidade ímpar para alavancar empreendimentos que contemplem inovação e elevada densidade tecnológica, mesmo sem dispor do capital necessário para a sua implementação.

As ameaças

Como diz o poeta, as rosas também tem espinhos e, como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio. Existem algumas pedras no caminho e será necessária muita persistência e perseverança para não desviar-se da trilha. Por exemplo, a importância crescente da tecnologia e da informação como fator de competitividade, a universalização das leis de patentes e de propriedade intelectual torna refratários os centros de excelência para parcerias com países competidores pelo espaço negocial. Ou seja, nós teremos que investir em nossa própria capacidade, até porque, em matéria de agricultura tropical, quem entende mesmo é o Brasil e nós teremos que desenvolver a nossa própria tecnologia.   O Brasil enfrenta uma crônica crise financeira na gestão governamental, que remonta aos anos 50, cujas facetas mais visíveis são as demandas sociais reprimidas, o déficit da Previdência, as deficiências de infra-estrutura, a enorme dívida pública e seu serviço, a indignação da sociedade civil com a pressão tributária de 34% do PIB vis a vis a quantidade e a qualidade dos serviços públicos ofertados, o que torna difícil expandir a receita tributária. São percalços que podem provocar um colapso nas metas propostas pela Lei. O exemplo da Coréia, de Taiwan, Cingapura, do Japão e de outros países que tinham problemas similares, mas que saltaram da miséria para o topo do comércio internacional, mostram que a Lei aponta no caminho correto, destarte os sacrifícios que impõe, momentaneamente, a outros setores da sociedade, igualmente carentes de apoio governamental.  

Há necessidade de controle social honesto, sério e comprometido dos recursos que a Lei destina à C & T, em função do mérito, da importância e da prioridade das propostas, julgando-as de forma transparente, sem qualquer "ação entre amigos" ou injunções políticas. A Lei deverá comprometer com maior intensidade o setor privado, a quem os benefícios da Lei se destinam em primeira instância, para auxiliar na seleção das propostas a serem contempladas.

São essas e outras questões que deverão ser debatidas no Parlamento, durante o período de exame do anteprojeto governamental.

 

O afrodisíaco da Lei

Não temos dúvida que o conjunto dos agronegócios será positivamente impactado com o advento da Lei. O aumento da disponibilidade de recursos para pesquisa e a garantia de seu fluxo, seja de recursos públicos, privados ou de risco, dará um novo impulso tecnológico ao campo. Em especial, na fase de processamento e de novos produtos estarão concentradas as oportunidades empresariais, utilizando nossos produtos agrícolas como matéria prima para agregação de valor através de inovações tecnológicas. Aí é que se encaixam as bio-fábricas, um conjunto de oportunidades para desenvolvimento de produtos de interesse das diferentes cadeias do agronegócio, mormente lançando mão da biotecnologia.   As biofábricas representarão uma das mudanças de paradigma, gerando novos negócios, revelando novos empreendedores, abrindo oportunidades para o capital de risco, promovendo a competitividade do nosso agronegócio. Lastimavelmente, esta Lei chega ao Brasil com meio século de atraso. Houvesse sido promulgada nos anos 50 e cumprida fielmente, hoje o Brasil teria um PIB amplificado, a renda per cápita muito mais elevada, a qualidade de vida melhorada e estaríamos colhendo os mesmos benefícios dos países que tiveram esta visão de forma precoce. Nos resta o consolo de estarmos preparando dias melhores para nossos filhos e netos.

 

BOX 1

Finep agora é Agência Brasileira de Inovação
Quem entra no site da Finep (www.finep.gov.br) vê com destaque a sua nova marca: Agência Brasileira de Inovação. A FINEP é a agência de fomento do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) responsável pela promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação. O objetivo central de suas ações é ampliar a capacidade de geração e de incorporação de conhecimento científico e tecnológico na produção de bens e serviços, com vistas ao aumento da qualidade de vida da população brasileira, da competitividade de empresas e setores da economia e da correção dos desequilíbrios regionais. Na re-orientação das suas ações, a Finep já vem operando no espírito da Lei de Inovação, aproximando empresas, empresários, investidores e grupos de C & T, incentivando o avanço tecnológico e a inovação, para tornar as empresas brasileiras mais competitivas.

A Finep é responsável pela gestão dos fundos setoriais criados pelo Governo. Para o setor agropecuário interessam os seguintes fundos:

Agronegócio: Amplia os investimentos na área de geração e transferência de tecnologia para ampliar a competitividade do agronegócio brasileiro;

Biotecnologia: Financia programas de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico na área de biotecnologia. Estimula a capacitação científica e tecnológica nessa área, fortalecendo os estudos que colocaram o país na vanguarda da pesquisa em recursos genéticos;

Verde-Amarelo: Estimula o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de C & T que intensifiquem a cooperação de universidades, centros de pesquisa e institutos tecnológicos com o setor produtivo, contribuindo assim para acelerar o processo de inovação tecnológica no País.

A Finep mantém um site específico sobre Venture Capital, para estimular o investimento de capital de risco em inovações tecnológicas. O Projeto Inovar, lançado em maio de 2000, é uma ação estratégica da Finep, para promover o desenvolvimento das pequenas e médias empresas brasileiras de base tecnológica, através do desenvolvimento de instrumentos para o seu financiamento, especialmente o capital de risco.   A Finep patrocina os Venture Fórum, cuja 7ª. edição ocorre em novembro, em São Paulo. Trata-se de rodadas de negócios reunindo empreendedores em busca de capital de risco e investidores interessados em boas oportunidades de investimento. É um modelo consagrado nos EUA, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do mercado de capital de risco norte-americano.   Na 6ª. Edição, realizada em agosto, em Belo Horizonte, houve a apresentação de empresas da área de biotecnologia sediadas em Minas Gerais, além de 8 empresas selecionadas pela equipe do Venture Fórum, que apresentaram seus Planos de Negócios para 32 investidores, representando 20 instituições de investimento. Entre os investidores presentes estavam GP Investimentos, Fir Capital Partners Ltda., Latintech Capital Ltda., CRP, Investidor Profissional, Mercatto Venture Partners, Votorantin Ventures e Promon Ventures. No total, 69 "Empreendedores Inovar" foram selecionados dentre 1200 candidatos cadastrados na Finep. Essas empresas se incluem entre as mais promissoras em segmentos da tecnologia como software, telecomunicações, saúde e biotecnologia.

Patentes Concedidas nos EUA em 2000

 

País

Patentes

País

Patentes

Japão

32924

Finlândia

649

Alemanha

10822

Hong- Kong

548

Taiwan

5806

Dinamarca

509

França

4173

Espanha

318

Reino Unido

4090

Noruega

266

Canadá

3925

Singapura

242

Coréia do Sul

3472

Rússia

185

Itália

1967

China

163

Suécia

1738

Irlanda

139

Suíça

1458

Nova Zelândia

136

Holanda

1410

Índia

131

Austrália

859

África do Sul

125

Israel

836

Brasil

113

Bélgica

756

México

100

 

Produção científica avaliada por artigos publicados em revistas científicas

País

Artigos

Artigos por milhão de habitantes

País

Artigos

Artigos por milhão de habitantes

EUA

1.239.188

4676

Dinamarca

30.719

6144

Reino Unido

300.577

5095

Finlândia

26.998

5400

Japão

280.855

2247

Brasil

25.578

159

Alemanha

258.946

3197

Áustria

24.388

3049

França

197.816

3411

Noruega

19.814

4954

Canadá

167.326

5976

Hong-Kong

19.379

3876

Itália

116.534

2009

África do Sul

17.418

387

Austrália

85.215

4734

Nova Zelândia

17.015

5672

Holanda

80.016

5334

Grécia

15.216

1522

Espanha

73.224

1831

Hungria

14.768

1477

Suécia

61.072

6786

México

13.043

137

Suíça

55.213

7888

Argentina

12.266

350

Israel

39.977

7995

Irlanda

9.233

3078

Belgica

38.095

3810

Portugal

7.135

714

Polonia

32.728

839

Chile

6.666

476

Box 2

 

Pesquisa Básica e Aplicada, um dilema hamletiano
Estão aí dois conceitos dificílimos de separar. Ë árduo estabelecer com clareza onde um começa e onde o outro termina. Um bom exemplo está no artigo "Vegetais vacinados, ora!", publicado na Agrinova de Julho de 2002 (página 58). O que os cientistas do projeto ONSA fizeram, ao efetuar o sequenciamento estrutural e funcional do genoma da bactéria Xylella fastidiosa bem que se poderia chamar de pesquisa básica, ou seja, a formação do conhecimento científico através do acúmulo de informações e da descoberta das leis naturais da física, da química ou da biologia. Mas, como o próprio artigo mostrou, já existe uma pesquisa que se convenciona chamar de pré-competititva em andamento, mostrando como as bactérias infectam a planta, como elas obtém nutrientes e outras características. Essa pesquisa ainda não é ortodoxamente aplicada, mas abre o caminho para desenvolver novas variedades resistentes à bactéria, ou substâncias químicas que impeçam que a bactéria se instale na planta. Esta fase do trabalho seria o que se convenciona denominar pesquisa aplicada. Mas, investindo um pouco de massa cefálica para filosofar em torno do tema, veremos o quão difícil é saber onde terminou a pesquisa básica, obtendo informações sobre o genoma, e onde iniciou a pesquisa aplicada, gerando uma tecnologia que o agricultor possa usar em seu benefício ou em proveito da sociedade.

 

contador de visitas