Réquiem in pace, ALCA

Décio Luiz Gazzoni

Imagine essas regras para um jogo de futebol: o jogo termina ao quinto gol, mas começa com 6 x 0 para o meu time. Gol do meu time vale dois, o seu time precisa fazer dois para valer um. Goleiro que defender pênalti do meu time será expulso, juiz que não marcar pênalti a meu favor também. Se o resultado não for favorável ao meu time, anule-se a peleja e compita-se novamente até que o meu time vença. Em compensação, a renda do jogo reverterá integralmente para o meu time. Regra final: você tem que aceitar as regras!  

Anti-liberalismo comercial
Não gostou? Noves fora o estereotipo, é o que os EUA estão propondo. Parece que Mr. Bush estava atento aos discursos de FHC em relação à ALCA, em especial que as negociações somente seriam justas se tivessem duas vias, contemplando uma abertura real do mercado americano à competição. Bush ouviu e escreveu justamente o oposto: o Fast Track, ou Trade Promotion Authority Act, recém aprovado pelo Congresso dos EUA, permite ao Governo negociar a criação da ALCA, desde que o protecionismo, os subsídios agrícolas e as regras anti-dumping sejam "imexíveis"; que não haja transferência de tecnologia americana aos demais países; impõe pesadas restrições disfarçadas de cláusulas ambientais e trabalhistas; e exige equiparação de capital nacional ou estrangeiro.

 

 

Lição não aprendida
Recentemente comentei a dificuldade para os americanos entenderem porque despertam ódio tão intenso ao redor do mundo. Uma das explicações está em seu comportamento comercial. Seu princípio de negociação é "vinde a nós o vosso reino e seja feita a minha vontade", nunca chega a parte do "nos dai hoje". Trocando em miúdos, o Governo americano exige que o mercado dos demais países seja aberto e livre para os produtos ianques, porém não concede reciprocidade. Para aqueles produtos onde possui vantagem competitiva, as alíquotas de importação são baixas, para exigir contrapartida do concorrente. Para os produtos onde não compete com vantagens – caso típico da agropecuária – os EUA recorrem ao protecionismo deslavado, despejando dezenas de bilhões de dólares para subsidiar uma agricultura ineficiente. Se o produto estrangeiro chega ao mercado americano mais barato, cotas e sobretaxas são aplicadas. Se, mesmo assim continua competitivo last but not least, apela-se à legislação anti-dumping.
  Lastimável
Acho que o mundo inteiro perde com a decisão americana, independente do desfecho. No cenário "Coerência", em que o Governo brasileiro mantém o compromisso expresso nos discursos sobre justiça comercial, não haverá negociação possível, a ALCA é um ente natimorto e, de tão triste lembrança sequer merecerá o RIP do título da coluna. No cenário "Colonialismo", caso o nosso Governo ceda à pressão avassaladora que virá dos lobies e do Governo americano, estará entregando de bandeja o futuro não apenas do Brasil, mas da América Latina e dando um recado ao mundo de que é melhor conformar-se com o status quo colonialista imposto pelas grandes nações. Falo especificamente do Governo brasileiro porque 80% do PIB ao sul do Rio Grande é composto pelo México, Argentina e Brasil. O México já pertence ao NAFTA, a Argentina não está em condições de negociar nada com ninguém. Para onde o Brasil for, a ALCA irá atrás. Inclusive para o brejo!
  "Negociação"
Senhor Presidente da República, determine que a negociação com a ALCA seja dura, conforme tem expresso em seus discursos. Tão dura quanto a "negociação" que o Governo tem feito com o seqüestro de salário via Imposto de Renda, ao não corrigir os 36% de inflação na tabela do IR, que tanto penaliza os trabalhadores. Ou com o famigerado imposto compulsório de compra de veículos, de 1984. Quem pagou os 30% adicionais em 1994 recebe, hoje, 50% da dívida não corrigida, ou menos de 20% do que seria o valor corrigido pela caderneta de poupança. O empréstimo compulsório de um carro médio da época equivalia ao preço de um carro pequeno. Hoje, a devolução do Governo representa 30% do valor de um carro 1.0. E, sobre essa esmola, há que pagar honorários advocatícios, IR sobre o prejuízo (!) e INSS sobre serviço não prestado (!). Em contraste, quem tomou os mesmos R$10.000,00 emprestados em um banco em 1994 (dez anos depois) deve hoje R$13.900.259,00, de acordo com Élio Gaspari (FSP, 9/12). Então, Senhor Presidente, "negocie" com o Tio Sam como tem "negociado" conosco. O povo brasileiro agradecerá as oportunidades de emprego e renda.

Três sonetos

Décio Luiz Gazzoni

Terça feira será Natal. Natal não é um dia, é um tempo. Natal não é uma data, é um estado de espírito. Como disse o poeta Vinícius de Morais "... e dá-lhe gravata! Feito essa gente que anda por ai brincando com a vida - Cuidado companheiro! A vida é prá valer, não se engane não, tem uma só. Duas mesmo, que é bom, ninguém vai me dizer que tem, sem provar muito bem provado, com certidão passada em cartório do céu e assinado em baixo: Deus. E com firma reconhecida. A vida não é de brincadeira, amigo. A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". O presente de Natal da coluna, além dos nossos cumprimentos, são três lindos (desculpe a redundância) sonetos de Vinícius de Morais, para ajudá-lo a afrouxar a gravata e viver o Natal.

Soneto de Intimidade

Nas tardes da fazenda há muito azul demais.
Eu saio às vezes, sigo pelo pasto agora
Mastigando um capim, o peito nu de fora
No pijama irreal de há três anos atrás.

Desço o rio no vau dos pequenos canais
Para ir beber na fonte a água fria e sonora
E se encontro no mato o rubro de uma aurora
Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais.

Fico ali respirando o cheiro bom do estrume
Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme
E quando por acaso uma mijada ferve

Seguida de um olhar não sem malícia e verve
Nós todos, animais sem comoção nenhuma
Mijamos em comum numa festa de espuma.

 

Soneto da Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

 

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

 

Reflexões do Ano Novo

Décio Luiz Gazzoni

A dura batalha na faina diária pelo pão nosso de cada dia tem como conseqüência a falta de tempo para usufruir o lado bom da vida. E os radicalismos políticos pariram o terrorismo, com a ameaça de reviver o espectro do obscurantismo que se abateu sobre a Humanidade durante o signo de Hitler. No início de um novo ano, ao invés das sisudas análises do mundo dos agronegócios, julguei interessante revisitar o poeta Vinícius de Morais à cata de inspiração para refletir sobre estes dois motes.

Procura-se um Amigo

--- Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

--- Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

--- Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

--- Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

Balada dos Mortos dos Campos de Concentração

Cadáveres de Nordhausen, Erla, Belsen e Buchenwald!
Ocos, flácidos cadáveres como espantalhos, largados
Na sementeira espectral com ermos campos estéreis de Buchenwald e Dachau.
Cadáveres necrosados, amontoados no chão
Esquálidos enlaçados em beijos estupefatos
Como ascetas siderados em presença da visão.
Cadáveres putrefatos os magros braços em cruz
Em vossas faces hediondas há sorrisos de giocondas
E em vossos corpos, a luz que da treva cria a aurora.
Cadáveres fluorescentes desenraizados do pó


Grandes, góticos cadáveres! Ah, doces mortos atônitos quebrados a torniquete
Vossas louras manicuras arrancaram-vos as unhas
No requinte da tortura da última toalete . . .
A vós vos tiraram a casa. A vós vos tiraram o nome
Fostes marcados a brasa e vos mataram de fome!
Vossas peles afrouxadas sobre os esqueletos
Dão-me a impressão que éreis tambores —
Os instrumentos do Monstro — Desfibrados a pancada: Ó mortos de percussão!
Cadáveres de Nordhausen, Erla, Belsen e Buchenwald!
Vós sois o húmus da terra de onde a árvore do castigo dará madeira ao patíbulo
E de onde os frutos da paz tombarão no chão da guerra!

A biotecnologia aplicada e seus impactos

Décio Luiz Gazzoni

O debate sobre biotecnologia, Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e assemelhados não é um, são vários. Discute-se desde suas vantagens e desvantagens, o que implica no sentimento subjacente da inevitabilidade de sua adoção e uso, até a oportunidade de investimentos no setor. Grupos mais radicais chegam ao desatino de invadir centros de pesquisa, destruindo estudos em andamento, enquanto lobies setoriais buscam atalhos para que a sociedade chegue mais rapidamente a uma decisão favorável. Ambas atitudes são desvios do eixo central da discussão, que deveria caracterizar-se pela tranqüilidade e ponderação. Deve-se ter em conta que as mudanças de paradigma, sejam eles artísticos, culturais ou tecnológicos deveriam ocorrer após uma profunda reflexão da sociedade, com toda a salutar polêmica de que se reveste um câmbio de usos e costumes. Mudar um paradigma significa alterar o epicentro e as relações de poder, criar novas oportunidades, deslocar o curso dos negócios. Mudanças tão radicais afetam o curso da História, razão pela qual devem ser precedidas e acompanhadas de profundo debate.    
         
  O controle governamental
Por ser a biotecnologia um processo ainda obscuro para o leigo, é normal a ocorrência de preocupação da sociedade, o excesso de zelo das autoridades sanitárias, a cautela dos magistrados (in dúbio pro reo) e as turbulências nas relações comerciais, porque conservadorismo é uma marca das transições. É importante estar com a atenção voltada para o pronunciamento das autoridades americanas, extremamente exigentes e irredutíveis na proteção da sociedade e do consumidor. A FDA (Food and Drug Administration) é a agência governamental responsável pela análise de risco, registro e fiscalização dos alimentos nos EUA. Justamente por tratar-se de uma nova tecnologia, sua inocuidade é lastreada nos padrões e métodos analíticos clássicos, desenvolvidos para a detecção de contaminantes químicos ou biológicos. A grande dúvida que paira sobre cientistas e leigos é se os métodos clássicos seriam suficientes para detectar os riscos de efeitos colaterais não desejáveis, oriundos de alterações no controle genético. O APHIS (Animal and Plant Health Inspection Service) é a agência americana que regula e fiscaliza o desenvolvimento de pesquisas e testes com biotecnologia, tendo como missão resguardar o ambiente produtivo e o consumidor de efeitos colaterais indesejados das novas plantas transgênicas, em especial a dispersão da nova característica no ambiente, atingindo espécies onde não é interessante sua expressão. A equivalente brasileira do APHIS é a SDA (Secretaria de Defesa Agropecuária) do Ministério da Agricultura.
 
         
    Normas e fiscalização
Em nosso País, o mandato para o controle social de organismos geneticamente modificados é da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, formada por especialistas da área de biotecnologia, representantes do governo, da iniciativa privada, de órgãos de defesa do consumidor e de proteção da saúde do trabalhador. A execução de pesquisas com variedades transgênicas depende de um certificado de qualidade em biossegurança, exarado de acordo com a lei e em conformidade com as normas aprovadas pela CTNBio para minimizar os riscos para a espécie humana e para o meio ambiente. O segundo controle ocorre ao nível das autoridades sanitárias federal e estadual, a quem compete normatizar e fiscalizar a experimentação, a comercialização e a utilização das variedades transgênicas, após sua liberação, sempre ao abrigo das decisões da CTNBio.
         
O impacto na indústria de insumos
A implantação da Lei de Proteção de Cultivares e a introdução de variedades transgênicas provocarão uma revolução no setor de sementes e de agrotóxicos, pois parcela substancial das novas variedades está associada à redução de uso ou substituição de agrotóxicos. Algumas variedades apresentam resistência a insetos, especialmente pela incorporação do gene que codifica para a toxina do Bacillus thuringiensis, ou são resistentes ao herbicida glifosato. Devido ao alto custo da pesquisa biotecnológica e à concentração do domínio tecnológico em empresas transnacionais, é lícito esperar uma contração estratégica do setor empresarial, assim como a formação de parcerias entre organizações públicas e privadas, para ações de C & T com objetivos práticos, no âmbito do agronegócio.
   
         
  Eis algumas das questões de cunho filosófico-ideológico a serem debatidas: devemos permitir que empresas com sede em outros países determinem o rumo que tomará a tecnologia agropecuária no Brasil? Apesar dos problemas conjunturais, não seria esse o momento adequado de investir no futuro do país, reforçando as equipes que atuam na fronteira da ciência? Os institutos de pesquisa dispõem de material genético adaptado às diferentes regiões de cultivo, que servirão de "background" natural para a introdução de novas características, pela via da transgênese. Entretanto, a quebra de paradigma diminui o valor da tecnologia tradicional, amplificando o da inovação. Nesse caso, qual a capacidade competitiva dos institutos nacionais? Quem ganha e quem perde no novo cenário? De imediato, a eventual liberação de plantio de soja RR deverá provocar uma concentração no uso de alguns produtos. Em relação à produção de sementes, espera-se uma multiplicação dos contratos de licenciamento para multiplicação das novas variedades, mediante o pagamento de roialties.  
         
    Impacto no produtor agrícola
E, na ponta da linha, o agricultor terá condições de apropriar-se de parcela do ganho financeiro eventualmente propiciado pela inovação tecnológica? O obtentor da soja resistente ao glifosato acena com a redução de custos pela menor utilização de herbicidas e pelo uso de produtos mais baratos, além da simplificação do sistema de produção. Vislumbra-se, também, a possibilidade de expansão do plantio direto, com redução do impacto ambiental do processo agrícola. Entretanto, pela condição monopolista do momento, uma eventual liberação do embargo judicial leva à argüição de que o detentor da tecnologia se apropriará da margem obtida com a redução de custos com herbicidas. Isso porque as sementes de cultivares transgênicas seriam comercializadas a um preço superior ao das cultivares tradicionais, amparado no apelo da inovação tecnológica e pelos ganhos não financeiros que o agricultor teria com seu uso.
         
Impacto sobre o consumidor
Em teoria, consumidores poderiam ser beneficiados pela redução de custos obtida com novas variedades, o que somente se concretizaria na vigência de um ambiente altamente competitivo ao nível de fornecimento dos insumos, com decorrente ausência de monopólio ou cartel setorial. O consumidor será mais consistentemente beneficiado com a melhoria dos atributos de qualidade em novas variedades e, nesse caso, o custo do produto final não será uma variável diretriz para decisão de compra. Em relação à inocuidade dos produtos derivados de OGMs, ainda persiste um nível de insegurança e desconfiança, que tem gerado prêmios para produtos certificados como não OGMs. Finalmente, parece estabelecer-se um consenso de que é um direito do consumidor ser informado que o alimento que consome é derivado de material transformado, mesmo que declarado inócuo pelas autoridades sanitárias, o que tem levado os governos de diversos países a normatizarem a rotulagem de alimentos derivados de OGMs.
   
         
  Impacto sobre o comércio internacional
Existem interesses vultuosos em jogo, especialmente acirrados enquanto não se desenha o ambiente definitivo que sobressairá da discussão sobre o uso de variedades transgênicas. De parte do exportador, seu uso pode representar uma vantagem comparativa importante, caso se confirme a redução de custos e a possibilidade de negociar preços e condições em relação aos concorrentes. Esta vantagem se dilui conforme os principais competidores avançam com maior voracidade no uso da tecnologia. Entretanto, pode constituir-se em um óbice, caso sejam colocadas reservas e ressalvas de parte dos países importadores, seja para conseguir vantagens comerciais adicionais, ou para atender demandas específicas de seus clientes finais. O Brasil conseguiu bons negócios ao longo de 2001, vendendo soja certificada como não transgênica para a China e o Japão. É recomendável atentar para a ação de grupos organizados de consumidores e de ambientalistas, que podem alterar o pano de fundo do mercado. Embora o consumidor seja soberano em sua decisão de compra, as barreiras institucionais estão paulatinamente se enfraquecendo, em especial após o nihil obstat da União Européia à importação de soja transgênica ou de seus derivados.
 
         
    A atuação da autoridade sanitária
Braço normatizador e fiscalizador dos governos, responsáveis pela proteção do ambiente produtivo e da saúde e vida do consumidor, a convivência com OGMs representa um desafio aos órgãos federais e estaduais de defesa agropecuária. Em momentos de transição o excesso de zelo sempre é justificável, considerando-se o princípio de que é mais importante proteger a vida que o capital ou a tecnologia. Entretanto, este não pode ser um escudo que tudo justifique, posto que os compromissos internacionais firmados pelo Brasil exigem que toda a medida sanitária seja fundamentada em evidências científicas irrefutáveis. Na ausência de resultados definitivos, que possam servir para o estabelecimento de padrões, os órgãos de vigilância sanitária podem estabelecer padrões transitórios, enquanto aguardam resultados de pesquisas que elucidem a questão. Neste particular, potencializa-se o efeito dos conselhos de defesa agropecuária, onde se instala o contraditório pela representatividade das cadeias agro-produtivas, que devem buscar o equilíbrio da norma para que não ocorra prejuízo do produtor, do consumidor ou dos exportadores. Desta discussão devem nascer as diretrizes que balizarão o processo de iniciação no novo ciclo tecnológico.
         

Em suma, a aplicação prática da biotecnologia tem o condão de alterar profundamente usos, costumes e práticas ao longo das cadeias agro-alimentares, desde o produtor até o consumidor. Apresenta reflexos potenciais no ambiente e em aspectos sociais, razão pela qual é importante que a sociedade invista com energia na discussão sobre os rumos a serem seguidas, balanceando os riscos e os benefícios do novo paradigma tecnológico e dos controles que sobre ele devem incorrer.

O agrônomo vai pro silício

Décio Luiz Gazzoni

Pois é, tempo houve em que a vaca ia para o brejo. Em especial quando os pecuaristas relaxavam na vacinação contra a aftosa e outros controles sanitários. A profissionalização e o avanço tecnológico marcam indelevelmente a pecuária do novo século, com o Brasil almejando acumular os galardões de maior produtor e maior exportador de carne do mundo. A situação não é diferente na fruticultura, horticultura ou produção de grãos. As inovações tecnológicas estão exigindo que o agrônomo vá para o silício, a ponto de se vislumbrar o momento em que o principal instrumento de trabalho do profissional de Agronomia será a informática.

Microchip
Um chip serve para identificar o animal e armazenar um banco de dados com informações relativas à idade, peso, ascendência, controle sanitário, nutrição entre outros. Os tratores e colhedeiras vem equipados de fábrica com computadores e GPS, a tal eletrônica embarcada. Embora o mercado da agro-informática ainda seja embrionário, a previsão é de que venha a movimentar esse ano cerca de US$100 milhões. Nos últimos cinco anos, o movimento comercial no setor aumentou quase cinco vezes. Em 2000 o volume comercializado no segundo semestre foi 25% superior ao do primeiro e fontes do setor esperam o dobro disso em 2001.
  Administração
O administrador agrícola compra insumos, vende produtos, possui estoques de ambos, tem contas bancarias, aplicações, contas a pagar e a receber. Essas informações podem se constituir em um precioso banco de dados, por sua vez conectado a outros bancos de dados externos, como cotações de mercado. O administrador controla não apenas seu estoque, como estabelece índices de produtividade e eficiência, controla a logística da produção, dispondo de informações de gestão que subsidiam a tomada de decisões. Também tem seus controles facilitados pois, ao invés de anotar os dados de pesagem ou vacinação em uma caderneta campo, transcrevê-la para uma ficha, depois arquivá-la, tudo pode ser feito em operação única, que grava as informações diretamente no banco de dados. O custo de registro e acesso é menor e a informação está disponível na fazenda, no escritório da cidade, ou via Internet, no notebook do proprietário em viagem pelo Quaquaquistão.

 

Agricultura
Na gestão tecnológica a agro-informática também faz a diferença. O Ministério da Agricultura disponibilizou o Agrofit, um banco de dados com todas as informações sobre agrotóxicos registrados no país. A Embrapa dispõe de dezenas de bases informatizadas, com informações vitais para os produtores, que podem ser acessadas na fazenda. Sensores instalados no campo transmitem periodicamente a temperatura, umidade, pressão, precipitação, radiação e outros dados climáticos, em tempo real. A irrigação e a agricultura de precisão, paradigmas da fronteira tecnológica, exigem continuamente um alto grau de informatização, que inclui o uso de satélites para abastecer de informações os aparelhos de GPS. Sem esse suporte, o produtor corre o risco de ver reduzida sua margem, podendo, no limite, quebrar o seu negócio.
  Pecuária
Códigos de barras são presos nas orelhas das reses. A Embrapa desenvolveu tecnologia para implantar chips no umbigo de bezerros ou no estômago de animais adultos. Um equipamento apropriado lê as informações assim que se aproxima do animal. As dificuldades de transmissão das informações já estão sendo superadas, e haverá um enorme break-through nos próximos anos, com o advento dos telefones celulares das gerações 2.5 e 3G, operando por satélite, e com conexão aberta 24 horas com a Internet, o que eliminará as barreiras geográficas. Tanto no caso da agricultura quanto da pecuária, a agro-informática será a ferramenta viabilizadora do processo de traçabilidade, acoplada à certificação de origem. Quem opera no mercado internacional sabe da exigência dos países importadores quanto à necessidade de, rapidamente, informar as tecnologias, serviços e insumos utilizados na produção de determinado produto agrícola, em caso de não conformidade em relação aos padrões estabelecidos. O Brasil dispõe de pouco tempo para adaptar-se a essa exigência, sem o que teremos mais uma barreira comercial, encolhendo o mercado para nossos produtos.
     

Chromobacter

Décio Luiz Gazzoni

Se for para escrever com nome e sobrenome, chama-se Chromobacter violaceum. Por traz desse nome enrustido esconde-se uma bactéria encontrada na Amazônia, mais precisamente no Rio Negro. Ela pode ser utilizada, de forma muito didática, para ilustrar o porque e o como de muitas coisas. Porque proteger a biodiversidade. Porque as grandes potências estão de olho na biodiversidade amazônica. Porque investir em ciência e tecnologia. Como a biodiversidade pode ser útil ao ambiente. Como a biodiversidade pode ser a base de utilidades e de negócios múltiplos. E uma série de respostas a questões que o cidadão antepõe quando discutimos a preservação de plantas, animais, microrganismos e outros seres vivos.

Do que estamos falando?
A Chromobacter violaceum já era conhecida há um bocado de tempo, por suas propriedades antibióticas, como, por exemplo, contra o Mal de Chagas. O Ministério da Ciência e Tecnologia abriu uma licitação para financiar laboratórios que tivessem a capacidade de sequenciar o genoma da bactéria, ou seja, descrever a seqüência correta das bases do DNA da bactéria identificadas pelas letrinhas C, G, A, T, como havia sido feito com a Xylella fastidiosa (agente causal do amarelinho dos citrus). O Laboratório Nacional de Computação Científica lidera uma rede de 25 laboratórios, com 4000 cientistas envolvidos, que pertencem ao Projeto Genoma Brasileiro. A Embrapa Soja, sediada em Londrina, participa desse esforço, sob a coordenação da Dra. Mariângela Hungria. Os laboratórios da Embrapa abrigam um seqüenciador e outros equipamentos para realizar a leitura das bases e descobrir novos genes e suas funções.
  É aí que põem o dinheiro do contribuinte?
Pois é aí mesmo. O trabalho de sequenciamento está chegando ao fim, faltam apenas descrever alguns "buracos" entre os genes da bactéria. Mas o trabalho dos cientistas não se esgota em descrever as seqüências CGAT. É importante identificar cada gene que compõe o genoma, onde ele está localizado e - o pulo do gato - descobrir exatamente qual é a sua função. Sabemos que cada gene nada mais é que um ordenador de alguma coisa. Ele instrui a bactéria a produzir tal proteína, a qual deve atuar como enzima em tal processo. Terminada a identificação da parte estrutural, será necessário estudar o funcionamento do genoma. Quando essa seqüência de códigos estiver plenamente esclarecida, começa a fazer sentido porque tantos cientistas se esmeraram para esmiuçar uma simples bactéria.

 

Usos
A Chromobacter, como todo o organismo vivo, produz proteínas, sendo algumas típicas da espécie. No caso, os pesquisadores já haviam identificado a presença da violaceína, pigmento produzido pela bactéria. Essa substância possui atividade contra o Trypanosoma cruzi (Doença de Chagas) e os protozoários do gênero Leishmania (leishmaniose). A bactéria produz substância capaz de atuar contra tumores que se desenvolveram em ratos de laboratório. Estudo de pesquisadores da Penn State (EUA) mostrou que a bactéria pode controlar até 90% das formas jovens de um cascudo. O que tem tudo a ver com os agronegócios e a vida rural. Porém existem outros usos, através do aproveitamento de sua capacidade de produzir polímeros, matéria prima do plástico. O plástico é comprovadamente um dos maiores poluidores do ambiente, pois estima-se o tempo necessário para sua decomposição em até 400 anos. O plástico gerado a partir da Chromobacterium é facilmente degradado por microorganismos existentes naturalmente no ambiente, o que reduz substancialmente seu tempo de permanência como poluente.
  Benefícios
Os cientistas brasileiros não estão seqüenciando o DNA da bactéria para seu deleite. O objetivo final é o desenvolvimento tecnológico de produtos que venham a melhorar a qualidade de vida do cidadão, que redundem em utilidades e negócios – os bionegócios – em benefício da sociedade como um todo. Não há desenvolvimento social e econômico que não esteja lastreado em desenvolvimento científico e tecnológico. Quando esses produtos beneficiarem a sociedade o contribuinte terá certeza que seu dinheiro foi bem aplicado, e até passarão a exigir maiores investimentos em C & T..
     

Irradiação de Alimentos

Décio Luiz Gazzoni

Um dos quesitos mais importantes para o sucesso no mercado internacional neste inicio de milênio é a garantia da inocuidade química e biológica dos alimentos. Inocuidade química significa ausência de resíduos de medicamentos, vacinas, antibióticos ou agrotóxicos nos alimentos. A inocuidade biológica pressupõe a ausência de microrganismos, insetos, nematóides ou outras pragas agrícolas, patógenos de importância veterinária ou que afetam a saúde humana. Existem diversos métodos, preventivos ou curativos, para garantir a inocuidade dos alimentos, sendo a irradiação o único aprovado sem restrições pela OMS e pela FAO.

Irradiando alimentos
A irradiação consiste em expor os alimentos à energia ionizante (raios X, beta ou gama), diminuindo ou paralisando a velocidade de brotamento ou maturação, desinfetando ou esterilizando os alimentos, dependendo da dose da radiação. A qualidade sanitária é melhorada pela irradiação, sem alterar as características organolépticas dos alimentos, aumentando sua vida de prateleira e reduzindo as perdas pós-colheita. Não há qualquer risco de a irradiação transformar os alimentos em radioativos, pois os mesmos não entram em contato com a fonte, recebendo apenas "ondas" esterilizadoras. A irradiação é tão segura que é aplicada na alimentação dos astronautas. No Brasil desde 1973 é utilizada para esterilização de equipamentos cirúrgicos e no tratamento de alimentos do exército, sem qualquer registro de acidentes. Mesmo assim, o rótulo dos alimentos deverá conter o aviso "Alimento tratado por processo de irradiação".
  Centros de irradiação
Está em implantação uma rede de 12 centros de irradiação junto aos principais pólos comercializadores e exportadores de produtos agropecuários. As primeiras unidades foram instaladas em Manaus e no Rio de Janeiro, estando prevista a seguinte para Fortaleza. No futuro próximo, grande parte dos alimentos comercializados nas grandes redes de varejo deverão ter sido submetidos à irradiação. Conforme a resolução 21 (26/1/2001) da ANVISA, a irradiação de alimentos somente poderá ser utilizada se as emissões de energia forem inferior aos limites daquelas que poderiam ocasionar traços de radioatividade nos alimentos. A CNEN autorizou o uso das fontes Cobalto 60, Césio 137, raios X com máquinas de 5MeV e elétrons gerados por máquinas com até 10 MeV. Todas as empresas deverão dispor de registro dosimétrico quantitativo.

 

Benefícios
O benefício primeiro que salta à vista é o atendimento dos rígidos padrões sanitários internacionais, servindo a irradiação como garantia de inocuidade biológica dos produtos. O segundo é a maior durabilidade dos produtos no período pós processamento. Estima-se que o Brasil perca até 40% das frutas e verduras produzidas, devido a ataques de pragas pós colheita, que poderiam ser eliminadas através da irradiação. O terceiro benéfico se refere ao tratamento quarentenário de produtos importados, tanto para consumo quanto para multiplicação, evitando o ingresso de espécies invasivas. Os produtores, os consumidores e os demais atores das cadeias produtivas perceberão diferenças palpáveis como o aumento da vida de prateleiras de frutas para até 4 meses, em balcões a 7oC; a irradiação impede ou retarda o brotamento de cebola, batata, alho, mandioca, que podem ser armazenadas por até um ano sem problemas de de pragas; os grãos embalados em invólucros herméticos permanecem em perfeitas condições por períodos de até um ano; e as carnes podem ser armazenadas por refrigeradas longos períodos, sem necessidade de congelamento.
  Riscos
Nem tudo são flores, qualquer radiação apresenta riscos à saúde dos aplicadores e dos demais trabalhadores que acidentalmente sejam a ela expostos. A legislação brasileira é extremamente rígida a respeito do assunto, seguindo as recomendações da OMS. Existem processos absolutamente seguros que permitem operar os equipamentos por décadas, sem o risco de acidentes deletérios à saúde. Embora as emissões sejam muito baixas, sabe-se que o uso da irradiação produz pequenas quantidades de ozônio que, liberadas na baixa atmosfera, contribuem para a poluição do ar. Finalmente existe o risco empresarial de o consumidor reagir negativamente à nova tecnologia, por desconhecimento da sua inocuidade e das suas vantagens.

 

 

 

 

Assim, até eu!

Décio Luiz Gazzoni

Peculiarissima a interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal. O espírito da Lei, com o apoio integral da sociedade, é: Não pode o administrador público gastar mais do que arrecada, sob as penas da Lei. Já o administrador público interpretou: Não posso arrecadar menos do que gasto. Sutil mudança, que elimina os benefícios que a sociedade auferiria com a Lei. Ao invés de conter gastos, aplicar melhor, ser mais rígido, coibir a corrupção e a sonegação, enfim, administrar, impostos são aumentados. Assim até eu, até você leitor, até qualquer brasileiro que cumpra os requisitos constitucionais pode ser Presidente, Governador, Prefeito, Secretário da Receita Federal, Ministro da Fazenda.

Derrama
A motivação da Inconfidência Mineira foi a derrama da Coroa portuguesa. Os argentinos revoltaram-se ao ver que, além dos tributos, o Governo tomou emprestada a sua poupança para a farra da gastança, e agora não tem como devolvê-la. Já, aqui na terra do Carnaval, tudo é festa. O IPTU é majorado entre 30-100% em administrações do PT, do PFL, do PPB ou de qualquer partido que esteja no poder, transferindo para a sociedade, pela via dos tributos, o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, e ninguém reclama! Rodovias são privatizadas e o IPVA majorado. O caso do IRPF é didático: a alíquota foi alçada de 25 para 27,5% (10% de aumento), outros 10% foram confiscados pela não correção da Tabela. Quando o Legislativo resolveu corrigir a iniqüidade (afinal em 2002 eles vão pedir o seu voto!) o Governo luta desesperadamente para manter a cobrança indevida.
  Acinte e falta de visão
O Governo entende que "perde receita" ao corrigir a tabela. Meu dinheiro pode ser confiscado via imposto não devido, mas não minha inteligência. Como pode ser devido um imposto aplicado sobre uma reposição inflacionaria, em que o poder aquisitivo, teoricamente, não variou? Na calada do final de ano o Governo aumentou em 200% a alíquota da Contribuição Social das empresas prestadoras de serviços, um duro golpe no sistema produtivo. Flagrado no contrapé propõe majorar as alíquotas da CPMF ou do IOF, encarecendo os empréstimos e as transações financeiras. A visão arrecadatória unilateral não analisa o impacto da majoração de impostos nas cadeias produtivas, reduzindo margens e eliminando empresários do agronegócio, ou forçando-os a esconder-se na marginalidade da sonegação, pela impossibilidade da convivência com altos tributos. Apesar da desvalorização do real superior a 100%, nosso desempenho exportador continua pífio. Entre outras, a insistência em exportar impostos, quando os importadores desejam apenas mercadorias a preços competitivos, é uma das razões.

 

Pressão tributaria
Segundo Ives Gandra Martins, em 2001 a pressão tributária no Brasil equivaleu a mais de 34% do PIB, passando a ser a maior do mundo. No México, com indicadores macro-econômicos semelhantes aos nossos, a pressão tributária é de 16% do PIB, sendo de 30% nos países sociais democratas da Europa. Porém lá o ensino e a saúde funcionam – e muito bem! – e são gratuitos. Há segurança pública e o contribuinte tem uma contrapartida para seus impostos, que são usados até para o famigerado subsídio agrícola, uma forma de retorno do recurso tributário à sociedade. Aqui em Pindorama, pagamos o mais alto imposto do mundo, entretanto a saúde é um caos, a segurança pública dispensa adjetivos, a educação deixa a desejar, as estradas estão esburacadas e a divida publica cresceu 300% em 7 anos, apesar das privatizações de empresas públicas.
  Paralelo
Tente imaginar o pecuarista que tivesse seus custos aumentados em 20% cobrando do frigorífico um preço 20% superior pela arroba do boi; o canavieiro que aumentasse 20% no seu custo cobraria da usina 20% a mais no preço da cana. Ao frigorífico e à usina caberia pagar sem chiar. O mau produtor de soja cobraria 20% a mais do importador europeu. Ou o empregado diria ao patrão: a minha despesa lá em casa aumentou 20%, portanto meu salário será 20% maior! Dá para imaginar? Se não dá, porque o Governo não gasta apenas o que arrecada ao invés de arrecadar o que gasta? Se a Lei não prevê punição para tributação excessiva, talvez o eleitor possa se encarregar de punir maus administradores.

Assim até eu, parte II

Décio Luiz Gazzoni

A julgar pelos e-mails e telefonemas, a coluna de 1 de fevereiro teve profunda repercussão. Há uma revolta latente contra a progressiva apropriação tributária. Reclamam o empresário, o patrão e o empregado. Quatro sentimentos são dominantes: (1) a revolta com o crescimento da pressão tributária; (2) a sensação de que o bom pagador é penalizado com alíquotas maiores e novos impostos; (3) a contrapartida dos governos está muito longe do "preço" pago pelos "serviços" (saúde, educação, segurança); (4) a revolta contra si próprio e contra a sociedade por aceitar, conformada, o status quo, sem esboçar uma reação, o que incentiva a escalada tributária. Interessante a autocrítica de um pecuarista: "Pareço a boiada que vendo ao frigorífico, que coopera no seu caminho para o abate. Com a diferença que eu sei o que vai acontecer e os bois não".

As queixas
Um empresário comenta que, além dos tributos, a sociedade paga pela privatização das teles e eletros, com reajustes superiores à inflação para o telefone e energia elétrica, por muitos anos, aumentando seu custo. "Eu também gostaria que a sociedade pagasse pelos prejuízos do veranico na minha lavoura!" reclama um agricultor, irritado pois vamos pagar uma sobretaxa na conta de luz, porque as empresas de energia não podem ter prejuízos com o racionamento! Outra queixa: a Prefeitura de Londrina está instalando "pardais" em diversos cruzamentos para flagrar motoristas que avancem o sinal vermelho. É uma medida estritamente punitiva e de cunho arrecadatório, sem qualquer conotação educativa. E o problema maior: todos sabem o risco de assalto, morte ou seqüestro a que se submete o cidadão que ousa parar em um sinal vermelho, durante a madrugada. A escolha de Sofia: "furo o sinal", pago as multas, perco a habilitação, ou arrisco ser roubado, seqüestrado ou assassinado? "O Poder Público deveria garantir a minha integridade física, aplicando o dinheiro dos meus impostos na segurança pública, para que o cidadão pudesse obedecer aos sinais vermelhos" argumenta.
  Bons exemplos
Comentário de um leitor: de 1990 a 2001 os EUA viveram o maior ciclo de desenvolvimento econômico da História. Nas suas pilastras a "reaganomics", um brutal corte de impostos fundado na lógica de que, reduzindo as alíquotas e os impostos, impulsiona-se o desenvolvimento e o Estado arrecada um volume maior, pela expansão da base tributária. E o ajuste fiscal do presidente Clinton, que levou o Tesouro a superavits que calibraram a despesa com a receita - não o inverso como estão fazendo os governantes brasileiros. Citou também o exemplo de Mato Grosso. Produtor marginal de algodão até 1996, o Mato Grosso hoje detém 56% da produção nacional. Porque? Através do Proalmat, o Governo do MT permite ao empresário destinar até 75% do ICMS para investimento em C&T, sanidade e outras ações em benefício da cultura do algodão. Uma aparente redução de 75% na alíquota do ICMS transformou-se, em 3 anos, em elevação de 300% na arrecadação. São essas ações inteligentes que nos dão esperança de dias melhores.

 

Lição de cidadania
Um leitor gaúcho, tri-revoltado, chama a atenção de que o Estado não provê contrapartida aos tributos, mas permite monstruosidades como os 5 meses de greve da UEL, um péssimo exemplo à juventude (posso receber salário sem trabalhar!), além de prejudicá-la em sua formação profissional. Enfurece-se com a Justiça(!) que concedeu indenização trabalhista de R$63 milhões aos diretores fraudadores do Banco Nacional, valor que será pago com os nossos tributos. Encolerizado, brada uma estatística do Governo: em 2001 o rendimento anual do trabalhador caiu 8,9% e a arrecadação do IRPF cresceu 19,92%. Desde 1995 os salários tiveram queda de 21,9%, enquanto a arrecadação com IR subiu 108%!!! Quanto menor o salário, maior o IR! Uma espoliação.
  Chego à conclusão que, a partir das próximas negociações salariais, os sindicatos passarão a exigir dos patrões, além da reposição inflacionária e da produtividade, uma "reposição tributária". Como a cada ano os Governos "mordem" uma fatia maior da renda do trabalhador, seu poder aquisitivo diminui e ele deve lutar para evitar essa perda. Como não pode lutar contra o Governo, vai tentar obter uma compensação do empresário, que por sua vez tentará repassar esse custo para o consumidor. A História mostra que essa novela acaba em desemprego, falência, estagnação ou inflação - ou todas juntas.

 

 

Vamos assumir nosso papel?

Décio Luiz Gazzoni

Parece que o Brasil entrou na adolescência do comércio internacional. Para os pessimistas ainda um longo caminho pela frente. Para os otimistas significa que, finalmente deixamos de acreditar em Papai Noel, perdemos o medo do bicho papão e deixamos de ver apenas anjinhos na selvageria das disputas por mercado ao redor do planeta. Como toda a adolescência, o processo está sendo dolorido e desencantador e estamos ainda procurando nos ajustar aos novos valores. Quando esse período da nossa História passar para os livros, merecerá um registro o fato de o Sr. Marcus Vinicius Pratini de Morais haver ocupado um Ministério – o da Agricultura. Com vida profissional dedicada ao comércio exterior, foi chamado para cumprir a missão de conferir profissionalismo às negociações governamentais no minado e lamacento território do comércio internacional.

As mudanças
O Itamaraty é reconhecido como uma das melhores diplomacias do Mundo. Entretanto, quando há mudança de paradigma não interessa quão bom alguém era no modelo anterior, interessa seu sucesso no novo cenário. O Itamaraty demorou a entender que a diplomacia havia migrado de mero representante burocrático, organizadora e participante de festas (o consagrado punho de rendas) para ser uma ferramenta importante no tabuleiro dos negócios entre as Nações. Foi preciso muita pressão para que as mudanças acontecessem. Alguns fatos são marcantes, como a recusa, de bate pronto, por parte das lideranças ruralistas à oferta de uma ONG dos produtores de soja americanos, efetuada antes do Carnaval. Com a petulância e arrogância característica dos irmãos do Norte, uma delegação veio ao Brasil oferecer R$190,00 por hectare aos agricultores que deixassem suas terras em pousio, ao invés de plantar soja.
  Clareza e firmeza
Iwao Myiamoto, agrônomo, produtor e liderança rural, presidente da Aprosoja foi curto e grosso: sou produtor e vou viver da renda do meu negócio. Assim como outros produtores prefere o risco do lucro no agronegócio que a tranqüilidade de uma renda do ócio. Ocorre que os agricultores americanos foram apanhados em sua própria armadilha, com regras do jogo por eles definidas. De acordo com as regras que impuseram ao mundo, o comércio internacional deveria ser totalmente livre – menos para aqueles produtos em que os países ricos não possuem competitividade. Caso típico dos agronegócios em que todos os países ricos mantêm-se no mercado exclusivamente por conta dos pesados subsídios, posto que sua agricultura é ineficiente. Ao invés de vestir a carapuça da impossibilidade de competir com o Tesouro americano, o Brasil investiu na sua vocação para o agronegócio e tornou-se a "ameaça brasileira". Esse foi o título dessa coluna em 24/08/01, inspirada em uma reunião organizada pelo USDA em Washington, para o qual esse escriba foi convidado, e onde ficou patente que os americanos estavam com a pulga atrás da orelha com o crescimento da produtividade e da competitividade da agropecuária brasileira.

 

Armadilha
Para manter-se no mercado, o agricultor americano viciado em subsídios, age como qualquer dependente: precisa de doses crescentes da droga. No caso, reclama cada vez mais subsídios do Tesouro, hoje na ordem de centenas de bilhões de dólares. Mesmo assim não consegue competir e vem ao Brasil pedir "for God sake, parem de plantar!". Até porque os subsídios estão mostrando sua face perversa, gerando distorções, concentração de renda e de terra no interior dos EUA e queixas dos contribuintes que vêem seu dinheiro esvair-se na ineficiência do sistema de subsídios.

 

 

  Lição de casa
Encarar o monstro de frente é uma parte das tarefas do neo-adolescente. Ainda há muita lição de casa para fazer, para não sermos apanhados na mesma armadilha americana. A eliminação dos subsídios tornará competitivos outros países agrícolas do mundo. Para evitar essa arapuca temos que fazer nossas reformas tributária e fiscal, modernizar os sistemas de transporte, armazenagem, energia, comunicação e o restante da infra-estrutura. A engenharia financeira do financiamento da safra e da comercialização é fundamental. E, supra sumo da inteligência, lembrar que o consumidor é o rei e que ele exige qualidade. A qual somente será obtida com sistemas de ciência e tecnologia e de sanidade agropecuária situados entre os melhores do mundo. O que, diga-se de passagem, foi a base da explosão recente da competitividade da agropecuária brasileira.

Nas barras da OMC

Décio Luiz Gazzoni

Caro leitor, quantas vezes já ouviste a expressão "...vá ensinar o padre a rezar missa", significando a desnecessidade de dizer a alguém que deve cumprir sua obrigação. Pois o Brasil pretende utilizar os regulamentos da OMC para exigir dos países ricos que cumpram as regras que eles mesmos impuseram ao mundo. Ou seja, se não está ensinando, está pedindo ao padre que reze a missa. As relações entre os países, em particular as comerciais, sempre tiveram como pano de fundo a divisão kafkiana de dominador e dominado, colonizador e colonizado, central e periférico, desenvolvido e emergente, etc. Muda a denominação porém a ideologia não muda jamais: as regras sempre devem favorecer países mais ricos, que as impõem não apenas para consolidar sua posição, mas para enriquecer ainda mais. Para tanto vale tudo, inclusive não cumprir as regras por eles impostas.   Embraer
O affair Embraer x Bombardier teve maior importância como aprendizado que propriamente pelo resultado financeiro, que é mais moral que real. Porém demonstrou que os subsídios e as acusações que os canadenses assacavam contra a Embraer eram mera fides punica, ou seja, quem acusava de adultério foi apanhado com baton na cueca. O Brasil cometeu um grande erro nas negociações que redundaram na criação da OMC, ao longo das décadas de 80 e 90. Abrimos o nosso mercado, cumprimos fielmente a cartilha liberalizante, fomos mais realistas que o rei, crendo ingenuamente que todos os sócios do clube rezariam pela mesma bíblia. No limiar do III milênio, ao descobrir que caímos no conto do vigário, ao invés de lamentar e reclamar ao bispo, o Governo resolveu bater as portas do tribunal da OMC.

Soja
Uma das piadas mais sem graça ouvidas ultimamente foi a versão americana de que os seus agricultores estavam sendo prejudicados pelas altas produtividades da soja brasileira, o que obrigava o Tesouro ianque a abrir as burras cada vez mais, para evitar a quebradeira de seus agricultores. Discute-se no Congresso americano a nova Lei Agrícola, que destina centenas de bilhões de dólares aos subsídios agrícolas, em especial à soja. Antes da aprovação da Lei, o Brasil está ingressando com questionamento na OMC, demonstrando o quanto o país está sendo prejudicado pela prática comercial desleal dos americanos. Busca uma condenação na OMC para pressionar o Congresso americano a rever sua intenção de subsidiar agricultores ineficientes.
  Algodão doce
Os países ricos têm diversas formas de protecionismo, sendo as principais os subsídios à produção e comercialização e as barreiras comercias. No caso do algodão os produtores nacionais se queixam das políticas de subsídio à exportação dos EUA, o que impede que o Brasil ingresse em novos mercados. O açúcar é um caso didático de protecionismo europeu. Apesar de maior produtor mundial, o Brasil poderia duplicar ou triplicar sua produção caso a União Européia suspendesse os pesados subsídios ao açúcar de beterraba. O Chile cedeu ao canto da sereia e aumentou a alíquota de importação do açúcar brasileiro de 31 para 98%, oferecendo, em contrapartida, uma cota de importação de 9 mil tons. Ocorre que o Brasil exportava 50 mil tons ao Chile, razão pela qual a alíquota chilena será questionada na OMC. O Brasil proporá uma retaliação equivalente a produtos exportados do Chile para o Brasil.

 

Laranja
A criatividade protecionista não tem limites. Assim como ocorre com outros produtos, os laranjais da Flórida não suportariam uma competição justa e leal, sem protecionismos. Além da taxa de US$450,00 que o suco brasileiro tem que pagar para carimbar o passaporte para o mercado americano, a Flórida cobra uma taxa própria. Ocorre que a taxa é repassada para as empresas produtoras de suco, para fazerem publicidade de seu produto, competidor do brasileiro. Para usar uma expressão de um empresário paulista, a taxa varia entre "o acinte e a cara de pau".
  Doha
Na reunião Ministerial de Doha, Qatar, os Ministros José Serra e Pratini de Morais conseguiram avanços importantes ao liderarem a luta para colocar na agenda das negociações da OMC os subsídios agrícolas e outras formas de protecionismo à ineficiência do agronegócio dos países ricos. As ações que o Governo brasileiro está tomando são apenas preliminares da guerra comercial que virá, pois creio piamente que a agropecuária dos países ricos não resiste a uma década de livre comércio. Será que eles vão entregar a rapadura? Vai ser um filme emocionante.

Desmentindo ou reafirmando Malthus?

Décio Luiz Gazzoni

Caetano Velloso disse "Vocês não estão entendendo nada!". É o melhor comentário sobre a proposta da Focus on Sabbatical, ONG de apavorados agricultores canadenses e norte-americanos. Apavorados com a competitividade, produtividade e alta tecnologia da nossa agricultura. Apavorados com o remédio para combater nossa eficiência – subsídio e protecionismo. Como todo o viciado, quanto mais subsídio recebe mais precisa e seu efeito é cada vez menor.   Reafirmo que a agricultura de commodities dos países ricos não resiste a cinco anos de livre mercado. Impõe-se uma dialética sobre esse fato, iceberg de uma situação vergonhosa que grandes líderes globais não querem encarar: a produção agrícola tem como finalidade exclusiva manter o status quo da (injusta) distribuição de riquezas do mundo? Não deve servir para aplacar a fome? Ou como instrumento de eqüidade no concerto das nações? Não deveria também ser um dos instrumentos para esfriar os extremismos, caldo de cultura do terrorismo?

Malthus

Retrocedamos dois séculos para dar contexto à análise, à época de Thomas Robert Malthus, que publicou "Um Ensaio sobre o Princípio da População" em 7 de junho de 1798. No século XXI suas idéias ainda suscitam controvérsias, pois subsistem restrições ao acesso à alimentação. No Brasil, o Congresso Nacional devotou uma sessão exclusiva para discutir o tema, por propositura do Engenheiro Agrônomo e Senador pelo Paraná, Dr. Osmar Dias.   A essência das premissas de Malthus eram "O alimento é necessário para a existência do Homem" e "A paixão entre os sexos é necessária e permanecerá para sempre aproximadamente no status atual" (sic do original). Concluiu: "A capacidade de crescimento da população é infinitamente superior à capacidade da Terra em produzir alimentos. A população, na ausência de restrições, cresce de forma geométrica. O alimento cresce somente de forma aritmética". Malthus consolidou nesse ensaio suas contestações a William Godwin, que propugnava uma sociedade com justiça e igualdade e uma economia focada no fim da miséria. Isso há duzentos anos.   O pensador inglês derivou sua tese assumindo as premissas como imutáveis. Os conflitos pelo espaço geográfico; a distribuição injusta do emprego e da renda; o aumento da esperança de vida; a melhoria das condições de saúde; o declínio das taxas de crescimento populacional; e os avanços tecnológicos não constavam do cenário malthusiano.

Parada obrigatória para pensar

Repensemos Malthus sob a ótica do III milênio. A FAO estima que 800 milhões de pessoas passam fome; destes, 20 milhões são crianças que vão a óbito todo o ano, por fome ou desnutrição. Esse infanticídio equivale à derrubada de 11 torres gêmeas do WTC todo dia! O corolário dessa reflexão é que o mundo carece de justiça e solidariedade, o que poderia ser resgatado concedendo-se uma perspectiva de futuro aos povos que têm na agricultura sua única possibilidade de sobrevivência. A proteção do Tesouro dos países ricos à sua agricultura ineficiente re-escreve a Lei de Malthus: continua existindo um descompasso entre demanda e oferta de alimentos, destarte os avanços tecnológicos, por conta da injustiça global.   A ciência tem desmentido Malthus destruindo suas premissas, permitindo a desaceleração das taxas de crescimento populacional e expandindo a produção de alimentos. Estamos no limiar de um break-through tecnológico, a revolução biotecnológica, com potencial para transformar-se no paradigma do novo século, ameaça futura à Lei de Malthus. Toda a Revolução é conflagrada e polêmica. O Renascimento nas artes, o motor a vapor na Era Industrial, o telefone para as comunicações, o cinema para o lazer, a vacina para a saúde tiveram que superar barreiras que pareciam intransponíveis, antes de imiscuir-se nos usos e costumes. Outras Revoluções foram abortadas pela incapacidade de seus defensores em sobrepor-se às contestações. Os avanços tecnológicos embutem ameaças e oportunidades, riscos e benefícios. A mecanização agrícola conferiu escala, amputou custos e alavancou a produção e a produtividade; entretanto a seu débito correm a concentração fundiária e o êxodo rural. Os agrotóxicos eliminaram pragas, todavia seus efeitos colaterais ameaçaram obnubilar seus benefícios. É sob essa ótica que devemos analisar o embate tecnologia x Malthus.

Revisitando Malthus

O esgotamento das fronteiras agrícolas é uma das assunções de Malthus e se afigura cada dia mais correta. No entanto, a tecnologia é um poderoso meio de produção que minimiza a restrição da área horizontal pela expansão vertical da produtividade. No século passado vivenciamos três grandes revoluções tecnológicas: a mecanização das lavouras, a incorporação de fertilizantes e agrotóxicos e a oferta de material genético superior. O Brasil é um exemplo da anulação do cataclisma malthusiano pois, nos últimos 15 anos, o acréscimo de área agrícola foi marginal, ao passo que a produtividade cresceu acima de 60% para as culturas de algodão e arroz. Isso graças aos avanços tecnológicos propiciados pela Embrapa e demais institutos de pesquisa. Defrontado com a mudança de patamar tecnológico, o dilema é semelhante ao das Revoluções anteriores: devemos mudar o paradigma? Os benefícios superam os riscos? Vale a pena ingressar no "buraco negro"? Dessa vez vamos até mais longe: pode o Homem fazer às vezes de Deus?   Os produtores esperam que os OGMs sejam uma alavanca para que os termos da equação da demanda e da oferta de alimentos se equilibrem no ponto futuro mais próximo possível; e que a fome seja debelada do mundo, sob uma ótica com tempero social, sem a fria visão econométrica. Dos OGMs almejam melhorias qualitativas, nutricionais e no limite da ficção científica, permitir que plantas e animais se constituam em fábricas vivas. De onde seriam extraídas substâncias farmacologicamente ativas, como medicamentos, hormônios, vacinas, enzimas, etc. De outra parte, vade retro Satanás!, exorcizam ONGs, MSTs, Bové e assemelhados, vendo na nova tecnologia a encarnação de Belzebú e os sinais do Fim dos Tempos.

Polêmica

Em contraponto a Malthus, mas temperado com sua inspiração no ataque às idéias de Godwin, reitero a constatação de que "Fome não é mercado". Abstraindo de sua tese a falta de renda, Malthus errou. Inserindo a cunha da falta de solidariedade na equação, Malthus atirou no que viu e acertou no que não viu. Admitindo essa análise, a solução para a fome passa pela busca de um mundo justo, a que se atrela a ampliação da produção e da produtividade. O que nos remete à segunda tese polêmica, que é a "Função social da tecnologia". Mais que aumentar qualidade ou produtividade, que são decorrências, a tecnologia agropecuária tem como função primordial facilitar o acesso ao alimento de qualidade.   Na transição entre a Era Contemporânea e a "Era da competitividade", podemos criticar, assacar lamúrias, queixas e lamentações contra o livre mercado, a globalização, o FMI, o BIRD ou qualquer outro ícone, porém o mercado tem sua própria e cruel lógica. E competitividade tem uma de suas principais pilastras em tecnologia adequada, poupadora de custos e propulsora da produtividade. A ser verdadeira a premissa, ouso antever à Malthus que, na geração de nossos filhos, não haverá planta cultivada ou criação animal que não tenha sua exploração comercial baseada em cultivares, variedades ou raças geneticamente modificadas.

Novo paradigma?
O que nos remete à última das provocações, o "Paradigma biotecnológico". Entendo difícil sustentar no futuro a argumentação difusa que tem caracterizado a discussão anti-OGM, focalizada em eventuais riscos à saúde humana e ao ambiente. Resultados científicos irrefutáveis terão que conferir consistência aos argumentos. E esses pressupostos não têm resultado em evidências científicas incontestáveis. O último baque foram os estudos coordenados pela National Academy of Sciences que desmontou os resultados de um experimento de um cientista da Cornell University, o qual havia concluído ser o pólen de milho Bt tóxico para a mariposa monarca. Estudo esse que havia sido elevado à condição de oráculo, a prova suprema da malignidade biotecnológica. Na ausência de evidências irretorquíveis, o mercado será avassalador na busca de novas vantagens comparativas, para transformá-las em vantagens competitivas, em novas formas de redução de custos ou agregação de valor, em novos nichos ou mesmo novos mercados. É da lógica do Mercado proceder aut Caesar aut nihil - a inevitabilidade.
  Oportunidade
O Brasil teve uma oportunidade única para refletir sobre seu ingresso na era da agricultura biotecnológica, posta a moratória oficial forçada pela decisão da Justiça de não permitir o cultivo de OGMs em nosso país, até o momento. Sem a pressão consumista, foi possível pesar os prós e os contras, andar no fio da navalha entre a pressão produtivista de quem busca aumentar sua competitividade (EUA, Argentina, China) e a reação negativa dos consumidores. Na Europa não faltam razões para o consumidor não acreditar que o Estado possa proteger sua saúde e o meio ambiente. Os sistemas de vigilância sanitária protagonizaram diversos escândalos sanitários (vaca louca, febre aftosa, ração com dioxina, sangue contaminado com AIDS, fungicida em refrigerantes) que minaram sua credibilidade. Entretanto, conforme a discussão evolui do plano difuso para o objetivo, a percepção de risco do consumidor migra para a linha do pragmatismo. É irrelevante para essa análise auscultar a reação de cidadãos de países onde comida é mercadoria escassa, pois é evidente a escolha do cidadão quando confrontado com as opções da fome ou de OGMs.

 

Domínio tecnológico
Para desmentir Malthus, caso o cenário acima seja o predominante, o Brasil engatará seu vagão na composição majoritária do pensamento científico e tecnológico, imposição das demandas do mercado. Como exemplo da inexorabilidade das leis de mercado, basta referenciar o dilema vivido pelo Estado do Rio Grande do Sul, declarado por seu Governo como "livre de transgênicos", e onde centenas de milhares de hectares seriam cultivados com soja modificada, contrabandeada da Argentina, a crer nas notícias veiculadas na imprensa. O rumo a seguir e a forma de segui-lo é uma decisão social, à vista do embate entre os riscos e benefícios, os prós e os contras do uso de OGMs. A sociedade deverá discernir para que possamos usufruir os benefícios da biotecnologia, sendo rigorosa com suas ameaças e perigos.

 

 

  Atualidade
A fim de cumprir sua missão no tecido social, nossos laboratórios necessitar manter-se pari passu com os competidores; nossos cientistas devem participar ativamente dos debates científicos; e os políticos e negociadores devem ter atuação pró-ativa nos foros onde se estende a cabeça de ponte para o novo patamar tecnológico. Alternativamente, reafirmaremos Malthus se os subsídios dos países ricos continuarem artificializando o mercado internacional para manter elevada a renda dos seus agricultores e dificultando o acesso dos países pobres à produção e ao alimento. Como última provocação, relembro que o Sr. Luiz Inácio da Silva elogiou os subsídios da França aos seus agricultores, considerados os mais perversos do mundo. Ainda aguardo uma justificativa convincente de como essa afirmativa coaduna com a justiça social por ele pregada, pois a mim sua declaração é uma das que reafirma Malthus.

Subsídios agrícolas: ter ou não ter, eis a questão!

Décio Luiz Gazzoni

Encontro um jovem veterinário, administrador de propriedade rural, que relata a queixa de alguns agricultores. Segundo eles, o Ministro Pratini de Morais deveria parar de condenar os subsídios do Primeiro Mundo e conceder o mesmo favorecimento aos agricultores brasileiros. Parece que o elogio do Sr. Luiz Inácio da Silva aos subsídios franceses está repercutindo. Então, é interessante discutir os prós e os contras de um mundo com e sem subsídios. Deixando claro que a premissa é essa: ou todos tem subsídios ou ninguém tem, o que não pode é alguns países subsidiarem e outros não.   O protecionismo
Subsídio é parte de um conjunto de medidas protecionistas. Países ineficientes aplicam sobretaxas, impõem cotas, barreiras técnicas, sanitárias, morosidade burocrática, processos anti-dumping, enfim, todo o tipo de dificuldade para evitar que concorrentes mais competitivos desloquem os seus produtores no mercado. Os subsídios se desdobram em diversos tipos. Pode ser a patrulha mecanizada gratuita; a isenção ou deferimento de impostos; o pagamento parcial do custo de insumos e maquinas; pagamento em dinheiro para o agricultor deixar a terra em pousio; aquisição da produção a preços acima do mercado; financiamento da produção a taxas de juros negativas; financiamento para armazenagem a juros negativos; linhas de crédito à exportação com prazos longos e juros subsidiados. E outras formas que a criatividade de mentes protecionistas gera.

Porque subsidiar
Os EUA dizem que subsidiam somente porque a Europa subsidia. Foram flagrados no contra-pé, aumentando seus subsídios enquanto a Europa discute como reduzi-los. A Europa subsidia porque, historicamente, o Continente foi assolado por fome, decorrente de pestes e guerras, e deseja garantir a segurança alimentar; e porque é mais barato fixar o agricultor no campo que permitir que ele migre para a periferia dos centros urbanos, gerando demandas de mais alto custo, disputando o emprego do cidadão urbano.
  Porque não subsidiar
Porque qualquer artificialismo nos processos mercadológicos conduz a abusos e distorções, como ocorreu aqui no Brasil com calcário, adubo, Proagro, etc. Sempre existe um vivaldino lépido que se aproveita da oportunidade para distorcer as intenções da sociedade. Porque é um processo caro. Porque subsidio vicia, o produtor perde a noção da realidade, da competitividade e, como todo o vicio, quanto maior o subsídio maior a necessidade. Um produtor não consegue se livrar do subsídio senão à custa de muito sofrimento. Porque subsídio é um processo muito caro e a sociedade dos países ricos tem questionado o uso de seus recursos para manter a renda de produtores ineficientes, à custa de mais impostos, e sem que o preço dos alimentos seja reduzido.

Os efeitos indesejados
Corrupção, sob as mais diferentes formas, é o primeiro deles. O que vai aparecer de agricultor urbano; o que vai dobrar a produção e a área plantada, apenas no papel; o que será vendido de insumos e máquinas inexistentes, será de arrepiar. Em segundo lugar vem o favorecimento, o uso político e fisiológico, a formação de lobies setoriais. Em terceiro lugar a concentração da renda em alguns privilegiados. Em quarto lugar haverá uma brutal concentração de terra – reforma agrária ao contrário. Em quinto lugar, perderemos competitividade e agrediremos o ambiente, pois vamos usar mais adubo e mais agrotóxico que o necessário, porque perderemos a noção do custo – afinal, o dinheiro não sairá do meu bolso ou de meu lucro. Não estou prognosticando o que vai ocorrer no Brasil, estou repetindo as críticas feitas aos sistemas europeus e americanos, o que está ocorrendo lá.
  O Brasil deve subsidiar?
Estou convicto que não. Metade do valor do subsídio europeu exigiria: quase R$80 bilhões na pecuária de corte; uns R$30 bilhões para a pecuária de leite; cerca de R$10 bilhões para os grãos. Ainda faltam frutas, hortaliças, suínos, aves, café, cana, cacau, etc. O mais importante: o dinheiro não sai do bolso do Ministro Pratini, nem dos cofres do Governo. Sai do seu imposto. Como somos 20 milhões de contribuintes fiéis e sérios no Brasil, alguém aí está disposto a pagar mais R$ 10.000,00 de imposto, anualmente, para subsidiar a agropecuária? Tem mais: queremos que esse imposto tenha esse destino, ou seria melhor aplicado na segurança, saúde, educação, onde há enormes carências? Mais ainda: estamos dispostos a enfrentar os custos ambientais, os econômicos e os sociais do subsídio? Pense nisso.

Quem é rico e quem é pobre?
Décio Luiz Gazzoni

Normalmente não dou importância a textos que circulam na Internet. Mas esse me espantou pela verdade, pela crueza e pelos fatos incontestes. Caiu a ficha! Quem é rico ou pobre nós sabemos. Falta saber qual país tem mais cidadãos que lutam para estabelecer justiça social. Nos anos 70 um presidente do Brasil disse: "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil". Após ler esse texto, acho que, nesse caso pontual, ele tinha razão.

A História
Este e-mail é uma resposta de um brasileiro, amigo meu, que mora nos Estados Unidos, quando comentei sobre a situação econômica do Brasil e que estávamos ficando cada vez mais pobres. Sua resposta:

Como você pode se chamar de pobre, quando você pode pagar pela água mais do dobro que eu? Quando você se dá ao luxo de pagar eletricidade ou telefone 60% mais caro que eu? Quando, pela gasolina, você paga mais que o dobro? E olha que a gasolina aqui é excelente. Se você pode pagar US$40.000,00 por um carro que me custa US$ 20.000,00? Se pode se dar ao prazer de presentear US$ 20.000,00 a mais em impostos ao seu governo? Aqui, na pobre América, desculpe-me, não podemos nos dar a esse luxo!

  Pois é meu amigo...
...não consigo te entender! O Governo da Flórida em virtude de nossa precária situação financeira nos cobra somente 2% de impostos como IVA, equivalente ao ICMS (há mais 4% Federal, totalizando 6%). E não 18% que vocês, brasileiros ricos, pagam. E vocês têm outros impostos, taxas, contribuições ou encargos como ISS, CPMF, PIS, COFINS, INSS, IPVA. Afortunado é você que pode pagar impostos em cascata. Porque se vocês não fossem ricos, como poderiam pagar tantos impostos, com alíquotas tão altas?

 

 

Pobres no Brasil?
Onde? Desculpe, não consigo ver onde! Um país, como o Brasil, cujos trabalhadores e empresas são capazes de pagar adiantado o IRPF sobre salário e sobre lucros (vocês chamam na fonte), necessariamente tem que nadar em dinheiro, porque há o pressuposto que os assalariados já ganham muito e todos os negócios no Brasil são sempre bem sucedidos, sempre terão lucros. Claro, vocês são ricos! Os pobres somos nós, americanos, que NÃO pagamos Imposto sobre Renda se percebemos menos de US$3.000,00 por mês. E nossas empresas esperam um ano pela apuração de resultados, para ver se podem ou não pagar imposto sobre a renda, ou seja, se tiveram lucro! Aí no Brasil vemos que vocês podem pagar policia privada, enquanto nós nos conformamos com a força pública. Vocês enviam seus filhos a colégios privados e nós, coitados americanos de classe média, enviamos nossos filhos às escolas públicas. E as escolas emprestam os livros para que nossos filhos possam estudar, já que o Governo prevê que não podemos pagar por eles. Que dizer da medicina pública? Não vou comentar.
  Que inveja!
Às vezes eu fico verde de inveja de vocês no Brasil, quando vocês pegam um empréstimo pessoal no banco e podem pagar pelo menos 4,5% de juros ao mês, ou seja, 70% de juros ao ano. Desculpe caro amigo, mas isso é ser rico! Não como aqui que não podemos pagar mais de 8% ao ano, justamente porque não estamos em condições de pagar mais. Suponho que, como todos os ricos, você tem um carro e está pagando um seguro que custa de 8 a 10% do valor do carro. Para sua informação, eu pago somente US$ 345 por ano, por um carro grande. E, como te sobra dinheiro, você pode fazer pagamentos anuais de US$300 a US$ 2.000 pelo IPVA, Licenciamento e Seguro Obrigatório, enquanto nós não podemos nos dar esse luxo. Quando muito pagamos uns US$ 15 por ano pelo "sticker", independente do modelo, ano e origem do carro. Mas, claro, isto é para nós que estamos apertados financeiramente e não podemos dispor dos enormes fluxos monetários que vocês, brasileiros, administram nas suas gordas contas bancárias. Vocês são tão ricos que, depois de pagar altos impostos sobre os veículos,ainda pagam pedágio caro para usa-los!
 

Faça as contas
Quem é o rico e quem é o pobre? Mais de 20% da população economicamente ativa do Brasil não trabalha, não tem emprego. Aqui somente há 4% na mesma condição, quase pleno emprego. Você não acha que viver sem trabalhar é um luxo que somente os ricos podem se dar? E, neste caso, não haveria no Brasil muitas dezenas de vezes mais ricos que aqui? Go on, man, você está no Brasil porque você é rico. Só vim morar num país de pobres, como os Estados Unidos, porque os meus princípios exigem um voto de pobreza.

Cordialmente, seu amigo pobre, Tio Sam.

 

As mudanças globais e a agropecuária

Décio Luiz Gazzoni

A agropecuária tanto é indutora quanto é vulnerável às mudanças climáticas. Poucos atividades tem tamanha interdependência com o clima, pois mudanças na temperatura, pluviosidade, umidade do solo e radiação solar podem representar a diferença entre o fracasso e o sucesso. A agropecuária pode ser afetada adversamente por mudanças climáticas globais como a freqüência e a severidade de eventos extremos (vide El Niño ou La Niña), ou por alterações no ataque de pragas e na intensidade de seus danos.   Por outro lado, pode ocorrer um efeito benéfico de maiores concentrações de CO2, que pode ser utilizado pelas plantas como "fertilizante"; ou pelo aumento da radiação e da temperatura, com efeitos positivos sobre a fotossíntese. Um modelo matemático de simulação (GCM) mostrou que a produtividade pode diminuir em regiões áridas ou semi-áridas, e aumentar nas regiões temperadas, devido às mudanças climáticas.

 

Agricultura e efeito estufa
Metano, gases de carbono e óxidos de nitrogênio podem resultar da atividade agropecuária. É atribuído à agricultura 20% do incremento anual da radiação que atinge a Terra. O metano e o óxido nitroso são os principais gases emitidos, contribuindo com 15% e 6% para o forçamento radiativo global. As principais fontes agrícolas de gases de efeito estufa são o cultivo de arroz inundado, os dejetos animais, a queima de pastagens ou de florestas para abertura de novas áreas e a queima de resíduos agrícolas. A Embrapa está desenvolvendo um ambicioso projeto de pesquisa para mapear estes efeitos.
  Arroz
A produção mundial de arroz (570 milhões de toneladas) exige o cultivo de 151 milhões de hectares. O cultivo de arroz irrigado por inundação é responsável por 16% da produção anual de metano, que monta a 600 milhões de toneladas! Desse total, 90% da emissão é gerada no continente asiático. O metano é produzido no solo pela decomposição de substâncias orgânicas, por bactérias anaeróbicas. Como são pouco exigentes em condições ambientais, adaptam-se perfeitamente às condições de cultivo do arroz inundado. O metano é liberado para a atmosfera por transporte difusivo, pelo aerênquima das plantas de arroz e por difusão através da lâmina d'água. É importante ter em mente que as plantas de arroz facilitam o escape de metano para atmosfera, potencializando de 7 a 10 vezes a emissão, em relação aos solos inundados sem cultivo de arroz.

 

Pecuária
A produção animal contribui para a emissão de metano através de duas grandes vias. A primeira delas é a fermentação entérica, pois herbívoros ruminantes, como bovinos, ovinos, bubalinos e caprinos, produzem metano como um sub-produto do processo digestivo. As emissões globais desse gás, a partir dos processos entéricos, são estimadas em 80 milhões de toneladas anuais, correspondendo a cerca de 22% das emissões totais de metano de fontes antrópicas. De acordo com o IBGE (censo de 2000), o Brasil possui um rebanho bovino de 163 milhões de animais - considerado o maior rebanho comercial do mundo - além dos rebanhos de outros animais. A segunda via de produção de metano é representada pelos dejetos animais, principalmente os manipulados na forma líquida, em condições de anaerobiose. O metano proveniente dessa fonte é estimado em 25 milhões de toneladas por ano, correspondendo a 7% das emissões totais.
  Queima de resíduos agrícolas
A queima de resíduos de colheita, restos de cultura ou de culturas agrícolas para facilitar a colheita, produz não apenas metano como também óxido nitroso (N2O), óxidos de nitrogênio (NOx) e monóxido de carbono (CO), além de gás carbônico (CO2). O fogo libera carbono da biomassa durante a combustão e acentua a liberação de carbono do solo do qual a vegetação foi queimada. A queima de cana-de-açúcar na pré-colheita, assim como a queima dos resíduos da cultura do algodão para controle fitossanitário, não são consideradas como importantes fontes de emissão. Embora ocorra liberação de CO2 durante a queima da cana-de-açúcar, as emissões deste gás não são consideradas como uma emissão líquida ao longo do tempo por esses sistemas pois, no ciclo seguinte da cultura, o CO2 emitido é reabsorvido. A racionalização das práticas agrícolas é um dos meios para reduzir a contribuição da agricultura às mudanças globais, que pode resultar em grande ameaça à própria agropecuária.

Agricultural Outlook I

Décio Luiz Gazzoni

Há 78 anos que, no mês de fevereiro, o Departamento de Agricultura dos EUA faz um balanço da sua agricultura, com projeções para o restante do mundo, no evento denominado Agricultural Outlook Forum. Esse acontecimento tornou-se um foro privilegiado e insubstituível para antecipar tendências e balizar comportamentos do agronegócio em escala planetária, com ênfase para o comércio internacional de produtos agropecuários. Analistas do mundo inteiro - governamentais e privados - têm participado do Outlook e têm transmitido suas impressões sobre aspectos técnicos e comerciais do evento.

 

 

  Durante o II Congresso Brasileiro de Soja, promovido pela Embrapa (Foz do Iguaçu, 3-6/6/2002), as questões afetas ao agronegócio da soja serão apresentadas e discutidas.Porém existe outra faceta não menos importante, que é o componente político, posto que o Governo americano utiliza o discurso de abertura do Outlook para transmitir suas mensagens e tornar públicas suas diretrizes. Dessa forma decidimos analisar e comentar o discurso da Secretária de Agricultura Ann Veneman, na abertura do Outlook.

 

 

 

  Lei Agrícola
Praticamente todo o discurso da secretária esteve voltado para ressaltar aspectos da nova Lei Agrícola americana, que se encontra em discussão no Capitólio. Um ponto importante foi a referencia aos US$73,5 bilhões adicionais de suporte aos agricultores, caso os preços não melhorem. Pontuou o desafio que significa oferecer subsídios sem que estes redundem em super-oferta, contribuindo ainda mais para a queda de preços das commodities agrícolas. A secretária não explicitou que mecanismos seriam esses, embora os subsídios dos EUA sejam um dos fatores mais firmes para impulsionar o movimento baixista de preços no mercado mundial.

Comércio Internacional
A secretária afirmou textualmente: "Os nossos agricultores e fazendeiros são os mais eficientes do mundo e têm muito a ganhar com o livre comércio internacional. As políticas agrícola e comercial não devem se opor, porém caminhar lado a lado." Essa afirmativa pode levar a duas interpretações. A primeira delas é que a secretária estava fazendo um discurso pró-forma, sabendo do antagonismo fatal entre as duas políticas, porém quis marcar posição para os incautos e acólitos. A segunda interpretação é que a secretária – por extensão o Governo americano e o país – acreditam que isso seja verdade. Os fatos contradizem as duas afirmativas. A nova Lei Agrícola, assim como a postura do Governo americano, é essencialmente protecionista e restringe o acesso de outros países ao seu mercado, até para os produtores excepcionalmente eficientes, ao impor cotas de importação. Por outro lado, para mim é acaciano que agricultor eficiente não precisa de subsídio. Se tiver subsídio é ineficiente, logo o produtor americano ou não precisa dos subsídios que recebe ou é ineficiente.
  Meio ambiente
O recado foi claro: A Lei Agrícola deve auxiliar os agricultores a encaminhar corretamente as questões relativas à proteção ambiental. A burocracia governamental deve ser reduzida ao estritamente necessário, deve permitir escolhas e não deve onerar o produtor rural. A pressão social pela produção com responsabilidade ambiental deverá ser uma das marcas da Lei Agrícola. Um detalhe pouco explorado da Lei Agrícola é o seu capítulo de Meio Ambiente. Além dos subsídios diretos à agricultura, o produtor americano disporá de alguns bilhões de dólares para manutenção de reservas de matas, reflorestamento, matas ciliares, proteção da fauna, controle de erosão, proteção de cursos d’água e destinação de dejetos.

 

 

 

 

  Apoio
Com a crescente pressão internacional para vincular o mercado de produtos agrícolas às práticas conservacionistas, o agricultor americano passa a receber um diferencial de apoio que lhe permite operar em faixas de remuneração cada vez menores, por ter seu custo absorvido pelos subsídios governamentais. Os fundos conservacionistas que irão auxiliar os agricultores a atenderem as demandas ambientais são o Environmental Quality Incentives Program (EQIP), o Conservation Reserve Enhancement Program (CREP) e o Conservation Reserve Program (CRP). Não seria o caso de a sociedade brasileira discutir uma forma de apoio à conservação do meio ambiente, associada às atividades agropecuárias?

 

 

 

 

Eterna oposição, um carma do PT?

Décio Luiz Gazzoni

Existe a Lei, cumpra-se a Lei. A Lei não é adequada, mude-se a Lei - descumpri-la jamais. A invasão da Fazenda Córrego da Ponte, que pertence ao Sr. Fernando Henrique Cardoso é mais um exemplo da série de atentados à Lei praticados em nosso país. Atentados à propriedade e ao patrimônio perpetrados por uma ONG denominada MST – Movimento dos Trabalhadores sem Terra. A impunidade corria solta até que o MST cometeu seu erro estratégico: invadir a Fazenda Córrego da Ponte. Impulsionado pela impunidade que granjeou ao longo do tempo, sentiu-se seguro para tentar a sorte grande. Esse foi o seu erro. Como também cometeram erros fatais outros cidadãos que, na certeza da impunidade, avançaram diversos sinais vermelhos até que a sociedade gritou a plenos pulmões: Basta!  
         
  Um cidadão diferente
Ocorre que, não por coincidência, o proprietário da Fazenda Córrego da Ponte é o Presidente da República. Embora a Constituição determine que todos são iguais perante a Lei, o maior dignitário da Nação detém prerrogativas especiais, emanadas de seu cargo. É consensual para a Sociedade que a Presidência da República, e todo o simbolismo que a cerca, sejam preservados como a grande reserva moral da Nação. Porque, se o MST puder invadir a fazenda do Presidente da República e lá se instalar, e lá permanecer, e lá se estabelecer, impunemente, como tem ocorrido em inúmeros rincões desse imenso Brasil, então locupletemo-nos todos!
         
O caos
Porque, se a fazenda do Presidente da República puder ser dele subtraída sem que a Lei determine sua pronta devolução ao legítimo proprietário, o clone do MST, o Movimento dos Sem Teto entenderia, até por "jurisprudência" que poderia invadir o Palácio da Alvorada e de lá expulsar a família do Presidente. O MSE, Movimento dos Sem Escritório poderia tomar a mesma atitude em relação ao Palácio do Planalto e de lá escorraçar seus inquilinos. O MSJ, Movimento dos Sem Jetons poderia entender que é uma prática antidemocrática apenas deputados e senadores receberem jetons, e tomar de assalto o Congresso Nacional. O MSI, Movimento dos Sem Igreja poderia invadir a CNBB ou a Catedral de Brasília e lá instalar seu QG. Impunes, seus membros poderiam ser picados pela mosca azul. Assim quem impediria o MSE de tomar a ONU de assalto? Ou o MSI de invadir o Vaticano ou Meca? Aliás, sem terra sim, mas sem dinheiro não: quem visitar o site www.mst.org.br poderá escolher a versão em espanhol, inglês, francês, italiano, alemão ou sueco. E, se falhasse a conexão internacional, os MS poderiam voltar-se para o interior do país e ocupar casas, apartamentos, escritórios, templos e outros espaços menos votados.
 
         
  A conexão política
A esta altura o leitor se pergunta: mas onde entra o carma do PT se Luiz Inácio da Silva, o petista mor, prontificou-se a condenar com todas as letras a atitude do MST em Buritis? O problema é: quem acreditou? Não tenho uma pesquisa IBOPE em mãos, mas sai perguntando aos amigos, que perguntaram aos amigos dos amigos, e a resposta foi simples: ninguém acreditou. Ou seja, Lula agiu de forma pragmática, como qualquer político experiente, dissociando-se de atos que a sociedade condena. Mas, o que "condena" o PT é o seu passado. As palavras de desaprovação de Lula não fizeram fluir para a sua urna um único voto de centro ou de direita. Mas, seguramente, perdeu milhares à sua esquerda (sim, o Lula tem esquerda!).
         
O passado "condena"
O que transparece dos corações e mentes dos próceres e candidatos do PT às próximas eleições é algo muito parecido com "esqueçam o que eu escrevi, disse ou fiz". O objetivo é passar ao eleitor uma imagem antípoda ao estereotipo que perpassa o inconsciente nacional. Escoadouro de todas as reivindicações sociais, justas ou injustas; paladino e voz de movimentos das mais diversas cores e formas; oposição a tudo e a todos são atos que calaram fundo no inconsciente coletivo. O PT pode dizer "nada tenho com o MST". Mas o MST insiste que tem tudo a ver com o PT. Mesmo porque, até pouco tempo o PT não condenava o MST. Ao contrário, eram vasos comunicantes. Portanto, serão necessários ainda muitos e muitos anos para que o PT se livre desse carma, ou seja, da imagem que projeta na opinião pública – a eterna oposição, até mesmo quando é governo. Mas, convenhamos, a atitude de Lula, se lhe subtraiu votos, lhe granjeou um mérito: deixou claro que Lei é para ser cumprida e que o MST perdeu o único apoio político que ainda dispunha. Bem, ao menos na cúpula partidária.
 

LABEX

Décio Luiz Gazzoni

Washington – DC. Escrevo esta coluna de frente para o Beltsville Agricultural Research Center, a mais antiga instituição de pesquisa agrícola do mundo, já em seu terceiro século de existência, um oráculo para cientistas agrícolas de todos os credos. Adentra-se seus prédios com reverência pois, entre outras inovações, aqui foi gerada a tecnologia do milho híbrido, demonstrando que não havia paradigmas que a ciência não pudesse romper. Converso com seu Diretor Dr. Arlyne Meyers que, entre outras coisas, relata com a maior naturalidade haver o Congresso Americano acrescentado, por sua conta, mais 120 milhões de dólares à solicitação orçamentária de um bilhão de dólares da ARS, a Embrapa americana. Ah! Se a moda pegasse ao Sul da linha do Equador!

Pesquisa animal
A Embrapa mantém, em Beltsville, um laboratório virtual. A missão dos pesquisadores deste "laboratório", denominado LABEX, é a de garimpar boas oportunidades de colaboração científica entre o Brasil e os EUA. Acompanhado de um Diretor da Embrapa (amicíssimo de Tizuka Yamazaki), visito o laboratório de patologia animal. Após a cerca um rebanho reluzente pasta, apesar da temperatura de 1o. C. Alguém me conta tratar-se de animais transgênicos, uma das pesquisas dos cientistas do Instituto. Nos laboratórios respira-se biotecnologia por toda a parte, inclusive entre os pesquisadores e estudantes brasileiros que lá estão. Terezinha Padilha é uma das mais brilhantes pesquisadoras em Saúde Animal da Embrapa.
  Está aqui há três anos fazendo a ponte entre a Embrapa e os cientistas americanos, conduzindo um programa de prospecção de genes para resistência aos carrapatos. Inclusive usando o nosso Gir como fonte de resistência, uma raça obscura para os gringos.Além da resistência a doenças e da genômica de patógenos, os brasileiros estão envolvidos com o estudo de HACCP para a produção de leite, a certificação de rebanhos e o desenvolvimento de antimicrobianos.

 

Ambiente
Mudando de prédio, a discussão gira em torno de qualidade de água, do ar, do solo, dos impactos dos dejetos animais e dos tratamentos sanitários sobre o ambiente. Aqui, como no Brasil, a palavra de ordem, entre os cientistas, é cada vez mais incluir a variável ambiente em qualquer desenvolvimento tecnológico. Um dos programas mais fortes é o que trata das mudanças do clima global que causa, entre outras coisas, o desprendimento daquele enorme iceberg da Antártica.
  A Embrapa também participará do programa de pesquisa, com um pesquisador voltado especificamente para o estudo de modelos de previsão envolvidos com o Global Change. A sociedade e as autoridades mundiais ainda não se "antenaram" na verdadeira catástrofe global que significa o impacto de atividades humanas sobre o clima. Uma conta pesada que nós estamos lançando a débito das próximas gerações.

 

Rubens Barbosa
O Embaixador Rubens Barbosa nos recebeu para uma conversa produtiva acerca das interfaces entre ciência, sanidade e comércio agrícola. Aliás, foi o embaixador brasileiro quem, habilmente, conseguiu reduzir o impacto da sobretaxa aplicada ao aço, sobre a produção brasileira. A Embaixada do Brasil organiza, dia 24 de abril, um encontro sobre o agronegócio, reunindo lideranças do Brasil e dos Estados Unidos para incrementar o intercâmbio comercial entre o Brasil e os Estados Unidos. Junto ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento estamos verificando as oportunidades de financiamento da pesquisa agrícola, através do sistema CGIAR – os centros internacionais de pesquisa agrícola, que estão lançando um programa de grandes desafios mundiais. Ou do Fontagro, um fundo dos países da América, para o desenvolvimento de pesquisa de interesse multilateral.
  Cooperação
A exemplo dos países do Cone Sul, organizados no PROCISUR, o IICA está promovendo uma aproximação entre os pesquisadores do Canadá, EUA e México, através da criação do PROCINORTE. Este programa objetiva o desenvolvimento de estudos conjuntos e o compartilhamento de informações e recursos de pesquisa, como os bancos de germoplasma. Apesar das questões de concorrência comercial e de propriedade intelectual e patentes envolvidas, é interessante observar como existe um claro interesse de trabalho conjunto – networking – o que é uma oportunidade excepcional para países como o Brasil, que podem avançar rumo ao futuro alavancados pelas descobertas dos países mais avançados.

 

Sanidade vegetal e comércio internacional

Décio Luiz Gazzoni

Washington-DC. Uma semana de negociações entre o Brasil e os EUA reafirmou o quanto o comercio internacional de produtos agropecuários depende da sanidade vegetal. As negociações entre as duas delegações se desenvolveram com a precisão de lances de grandes mestres de xadrez. Conscientes de que o inicio deste século será marcado por movimentos comerciais jamais vistos anteriormente, cada país busca garantir o seu espaço e as melhores condições neste jogo que envolve centenas de bilhões de dólares. O time brasileiro é composto por técnicos da Defesa Vegetal do Ministério da Agricultura, da Embrapa e da Embaixada Brasileira em Washington.   Lista de pragas
As pragas agrícolas que não existem num determinado país são chamadas de quarentenárias. Elas compõem a chamada lista "A1" de cada país. É com base nesta lista, reconhecida pelos outros países, que um importador de produtos agrícolas pode impor restrições sanitárias aos exportadores, com o objetivo de evitar o risco de ingresso de novas pragas no país. O Brasil e os Estados Unidos estão em processo de mútuo reconhecimento da suas listas de pragas quarentenárias. Cada país tem que provar ao outro que as pragas da sua lista efetivamente não são encontradas nas suas lavouras. A Embrapa escrutinou a lista "A1" dos EUA e encontrou inúmeras incongruências, o que obrigou aquele pais a revê-la, submetendo-a novamente às autoridades brasileiras.
  Batata
Historicamente, o Brasil é importador de batata semente da Europa. Os americanos resolveram entrar pesado neste jogo e o Brasil é um mercado atraente para eles. Um dia inteiro foi dedicado a discutir como os produtores americanos devem controlar uma espécie de fungo, que já existe no Brasil, mas que é vetor de um vírus que, por sua vez, não ocorre nos EUA. Mesmo assim o Brasil deixou claro aos EUA que podem exportar batata semente para o Brasil, desde que ela venha isenta do fungo. O sistema de inspeção e quarentena, na chegada da batata semente no Brasil foi discutido em seus mínimos detalhes. Um único tubérculo contaminado, detectado pela fiscalização brasileira, irá desclassificar o lote inteiro. E se a contaminação superar 1,5%, o lote sequer poderá ser utilizado para semente, devendo ser destruído.

Mamão, manga e limão
O Brasil vem conquistando um espaço crescente como exportador de frutas. Os EUA, como grande produtor de frutas, sempre tomou cuidados especiais para proteger a sua fruticultura, tanto das pragas quanto da concorrência. Um dos problemas mais sérios para a fruticultura mundial é o ataque de mosca de frutas. Infelizmente, no Brasil existem diversas espécies de moscas de frutas que atacam nossos pomares. A Embrapa e o Ministério da Agricultura vêm desenvolvendo um trabalho exemplar, conquistando a admiração dos americanos, pois em 20 anos de exportação de frutas para aquele país não foi flagrada uma única fruta com ataque da praga. O Espírito Santo é o principal estado exportador de mamão papaya, e agora o Brasil está solicitando aos EUA a extensão do status de exportador para a Bahia, o Rio Grande do Norte e o Ceará. Também, a julgar pelo interesse dos gringos na importação de limões, logo vamos ter caipirinha americana na lista dos "liquors" dos EUA. Foi aberto um processo de Análise de Risco de Praga, etapa inicial para verificar a segurança da exportação de limões brasileiros para os EUA.
  Inteligência quarentenária
E hoje é dia de estender a negociação ao Centro de Inteligência Quarentenária da Agencia Americana de Saúde Animal e Sanidade Vegetal (APHIS), localizada na Universidade da Carolina do Norte (Raleigh). A Embrapa demonstrou junto ao Governo dos EUA o interesse em desenvolver trabalhos conjuntos com este centro de pesquisa, dedicado exclusivamente à sanidade vegetal. O Brasil tem interesses específicos, como buscar um sucedâneo para o brometo de metila, que não poderá mais ser usado como fumigante, a partir do próximo ano. E também está muito interessado em cooperar nos estudos para uso da radioatividade com forma de esterilização de produtos agrícolas, o que pode ser uma das alternativas para substituição do brometo de metila. Nossa missão durante o dia de hoje será a de entabular negociações visando um futuro acordo internacional de cooperação cientifica e tecnológica entre o Brasil e os EUA, para aprimoramento das técnicas de controle de pragas quarentenárias, fundamentais para o incremento do comercio internacional do Brasil.

Embrapa 29 anos

Décio Luiz Gazzoni

Brasília – DF. A cerimônia alusiva aos 29 anos da Embrapa, no dia 24/4, não teve coro de parabéns a você. Mas teve um discurso denso do presidente da empresa, Alberto Duque Portugal, ao relatar as atividades da empresa, com destaque para o Balanço Social e para o Relatório Ambiental, de olhos postos na missão da Embrapa de "Viabilizar soluções para o desenvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro, por meio de geração, adaptação, transferência de conhecimentos e de tecnologias em benefício da sociedade", As falas, tanto o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o vice Marco Maciel, quanto o Ministro Pratini de Morais, demonstraram que o tema da tecnologia agropecuária é voz corrente nos corredores do poder, pelas referencias recorrentes e abalizadas de ambas as autoridades a respeito de técnicas desenvolvidas pela Embrapa. Três Ministros e dezenas de congressistas e outras autoridades referendaram a importância do tema para a sociedade brasileira.   Ciência para a Vida
O ponto marcante da cerimônia de aniversário da Embrapa foi a inauguração da Exposição Ciência para a Vida, um desfile de produtos, processos, máquinas, informações, enfim tecnologias que permitiram ao Brasil ostentar números como o crescimento superior a 60% na produtividade dos principais grãos, enquanto a área plantada permanece estanque, nos últimos 15 anos. Tão importante quanto este número é a sustentabilidade dos sistemas de produção, tanto do ponto de vista ambiental quanto social. A preocupação ambiental que a sociedade manifesta com intensidade crescente tem se tornado insumo para o desenvolvimento tecnológico. Da mesma forma, a agregação de valor é uma preocupação constante dos pesquisadores, traduzindo a necessidade de o agronegócio representar mais empregos e renda para o Brasil.
  Programação densa
Se o leitor tem viagem marcada para a Capital Federal, reserve um tempo para visitar a feira e assistir a um show de inovações tecnológicas. Os animais clonados estarão participando da exposição. Quem estiver interessado em Rastreabilidade e Certificação poderá conhecer in loco o teclado do peão. Produtos e implementos, tecnologias e processos próprios para a agricultura familiar; turismo rural, agricultura orgânica, floricultura, artesanato rural também constam da programação da Exposição. A oficina de criação ofertará 24 cursos durante a exposição, enquanto outros 48 cursos serão desenvolvidos nas cozinhas experimentais, com novidades no aproveitamento alimentar de produtos agrícolas. Para quem respira negócios dia e noite, a oportunidade também estará presente nas rodadas de negócios e no portfólio de projetos conjuntos. Para os mais requintados, o must está nos 48 cursos de degustação de vinhos finos, produzidos pela Embrapa.

Cupulate
Não vou dizer o que é cupulate, será preciso verificar no local. Também terá achocolatado de jatobá. Não perca a língua eletrônica, o sistema de produção de mini-cenouras ou o irrigás. Uvas sem sementes estão ao lado de nove variedades de girassol colorido, junto a um aeromodelo que capta imagens. O granulometro, o clorador de águas, o descascador de amendoim, a usina de beneficiamento de óleo de pimenta longa ou o secador de frutas e hortaliças estarão na ala dos equipamentos. Entre os recursos genéticos a coleção de plantas medicinais, o banco de sêmen de peixes do Pantanal, as frutas nativas do Cerrado.
  Embrapa Soja 27 anos
Em Londrina a Embrapa Soja também comemorou seu aniversário em alto estilo. Sob a batuta de uma das conceituadas cientistas agrícolas do Brasil, a Dra. Mariângela Hungria, a discussão sobre os rumos da biotecnologia no Brasil e no Mundo envolveu um contingente de pesquisadores que tornou pequeno o auditório da Embrapa. Foi o mesmo público que prestigiou a inauguração do laboratório de biotecnologia do solo, que compõe a Rede Nacional do Projeto Genoma Brasileiro, que foi construído sob a batuta do Dr. Rubens Campo, parceiro da Dra. Mariângela nas pesquisas de sequenciamento de genomas e estudos sobre a fixação biológica do nitrogênio. A equipe do laboratório participou do sequenciamento do genoma da Chromobacterium violaceum, uma bactéria que produz substâncias ativas que atuam sobre insetos ou microorganismos. Outro uso da bactéria é na produção de plástico biodegradável. Também a bactéria Herbaspirillum seropedicae, responsável pela fixação de nitrogênio no milho, trigo, está sendo seqüenciada no laboratório. Espera-se, no futuro, que o agricultor possa dispensar o uso de adubo nitrogenado em milho e trigo, como ocorre hoje com soja e feijão.

Agricultural Outlook Fórum II

Décio Luiz Gazzoni

. Os programas de sanidade agropecuária constituem parte da infra-estrutura produtiva, na visão da secretária Veneman, apresentada em seu discurso de abertura do Outlook. Pelo segundo ano consecutivo, o órgão de fiscalização sanitária (APHIS) está recebendo uma dotação orçamentária recorde. A secretária prometeu um esforço redobrado de Defesa Agropecuária, entendendo que um programa permanente de prevenção e de erradicação de pragas está na base do sucesso da agricultura. O bicudo do algodão já causou prejuízos de 14 bilhões de dólares, mas o programa de erradicação já livrou da praga sete dos principais estados produtores. Os EUA estão lançando um programa de segurança interna, em que a produção agrícola é um dos itens mais importantes, em especial no atinente à Defesa Agropecuária.  

Segurança interna
O Governo americano está destinando US$474 milhões para ações emergenciais de segurança interna, em virtude dos atentados terroristas de 11 de setembro passado. Investimentos serão efetuados em equipamentos de raios X para detecção de material orgânico; novos inspetores serão contratados, novas tecnologias baseadas em sistemas informatizados e equipamentos de última geração serão alocados nos laboratórios do sistema de Defesa Agropecuária. O Governo entende que os alimentos representam um alvo muito atrativo para terroristas, donde a necessidade de pesados investimentos na sua prevenção.

 

 

  Energia
O Governo americano aposta firme no uso de combustíveis líquidos, derivados de produtos agrícolas, como o etanol e o biodiesel, entre outras fontes alternativas de energia. Lembrou que, em 2001, foram consumidos 7 bilhões de litros de etanol, produzidos a partir do milho, sendo meta do Governo triplicar essa produção até o final da década. A soja é um dos pontos focais do programa, base da produção do biodiesel. Cabe a pergunta: e o Brasil, o que pensa em fazer nesta área?

 

 

 

 

 

Pesquisa agropecuária
O Governo Bush está destinando 2,3 bilhões de dólares de recursos ordinários, além de 100 milhões de dólares para prioridades especiais de pesquisa. Salientou a prioridade para questões de biotecnologia avançada e usou o exemplo do algodão Bt como forma de reduzir o impacto ambiental e o custo dos produtores. Também referiu a prioridade para aplicações biotecnológicas na agropecuária, que melhorem a qualidade de vida, em especial aquelas destinadas a preservar a saúde ou a curar doenças. Referiu um convenio entre a NASA e o USDA para desenvolver aplicações de satélites na agricultura de precisão americana, em especial com as culturas de milho, trigo, soja e algodão. Estabeleceu como diretriz o desenvolvimento de novos produtos com melhores características nutricionais, cultivares mais produtivas, tolerantes à seca e resistentes a pragas. Instigou o desenvolvimento de novos produtos, usando como exemplo as fibras têxteis e os plásticos produzidos a partir da dextrose ou de monômeros de soja.

 

 

  Recados
A secretária enfatizou que os EUA produzem muito mais alimentos do que consomem, e anunciou mais agressividade na ocupação dos mercados. Salientou que não aceitará restrições sanitárias que não estejam cientificamente fundamentadas, incluso as aplicadas a produtos biotecnológicos. Citou especificamente que a União Européia, a China e o Japão adotaram políticas que retrocedem em relação ao livre mercado e prejudicam os produtores norte-americanos. Reafirmou que os EUA não aceitarão práticas desleais de mercado. Entretanto, esqueceu de classificar como tal os subsídios que o seu país fornece aos agricultores americanos, que prejudicam milhões de agricultores de outros países. Também salientou a importância de o Congresso americano aprovar o Fast Track para as negociações internacionais, porém novamente olvidou-se de comentar que, nas condições leoninas impostas pelo Senado americano, não haverá negociação possível. Enfim, o discurso da secretária trouxe um punhado de boas novas ao público interno e outro tanto de preocupações para os demais países produtores agrícolas.

A cornucópia biotecnológica

Décio Luiz Gazzoni

Durante recente viagem aos EUA, auscultamos o que está no pipeline dos laboratórios americanos, através dos cientistas da Embrapa que trabalham no LABEX. Chamou a atenção o estudo do Dr. A. McIntosh com baculovírus, um microrganismo composto por um anel de DNA, o qual se reproduz no interior das células de insetos. O vírus mata o inseto, rompendo os tecidos, espalhando o DNA do vírus sobre a planta, fonte de contaminação de insetos da mesma espécie, que pode manter sua população sob controle. Os baculovírus são facilmente utilizados para controle biológico de inúmeros insetos, em diferentes culturas e em muitos paises. Apesar de a Natureza ser sábia, como a Justiça, pode tardar. Por vezes, quando o vírus mata naturalmente as pragas, grande parte do dano já ocorreu no campo. Embora fundamentais para o equilíbrio do ecossistema, as viroses interessam ao agricultor se evitam o dano dos insetos. Eis porque os produtores aplicam bio-inseticidas com vírus que, provavelmente, já existe na sua lavoura. A Embrapa tem desenvolvido bio-inseticidas e, como os vírus de insetos são relativamente fáceis de manipular e de multiplicar, seu uso se tornou popular entre os agricultores.   Produção em escala
Produzir o inseticida com alta qualidade e com baixo custo é um desafio para os cientistas. Atualmente, o agricultor tanto pode coletar insetos mortos por vírus e reaplicá-los na lavoura, como comprar um pó contendo o vírus, produzido semi-artesanalmente. O Dr. Arthur McIntosh do Serviço de Pesquisa Agrícola dos EUA (ARS) está apostando na cultura de células de insetos para produzir baculovírus, de olho em um mercado de milhões de dólares, no mundo inteiro. A técnica permite produzir o vírus o ano todo, independente de a cultura e o inseto estarem no campo. Produzido em bio-reatores, o produto final estará livre de contaminantes, em especial de outros micróbios. A pesquisa está concentrada em células embrionárias e do tecido nervoso do inseto. Além de produzir baculovírus, terá grande valia para testar compostos químicos a fim de verificar seu impacto em espécies não visadas. Por exemplo, a seletividade de um inseticida pode ser estabelecida no laboratório, preservando os inimigos naturais das pragas. Outro uso será na seleção de novos inseticidas, para eliminar os ineficientes antes de testá-los no campo.

 

Rompendo a fronteira da ciência
Coletar um inseto atacado por um vírus, contaminar e coletar uma população da mesma espécie no campo, para uso como bio-inseticida, tem data marcada para fazer parte do acervo do museu da pré-história tecnológica. O Dr. MacIntosh desenvolveu baculovírus recombinantes, que contém marcadores proteicos fluorescentes. Estes marcadores ajudarão os cientistas a determinar, com maior rapidez e segurança, se um determinado baculovírus possui as características desejadas, como a capacidade de matar uma praga com baixas doses do vírus. No mesmo laboratório, os pesquisadores desenvolveram oito novas linhas de células, a partir de embriões e de ovários de pragas como a lagarta da espiga do milho ou a lagarta da maça do algodão. Colocando as células em meio de cultura apropriado, os pesquisadores conseguiram um incremento de 1.000% na produção de baculovírus da lagarta da alfafa, em relação às culturas de células anteriores. Testando o inseticida biológico obtido com um baculovírus chamado PxMNPVCL3, que ataca a traça das crucíferas (Plutella xylostella), o cientista obteve índices de infecção impressionantes, com uma potencia até 2.000 vezes superior aos resultados anteriores!
  Vantagens adicionais
Obviamente que o alvo da pesquisa é a produção massal de inseticida biológico, um negócio simples que, entretanto, pode render algumas centenas de milhões de dólares. Aliás, essa foi a razão pela qual a ex-Aventis (adquirida pela Bayer) associou-se à ARS para produzir uma linha de células neuronais, que permitirá aos cientistas entender como um produto químico mata ou paralisa um determinado inseto. Em centenas de laboratórios de biotecnologia ao redor do mundo, os cientistas estão produzindo baculovírus transgênicos com dois grandes objetivos. O primeiro é aumentar a eficiência e a viabilidade comercial dos inseticidas biológicos a base de vírus. O outro é mais ambicioso, pois envolve a prospecção de proteínas que possam tanto atuar no diagnóstico quanto na prevenção de doenças humanas.

 

 

 

Quem tem medo do lobo mau?

Décio Luiz Gazzoni

Anos atrás ouvi que, sem o especulador recolhendo feijão em cada sítio, não haveria liquidez, o preço baixaria, a produção cairia, aumentaria a fome e a pobreza. Com o tempo o especulador ficou rico e o produtor pobre. Esta é uma das múltiplas imperfeições do mercado, que permite ganhos desproporcionais ao risco, capital e trabalho investidos no negócio, tornando nebulosa a diferença entre um ator do agronegócio, o especulador e o aproveitador. Mutatis mutandis, a "lulafobia" de maio não passa de especulação e aproveitamento da ingenuidade e desinformação dos incautos, pautado nas análises do Morgan Stanley, ABN Amro e Merryl Linch. A crer nos "erros" que esses analistas têm cometido, eles têm lugar garantido no inferno, tantas operações questionáveis já avalizaram. O clima de "Lula quase lá", é pescaria em águas turvas, para derrubar a bolsa e os títulos da dívida, elevar o spread, o risco Brasil, o dólar e os juros. Não vejo "Lula lá" como ameaça aos agronegócios, o que não significa que concordo com tudo o que ele diz ou propõe. O mercado precisa argumentos mais sólidos para dizer "Lula lá, não", porque essas especulações apenas aproveitam o medo que Lula inspira, pelo estereotipo do passado do candidato e de seu partido.   Lula e FHC
Quem tem medo de Lula? Esqueça o "sapo barbudo" de 89 ou 94. Lula 98 já era um protótipo do Lula III Milênio. Lanço o desafio a quem quiser demonstrar que "Lula new look" está à esquerda de FHC 98 ou Serra 2002. Lula e o PT tem se descolado das suas origens, dos grupos e idéias radicais e revolucionárias, com a clara intenção de plasmar uma alternativa de poder, sem ameaçar o status quo. O fiador é o mega-empresário José Alencar, uma das maiores fortunas do país, senador do Partido Liberal, reduto dos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus, a maior multinacional brasileira, presente em quase todos os países - um negócio que rende bilhões de dólares todo ano. A busca de confiabilidade levou-o a renegar a origem nas pastorais da Igreja Católica, de forte inspiração "esquerdista". Fugiu, como o diabo da cruz, de aliança com PSB, PPS, PDT e outros partidos de esquerda. Os acenos ao Ministro Pedro Malan e ao Presidente do BC Armínio Fraga são apólices de seguro contra mudanças. Finalmente – quae sera tamen - Lula renega o MST, afirma não concordar com o movimento e seus métodos e, impensável há 2 anos, Rainha está preso no Pontal e não houve uma revoada de políticos e lideranças do PT, nem um movimento nacional com passeatas pró-Rainha. Pior para o MST, melhor para o agronegócio!

Lula e Serra
Na minha opinião, o poder de "estrago" é maior com Serra do que com Lula. Somente um político hábil como FHC pode manter no Governo visões tão conflitantes quanto Serra (produtivista e distributivista) e uma equipe econômica que priorizou o pagamento da divida e de seu serviço. Por ser confiável ao mercado, por representar o não rompimento, Serra terá muito mais trânsito para mudanças no Congresso, no meio político e na sociedade do que Lula, que continuará a ser bombardeado por "informações do mercado". Com Lula, os aproveitadores derrubariam títulos, forçariam baixas na bolsa, tornariam o câmbio instável. Lula seria presa dos fatos, que o obrigariam eternamente a ser a mulher de César, demonstrando a todo o instante que não veio para destruir o sistema.

 

 

 

  Lula e as suas bases
Se não foi você quem sujou a água, foi seu pai ou seu avô. Esta frase das minhas leituras de infância ilustra o quanto o mercado tem de aproveitadores e especuladores. Já que Lula virou moço bem comportado, pasteurizou-se, confundiu-se com o Centro, vestiu terno e gravata, usa perfume francês, seu programa reflete o desejo do mercado, lançou âncoras na direita, não ameaça o "establishment", renegou a Igreja e o MST, então o perigo passa a ser a base do partido, elementos rancorosos dispostos a estraçalhar o sistema. Bem, é só refletir sobre o acordo feito pela Prefeita Marta Suplicy com o malufismo na Câmara de Vereadores, para aprovar cortes na Educação, para não contratar um advogado que investigue os depósitos de Maluf no exterior, para protelar a reprovação das contas de Maluf e Pitta na Prefeitura, e conclui-se que as bases são facilmente manipuladas pela cúpula, mesmo que o preço seja expulsar militantes históricos. Escreva aí e eu assino embaixo: FHC precisou demonstrar a todo o instante sua preocupação social, Lula precisaria sempre demonstrar que não é o último dos comunistas. Logo, foi mais fácil invadir fazendas na era FHC do que seria com Lula! O que não é pouca coisa.

O dono da bola

Décio Luiz Gazzoni

Se você não foi o artista principal foi coadjuvante, mas em toda a turma de crianças ou adolescentes tem um "dono da bola". O dono se vale de uma vantagem comparativa – ser o único dono de bola nas redondezas – para impor as regras do jogo. Que o beneficiam, potencializam seus pontos fortes e anulam suas debilidades. E a história sempre se repete: basta o roteiro não dar certo que o dono põe a bola embaixo do braço e decreta: mudam-se as regras (para beneficiá-lo novamente) ou o jogo acaba. Qualquer semelhança com a atitude dos EUA em relação à sobretaxa do aço não é mera coincidência.

Faça o que eu digo...
Discurso e regras de livre comércio entopem os ouvidos e a paciência da Humanidade desde que existem diferenciais de competitividade. Esse é o único defeito que não se pode imputar aos países ricos, neste início de século - haver inventado o rompimento de contratos. A sobretaxa do aço é didática, pois os EUA se auto-denominam o baluarte, o defensor do livre comércio, e sequer aceitam que esse hipocorístico seja posto em dúvida. Entretanto, bastou que meia dúzia de empresas ineficientes, incapazes de se adaptar ao novo ambiente comercial proposto pelo seu próprio país, reclamasse ao "papai Sam" para que todo o discurso, toda a ideologia fosse jogado no lixo. Que não foi, obviamente, o destino dos recursos que os chorões destinaram à campanha eleitoral.
  ...nunca o que eu faço!
O rolo compressor do protecionismo americano escancarou-se com crueza no anúncio da sobretaxa de 30% na importação de aço. Devidamente acompanhado do aviso que os EUA não vão tolerar que sua industria seja prejudicada por atos protecionistas de outros países (!!!). Sobraram acusações, inclusive para o Brasil. Aliás, não é de hoje que os americanos ameaçam o Brasil com sua hipócrita legislação anti-dumping, pois não admitem que o nosso país tenha se modernizado, investido em tecnologia e reduzido o custo de produção. Acusam as empresas brasileiras de praticarem dumping, porém jamais conseguiram comprovar sua acusação.

Protecionismo e dependência
Ronald Reagan usou a mesma tática – sobretaxa na importação de aço, com a mesma desculpa – reestruturação da industria nacional. Obviamente, sem resultados. A história vai se repetir ad nauseam, sem que os americanos retrocedam um milímetro, pois subsídio é igual a droga - vicia. Os países ricos usam e abusam de seu poderio econômico, e até militar, para impor seus interesses comerciais. A industria siderúrgica é um exemplo de exceções que países ricos não abrem. Não se trata apenas de proteger um negócio ineficiente, mas de evitar dependência do exterior em um setor sensível como o aço, matéria prima de aviões, navios, armamentos e similares. Estratégico demais para ser dependente. O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos produtos agrícolas. Alimento é muito estratégico para ser dependente do exterior. Então, a estratégia é fugir eternamente para o futuro, esgrimindo um argumento diferente em cada oportunidade, em cada foro, em cada discussão, na certeza de que a ineficiência interna será sempre protegida. Como a mãe protege descaradamente o filho.
  Focus on sabbatical
Converso com o presidente da Embrapa, Alberto Duque Portugal, que abomina a absurda investida da ONG canadense-americana, que cá veio acenando com o pagamento de US$170,00 por hectare de soja que os produtores brasileiros deixarem de plantar. Logo da soja, a mais pura expressão da competitividade brasileira. O carro chefe do desenvolvimento do agronegócio, paradigma das exportações. Um produto estratégico, de onde se extrai de alimentos a remédios, de combustível a tintas. Um absurdo que o Ministro Pratini de Morais pediu ao Ministro da Justiça que investigue. Para evitar que se some aos US$168 bilhões de subsídios agrícolas americanos. Aos 350% de sobretaxa que o fumo brasileiro paga pela extra-cota. Aos 140% de sobretaxa na exportação de açúcar. Aos 50% sobre o suco de laranja, que ainda é sobretaxado novamente na Flórida, uma "caixinha" para os produtores do estado divulgarem o suco made in USA. Ou das barreiras sanitárias impostas à carne suína ou bovina, crua ou congelada. Que somados, subtraem bilhões de dólares do agronegócio brasileiro. E é exatamente contra a hipocrisia da prática que contradiz o discurso que o agronegócio brasileiro precisa lutar para impor sua competitividade natural. Este será um dos temas a serem discutidos durante o II Congresso Brasileiro de Soja, a realizar-se em Foz do Iguaçu, de 3 a 6 de junho próximos.

Congresso Brasileiro de Soja

Décio Luiz Gazzoni

De 3 a 6 de junho, em Foz do Iguaçu, a Embrapa Soja e a Associação dos Produtores de Soja – Aprosoja promovem o II Congresso Brasileiro de Soja. Raros eventos aconteceram com um "timing" tão adequado quanto esta edição do CBSoja. A soja caminha a passos largos para ser a commoditie mais importante do agronegócio em escala mundial. E o Brasil reúne as condições objetivas para assumir, no médio prazo, a liderança na produção mundial de soja. Somente não estamos mais próximos desta liderança por erros internos (políticas macro-econômicas inadequadas e deficiências logísticas) e por conta do protecionismo norte-americano, que mantém suas posições no comércio internacional à custa de pesados subsídios.

Vertente tecnológica
O II CBSoja terá três grandes vertentes. Parcela ponderável da programação será dedicada à apresentação e discussão dos últimos avanços tecnológicos, com ênfase particular nos assuntos que dominam a pauta deste início de Milênio. A sustentabilidade da agricultura perpassa todas as discussões do momento, e durante o Congresso será realizada uma mesa redonda exclusivamente para abordar a questão. Além desta, outras 13 mesas redondas discutirão desde a Agricultura de Precisão ao Manejo de Plantas Daninhas, passando pelo Manejo de Pragas, o uso de micronutrientes e da inoculação, o Manejo do Solo e a sustentabilidade dos processos. As restrições abióticas ao potencial produtivo da soja, incluindo a estratégia da redução de impactos e a análise de risco e seguro agrícola, também constam da temática do Congresso. A produtividade da soja brasileira cresceu 60% nos últimos 15 anos, sendo fundamental para a competitividade brasileira que o potencial produtivo da soja seja integralmente expresso, com sustentabilidade no tempo e no espaço.
  Vertente mercadológica
O mercado de soja torna-se progressivamente mais amplo e mais sofisticado, o mesmo ocorrendo com os insumos para produção de soja. O presidente da ABRASEM apresentará as perspectivas do setor de sementes e o presidente da ABIOVE fará uma abordagem sobre os rumos que o processamento do grão tomará nos próximos anos. Entretanto, a conferência mais esperada será proferida pela Dra. Rajul Pandhia-Lorch, do IFPRI (Washington, DC), abordando os cenários de oferta e demanda da soja até o ano de 2020. O IFPRI é o instituto encarregado de monitorar as políticas alimentares de todos os países do mundo e possui informações refinadas sobre os movimentos comerciais do agronegócio. O foco da discussão deste segmento é a competitividade brasileira, alicerçada nas suas vantagens comparativas em relação aos seus concorrentes.

Vertente política
Sob o ângulo político, duas abordagens se impõem. A primeira delas diz respeito ao ambiente interno, e terá como um dos âncoras o presidente da COAMO, que buscará alinhavar a "lição de casa" que temos por fazer em termos de políticas públicas e investimentos privados. O presidente da ABAG analisará a soja brasileira pós embarque nos portos. Outros prelecionistas abordarão a política agrícola brasileira, antecipando detalhes do próximo Plano Safra. Do ponto de vista externo, o protecionismo agrícola, a contestação brasileira na OMC, a Farm Bill e as negociações com os EUA, os avanços da Rodada do Milênio e do grupo de Doha e as investidas da ONG Focus on Sabbatical fazem parte da Agenda. Segundo cálculos efetuados a partir do volume de subsídios dos EUA, cada produtor de soja americano recebe US$ 80/ton, ou seja, quase 50% além do preço de mercado. Sem este subsídio, a produção americana encolheria cerca de 50% ao longo de 3-5 anos, espaço que seria ocupado por produtores mais competitivos, como os brasileiros.
  Foro privilegiado
Estima-se que dois mil participantes estarão presentes no Congresso, entre pesquisadores, professores, produtores, processadores, empresários, técnicos governamentais, autoridades e lideranças públicas e privadas. Mais do que a quantidade, a comissão organizadora avalia que a qualidade dos participantes será o aspecto mais marcante do evento. Desta forma, o II CBSoja será um foro extremamente privilegiado para a discussão dos rumos da soja, a propositura de políticas públicas e encaminhamentos de ações coordenadas entre o Governo e a iniciativa privada. Seguramente, o evento será um marco na saga da soja brasileira. Mais informações sobre o II CBSoja podem ser obtidas na homepage www.pjeventos.com.br/cbsoja.

 

 

Farm Bill

Décio Luiz Gazzoni

A vida dos produtores brasileiros, e de todos os países agrícolas do mundo, ficou muito mais difícil após 13 de maio de 2002. Ao menos dos países agrícolas que não dispõem de US$170 bilhões (segundo a imprensa em geral) ou de US$412 bilhões (segundo a CNA) para sustentar produtores americanos ineficientes, que perderam o trem da história. Perderam também o trem da justiça, do livre mercado, das oportunidades iguais, da transparência, ou seja do eterno discurso liberal do Governo e das lideranças americanas, que afronta a prática comercial dos EUA. Como também ficou mais difícil a vida do Governo brasileiro, como pude depreender da reunião de discussão do Plano Safra, da qual participei, e onde pude constatar o denodo do Ministério da Agricultura em encontrar fórmulas que mitigassem a afronta da Lei Agrícola americana. Este será um dos temas em debate durante o II Congresso Brasileiro de Soja, promovido pela Embrapa Soja, que começa dia 3 de junto em Foz do Iguaçu.

 

 

 

 

 

  Porque a Farm Bill?
Subsídio é exatamente igual a crack, cocaína ou qualquer droga pesada. No começo é enlevo, prazer, felicidade. Depois uma dependência da qual não é possível livrar-se sem muito sofrimento, no mais das vezes levando à própria morte. Morte física dos viciados em droga, morte do negócio dos viciados em subsídios. A inteligentzia americana revoltou-se contra a quebra de contratos promovida pelo Executivo e pelo Congresso Americano e contra a violação de princípios caros à História americana, como o liberalismo econômico e comercial. Ocorre que países essencialmente agrícolas, dos quais o Brasil é um dos paradigmas, modernizaram-se, tornaram-se eficientes, dispõem de tecnologia de última geração, ganharam em competitividade, ocupando espaços de forma sustentável no mercado internacional. Incapazes de competir num ambiente de livre mercado, por seus altos custos, os retrógrados e incompetentes agricultores americanos pressionaram seu Governo (altamente suscetível em um ano eleitoral), arrancando de suas entranhas um festival de subsídios. Não importa o preço de mercado, o agricultor americano tem sua renda garantida, o que o torna um acomodado, um eterno ineficiente.
  Os malefícios da Farm Bill
O primeiro e mais importante malefício é que ela derruba o preço dos produtos agrícolas subsidiados, impedindo uma competição leal e justa no mercado, baseada em preço e qualidade. A violenta escalada de subsídios patrocinada pelo Governo americano a partir de 1996 teve como conseqüência a derrubada do preço da soja ao patamar médio de US$4,50/bu ao longo dos últimos quatro anos, o menor preço de todos os tempos. Enquanto o produtor brasileiro tem um custo de produção na faixa de US$ 6,50/saca, o americano gasta US$11,20/saca. Com o mercado a US$/8,00/saca, o produtor brasileiro tem uma margem bruta de US$1,50/saca, fruto de sua competência e das leis do livre mercado. Já o americano tem um subsídio de até 50% do preço de mercado para cobrir seus custos e auferir uma margem.

 

 

 

 

 

 

As conseqüências da Farm Bill
Países agrícolas como o Brasil não têm outra saída para o futuro que não investir nos agronegócios, para alavancar seu desenvolvimento e resolver seus problemas de emprego, geração e distribuição de renda e justiça social. Restam duas alternativas: ou esses países abdicam de seu futuro, para manter a incompetência de parcela dos agricultores americanos, ou buscam fórmulas para fugir dos tentáculos da malfadada Lei americana. A margem de manobra é muito pequena. No melhor cenário, os produtores devem investir em uma drástica redução de custos, avanço tecnológico, ganhos de produtividade, melhor administração dos fatores de produção e da comercialização. Não se pode esperar muita ajuda do Governo, pois não há como países pobres competirem com os transatlânticos de dólares que o Governo americano vai despejar em sua ineficiente agricultura. Já no pior cenário, para não ser empurrado para fora do negócio, o agricultor se obrigará a adiar investimentos na conservação do meio ambiente, "esquecer" compromissos tributários, demitir ou aviltar sua mão de obra, adiar investimentos para modernização do negócio, entre outros.
  O preço da irresponsabilidade
A edição casuística e eleitoreira da Farm Bill servirá, no curtíssimo prazo, para sustentar a renda de produtores americanos não competitivos. Transferirá para o irmão do Norte a renda e o emprego que pertencem por condição natural aos países de vocação agrícola, mais competitivos. Significará que esses países perderão oportunidades de desenvolvimento, aumentará o desemprego, a pobreza, a má distribuição de renda. A migração rumo ao Hemisfério Norte seguramente explodirá, agravando os conflitos internos desses países, acirrará a discriminação, o ódio racial, recrudescerão os problemas de segurança pública nos dois hemisférios, será dado o mote para terroristas em geral justificarem as suas ações. Não seria um preço muito alto para garantir alguns minguados votos de um restrito número de eleitores rurais, vis a vis o interesse dos próprios americanos e do mundo?

Congresso de Soja, uma avaliação

Décio Luiz Gazzoni

Terminou ontem, em Foz do Iguaçu, o II Congresso Brasileiro de Soja. Ao final de quase uma centena de Conferências e exposições em mesas redondas, foi possível elaborar uma agenda propositiva para aumentar a competitividade do setor, composta de:

Fatores tecnológicos
Há necessidade de otimizar o uso de insumos (agrotóxicos e fertilizantes), prosseguir com o desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas (insetos, doenças e nematóides), desenvolver tecnologias para tolerância a veranicos, a fim de evitar restrições à expressão do potencial máximo de produtividade da soja. O melhor preparo do solo, o refinamento das recomendações de fertilizantes, em especial micronutrientes, compatíveis com os novos tetos de produtividade, bem como métodos para o manejo da resistência de plantas daninhas a agrotóxicos também são requisitos tecnológicos da agenda de curto e médio prazo.
  Fatores ligados à política agrícola
É necessário utilizar com mais intensidade as linhas de financiamento como o Moderfrota ou o apoio ao uso de corretivos e fertilizantes, a adequação do volume de crédito e das taxas de juros, bem como o acesso mais amplo aos recursos de EGF. Ficou transparente a necessidade de investimentos pesados na infra-estrutura de defesa agropecuária, para melhorar a condição sanitária do sistema produtivo e evitar a imposição de barreiras para-fiscais de cunho fitossanitário, por parte de outros países.

Políticas públicas e investimentos setoriais
É patente a necessidade de maior agressividade comercial do Brasil, com ações conjuntas do setor público e da iniciativa privada, como forma de abrir e consolidar mercados. Também é necessário o investimento em capacidade negocial nos foros internacionais, para defesa dos interesses brasileiros, em especial em relação aos subsídios à soja americana, que saltaram de US$140 milhões em 1988 para estimados US$6 bilhões em 2002. Além disso, há o crônico problema da logística de armazenamento, escoamento e embarque portuário da safra de soja, que é o mais oneroso entre os três grandes exportadores mundiais, e que necessita ser equacionado no médio prazo. Antes disso, os nossos congressistas precisam aprovar uma reforma tributária voltada às necessidades da economia brasileira, que não suporta mais a pressão tributária de 34% do PIB. No caso da soja, enquanto os EUA exportam soja desonerada, a média de incidência tributária da soja brasileira, ao embarcar no porto, é de 18%.
   
         
    Agregação de valor
A soja precisa ser entendida, cada vez mais, como matéria prima e não como produto final. Torna-se necessária a formulação de políticas setoriais de fomento às cadeias de aves, suínos, gado de corte e de leite. Ganha espaço também a utilização da soja para uso direto na alimentação, novos usos industriais da soja, como é o caso de tintas para impressão, a produção de combustíveis líquidos, como o biodiesel, a produção de alimentos funcionais, nutracêuticos, lecitina ou concentrados protéicos.
         
Assistência técnica
As diferentes preleções deixaram evidente que, apesar de todas as restrições internas, e destarte o subsídio à soja americana, os sucessivos recordes de produtividade da soja brasileira são responsáveis pela expansão da cultura no Brasil. O exemplo da COAMO é muito didático. Sem contar com tecnologia exclusiva, apenas valendo-se do estoque disponível na Embrapa e outras instituições de pesquisa, 72% dos produtores da COAMO colhem 230 kg/ha acima da média do Paraná, uma das mais elevadas do Brasil (2.950kg/ha). Entretanto, as 20 maiores produtividades alcançam 4.440 kg/ha e as 5 produtividades mais elevadas da COAMO atingem medida de 4.740 kg/ha. O que faz a diferença na COAMO (e outras boas cooperativas do Paraná) é o investimento na quantidade e na qualidade dos seus profissionais de Agronomia, responsáveis pela assistência técnica aos cooperados. A conclusão dos participantes do Congresso é de que, se pudesse ser ampliada a assistência técnica nos moldes daquela oferecida pela COAMO aos seus produtores, aos demais sojicultores do Brasil, poderíamos alcançar, de imediato, aumentos de 25-30% na produtividade da soja. Isto com acréscimos de custo marginais, pois o custo de produção médio dos produtores da COAMO equivale a menos de20 sacos de soja por hectare. É como podemos combater o subsídio americano.
   

Boas Práticas Agrícolas

Décio Luiz Gazzoni

Você já ouviu falar de BPA? Ou de GAP? Não? Pois prepare-se, porque você vai ouvir essas expressões com freqüência cada vez maior. As Boas Práticas Agrícolas (BPA) - conhecidas internacionalmente como Good Agricultural Practices (GAP) - estão se tornando gradualmente o novo "must" do comércio internacional de produtos agrícolas. As Boas Práticas Agrícolas representam o conjunto de práticas que harmonizam produtividade, rentabilidade, qualidade do alimento e preservação dos recursos naturais. Elas podem variar no tempo e no espaço, em função das peculiaridades locais e dos avanços científicos e tecnológicos do setor, porém sempre estão focadas nos requisitos acima.

 

 

 

  Sustentabilidade
A RIO-92 – Conferencia das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento – descortinou a preocupação da sociedade mundial com o tema da sustentabilidade das diferentes atividades econômicas. Do ponto de vista ambiental, alguns aspectos das atividades agrícolas representam preocupação mais candente, como é o caso da conservação do solo, da preservação da água e do impacto e do destino dos agrotóxicos. Uma das formas de abordagem dessa questão é o sistema de produção integrada que, no caso do Brasil, está sendo implementado para a produção de frutas. Um dos pontos chaves dos programas brasileiros é a proteção ambiental, em especial no tangente às questões sanitárias.

 

 

 

  Agenda 21
O documento síntese do RIO-92 é a Agenda 21, a bíblia para a implantação do desenvolvimento sustentável. A Agenda 21 brasileira dispõe que a sustentabilidade da agricultura deve garantir a manutenção, no longo prazo, dos recursos naturais e da produtividade agrícola; o menor impacto negativo possível sobre o meio ambiente; retornos adequados aos agricultores; a satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda; a otimização da produção com o uso mínimo de recursos externos; e o atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais. O Plano Diretor da Embrapa determina aos seus pesquisadores que, no desenvolvimento de tecnologias "... a palavra chave no trato da questão do meio ambiente é a sustentabilidade da agricultura, definida como sistemas agrícolas economicamente viáveis, socialmente aceitáveis, ambientalmente sãos e politicamente respaldados."

Compromisso
Os diferentes atores envolvidos com a produção agrícola, sejam pesquisadores ou produtores, extensionistas ou lideranças, devem ter a clareza de que as Boas Práticas Agrícolas devem atender os anseios da sociedade em geral, e dos consumidores em particular. A sociedade demonstra preocupação crescente com a preservação da água, do solo, do ar e da biodiversidade, permitindo a sustentabilidade do processo agrícola nas gerações futuras, sem o recurso à agricultura migratória. O consumidor torna-se cada vez mais exigente quanto à inocuidade dos alimentos, livres de contaminantes químicos ou biológicos. Em ambos os casos, as Boas Práticas Agrícolas permitem atender as demandas da sociedade, conciliando-as com as necessidades dos agricultores relativas à produtividade e rentabilidade.

 

 

 

  Paradigma internacional
A Embrapa foi selecionada pela FAO para descrever os protocolos de Boas Práticas Agrícolas para diversos produtos, como soja, milho, uva, manga, aves, suínos, entre outros. No caso da soja, os protocolos estão sendo elaborados pela Embrapa Soja, localizada em Londrina. A FAO pretende utilizar a experiência da Embrapa, em especial sua tradição em desenvolver tecnologias ambientalmente corretas, para elaborar e liderar o processo de internacionalização de BPAs para a região tropical. Além do prestígio conferido pelo convite, é extremamente importante que o Brasil lidere esse processo, pois os protocolos da FAO são paradigmas para as certificadoras internacionais em suas auditorias junto aos locais de produção. Quem opera no mercado internacional sabe muito bem que, sem o aval de uma certificadora acreditada pelo importador, está ficando cada vez mais difícil fechar bons contratos de exportação de produtos agrícolas. Em conseqüência, o fato de os protocolos internacionais estarem sendo desenvolvidos a partir da experiência da Embrapa constitui uma vantagem comparativa importante para o agronegócio brasileiro.

Farm Bill, a Farra dos Subsídios

Décio Luiz Gazzoni

A vida dos produtores brasileiros, e de todos os países agrícolas do mundo, ficou muito mais difícil após 13 de maio de 2002. Paradoxalmente, quando se comemora a Lei Áurea, fomos vítimas do tacão da Casa Grande, digo, Casa Branca. Terá a vida dificultada quem não dispuser de US$170 bilhões (segundo a imprensa) ou de US$412 bilhões (segundo a CNA) para aplicar em subsídios e sustentar produtores ineficientes, que perderam o trem da história. Perderam também o trem da justiça, do livre mercado, das oportunidades iguais, da transparência, ou seja, do eterno discurso do Governo e das lideranças americanas, que afronta a prática comercial dos EUA. Até a embaixadora americana em Brasília, Donna Hrinak, não conseguiu defender a Farm Bill. Também ficou mais difícil a vida do Governo brasileiro, como pude depreender da reunião de discussão do Plano Safra, da qual participei, e onde pude constatar o denodo do Ministério da Agricultura em encontrar fórmulas que mitigassem a afronta da Lei Agrícola americana aos agricultores brasileiros. E, ao contrário dos EUA, preocupando-se em não violar os acordos internacionais.

 

 

 

  Porque a Farm Bill?
Subsídio é exatamente igual a crack, cocaína ou qualquer droga pesada. No começo é enlevo, prazer, felicidade. Depois uma dependência da qual não é possível livrar-se sem muito sofrimento, no mais das vezes levando à própria morte. Morte física dos viciados em droga, morte do negócio dos viciados em subsídios. A inteligentzia americana revoltou-se contra a quebra de contratos promovida pelo Executivo e pelo Congresso Americano e contra a violação de princípios caros à História americana, como o liberalismo econômico e comercial (veja o artigo The Terrible Farm Bill). Ocorre que países essencialmente agrícolas - dos quais o Brasil é um dos paradigmas - modernizaram-se, tornaram-se eficientes, dispõem de tecnologia de última geração, ganharam em competitividade, ocupando espaços de forma sustentável no mercado internacional. Incapazes de competir num ambiente de livre mercado, por seus altos custos, os retrógrados e incompetentes agricultores americanos pressionaram seu Governo (altamente suscetível em um ano eleitoral), arrancando de suas entranhas um festival de subsídios que permite a esse agricultor incompetente acomodar-se, tornar-se independente do mercado. Não importa o preço de mercado, o agricultor americano tem sua renda garantida, o que o torna um acomodado, um ineficiente. No meu entender a Farm Bill tem como objetivo econômico combater a alta competitividade do Brasil e outros países agrícolas.

Os malefícios da Farm Bill
O primeiro e mais importante malefício é que ela derruba o preço dos produtos agrícolas subsidiados, impedindo uma competição leal e justa no mercado, baseado em preço e qualidade. A violenta escalada de subsídios patrocinada pelo Governo americano, a partir de 1996, teve como uma das conseqüências a derrubada do preço da soja ao patamar médio de US$4,50/bu, ao longo dos últimos quatro anos, o que é o menor preço de todos os tempos. Ocorre que, enquanto o produtor brasileiro tem um custo de produção na faixa de US$ 6,50/saca, o produtor americano gasta US$11,20/saca. Com o preço de mercado a US$8,00/saca, o produtor brasileiro tem uma margem bruta de US$1,50/saca, fruto de sua competência e das leis do livre mercado. Já o produtor americano tem um subsídio de até 50% do preço de mercado para cobrir seus custos e auferir uma margem.

 

 

 

 

  As conseqüências da Farm Bill
Países agrícolas, o Brasil entre eles, não têm outra saída para o futuro que não investir nos agronegócios, para alavancar seu desenvolvimento e resolver seus problemas de emprego, geração e distribuição de renda e justiça social. Restam duas alternativas: ou esses países abdicam de seu futuro, em nome de manter a incompetência de parcela dos agricultores americanos, ou buscam fórmulas para fugir dos tentáculos da malfadada Lei americana. A margem de manobra é muito pequena. No melhor cenário, os produtores devem investir em uma dramática redução de custos, avanço tecnológico, ganhos de produtividade, melhor administração dos fatores de produção e de comercialização. Não se pode esperar muita ajuda do Governo, pois não há como países pobres competirem com os transatlânticos de dólares que o Governo americano vai despejar em sua ineficiente agricultura. Já no pior cenário, para não ser empurrado para fora do negócio, o agricultor se obrigará a adiar investimentos na conservação do meio ambiente, "esquecer" compromissos tributários, demitir ou aviltar sua mão de obra, adiar investimentos para modernização do negócio, entre outros.
  O preço da irresponsabilidade
A edição casuística e eleitoreira da Farm Bill servirá, no curtíssimo prazo, para sustentar a renda de produtores americanos não competitivos. Transferirá para o irmão do Norte a renda e o emprego que pertencem por condição natural aos países de vocação agrícola, mais competitivos. Significará que esses países perderão oportunidades de desenvolvimento, aumentará o desemprego, a pobreza, a fome, a má distribuição de renda. A migração rumo ao Hemisfério Norte seguramente aumentará, agravando conflitos internos desses países, acirrará a discriminação, o ódio racial, recrudescerão os problemas de segurança pública nos dois hemisférios, será dado o mote para terroristas em geral justificarem as suas ações. Não será um preço muito alto para garantir alguns minguados votos de um restrito número de eleitores rurais, vis a vis o interesse dos próprios americanos e do mundo?

 

 

 

BOX

This Terrible Farm Bill

(Artigo original em Inglês, publicado pelo Washington Post. By John Boehner and Cal Dooley. Thursday, May 2, 2002; Page A23. Trad.: D. L Gazzoni)

O Congresso deu um passo histórico para eliminar os subsídios agrícolas federais com o "Freedom to Farm Act" (Lei da Liberdade para Produzir). Produtores que plantam milho, arroz, trigo, algodão, soja, sorgo, cevada e centeio estavam supostamente livres da intervenção do governo federal, que estipulava o quanto eles poderiam produzir. Em contrapartida, os subsídios governamentais seriam gradualmente extintos, permitindo que a agricultura operasse em um sistema de livre mercado.

Infelizmente, o futuro deste programa que representa o bom senso não parece promissor, porque o Congresso está em vias de retroceder em 50 anos o relógio da política agrícola. A "Farm Bill" vai alterar dramaticamente os programas agrícolas federais. Sob a nova legislação, os produtores terão liberdade para plantar o que quiserem, porém generosos subsídios agrícolas sustentarão a produção.

Ao longo dos últimos anos, os presentes níveis de subsídios agrícolas conduziram a ofertas superiores à demanda, derrubando os preços agrícolas, e agora mais de 40% da renda líquida agrícola advém do governo federal. O aumento de subsídios governamentais somente perpetuará este ciclo vicioso. Sob a nova legislação, os subsídios existentes serão expandidos e novas comodities serão cobertas pelo programa. E o livre mercado será abandonado, tornando os agricultores completamente dependentes do Governo Federal.

Estes novos programas e sua expansão representam 76% de aumento nos gastos com a agricultura. Este incremento dramático, durante um período de guerra e de escalada de déficit público não possui precedentes e é irresponsável. Estas estimativas têm como premissas aumentos de preços nos produtos agrícolas, com o que não concordam os economistas agrícolas independentes. Se as estimativas estiverem erradas – o que parece ser o caso – a nova Lei custará aos contribuintes entre US$10 a US$20 bilhões além do projetado.

Além disso, a "Farm Bill" viola os nossos compromissos comerciais. Os acordos assinados pelos EUA limitam os subsídios agrícolas domésticos que distorcem a produção e o comércio a não mais de US$19 bilhões por ano. Há pouca dúvida de que a Lei excederá estes limites. Considerando que 96% dos consumidores de produtos agrícolas vivem fora dos Estados Unidos, o comércio agrícola internacional é vital para os nossos produtores. Mas está lei seguramente provocará retaliações dos nossos concorrentes. Prova disso, observe como os nossos parceiros comerciais estão reagindo às novas sobretaxas do aço.

Para muitos agricultores o Governo se tornou o principal suporte do agronegócio americano. Além disso, sem o Governo Federal, a maioria dos agricultores americanos que recebe subsídios seria banido de seu negócio. Entretanto, muitos produtores não sofreriam um impacto fatal com o declínio dos subsídios agrícolas, pois a agricultura continuaria seu curso mesmo sem este suporte. Mais ainda, a maioria das propriedades agrícolas sobrevive sem recursos federais. A Califórnia é o maior produtor agrícola, embora somente 9% de suas fazendas receba subsídios. Iowa, que concentra suas produção nos cultivos tradicionais, recebe o triplo do recurso.

O cenário mais provável é que, em dois anos, nós estaremos soterrados por uma sobre-produção agrícola, baixos preços das comodities e excessivos gastos governamentais. Teremos perdido diversas contestações frente à OMC e os subsídios terão excedido os limites orçamentários. Nós seremos forçados a cortar benefícios e a reescrever a legislação. Alternativamente, nós poderemos enviar a proposta de volta ao Senado para ser redesenhada, em um ambiente muito menos volátil, em termos políticos, após as eleições de Novembro. Enquanto isto, poderíamos aprovar uma legislação de emergencial com medidas suplementares para conferir paz de espírito e a segurança que eles precisam agora.

A menos que tenhamos uma ação responsável, nós estaremos na mesma posição antes que se esgotem os seis anos de duração da "Farm Bill", reescrevendo-a para escapar do profundo abismo que estamos cavando com esta Lei. O que nos espera será um aumento do déficit público, nossos aliados comerciais se tornarão hostis e o pior dos mundos – o fosso entre os produtores mais pobres e mais ricos será aprofundado.

Cornucópia biotecnológica

Décio Luiz Gazzoni

Durante o mês de abril passado participamos de uma reunião bilateral entre os governos do Brasil e dos EUA, para negociar as regras sanitárias que regulam o intercambio comercial entre os dois paises. Mas foi também uma oportunidade para ver o que está saindo das pranchetas dos laboratórios americanos - e que não é pouca coisa. A Embrapa mantém nos Estados Unidos o LABEX, um "laboratório virtual" onde, além de realizar pesquisas, os cientistas brasileiros ficam "antenados" para identificar boas oportunidades para os colegas que permanecem na faina da pesquisa agrícola no Brasil. Através do contato com os colegas do LABEX, selecionamos três exemplos de pesquisas em andamento em fitossanidade. A importância da área pode ser inferida pelos danos causados pelos insetos pragas e o custo do seu controle, que ultrapassem US$ 1,25 bilhões a cada ano, apenas nos EUA.   Um vírus do bem
Existe um tipo de vírus, composto por um anel de DNA, que se reproduz no interior das células de insetos. A reprodução do vírus ocasiona a morte do inseto hospedeiro, cujo corpo se decompõe, provocando o rompimento dos tecidos e da parede celular, espalhando o DNA do vírus sobre a planta. Esta é a fonte primária de contaminação de novos insetos da mesma espécie, ocasionando uma epizootia que, dependendo da patogenicidade do vírus e da suscetibilidade do hospedeiro, mantém a população do inseto em níveis muito baixos. Por conta desta propriedade, os baculovírus são facilmente utilizados como agentes de controle biológico de múltiplos insetos, em diferentes culturas e em muitos paises do mundo.

 

 

O momento certo
A Natureza é sábia porém, como a Justiça, pode tardar. No caso das pragas agrícolas, por vezes, quando o vírus contamina e mata naturalmente os insetos pragas da lavoura, grande parte do dano já ocorreu no campo. Embora fundamentais para o equilíbrio do ecossistema, do ponto de vista do agricultor as viroses são interessantes se elas puderem evitar o dano dos insetos. Esta é a razão pela qual os agricultores passaram a aplicar na lavoura bio-inseticidas contendo vírus que, provavelmente, já existia na sua lavoura. Como os vírus de insetos são relativamente fáceis de manipular e de multiplicar, o uso de inseticidas biológicos a base de vírus se tornou popular entre os agricultores, os cientistas e as empresas comerciais.
  Produção em escala
Um detalhe sempre preocupou os cientistas: como produzir um bio-inseticida com alta qualidade e baixo custo Atualmente, o agricultor tanto pode coletar insetos mortos por vírus e reaplicá-los na lavoura, como pode comprar um pó contendo o vírus, que é produzido, de forma semi-artesanal. O Dr. Arthur McIntosh, do Serviço de Pesquisa Agrícola dos EUA (ARS) está apostando na cultura de células de insetos para produzir baculovírus, de olho em um mercado de milhões de dólares, no mundo inteiro. A vantagem da técnica consiste em produzir o vírus durante o ano todo, independente de a cultura e o inseto estarem no campo. E o produto final estará livre de contaminantes, em especial de outros micróbios. O efeito será o mesmo, a diferença é que o inseticida será produzido em bioreatores e não pela contaminação de insetos, o que reduz o custo e melhora a qualidade. A pesquisa está concentrada em células embrionárias e do tecido nervoso do inseto e, além de produzir baculovírus, terá grande valia para testar compostos químicos para verificar seu impacto em espécies não visadas. A seletividade de um inseticida pode ser estabelecida diretamente no laboratório, preservando os inimigos naturais das pragas. Outro uso será na seleção de novos inseticidas, eliminando os ineficientes antes de testá-los no campo.

 

Rompendo a fronteira da ciência
Coletar um inseto atacado por um vírus, contaminar e coletar uma população da mesma espécie no campo, para uso como bio-inseticida, se encaminha para ser peça de museu da pré-história tecnológica. O Dr. MacIntosh desenvolveu baculovírus recombinantes, que contém marcadores proteicos fluorescentes. Estes marcadores ajudarão os cientistas a determinar, com maior rapidez e segurança, se um determinado baculovírus possui as características desejadas, como a capacidade de matar uma praga com baixas doses do vírus. No mesmo laboratório, os pesquisadores desenvolveram oito linhas de células, a partir de embriões e de ovários de pragas como a lagarta da espiga do milho ou a lagarta da maça do algodão. Colocando as células em meio de cultura apropriado, os pesquisadores conseguiram um incremento de 1.000% na produção de baculovírus da lagarta da alfafa, em relação às culturas de células anteriores. Testando o inseticida biológico obtido com um baculovírus chamado PxMNPVCL3, que ataca a traça das crucíferas (Plutella xylostella), o cientista obteve índices de infecção impressionantes, com uma potencia 2.000 vezes superior a qualquer resultado anterior!
  Vantagens adicionais
Obviamente que o alvo da pesquisa é a produção massal de inseticida biológico, um negócio simples que, entretanto, pode render algumas centenas de milhões de dólares. Aliás, essa foi a razão pela qual a ex-Aventis (adquirida pela Bayer) associou-se à ARS para produzir uma linha de células neuronais, que permitirá aos cientistas entender como um produto químico mata ou paralisa um determinado inseto. Em centenas de laboratórios de biotecnologia ao redor do mundo, os cientistas estão produzindo baculovírus transgênicos com dois grandes objetivos. O primeiro é aumentar a eficiência e a viabilidade comercial dos inseticidas biológicos a base de vírus. O outro é mais ambicioso, pois envolve a prospecção de proteínas que possam tanto atuar no diagnóstico quanto na prevenção de doenças humanas.

 

Armadilhas químicas
Controlar pragas em produtos armazenadas, sejam grãos ou alimentos, tem sido um desafio milenar. Com as restrições crescentes ao uso de inseticidas em produtos destinados diretamente ao consumo humano ou de animais, os cientistas sofisticam as técnicas de controle. O Dr. Michael Mullen, cientista da ARS, está desenvolvendo um sistema de armadilhas de feromônios, para monitorar a população de pragas. Feromônios nada mais são do que hormônios externos dos insetos, que cumprem funções como atrair a população para um ponto especifico ou de alerta sobre perigos iminentes. Com o uso de feromônios de atração sabe-se qual inseto está atacando o produto estocado e a intensidade do ataque. Assim, é possível decidir pelo método de controle e pela forma de aplicação, de maneira a evitar riscos à saúde dos consumidores.
  Praga contra praga
Para os agricultores brasileiros, o joá bravo (Solanum viarum) é uma plantinha comum, que não o incomoda. Introduzida nos EUA há 15 anos, onde foi batizada de tropical soda apple, a planta já invadiu mais de 500 mil hectares de pastagens, tornando-se um sério problema, contabilizando prejuízos superiores a US$11 milhões, apenas na Flórida. Usar herbicidas em pastagens pode criar sérios problemas, logo os cientistas estão procurando uma alternativa de controle. O laboratório de controle biológico da ARS, localizado em Buenos Aires, identificou um besouro (Gratiana boliviana) que pode ser utilizado para controlar a erva. Chamado de tartaruga, pela sua forma que lembra o animal aquático, este inseto de cor verde com reflexos dourados alimenta-se das folhas da planta, reduzindo a sua viabilidade. O detalhe perturbador é que o joá bravo pertence à mesma família da batata, da berinjela e do tomate, e o risco de usar um fungo ou um inseto para controlá-lo pode ser o de importar uma nova praga agrícola. Mas os testes feitos na Flórida indicam que, quando o inseto se alimenta de outras espécies do gênero, como a berinjela, apareceram diversos problemas biológicos como encurtamento de ciclo e dificuldade de sobrevivência. Verificou-se que 98% dos ovos são inférteis e, dos 2% restantes, um terço tem problemas de anomalias. Assim, depois de haver importado acidentalmente o joá bravo, os EUA estão importando um inseto para controlá-la. Estes são exemplos de pesquisas que podem ser conduzidas em cooperação com o Brasil, permitindo encurtar o tempo necessário para levar os seus resultados aos clientes finais.

 

Conservando a biodiversidade

Décio Luiz Gazzoni

Além de ser politicamente correto, qual a finalidade de conservar recursos genéticos? Nos bastidores de cada nova raça de animal, variedade ou cultivar vegetal ou estirpe de bactérias, está um banco de germoplasma. É onde os cientistas buscam os genes responsáveis pelas características das raças ou variedades. Sem um banco de germoplasma ou não haveria diversidade genética, ou estaríamos à mercê das mutações espontâneas da Natureza, torcendo para que elas sempre atendessem aos desejos dos produtores e dos consumidores.   Curadoria
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), integra os bancos ativos de germoplasma distribuídos existentes no Brasil. Em 1993 foi criado o Sistema de Curadorias de Germoplasma com o objetivo enriquecer e conservar os recursos genéticos exóticos e nativos de importância socio-econômica para o país e promover e aumentar a sua utilização em programas de melhoramento, para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável. Atualmente, a Curadoria possui uma equipe de 148 curadores de produtos e curadores de bancos que estão manejando 20 bancos de germoplasma animal, 17 de microrganismos e 126 de vegetais (total de 163), distribuídos em  28 Unidades da Embrapa e 7 institutos estaduais de pesquisa. Os curadores de produtos visam atender a demanda do país em recursos genéticos  

Animais
           O Brasil possui animais domésticos desenvolvidos a partir de raças trazidas pelos colonizadores portugueses. Elas foram submetidas à seleção natural em determinados ambientes, apresentando características específicas de adaptação a tais condições, sendo conhecidas como “crioulas”, “locais” ou “naturalizadas”. Entre o final do século XIX e início do século XX, passaram a ser importadas algumas raças exóticas, selecionadas em regiões de clima temperado. Embora mais produtivas, estas raças não possuem as características de adaptação, resistência a doenças e a parasitas encontradas nas raças “naturalizadas”. Através de cruzamentos absorventes, as raças exóticas foram substituindo as naturalizadas, ameaçando-as de extinção. O programa de conservação inclui raças ameaçadas de extinção de sete espécies animais: asininos, bovinos, bubalinos, caprinos, eqüinos, ovinos e suínos.  
 

Porque conservar
           Devido a uma crescente demanda de alimentos de origem animal, principalmente em países em desenvolvimento onde o crescimento populacional é muito maior do que nos países desenvolvidos, foram estabelecidos programas que conduziram a uma diluição genética do germoplasma "local", através do uso intensivo de cruzamentos com animais das raças exóticas. Muitos desses programas falharam, vez que os animais produzidos apresentaram índices produtivos menores do que as raças "locais". Este fato fez com que um número considerável de criadores, ao estabelecer seus sistemas de produção, passasse a dar a merecida importância às raças "locais", pela sua adaptação ao ambiente, em grande parte hostil, da região tropical.  

 

 

Núcleos de Conservação
          
O estabelecimento de Núcleos de Conservação, espalhados pelo país, foi a solução encontrada para tentar salvar os pequenos efetivos populacionais das raças ameaçadas de extinção. O Curador de Germoplasma de produto tem as atribuições de promover, acionar e acompanhar as atividades de conservação, multiplicação e/ou regeneração de germoplasma dos produtos sob sua responsabilidade. Os Curadores dos Bancos de Germoplasma, por sua vez, tem a responsabilidade de manter, multiplicar, regenerar e distrib raças e populações. Assim sendo, a perda de um único tipo ou raça compromete o acesso a seus genes e combinações genéticas únicas pois cada raça ouuir o germoplasma. O progresso e o desenvolvimento futuro da pecuária para as necessidades humanas é dependente da variabilidade genética existente entre e dentro das população representa, provavelmente, uma combinação única de genes.  
  Preservando o futuro
O trabalho da Embrapa se divide em conservação in situ e ex situ do material genético existente no país; caracterização genética; e conscientização da sociedade sobre a importância da conservação animal, pelas características únicas que estas raças “locais” carregam. Espera-se que estas raças, hoje ameaçadas de extinção, possam ser utilizadas como fonte de genes importantes para os programas de melhoramento animal nas próximas décadas. Características econômicas importantes como rusticidade, adaptabilidade a determinadas condições ambientais, resistência à enfermidades e outras, poderão ser descobertas, estudadas, salvaguardadas e, acima de tudo, utilizadas em benefício da sociedade. É importante ressaltar que será nos bancos de germoplasma que os pesquisadores irão buscar os genes para formar novos animais que aliarão a produtividade das raças exóticas à adaptação e à resistência, características das raças “locais” que, certamente irão mudar completamente o cenário da produção animal no III Milênio.  

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