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Coluna flash back
(23 de junho de 2000)

Indústria de ações trabalhistas

Décio Luiz Gazzoni

Raro o produtor rural que não tenha enfrentado uma ação trabalhista, e o que não foi acionado injustamente, havendo cumprido a legislação. São vítimas do conluio de pessoas inescrupulosas, que se aproveitam da boa fé da gente do campo, ao utilizá-las como instrumento de extorsão e dinheiro fácil. O descompasso entre a legislação e a realidade do campo é um dos fatores do desemprego rural, matriz de outros problemas da nossa agropecuária, pois o empregador rural reflete dez vezes antes de arriscar-se a assinar um contrato de trabalho de um empregado, pela multiplicidade de histórias de falcatruas que grassam no interior do nosso país.

Declarado em cartório
Chegou-me às mãos uma declaração firmada em cartório por Miguel Ricardo de Jesus que diz "...Eu moro em Mirador. Trabalhei de diarista para a Estrela Rural Agropecuária. A Estrela sempre me pagou direitinho. Aí eu resolvi por conta própria parar de trabalhar. Depois que parei, fui procurado muitas vezes por uma pessoa que tem o apelido de Selebobé. Disse que era para eu entrar na Justiça, pra ganhar um dinheirinho. Disse que ele encaminhava tudo e depois ele também queria um dinheirinho se eu ganhasse a ação. Selebobé disse que ganhava uns 5% para indicar gente pra entrar com ação. Eu não sabia o que pedir. Ele me disse que arranjava tudo."

 

  Mais adiante prossegue "O Selebobé e as pessoas de Paranavaí que diziam pra gente o tempo que era pra pedir. A gente nem lembra a data. Aí eles entregam um papelzinho escrito pra gente se lembrar no dia da audiência, eles escolhem as testemunhas e marcam num papelzinho também. Eu não escolhi as testemunhas, veio esse papelzinho aqui com os nomes: Miguel Ricardo de Jesus ...., Testemunhas: Valdiva Pires Ribeiro e José Aparecido da Silva." E termina "...sem o papel ninguém acertava as datas. Se não fosse Selebobé ninguém ia fazer isso. Eu fiz essa ação enganado. Fui na conversa dos outros. Não avisavam quanto a gente vai ganhar e nem dizem quanto a gente tem que pedir pra eles. O Selebobé e eles decidem." O linguajar típico do brasileiro de muito suor e poucas letras denota o quanto essas pessoas são vulneráveis à indústria das ações trabalhistas.

Pode ser o fim
O senador Osmar Dias apresentou e o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional de prescrição trabalhista rural. Na prática, a emenda equipara os trabalhadores rurais aos urbanos, para questionamento de seus direitos junto à Justiça do Trabalho. Para isso, a Constituição Federal concede dois anos para os trabalhadores ingressarem com reclamatória, limitada aos últimos cinco anos. Em sua justificativa, Osmar argumenta que "a indústria de ações trabalhistas, gerou o grave problema de desemprego no campo, porque os empregadores, temerosos dessas ações, acabaram por preferir dar o emprego eventual, contratar o trabalhador volante, criando a figura do bóia fria em nosso País".

 

 

  O que muda
A emenda não elimina a indústria de ações "movidas, muitas vezes por advogados inescrupulosos" conforme verbalizou o senador Osmar Dias. Porém é um grande avanço, ao impor limites temporais à argüição de eventuais direitos feridos e desrespeitados, evitando que sejam questionadas décadas inteiras de horas extras, dezenas de férias ou similares, o que gera ações milionárias, onde o crime pode compensar. Explica-se: como o direito, em realidade não existia, não há valores reais a recuperar. Trata-se de um jogo, em que uma quadrilha efetua diversas apostas (ações), valendo-se da boa fé e da ignorância do homem simples do campo, levando-o a questionar valores milionários. Se uma das ações vingar, a quadrilha apropria-se da maior parcela do valor, e o coitado do laranja recebe uns trocados. Apesar de condenável, a probabilidade matemática de ganhar nesse jogo é muito superior a acertar a quina, a sena ou qualquer outro jogo de casas lotéricas. Reduzir o risco de extorsão por essas quadrilhas pode significar milhares de novos e bem-vindos empregos no campo.

 

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